Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Veterinária Departamento de Patologia Clínica Veterinária Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínicas (VET03/121) http://www.ufrgs.br/bioquimica Relatório de Caso Clínico IDENTIFICAÇÃO Caso Clínico n o 2017/2/15 Espécie: Canina Ano/semestre: 2017/2 Raça: Pit Bull Idade: 7 ano(s) Sexo: fêmea Peso: 24 kg Alunos(as): Bibiana Prodes Rangel, Camila Chomorro da Conceição, Janaina Matte Weiss e Milânia Suiã de Paiva. Médico(a) Veterinário(a) responsável: Leticia Fontoura Moreira. ANAMNESE A tutora levou o cão ao Hospital de Clínicas Veterinárias da UFRGS no dia 0 (20/07/2017) e relatou que a paciente estava prostrada fazia dois meses e apresentava-se cabisbaixa (SIC). Negou presença de vômito e diarreia. Também, segundo a tutora, há dois meses o animal havia tomado um medicamento de uso humano para fungos (Fluconazol dose única), e alegou que a vacinação estava em dia, porém não possuía uma carteira de vacinação. Negou haver prurido, mas declarou que a paciente já teve manchas na pele. EXAME CLÍNICO Temperatura retal 37,1 C (37,4 C - 39 C), escore corporal 5 - ideal (1 magro; 9 - obeso), normohidratada, alerta, mucosas hipocoradas, TPC (tempo de preenchimento capilar) normal (< 2 segundos), glicemia 88 mg/dl (65-118 mg/dl). Frequência cardíaca 124 batimentos por minuto (80 120 bpm). Rarefação pilosa e cauda de rato. Foram solicitados hemograma, testes bioquímicos e teste hormonal (T4 total). EXAMES COMPLEMENTARES URINÁLISE Método de coleta: selecionar Obs.: Data: (Dia ) Sedimento urinário* Exame químico Células epiteliais: ph: (5,5-7,0) Cilindros: Hemácias: Leucócitos: Bacteriúria: selecionar Outros: Corpos cetônicos: selecionar Glicose: selecionar Bilirrubina: selecionar Urobilinogênio: selecionar (<1) Proteína: selecionar Sangue: selecionar Exame físico Densidade específica: (1,015-1,045) Cor: *número médio de elementos por campo de 400 x; n.d.: não determinado Consistência: Aspecto:
Página 2 BIOQUÍMICA SANGUÍNEA Amostra: soro Hemólise: ausente Anticoagulante: nenhum Obs.: Proteínas totais*: 72 g/l (60-80) Proteínas totais**: g/l (54-71) Albumina: 26 g/l (26-33) Globulinas: g/l (27-44) Bilirrubina total: mg/dl (0,10-0,50) Bilirrubina livre: mg/dl (0,01-0,49) Bilirrubina conjugada: mg/dl (0,06-0,12) Glicose: mg/dl (65-118) Colesterol total: 123 mg/dl (135-270) Ureia: mg/dl (21-60) Creatinina: 1,88 mg/dl (0,5-1,5) Observações: *Determinadas por refratometria; **Determinadas por espectrofotometria. HEMOGRAMA Cálcio: mg/dl (9,0-11,3) Fósforo: mg/dl (2,6-6,2) Fosfatase alcalina: 31 U/L (<156) AST: U/L (<66) ALT: 45 U/L (<102) CK: U/L (<121) Frutosamina: 239,2 µmol/l (170-338) Triglicerides: 78 mg/dl (32-138) T4 total: 1,0 µg/dl (1,4-3,8) : ( ) : ( ) Data: 20/07/2017 (Dia 0) Data: 20/07/2017 (Dia 0) Leucograma Eritrograma Quantidade: 19.400/µL (6.000-17.000) Quantidade: 3.49 milhões/µl (5,5-8,5) Tipos: Quantidade/µL % Hematócrito: 25 % (37-55) Mielócitos 0 (0) 0 (0) Hemoglobina: 7,7 g/dl (12-18) Metamielócitos 0 (0) 0 (0) VCM: 71,6 fl (60-77) Neutrófilos bast. 0 (<300) 0 (<3) CHCM: 30,8 % (32-36) Neutrófilos seg. 6.790 (3.000-11.500) 35 (60-77) RDW: % (14-17) Basófilos 0 (0) 0 (0) Reticulócitos: % (<1,5) Eosinófilos 4.074 (100-1.250) 21 (2-10) Observações: Monócitos 776 (150-1.350) 4 (3-10) Linfócitos 7.760 (1.000-4.800) 40 (12-30) Plasmócitos n.d. (_) (_) Observações: Anisocitose (+), Hipocromia (+) Plaquetas Quantidade: 450.000/µL (200.000-500.000) Observações: TRATAMENTO E EVOLUÇÃO Dia 0 (20/07/2017): Tratamento com Levotiroxina sódica (T4 sintética) Dia 27 (15/08/2017): O animal estava mais disposto, com temperatura retal 38,6 C e escore corporal 6. Seguiu o tratamento com Levotiroxina sódica. Dia 90 (18/10/2017): Apresentava-se prostrada com o rabo entre as pernas (SIC), não estava se alimentando adequadamente, e a rarefação pilosa permanecia em algumas áreas do corpo (focinho, patas traseiras e rabo). O animal apresentava ulceração em ponta de pina bilateral, escamas e crostas na orelha externa. O tratamento seguia como prescrito pela veterinária, porém o cão não estava sendo medicado aos sábados. Foi feita uma coleta de sangue para o hemograma, para os testes bioquímicos e para o teste hormonal. Dia 121 (18/11/2017): O animal veio a óbito.
Página 3 Tabela 1. Parâmetro avaliado (val. referência) 20/07/17 Dia 0 18/10/17 Dia 90 Bioquímica sanguínea Creatinina (0,3-1,5 mg/dl) 1,8 1,3 Fosfatase alcalina (< 156 U/L) 31 31 ALT (< 102) 45 38 Frutosamina (170 338 µmol/l) 239,2 183 Uréia (21 60 mg/dl) n.d. 63 Colesterol Total (135 270 mg/dl) 123 n.d. Albumina (26 33 g/l) 26 21 Triglicerídeos (32 138 mg/dl) 78 n.d. Proteína Plasmática total (60 80 g/l) 72 78 Hemograma Eritrograma Eritrócitos (5,5 8,5 milhões/µl) 3,4 3,2 Hemoglobina (12-18 g/dl) 7,7 5,6 Hematócrito (37 55%) 25 21 VCM (60 77 fl) 71,6 65,6 CHCM (32 36%) 30,8 33,8 Leucograma Leucócitos totais (6.000 17.000/µL) 19.400 23.700 Mielócitos (zero/µl) 0 0 Metamielócitos (zero/µl) 0 0 N. Bastonetes (0 300/µL) 0 0 N. Segmentados (3.000 11.500/µL) 6.790 12.324 Eosinófilos (100 1.250/µL) 4.074 5.214 Basófilos (raros) 0 0 Monócitos (150 1.350/µL) 776 711 Linfócitos (1.000 4.800/µL) 7.760 5.451 Plaquetas (200.000-500.000/µL) 450.000 320.000 Exames hormonais T4 total (1,4-3,8 µg/dl) 1,0 n.d TSH (0,04-0,4 ng/ml) n.d. 0,56 Outros Temperatura retal (37,4 C - 39 C) 37,1 n.d. Condição corporal (1-9) 5 4 n.d.: não determinado. Obs: No dia 90 a amostra apresentava-se lipêmica. DISCUSSÃO Hemograma A paciente apresentou anemia normocítica hipocrômica no dia 0. Cães com hipotireoidismo têm baixo teor sérico de ferro e menor capacidade de ligação do ferro 9, o que pode explicar a hipocromasia. Uma anemia normocítica normocrômica afeta cerca de 40 a 50 % dos cães hipotireoideos. No dia 90 o animal apresentou uma anemia normocítica normocrômica, essa anemia é uma consequência das reduções na atividade metabólica periférica e na demanda de oxigênio nos tecidos, além do menor estímulo para eritropoiese¹, decorrente da deficiência da eritropoietina 9. Não foi solicitado a contagem de reticulócitos; portanto, não é possível concluir se a anemia era regenerativa ou arregenerativa. Uma leucocitose estava presente em ambos os exames, os quais apresentaram linfocitose e eosinofília; porém, o segundo exame também apresentou neutrofília. Visto que em cães hipotireoideos a contagem de leucócitos
Página 4 frequentemente se apresenta normal 3, os resultados encontrados no leucograma podem ser sugestivos de outra patologia que estava ocorrendo concomitantemente ao hipotireoidismo. A eosinofília é considerada uma resposta inespecífica 7, que no caso da paciente pode ter sido em decorrência de um parasitismo 7, já que não houve relato do uso de antiparasitário no animal, ou então pode estar relacionado a algum processo alérgico 5, visto que o animal apresentava ulceração na ponta da pina (bilateral), a qual a proprietária relatou ser alvo de moscas. A linfocitose pode estar presente em condições inflamatórias associadas a estimulação antigênica, e com o passar do tempo pode haver elevação da concentração de globulinas 6 ; portanto, a linfocitose e a elevação das globulinas da paciente podem ser sugestivas de uma inflamação associada a estimulação antigênica. A leucocitose com linfocitose, eosinofília e neutrofília sem desvio a esquerda, juntamente com a hipoalbuminemia, podem estar relacionadas a um processo infeccioso. Bioquímica Sanguínea -Creatinina: A concentração sérica de creatinina estava levemente aumentada no dia 0. Em nível renal os hormônios tireoidianos aumentam o volume de filtração glomerular e os tempos médios de filtração para diferentes substâncias¹. Os níveis de creatinina plasmática refletem a taxa de filtração renal, de forma que níveis altos de creatinina indicam uma deficiência na funcionalidade ², logo o quadro de hipotireoidismo provavelmente está diminuindo a taxa de filtração glomerular e por isso os níveis de creatinina estão aumentados. -Ureia: A concentração sérica de ureia é analisada em relação ao nível de proteína na dieta e ao funcionamento renal². A ureia estava um pouco acima dos valores de referência para a espécie no dia 90, o que pode ter sido ocasionado pelo não cumprimento do jejum antes da realização da coleta para os exames, pois a amostra da paciente estava lipêmica, o que pode indicar que o animal não estava em jejum e, por conta disso, há possibilidade de alteração na análise devido a mudança de cor da amostra. Devido ao óbito da paciente e da não autorização da necropsia, não foi possível investigar mais o caso, mas a ureia um pouco acima dos valores de referência poderia, também, ser justificado por um foco inflamatório. Em relação ao funcionamento renal, dado que a creatinina estava dentro dos limites de referência, a ureia como único indicador não reflete o funcionamento renal. -Albumina: A paciente estava com hipoalbuminemia no dia 90, o que pode ser indicativo de um processo inflamatório, visto que a albumina é uma proteína de fase aguda negativa em resposta a inflamação. -Colesterol: A hipocolesterolemia foi um achado incomum para um quadro de hipotireoidismo, visto que a hipercolesterolemia é comumente relatada, ocorrendo em aproximadamente 80 % dos cães afetados 4. Exames Hormonais O T4 total sérico tem sido, tradicionalmente, o principal elemento para o diagnóstico do hipotireoidismo canino. Sendo consenso universal que o T4 total circulante geralmente é diminuído no hipotireoidismo, e que na maioria dos estudos <5% dos cães hipotireoideos apresentam valores dentro da referência ou discretamente aumentados 4, a paciente apresenta um quadro compatível com hipotireoidismo, visto que seus níveis de T4 total estavam abaixo do valor de referência para a espécie e os sinais clínicos apresentados também são indicativos da doença. No hipotireoidismo primário, existe perda do feedback de regulação normal sobre a síntese e a secreção de TSH na hipófise. Como a grande maioria dos cães hipotireoideos apresenta hipotireoidismo primário, o aumento de TSH na circulação é esperado 4. A concentração do TSH estava acima do valor de referência para a espécie, logo é sugestivo que seja um hipotireoidismo primário.
Página 5 Clínica O animal apresentava alopecia em várias áreas do corpo. A ausência de hormônio tireoidianos resulta na persistência da fase telógena de crescimento; os pelos tornam-se facilmente epiláveis e eventualmente ocorre alopecia. Isso geralmente ocorre sobre a cauda, resultando na típica aparência de cauda de rato do hipotireoidismo 4, que foi um dos sinais clínicos do animal. Em uma série de cães hipotireoideos se pode notar aspereza e escamas na orelha externa 4, características presentes na paciente no dia 90. A hiperpigmentação é comum 4, característica essa que foi relatada no dia 0. CONCLUSÕES Os resultados dos exames laboratoriais são sugestivos do diagnóstico de hipotireoidismo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. DIXON. R. M. Hipotireoidismo Canino. In: MOONEY, C.T. Endocrinologia Canina e Felina. 3. ed. São Paulo: Roca, 2009. cap. 10, p. 91-114. 2. GONZÁLEZ, F. H. D.; SILVA, S. C. Bioquímica hormonal. In:. Introdução à bioquímica clínica veterinária. 3. ed. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2017. cap. 7, p. 357-460. 3. GONZÁLEZ, F. H. D.; SILVA, S. C. Perfil bioquímico sanguíneo. In:. Introdução à bioquímica clínica veterinária. 3. ed. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2017. cap. 8, p. 463-515. 4. MONTANHA, F. P.; LOPES, A. P. S. Hipotireoidismo primário canino- Relato de caso. Revista Cientifica Eletrônica de Medicina Veterinária, São Paulo, SP, n. 17, julho. 2011. Disponível em: <http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/v8fjn3apfrjdkuq_2013-6-26-14- 54-55.pdf. Acesso em: 08 jan. 2018. 5. REBAR, A. H. et al. Eosinófilos. In:. Guia de hematologia para cães e gatos. 1. ed. São Paulo: Roca, 2003. cap. 6, p. 99-103. 6. REBAR, A. H. et al. Linfócitos. In:. Guia de hematologia para cães e gatos. 1. ed. São Paulo: Roca, 2003. cap. X, p. 121-129. 7. THRALL, M. A. et al. Interpretação da resposta leucocitária nas doenças. In:. Hematologia e bioquímica clínica veterinária. São Paulo: Roca, 2007. cap. 12, p. 127-140. 8. THRALL, M. A. et al. Avaliação laboratorial das proteínas do plasma e do soro sanguíneo. In:. Hematologia e bioquímica clínica veterinária. 1. ed. São Paulo: Roca, 2007. cap. 26, p. 376-387. 9. THRALL, M. A. et al. Avaliação Laboratorial das Glândulas Tireoide, Paratireoide, Adrenal e Pituitária. In:. Hematologia e bioquímica clínica veterinária. 1. ed. São Paulo: Roca, 2007. cap. 30, p. 417-430.