ESCOLAS LITERÁRIAS / ESTILOS DE ÉPOCA UMA INTRODUÇÃO. 1 TROVADORISMO [séculos XII XV]

Documentos relacionados
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ CAMPUS UINIVERSITÁRIO DE BRAGANÇA FACULDADE DE LETRAS

Geografia. Professor: Diego Alves de Oliveira

Aula 6 A lírica camoniana

Semana 4 Sexta Feira L.E. Períodos Literários. O Trovadorismo

Quando eu, senhora...

TROVADORISMO Literatura Portuguesa Profª Flávia Andrade

QUANDO EU, SENHORA...

A arte de escrever um soneto

CONTEXTO HISTÓRICO Clero Nobreza Povo

Prof. Eloy Gustavo. Aula 2 Trovadorismo

Ensino Médio - Unidade Parque Atheneu Professor (a): Kellyda Martins de Carvalho Aluno (a): Série: 1ª Data: / / LISTA DE LITERATURA

Luís de Camões (Sonetos)

Trovadorismo e Humanismo Literatura Portuguesa

Quem eram os humanistas? Thomas More

ROTEIRO DE RECUPERAÇÃO DE LITERATURA

Literatura Medieval. Trovadorismo (1189/1198)

LÍNGUA PORTUGUESA ENSINO MÉDIO PROF. DENILSON SATURNINO 1 ANO PROF.ª JOYCE MARTINS

TROVADORISMO. Origem, Significado & Contexto Histórico. Por: Brayan, Vinicius, Thierry, Weverton & Davi

Uma grande parte dos sonetos incluídos nesta

Luís Vaz de Camões Retrato pintado em Goa, 1581.

Soneto a quatro mãos

Prof. Eloy Gustavo. Aula 4 Renascimento

Luís de Camões (1524?-1580?)


Valéria. Literatura. Exercícios de Revisão I

Os Lusíadas Luís Vaz de Camões /1580

ARTES VISUAIS E LITERATURA

DATA: 26 / 09 / 2014 II ETAPA AVALIAÇÃO DE RECUPERAÇÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA 1.º ANO/EM ALUNO(A): Nº: TURMA:

Desde sempre presente na nossa literatura, cantado por trovadores e poetas, é com Camões que o Amor é celebrado em todo o seu esplendor.

TROVADORISMO. Colégio Portinari Professora Anna Frascolla 2010

Exercícios Revisionais de Língua Portuguesa e Literatura Para 15/06/2015

Roteiros Mensais para Grupos

Escola Básica André de Resende Curso Vocacional Português 2012/2013

Leia o poema abaixo de João Ruiz de Castelo-Branco, composto do século XVI, para responder às questões 1, 2 e 3.

Agrupamento de Escolas n.º 1 de Serpa ESCOLA BÁSICA DE PIAS. Ano Letivo 2012/ de fevereiro de GRUPO I (Leitura) PARTE A

Prof. Roger Gil Vicente ( ) e o teatro português

Referencias Bibliográficas

LÍNGUA PORTUGUESA ENSINO MÉDIO PROF. DENILSON SATURNINO 1 ANO PROF.ª JOYCE MARTINS

Considera, meu amor, até que ponto

Trovadorismo. da Ribeirinha - Paio Soares de Taveirós. Literatura medieval (de 1189/1198 a 1434) INÍCIO: Cantiga

AULA 01 LITERATURA. Os mais de oito séculos de produção literária portuguesa são divididos em três grandes eras:

1) Soneto: Enquanto quis Fortuna que tivesse

Camões épico Os Lusíadas

LITERATURA PROFª Ma. DINA RIOS

TEXTOS PARADIDÁTICOS. Literatura - 1 Ano Mauricio Neves

DEIXA-ME SENTIR TUA ALMA ATRAVÉS DO TEU CALOROSO ABRAÇO

HOSANA REPERTÓRIO. Hosana, Hosana Hosana nas alturas Hosana, Hosana Hosana nas alturas

Sheikespir, sim, é que era bão: só escrivia citação! (Millôr Fernandes) *

Deixo meus olhos Falar

( ) A literatura brasileira da fase colonial é autônoma em relação à Metrópole.

ALMA CRUCIFICADA. A alma que o próprio Senhor Quis voltar seu olhar E quis revelar seus mistérios Prá nela habitar

Classicismo em Portugal

TAREFA FINAL 03/10/2016 CULMINÂNCIA DA GINCANA CELEBRAÇÃO EM AÇÃO DE GRAÇAS

O QUE DÁ SENTIDO À VIDA: ME ENTREGAR AO TEU AMOR QUERO ME RENDER E ME RASGAR DE TANTO ADORAR

Trovadorismo Trovadorismo

Literatura 1º ano João J. Classicismo

LÍNGUA PORTUGUESA NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO. Maria Helena Freiria

TROVADORISMO DEFINIÇÃO

MEU JARDIM DE TROVAS

O Sorriso de Clarice

luís de camões Sonetos de amor Prefácio de richard zenith

Hinos em quaternário usando as posições A, D e E

OS SÍMBOLOS POÉTICOS DAS CANTIGAS DE AMIGO LINGUA GALEGA E LITERATURA 3º ESO CPI AS REVOLTAS (CABANA DE BERGANTIÑOS) PROFESORA: ANA MARTÍNS

Músicas para missa TSL

Orientação de estudos

1º Edição

PLATAFORMA LEITURA TÍTULO TÍTULO. As armas e os Barões assinalados Que da Ocident 50 al praia Lusitana Por mares nunca de antes nav 100

CLAMA A MIM - ISRC BR MKP Emerson Pinheiro (MK Edições) Fernanda Brum

Literatura na Idade Média

Até que a morte os separe?protesto!

Encarte

Designa-se por Trovadorismo o período que engloba a produção literária de Portugal durante seus primeiros séculos de existência (séc. XII ao XV).

Ao Teu Lado (Marcelo Daimom)

A NOSSA HISTÓRIA NO PARAÍSO DO PORVIR EU ESPERO TE ENCONTRAR PRA GENTE CONSTRUIR UMA CASA ONDE MORAR

DOCE PRESENÇA VERDADEIRO AMOR

Textos e ilustrações dos alunos do 3º ano 1 de junho de 2017 Dia da Criança

TROVADORISMO. Contexto histórico e características do Trovadorismo, uma escola literária que ocorreu durante o feudalismo. Imagem: Reprodução

INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SANTA CATARINA CAMPUS JOINVILLE

Fabiana Medeiros Júlio Balisa

Aos Poetas. Que vem trazer esperança a um povo tristonho, Fazendo os acreditar que ainda existem os sonhos.

FINAL PÁSCOA Opção 01

VIVA OS PAIS PAI, MELHOR AMIGO!

PÉTALAS E SANGUE. De: Batista Mendes

LITERATURA BRASILEIRA Textos literários em meio eletrônico Gregório de Matos

MONÓLOGO MAIS UMA PÁGINA. Por Ana Luísa Ricardo Orlândia, SP 2012

ADORAI EM MAJESTADE AGRADA-TE DO SENHOR

Mutual

O primeiro suspiro de um poeta insano!

Aula 5 Camões poesia épica

I - Navegação marítima. II - Áreas de ocorrência da floresta tropical e da taiga. III - Regiões agricultáveis e desérticas.

PERÍODO COMPOSTO POR COORDENAÇÃO

Mês Vocacional & Festa da Assunção de Nsa. Senhora

Sou eu quem vivo esta é minha vida Prazer este

Uma Boa Prenda. Uma boa prenda a ofertar É a doação do amor É estar pronto a ajudar Quem vive com uma dor.

QUANDO EU TINHA VOCÊ!

CONHECE DEUS NA SUA ESSÊNCIA O AMOR

O texto poético Noções de versificação

CHICÃO É UM RIO BONITO

Nº 38B- 32º Domingo do Tempo Comum

Português. GRUPO I (Leitura)

Transcrição:

ESCOLAS LITERÁRIAS / ESTILOS DE ÉPOCA UMA INTRODUÇÃO 1 TROVADORISMO [séculos XII XV] Cantiga da Ribeirinha (1189-1198) (ou Cantiga da Guarvaia) Paio Soares de Taveirós (século XII) No mundo non me sei pareiha, Mentre me for como me vai, Ca já moiro por vós e ai! Mia senhor branca e vermelha, Queredes que vos retraia Quando vos eu vi em saia! Mau dia me levantei, Que vos enton non vi fea! No mundo não conheço quem se compare A mim enquanto eu viver como vivo, Pois eu moro por vós ai! Pálida senhora de face rosada, Quereis que eu vos retrate Quando eu vos vi sem manto! Infeliz o dia em que acordei, Que então eu vos vi linda! E, mia senhor, dês aquel di, ai! Me foi a mim mui mal, E vós, filha de don Paai Moniz, e bem vos semelha D haver eu por vós guarvaia, Pois, eu, mia senhor, d alfaia Nunca de vós houve nen hei Valia d ua Correa. E, minha senhora, desde aquele dia, ai! As coisas ficaram mal para mim, E vós, filha de Dom Paio Moniz, tendes a impressão de Que eu possuo roupa luxuosa para vós, Pois, eu, minha senhora, de presente Nunca tive de vós nem terei O mimo de uma correia.

Amar você é coisa de minutos... Paulo Leminski (1944-1989) Amar você é coisa de minutos A morte é menos que teu beijo Tão bom ser teu que sou Eu a teus pés derramado Pouco resta do que fui De ti depende ser bom ou ruim Serei o que achares conveniente Serei para ti mais que um cão Uma sombra que te aquece Um deus que não esquece Um servo que não diz não Morto teu pai serei teu irmão Direi os versos que quiseres Esquecerei todas as mulheres Serei tanto e tudo e todos Vais ter nojo de eu ser isso E estarei a teu serviço Enquanto durar meu corpo Enquanto me correr nas veias O rio vermelho que se inflama Ao ver teu rosto feito tocha Serei teu rei teu pão tua coisa tua rocha Sim, eu estarei aqui Uma vida é pouca para tantos joelhos. Amor cortês Maria Lúcia Alvim (1932-)

Ondas do mar de vigo Martin Codax (meados do século XIII - início do XIV) Ondas do mar de Vigo, se vistes meu amigo! E ai Deus, se verrá cedo! Ondas do mar de Vigo, se vistes meu namorado! Ondas do mar levado, se vistes meu amado! E ai Deus, se verrá i cedo! Ondas do mar revolto, se vistes meu amado Se vistes meu amigo, o por que eu sospiro! E ai Deus, se verrá i cedo! Se vistes meu namorado, aquele por quem eu suspiro! Se vistes meu amado por que hei gran cuidado! E ai Deus, se verrá cedo! Se vistes meu amado por quem tenho grande temor! Olhos Nos Olhos Chico Buarque (1944) Quando você me deixou, meu bem Me disse pra ser feliz e passar bem Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci Mas depois, como era de costume, obedeci Quando você me quiser rever Já vai me encontrar refeita, pode crer Olhos nos olhos Quero ver o que você faz Ao sentir que sem você eu passo bem demais E que venho até remoçando Me pego cantando, sem mais, nem por quê Tantas águas rolaram Quantos homens me amaram Bem mais e melhor que você Quando talvez precisar de mim Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim Olhos nos olhos Quero ver o que você diz Quero ver como suporta me ver tão feliz.

Ai dona fea! Don Joan Garcia de Guilhade (século XIII) Ai dona fea! Fostes-vos queixar Porque vos nunca louv' en meu trobar Mais ora quero fazer un cantar En que vos loarei toda via; E vedes como vos quero loar: Dona fea, velha e sandia! Ai, dona feia, fostes vos queixar que nunca vos louvo em meu cantar; mas agora quero fazer um cantar em que vos louvarei de qualquer modo; e vede como quero vos louvar dona feia, velha e maluca! Dona fea! Se Deus me pardon! E pois avedes tan gran coraçon Que vos eu loe, en esta razon, Vos quero ja loar toda via; E vedes qual será a loaçon: Dona fea, velha e sandia! Dona feia, que Deus me perdoe, pois tendes tão grande desejo de que eu vos louve, por este motivo quero vos louvar já de qualquer modo; e vede qual será a louvação: dona feia, velha e maluca! Dona fea, nunca vos eu loei En meu trobar, pero muito trobei; Mais ora ja un bon cantar farei En que vos loarei toda via; E direi-vos como vos loarei: Dona fea, velha e sandia! Dona feia, eu nunca vos louvei em meu trovar, embora tenha trovado muito; mas agora já farei um bom cantar; em que vos louvarei de qualquer modo; e vos direi como vos louvarei: dona feia, velha e maluca!

2 HUMANISMO [séculos XV XVI] Auto da Lusitânia (1531) Gil Vicente (c. 1465 c. 1536) Entra Todo o Mundo, homem vestido como rico mercador, e faz que anda buscando alguma cousa que se lhe perdeu; e logo após ele um homem, vestido como pobre. Este se chama Ninguém, e diz: - Que andas tu aí buscando? - Mil cousas ando a buscar: delas não posso achar, porém ando perfiando, por quão bom é perfiar. - Como hás nome, cavaleiro? - Eu hei nome Todo o Mundo, e meu tempo todo inteiro sempre é buscar dinheiro, e sempre nisto me fundo. - E eu hei nome Ninguém, e busco a consciência. - Esta é boa experiência! Dinato, escreve isto bem. Dinato: - Que escreverei, companheiro? Berzebu: - Que Ninguém busca consciência e Todo o Mundo dinheiro. (Ninguém para Todo o Mundo) - E agora que buscas lá? - Busco honra muito grande. - E eu virtude, que Deus mande que tope co ela já. - Outra adição nos acude: escreve aí, a fundo, que busca honra Todo o Mundo, e Ninguém busca virtude. - Buscas outro mor bem qu'esse? - Busco mais quem me louvasse tudo quanto eu fizesse. - E eu quem me repreendesse em cada cousa que errasse. - Escreve mais. Dinato: - Que tens sabido? Berzebu: - Que quer em extremo grado Todo o Mundo ser louvado, e Ninguém ser repreendido.(...) (Todo o Mundo para Ninguém) - E mais queria o paraíso, sem mo ninguém estorvar. - E eu ponho-me a pagar quanto devo pera isso. - Escreve com muito aviso. Dinato: - Que escreverei? Berzebu: - Escreve que Todo o Mundo quer paraíso, e Ninguém paga o que deve.

3 CLASSICISMO [século XVI] Perdigão perdeu a pena Luís Vaz de Camões [1524/1525? 1580] Perdigão perdeu a pena Não há mal que lhe não venha. Perdigão que o pensamento Subiu a um alto lugar, Perde a pena do voar, Ganha a pena do tormento. Não tem no ar nem no vento Asas com que se sustenha: Não há mal que lhe não venha. Quis voar a uma alta torre, Mas achou-se desasado; E, vendo-se depenado, De puro penado morre. Se a queixumes se socorre, Lança no fogo mais lenha: Não há mal que lhe não venha. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança; todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. SONETOS Camões Amor é um fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer. Continuamente vemos novidades, diferentes em tudo da esperança; do mal ficam as mágoas na lembrança, e do bem se algum houve -, as saudades. É um não querer mais que bem querer; é um andar solitário entre a gente; é nunca contentar-se de contente; é um cuidar que ganha em se perder. O tempo cobre o chão de verde manto, que já coberto foi de neve fria, e enfim converte em choro o doce canto. É querer estar preso por vontade; é servir a quem vence o vencedor; é ter, com quem nos mata, lealdade. E, afora este mudar-se cada dia, outra mudança faz de mór espanto: que não se muda já como soía. Mas como causar pode seu favor nos corações humanos amizade, se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Os Lusíadas [1578] Luís Vaz de Camões [1524/1525? 1580] As armas, e os barões assinalados Que, da Ocidental praia Lusitana, Por mares nunca dantes navegados, Passaram ainda além da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram; E também as memórias gloriosas Daqueles Reis que foram dilatando A Fé, o Império, e as terras viciosas De África e de Ásia andaram devastando; E aqueles que por obras valorosas Se vão da lei da Morte libertando: Cantando espalharei por toda a parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte. Cessem do sábio Grego e do Troiano As navegações grandes que fizeram; de Alexandro e de Trajano A fama das vitórias que tiveram; Que eu canto o peito ilustre Lusitano, A quem Netuno e Marte obedeceram. Cesse tudo o que a Musa antiga canta, Que outro valor mais alto se alevanta.