2 Bilingüismo e bilingualidade

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Transcrição:

2 Bilingüismo e bilingualidade Quando as pessoas usam o termo bilíngüe imaginam alguém que fala duas línguas perfeitamente, conforme lembra Valdés (apud HEYE, 2001, p. 37). Geralmente, imaginam que essa pessoa sabe falar, compreender, ler e escrever as duas línguas no nível mais alto de desempenho. A questão de como definir bilingüismo ou multilingüismo tem sido discutida por pesquisadores durante muito tempo (Cf. SAVEDRA,1994). Ultimamente, porém, os pesquisadores que investigam comunidades bilíngües e multilíngües no mundo têm favorecido uma definição que vê o bilingüismo como uma condição humana comum, possibilitando ao indivíduo operar, em algum nível, em mais de uma língua. A expressão que melhor resume essa definição muito ampla e inclusiva de bilingüismo é mais de uma. 2.1 Quem é o bilíngüe? Sempre ouvimos falar de pessoas que falam duas ou mais línguas. Para Myers-Scotton (2006) dois fatos sociolingüísticos podem ser inferidos nesses casos. Fato 1: que as pessoas falam mais de uma língua porque uma segunda língua (ou terceira, ou quarta, etc.) desempenha um trabalho social importante para elas. Myers-Scotton (2006, p. 37) afirma que: Quando os falantes adicionam uma outra língua aos seus repertórios, eles quase sempre o fazem por uma razão porque aquela língua será útil a eles em suas comunidades, ou em uma outra comunidade à qual eles pretendem se juntar. Quer dizer, não são muitas as pessoas que adquirem uma outra língua só pelo prazer de fazê-lo.

24 Fato 2: segundo Myers-Scotton (2006) é que, apesar de nos referirmos ao repertório lingüístico de uma dada comunidade como sendo composto por todas as variantes lá faladas, nem todas as pessoas dessa comunidade falam as mesmas variantes, ou seja, os indivíduos têm repertórios lingüísticos individualizados. Esses repertórios lingüísticos individualizados são desiguais entre si porque, simplesmente, as pessoas raramente usam duas línguas em exatamente as mesmas situações. Isso nos leva a uma outra questão: o bilingüismo equilibrado. Quer dizer, são poucas as pessoas bilíngües que manifestam as suas línguas igualmente porque ou adquiriram uma língua mais completamente que a outra, ou porque usam uma língua mais freqüentemente que as suas outras que, certamente, foram adquiridas em graus variados. Nessa perspectiva, Valdés (apud HEYE, 2001, p.38) argumenta que o individuo bilíngüe não é necessariamente ambilíngüe (tendo competência nativa em duas línguas), mas um bilíngüe de um certo tipo específico que, junto com outros bilíngües de muitos outros tipos, pode ser classificado ao longo de um contínuo. Alguns bilíngües possuem altos níveis de desempenho em ambas as línguas nas modalidades orais e escritas. Outros mostram desempenhos variáveis na compreensão e/ou na habilidade oral, dependendo da área de experiência imediata em que devem usar as duas línguas. Seguindo ainda nessa perspectiva, admite-se entre os bilíngües também aqueles indivíduos que podem compreender ou produzir enunciados falados ou escritos em qualquer grau em mais de uma língua. Assim, pessoas que sabem ler uma segunda língua (por exemplo, francês), mas não sabem falar essa língua, são consideradas bilíngües de um certo tipo e colocado num ponto extremo do contínuo. Essas pessoas são consideradas como tendo uma competência receptiva numa segunda língua e como sendo mais bilíngües do que monolíngües, já que o monolíngüe dispõe de habilidades receptivas ou produtivas somente em sua primeira e única língua. A avaliação aqui é comparativa: monolingüismo total em oposição ao menor grau de habilidade para compreender uma língua. Assim, conforme discutido anteriormente, as várias tentativas de definir bilingüismo falharam por não apreenderem o caráter dinâmico (SAVEDRA, 1994) que tão bem caracteriza esse fenômeno. Dizer que o bilíngüe é a pessoa que

25 fala duas ou mais línguas com a habilidade de um falante nativo exclui a grande maioria dos bilíngües. A primeira tarefa sobre a qual devemos nos debruçar é identificar quem decide que alguém é um bilíngüe. As pessoas podem se identificar como bilíngües, mas será que isso corresponde à verdade? Vale lembrar que verdade aqui deve ser tomada como a condição que satisfaz os critérios e exigências da situação (ou evento) social em questão. Ou, ainda, outras pessoas podem querer avaliar o quão bilíngüe alguém é, com propósitos profissionais, por exemplo. Essa avaliação pode ser absoluta ou gradiente. Nesse caso, antes de identificarmos o bilíngüe, precisamos identificar o contexto em que se manifesta esse bilingüismo e quais os aspectos relevantes àquele contexto devem ser levados em conta para a identificação do indivíduo bilíngüe. Assim, parece-nos ser do escopo da Sociolingüística a identificação de indivíduos bilíngües porque estuda o uso que as pessoas fazem das línguas e como esse uso está ligado a fenômenos sócio-culturais. Uma segunda tarefa, e essa nos interessa mais de perto uma vez que é o tema desse trabalho, é como podemos avaliar a proficiência lingüística de um bilíngüe?. Trata-se, pois, aqui de uma tarefa bastante complexa se consideramos os aspectos sociais e lingüísticos envolvidos nessa questão da proficiência. Se nos detivermos, a princípio, nos aspectos lingüísticos somente, já nos deparamos com a complexidade dos três sistemas principais que constituem cada uma das línguas e suas variantes: o sistema fonológico, o sistema morfológico e sintático, e o léxico. Segundo Myers-Scotton (2006, p. 37), todos os falantes de La 2 (falantes nativos de uma língua), de pelo menos inteligência mediana, possuem igual competência na fonologia, na morfologia e na sintaxe de sua La, ainda que os tamanhos de seus vocabulários possam variar. Mas, segundo essa autora, um falante de Lb pode certamente mostrar mais habilidade em um ou dois desses sistemas. Principalmente em relação à fonologia de Lb, responsável por explicitar a desigualdade entre os falantes dessa língua como La para alguns e Lb para outros. Poucas pessoas que aprendem ou adquirem uma segunda língua mais 2 Tomarei a notação La, Lb, Lc... Ln para o presente trabalho por entender que a notação L1 e L2 sugere, na maioria das vezes, tratar-se de primeira língua (L1) e segunda língua ou língua estrangeira (L2) o que não faz diferença aqui.

26 tardiamente, após a infância, dominam plenamente o sistema sonoro de sua Lb, mas podem falar com muita fluência e ter um extenso vocabulário (MYERS- SCOTTON, 2006, p. 39). Então, como dizer se um falante é proficiente ou não se suas habilidades não são as mesmas em todos os sistemas? Se considerarmos a morfologia e a sintaxe de uma Lb, um bilíngüe pode ter um bom controle de categorias gramaticais específicas, mas não de outras. 2.2 Bilingüismo e bilingualidade: aproximações teóricas Do ponto de vista sociopolítico, bilingüismo envolve Línguas em Contato, ou seja, é um fenômeno performativo, não é um fenômeno de língua propriamente, ou das línguas envolvidas nesse contato, mas do uso que um indivíduo faz dessas línguas. Dessa forma, e devido à agentividade desse indivíduo que faz uso das línguas por ele apropriadas, podemos pensar em bilingüismo como instrumento de ideologia política e cultural, e não uma manifestação estritamente lingüística. Grosjean (1982) estima que cerca da metade da população do mundo é bilíngüe, ou seja, não se trata de fenômeno excepcional. É, na verdade, um fenômeno comum, mas que, como afirma Savedra (1994, p. 20) envolve uma complexa relação psicológica, lingüística e social. Em outras palavras, bilingüismo é um fenômeno interdisciplinar. Bilingüismo, ainda segundo Savedra, está ligado ao biculturalismo. A própria discussão acerca dos conceitos bilingüismo e bilingualidade denota a complexidade desse fenômeno. Os primeiros estudos sobre bilingüismo tratam desse fenômeno como se fosse um fenômeno absoluto. Surgem propostas teóricas e metodológicas que divergem em suas classificações e definições do que seja competência lingüística, domínio e função de uso das línguas, e apresentam diferentes tipos e conceitos de bilingüismo. Heye (2003) propõe a análise do bilingüismo como fenômeno relativo buscando um posicionamento claro quanto à situação do

27 bilíngüe, levando em consideração o ambiente e as condições onde o bilingüismo se desenvolve. Ainda segundo Heye (2003), os estudos isolados sobre bilingüismo começam a escassear com o trabalho de Mackey (IN: FISHMAN 1968), onde fica reconhecida a necessidade de análise do bilingüismo numa perspectiva interdisciplinar, a fim de que se possa compreender a complexa relação psicológica, lingüística e social do bilingüismo. Surgem, então, estudos em nível macro, com a integração de outras disciplinas (Psicolingüística, Neurolingüística, Sociolingüística, e Lingüística Aplicada). Na área de Psicolingüística afloram os estudos quanto à relação linguagem e pensamento e os questionamentos acerca das teorias de aquisição da linguagem. De acordo com Kelly (1969), quando o bilingüismo entra na atividade humana, os problemas não são somente lingüísticos (ou sociais, ou psicológicos); eles podem interessar a muitos campos do conhecimento humano. Quando o bilingüismo entra nas atividades do homem estamos falando de bilingualidade. Por estar relacionada às atividades humanas, a condição de bilíngüe se modifica na trajetória da vida dos indivíduos e assume diferentes contornos em relação ao domínio e à variação de uso de ambas as línguas (SAVEDRA 1994). Assim, temos que tomar o bilingüismo em sua expressão particular nos indivíduos bilíngües de forma dinâmica. Alinhamo-nos com Savedra (1994) na distinção que faz: bilingüismo é a situação em que coexistem duas línguas como meio de comunicação; e bilingualidade diz respeito aos diferentes estágios 3 de bilingüismo, pelos quais os indivíduos, portadores da condição de bilíngües, passam na sua trajetória de vida. Assim, as questões descritivas e teóricas sobre bilingüismo, propostas por Romaine (1995), que dizem respeito à competência, fluência, empréstimo, interferência, dentre outros aspectos, se atualizam a cada manifestação da bilingualidade. Definitivamente, o estudo do bilingüismo pode ser considerado dentro do escopo da Sociolingüística uma vez que seu foco está também no que Hymes (1972) chamou de competência comunicativa, e por considerar o ambiente e as 3 Por estágios quero dizer fases, períodos/momentos/etapas da vida. Essa observação é relevante, pois quero evitar que esse conceito se confunda com a idéia de nível ou grau que será usada quando tratarei da medida de bilingualidade.

28 condições onde o bilingüismo se desenvolve, além do contexto e idade de aquisição, e variação de uso das línguas. Ou seja, os sociolingüistas têm que lidar com problemas que envolvem a desigualdade no uso da língua. Dessa forma, Hamers & Blanc (1995, p.14) apropriadamente discutem a dificuldade de operacionalização de conceitos como competência lingüística e competência comunicativa: muitos aspectos estão aí envolvidos (pronúncia, gramática, vocabulário) e quaisquer testes utilizados na tentativa de medir essa competência privilegiaram até então um único aspecto. Ou seja, muitas tentativas de classificar tipos de bilingüismo não chegaram a um consenso justamente porque não o perceberam como dinâmico, mutável, instável. Ou se perceberam, não encontraram um caminho de análise que abarcasse tantas variáveis que concorrem para o fenômeno. Por isso, a proposta aqui é classificar, através de uma tentativa de medição, não o bilingüismo, mas a bilingualidade dos indivíduos pesquisados.