UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ. Ana Maria Kersting Battaglin



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Transcrição:

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Ana Maria Kersting Battaglin O DIVÓRCIO APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010 CURITIBA 2012

O DIVÓRCIO APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010 CURITIBA 2012

Ana Maria Kersting Battaglin O DIVÓRCIO APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Prof.ª Geórgia Sabbag Malucelli CURITIBA 2012

TERMO DE APROVAÇÃO Ana Maria Kersting Battaglin O DIVÓRCIO APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010 Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, de de 2012. Prof. Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografias do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito Universidade Tuiuti do Paraná Orientadora: Prof.ª Geórgia Sabbag Malucelli: Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná Membro da Banca Examinadora Prof. Dr. Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná Membro da Banca Examinadora Prof. Dr. Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná

Agradeço primeiramente a Deus, por ter me permitido chegar até aqui. À minha família, por entender a minha ausência e por ser o meu porto seguro. À minha orientadora, professora Georgia, pela compreensão e paciência no decorrer deste trabalho.

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO... 09 2 HISTÓRICO DA DISSOLUÇÃO DO VÍNCULO MATRIMONIAL... 11 2.1 INDISSOLUBILIDADE ABSOLUTA DO VÍNCULO CONJUGAL... 11 2.2 A POSSIBILIDADE JURÍDICA DO DIVÓRCIO... 14 2.3 A AMPLIAÇÃO DA POSSIBILIDADE DO DIVÓRCIO... 15 2.4 O DIVÓRCIO COMO DIREITO POTESTATIVO... 17 3 DISSOLUÇÃO DO VÍNCULO CONJUGAL ANTES DA EC N.º 66/2010... 19 3.1 DO DIVÓRCIO INDIRETO... 19 3.1.1 Da separação Judicial... 19 3.1.2 Das Causas da Separação Judicial... 22 3.1.3 Efeitos da Separação Judicial... 23 3.1.4 Da Conversão da Separação Judicial em Divórcio... 26 3.2 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O DIVÓRCIO DIRETO... 27 4 SEPARAÇÃO JUDICIAL APÓS AS ALTERAÇÕES DA EC N.º 66/2010... 30 4.1 A EXTINÇÃO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL... 30 4.2 A LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL... 33 5 O DIVÓRCIO CONSTITUCIONAL... 37 5.1 A CULPA NO NOVO DIVÓRCIO... 37 5.2 REGIME DE BENS E PARTILHA... 39 5.3 GUARDA DE FILHOS E ALIMENTOS... 41 5.4 DO USO DO NOME... 46

6 OS MAGISTRADOS E A NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL... 49 7 CONCLUSÃO... 58 REFERÊNCIAS... 61

RESUMO A presente pesquisa versa sobre a alteração introduzida pela Emenda Constitucional nº 66/2010, que alterou o 6º do art. 226 da Constituição Federal do Brasil de 1988 e extinguiu o instituto da separação judicial do ordenamento jurídico brasileiro, instituindo o divórcio direto por excelência e revogando a necessidade de se aguardar o prazo de dois anos de separação de fato ou o decurso do prazo de um ano da sentença de separação judicial para então requer a conversão em divórcio. O objetivo central é elucidar alguns aspectos obscuros e ainda não pacificados no meio jurídico, tais como, alimentos, guarda de filhos, partilha de bens e, principalmente, a situação da legislação infraconstitucional frente à omissão da Emenda Constitucional quanto aos seus dispositivos. Outras questões ligadas à divergência acerca da extinção da separação judicial também são abordadas ao longo do trabalho.

9 1 INTRODUÇÃO Como acontece com quase toda e qualquer alteração legislativa, logo após sua entrada em vigor, e antes mesmo disso ocorrer, as repercussões ocasionadas são amplamente discutidas no âmbito jurídico e com a Emenda Constitucional nº 66/2010 não foi diferente. Nesse sentido, o presente trabalho versa sobre referida emenda, a qual alterou o 6º do artigo 226 da Constituição Federal, para estabelecer que o casamento civil pode ser dissolvido tão somente pelo divórcio, suprimido do texto deste dispositivo o requisito de prévia separação judicial por um ano ou dois anos de separação de fato. A alteração foi recebida com críticas e aplausos na doutrina e jurisprudência, gerando pontos de vistas distintos sobre os efeitos causados pela mudança. Diversas opiniões são analisadas visando a interpretação mais adequada, dada aos reflexos ocasionados no mundo jurídico em relação ao instituto da separação judicial e a dissolução da sociedade conjugal sem extinção do vínculo matrimonial, bem como, sobre as repercussões na legislação infraconstitucional. São abordadas questões ligadas à guarda de filhos, nome da mulher, alimentos, regime e partilha de bens, bem como os debates acerca das opiniões relativas a culpa e sua averiguação dentro da ação de divórcio. Através de um breve apanhado histórico, relata-se as origens do divórcio no Brasil e seu progresso na sociedade desde o tempo da indissolubilidade do vínculo conjugal até o seu aparecimento no ordenamento jurídico e os principais marcos na legislação.

10 Outrossim, tendo em vista que se trata de momento atual de transição no mundo jurídico, levando-se em consideração a necessidade de comparação dos dois períodos, serão abordados os aspectos principais ligados à separação judicial e divórcio antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 66/2010, para então adentrar na análise das mudanças e a situação atual apontada pela doutrina. A visão dos magistrados é analisada e demonstrada por meio da jurisprudência atual, em importante abordagem prática sobre como a matéria vem sendo enfrentada e decidida pelos Tribunais brasileiros e qual a opinião sobre os caminhos a serem tomados adiante.

11 2 HISTÓRICO DA DISSOLUÇÃO DO VÍNCULO MATRIMONIAL 2.1 INDISSOLUBILIDADE ABSOLUTA DO VÍNCULO CONJUGAL O casamento é indissolúvel, esta foi a regra que perdurou até a edição da Emenda Constitucional nº, 09 de 28 de junho de 1977, a qual alterou o 1º do art. 175 da Constituição Federal de 1967, de forma que o divórcio não era permitido e imperava a indissolubilidade absoluta do vínculo conjugal, o qual era extinto somente com a morte de um dos cônjuges. Tal indissolubilidade advinha do fato de que o casamento era considerado uma instituição de forte interesse social, na medida em que, nas palavras de Fábia Maschieto, os cônjuges de algum modo exerciam funções sociais, podendo constituir, mas não podendo dispor da sua relação (MASCHIETO, 2010, p. 35). Note-se ainda, que anteriormente a Proclamação da República no Brasil, sequer a dissolução do casamento era permitida, tendo em vista que no Brasil, durante o regime monárquico, permaneceu sob a influência direta e incisiva da igreja Católica em matéria de casamento, conforme assevera Rodrigo da Cunha Pereira (PEREIRA, 2011, p. 9). Contudo, em menor escala, existem registros de que nesta época o divórcio era permitido em casos excepcionais, mas visto como uma forma de sanção ao cônjuge faltoso. Neste contexto, salienta Fábia Maschieto que: Nesta medida, ou o divórcio era proibido, ou então só era permitido em casos excepcionais. Estes tinham na sua base uma grave ofensa de um dos cônjuges ao outro, máxime o adultério da mulher; sendo o divórcio

12 apresentado como uma sanção que o cônjuge inocente, lesado, pedia para ser aplicada ao cônjuge faltoso. Note-se, aliás, que uma parte das violações de deveres conjugais, nomeadamente o adultério, eram equiparados a crimes, sendo punidos. Nos primeiros tempos do Cristianismo, embora não se aceitando, em princípio, o divórcio, acabava por se admitir este como uma sanção aplicada pelo cônjuge inocente ao cônjuge faltoso que tinha cometido adultério. (MASCHIETO, 2010, p. 35). A doutrina aponta como sendo a primeira evolução legislativa neste período o Decreto nº 1.444, de 11/09/1861, quando se passou a admitir apenas a separação pessoal, sendo esta, a primeira flexibilização da Igreja Católica. (PEREIRA, 2011, p.9). Conforme Maschieto, No ano de 1861, surgiu a primeira evidência da flexibilização do matrimônio no Brasil, com o Decreto nº 1.144 de 11 de setembro de 1861, o qual possibilitou o casamento de pessoas de religiões e credos diferentes, obedecendo aos requisitos de sua religião ou ainda pessoas não católicas, porque até então somente estas poderiam se casar. Esse Decreto foi modificado e aperfeiçoado com o Decreto nº 3.069 de 17 de março de 1863, possibilitou a existência de três formas de casamentos: casamento católico, o misto e o não católico. (MASCHIETO, 2010, p. 36). Somente algum tempo depois, com a primeira Constituição republicana, em 1891, quando houve a separação do Estado e da Igreja, constituindo o Brasil sob a forma de Estado Laico, a separação de corpos ganhou espaço no ordenamento jurídico brasileiro. Rodrigo da Cunha Pereira explica que nesta Constituição, Foi disciplinada a separação de corpos, sendo indicadas as causas aceitáveis: adultério, sevícia ou injúria grave, abandono voluntário do domicílio conjugal por dois anos contínuos e mútuo consentimento dos cônjuges, se fossem casados há mais de dois anos. (PEREIRA, 2011, p. 9).

13 Entretanto, a regulamentação infraconstitucional somente ocorreu com a aprovação do Código Civil Brasileiro de 1916, permitindo o término da sociedade conjugal através do desquite, contudo mantendo a indissolubilidade do vínculo, autorizando tão somente a separação dos cônjuges e o encerramento do regime de bens, não podendo os cônjuges desquitados contrair novas núpcias. Conforme Rodrigo da Cunha Pereira: Tal como o direito anterior, permitia-se o término da sociedade conjugal somente por via do desquite, amigável ou litigioso. A sentença do desquite apenas autorizava a separação dos cônjuges, pondo termo ao regime de bens. No entanto, permanecia o vínculo matrimonial. E enumeração taxativa das causas de desquite foi repetida: adultério, tentativa de morte, sevícia ou injúria grave e abandono voluntário do lar conjugal (art. 317). Foi mantido o desquite por mútuo consentimento (art. 318). (PEREIRA, 2011, pgs. 9-10.). Houve ainda, neste primeiro período, a proclamação da segunda e terceira Constituições da República, de forma que a primeira elevou ao caráter de norma constitucional a indissolubilidade do casamento, o qual foi repetido nas Constituições posteriores, de forma que divórcio somente foi instituído oficialmente por meio da Emenda Constitucional nº 9, de 28/06/1977 e regulamentado pela Lei 6.515/1977. Referida Emenda Constitucional alterou o 1º do art. 175 da Constituição de 1967, dispondo, nas palavras de Regina Tavares da Silva, que o casamento somente poderia ser dissolvido nos casos expressos em lei, se houvesse prévia separação judicial por três anos ou anterior separação de fato com duração de cinco anos (SILVA, 2011, p. 14), dando início à segunda fase da inserção do divórcio no ordenamento jurídico brasileiro.

14 2.2 A POSSIBILIDADE JURÍDICA DO DIVÓRCIO Com o advento da Lei nº 6.515/1977, regulamentando a alteração introduzida pela Emenda Constitucional nº 9/1977 que alterou o 1º do art. 175 da Constituição de 1969, estabelecendo que o casamento somente poderia ser dissolvido nos casos expressos em lei, precedido de separação judicial por mais de três anos ou de fato por mais de cinco anos, teve início uma nova fase no processo evolutivo da dissolução do vínculo conjugal, sendo instituído oficialmente o divórcio. A Lei do Divórcio, como foi chamada a Lei 6.515/1977, conforme explicam Stolze Gagliano e Pamplona Filho, não cuidou apenas da dissolução do vínculo matrimonial; disciplinou também outras matérias pertinentes ao Direito de Família, como a separação judicial, guarda de filhos, a isonomia na filiação e o uso do nome (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2011, p. 40). Acerca da Lei do Divórcio, ensinam citados autores, o seguinte: Além disso, tal diploma determinou expressamente que, no Código Civil, todas as disposições relativas ao antigo desquite fossem substituídas pelo regramento da separação judicial. Por isso, no sistema anterior onde se lia desquite por mútuo consentimento e desquite, passou-se a ler separação consensual, e onde se lia desquite litigioso, passou-se a ler separação judicial. [...]. Pela concepção originária da Lei do Divórcio, a separação judicial, forma de extinção da sociedade conjugal sem dissolução do vínculo matrimonial, passou a constituir um requisito para o exercício do chamado divórcio indireto divórcio por conversão. Com efeito, nesse diapasão, a Lei n. 6.515/77, em apertada síntese, estabeleceu que a separação judicial (o novo nome do antigo desquite ) passava a ser requisito necessário e prévio para o pedido de divórcio, que tinha de aguardar a consumação de um prazo de três anos, em consonância com o 1º do art. 175 da Constituição Federal vigente à época, segundo redação conferia pela Emenda Constitucional º 09, de 28 de junho de 1977. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2011, pgs. 40 e 41).

15 Assim, verifica-se que o grande avanço nessa fase, senão o estopim para a atual conjuntura da dissolução do vínculo conjugal, foi a oficialização do divórcio. Em um primeiro momento pela chamada conversão, que consistia na conversão da separação judicial, desde que em prazo superior a três anos, denominado divórcio indireto. E, em um segundo momento, o avanço vem representado pela possibilidade daqueles que já se encontravam separados de fato há mais de cinco anos requerem o chamado divórcio direto. Este período perdurou até a proclamação da atual Constituição Federal do Brasil, em 1988, a qual trouxe uma reviravolta no sistema [...] consolidou-se o divórcio direto, aperfeiçoando a tíbia previsão da Lei n. 6.515/77, sem extinguir, porém, o divórcio indireto (decorrente da conversão da separação judicial) (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2011, p. 42). 2.3 A AMPLIAÇÃO DA POSSIBILIDADE DO DIVÓRCIO Com a proclamação da Constituição em 1988, houve certa facilitação para a obtenção do divórcio, vez que o 6º do art. 226 reduziu os prazos expressos na Lei 6.515/77 para a realização do divórcio indireto e inseriu no texto constitucional o divórcio direto, reduzindo também para este, o requisito temporal prescrito na legislação infraconstitucional. Com efeito, tal dispositivo Constitucional estabelecia que: O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano

16 nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2011, p. 42). Depreende-se, portanto, da leitura da redação original do 6º do art. 226 da Constituição Federal, que o prazo para a conversão da separação judicial em divórcio, antes de três anos, foi reduzido para um ano somente, e que, o prazo para a obtenção do divórcio direto, antes de cinco anos, passou a ser de dois anos. A par das alterações trazidas pela nova ordem constitucional, a Lei 7.841 de 17 de outubro de 1989 revogou o art. 38 da Lei do Divórcio, no que tange a restrição quantitativa da possibilidade de se divorciar. Em síntese, referida lei eliminou a restrição de divórcios sucessivos, instituindo a separação judicial como uma fase intermediária para a dissolução definitiva do casamento, como se fosse um estágio para saber se era essa realmente a vontade dos ex-cônjuges (MASCHIETO, 2011, p. 38). Seguindo seu processo evolutivo, o divórcio recebeu nova regulamentação infraconstitucional com a chegada do Novo Código Civil em 2002, o qual manteve o mesmo sentido da Constituição Federal de 1988, prevendo a questão da separação judicial ou separação de fato como requisito para o pedido de divórcio (MASCHIETO, 2011, p. 38). Outro fato legislativo de grande relevância nesta seara do direito foi a entrada em vigor da Lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007, a qual trouxe a voga a chamada separação extrajudicial, ou ainda, nas palavras de Rodrigo da Cunha Pereira, A Lei nº 11.441 de 4 de janeiro de 2007, estabeleceu que o divórcio e a separação consensuais podem ser requeridos por via administrativa, dispensando a necessidade de intervenção judicial e do Ministério Público,

17 bastando que as partes compareçam aos cartórios de notas, assistidas por um advogado ou defensor público se o casal não tem filhos menores de idade ou incapazes. (PEREIRA, 2011, p. 10 e 11). Em apertada síntese, Regina Beatriz Tavares da Silva, registra este período da evolução legislativa do divórcio da seguinte forma: Também sob a égide da natureza conversiva do divórcio, entrou em vigor a Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 226, 6º, reduziu os prazos da separação prévia para um ano de separação judicial e dois anos de separação de fato. E sob a égide da concepção conversiva do divórcio foi promulgado o Código Civil brasileiro Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002 -, que adotou a mesma sistematização da Lei n. 6.515/77, normatizando, por essa razão, somente na separação judicial as espécies com e sem culpa, em acatamento à norma constitucional. (SILVA, 2011, p. 15). Assim, escoada essa fase evolutiva do instituto jurídico do divórcio, a qual trouxe significativas mudanças no que diz respeito a redução dos prazos e eliminação do fator quantitativo para a obtenção do divórcio, sobreveio, em 13 de julho de 2010, a Emenda Constitucional n.º 66, dando início a uma nova sistemática jurídica ao divórcio. 2.4 O DIVÓRCIO COMO DIREITO POTESTATIVO O divórcio recebeu nova vestimenta jurídica com a recente alteração no 6º, do art. 226, da Constituição Federal, com a promulgação da Emenda Constitucional n.º 66/2010. Tal dispositivo normativo extinguiu o requisito temporal para o divórcio direto e a necessidade de prévia separação judicial pelo período de um a ano, passando a ser

18 exclusivamente direto, independentemente se feito por mútuo consentimento (divórcio consensual), ou se revestido da forma litigiosa (divórcio litigioso). Segundo Pablo Stolze Gagliano e Pamplona Filho, trata-se de completa mudança de paradigma sobre o tema, em que o Estado busca afastar-se da intimidade do casal, reconhecendo a sua autonomia para extinguir, pela sua livre vontade, o vínculo conjugal (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2011, p. 43). Referidos autores, sustentam ainda, que tal alteração é o reconhecimento do divórcio como o simples exercício de um direito potestativo (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2011, p. 43). A alteração modificou radicalmente o procedimento para os cônjuges se divorciarem, contudo, foi omissa em relação a questões incidentes de grande repercussão no mundo jurídico e diretamente ligados ao término do casamento.

19 3 DISSOLUÇÃO DO VÍNCULO CONJUGAL ANTES DA EC N.º 66/2010 3.1 DO DIVÓRCIO INDIRETO O divórcio indireto, ou divórcio por conversão, conforme redação original do 6º do art. 226 da Constituição da República, exigia que os cônjuges estivessem separados judicialmente por um ano, para então requerer o divórcio. O entendimento era de que durante o prazo de um ano da sentença de separação judicial, até o divórcio, os cônjuges poderiam reconciliar e voltar a ter uma vida em comum. Contudo, na maioria dos casos, já não havia qualquer intenção das partes em continuar ou retomar a vida conjugal, o que obrigava os ex-cônjuges a aguardarem o prazo de um ano, para então obter o divórcio e a extinção do vínculo matrimonial. Nesse sentido, observa Sílvio de Salvo Venosa que quando os cônjuges chegam às portas do Judiciário, já pensaram e repensaram no ato que irão praticar. Raríssimas são as situações nas quais os juizes atingem a reconciliação do casal (VENOSA, 2006, p. 179). 3.1.1 Da Separação Judicial A separação judicial, ao contrário do divórcio, não implica no rompimento do vínculo matrimonial, acarreta somente o desfazimento do vínculo conjugal, o que

20 consequentemente, importa no término de algum dos deveres do casamento dispostos no art. 1566 do Código Civil Brasileiro de 2002. Conforme salienta Sílvio de Salvo Venosa, a separação judicial somente dissolve a sociedade, os separados judicialmente prosseguem com o vínculo embora a sociedade conjugal tenha sido dissolvida. Desaparecem vários efeitos do casamento e ouros terão seu conteúdo modificado. (VENOSA, 2006, p.169/170). Nesse sentido, a redação do art. 1576 do Código Civil de 2002 dispõe que a separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens. A separação judicial, conforme ensinamentos de Silvio de Salvo Venosa, abrange duas modalidades, a separação sanção e a separação remédio. Conforme explica o autor, ao comentar o direito vigente antes da Emenda Constitucional n.º 66/2010, de acordo com o art. 1574 do presente Código, é permitida a separação judicial por mútuo consentimento se os cônjuges forem casados a mais de um ano, enfatizando que é a regra geral nas legislações um período mínimo do casamento para ser permitida a separação remédio (VENOSA, 2006, p. 178). Esta era a modalidade na qual ambos os cônjuges almejavam a separação logo no início do casamento, sendo então o pedido homologado pelo juiz, embora pudesse ainda ser este negado. Nesse sentido a redação do art. 1574 do Código Civil Brasileiro de 2002, ao dispor que Dar-se-à a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se

21 forem casados por mais de um ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção. Contudo, em seu parágrafo único, estabelecia a possibilidade de o juiz recusar a homologação, nos seguintes termos: O juiz pode recusar a homologação e não decretar a separação judicial se apurar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges. Já a separação judicial sanção, que visava justamente uma forma de punição ao cônjuge faltoso na constância do casamento, poderia ser requerida por qualquer dos cônjuges em face do outro se observada alguma das causas que inviabilizassem a vida em comum. Nesse sentido, em versão mais recente de sua obra, após a alteração introduzida pela Emenda Constitucional n.º 66/2010, Silvio de Salvo Venosa nos ensina que o divórcio como sanção funda-se na idéia de que o cônjuge (ou ambos) tenha praticado um ou mais atos tidos como ilícitos para o instituto do casamento, assim definidos em lei (VENOSA, 2011, p. 159). Depreende-se, portanto, que o pedido de separação judicial sanção deveria ter como fundamento, em síntese, o descumprimento por parte do cônjuge faltoso de pelo menos um dos deveres do casamento.

22 3.1.2 Das Causas da Separação Judicial Excetuada a hipótese da separação judicial por mútuo consentimento (separação remédio), a separação judicial possuía suas causas disciplinadas no art. 1572 do Código Civil Brasileiro de 2002, nos seguintes termos: Art. 1572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum. 1º A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição. 2º O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável. Nesse sentido, em relação à impossibilidade da manutenção da vida em comum, dispunha o art. 1573 do Código Civil Brasileiro o seguinte: Art. 1573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de alguns dos seguintes motivos: I adultério; II tentativa de morte; III sevícia ou injúria grave; IV abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; V condenação por crime infamante; VI conduta desonrosa; Parágrafo Único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum. Por outro lado, de forma mais sintética, apresenta Venosa que em linhas gerais, qualquer ato que implique violação do dever de fidelidade, mútua assistência e convivência, poderá lastrear o pedido de separação, deveria apenas o requerente comprovar que a vida em comum tornara-se insuportável. (VENOSA, 2006, p. 195).

23 Verifica-se, portanto, até pela própria redação do citado parágrafo único do art. 1573, que bastava que o cônjuge comprovasse a insuportabilidade da vida em comum para valer-se da ação de separação judicial, somado a hipótese de doença mental grave nos termos do também citado 2º do art. 1572 do Código Civil Brasileiro de 2002. 3.1.3 Efeitos da Separação Judicial Quanto aos efeitos advindos da separação judicial, os mais evidentes vêm expressos na redação dos arts. 1575 e 1576 do Código Civil Brasileiro de 2002, quais sejam: separação de corpos, partilha de bens, termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca, bem como ao regime de bens. Nesse sentido dispõe citados dispositivos: Art. 1575. A sentença de separação judicial importa a separação de corpos e a partilha de bens. Parágrafo único. A partilha de bens poderá ser feita mediante proposta dos cônjuges e homologada pelo juiz ou por este decidida. Art. 1576. A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens. Outro aspecto importante está relacionado ao nome dos cônjuges agregados ao nome do outro em razão do casamento. O art. 1578 do Código Civil Brasileiro de 2002 dispunha que perderia o direito ao uso do nome do outro cônjuge aquele declarado culpado na ação de separação judicial se assim houvesse requerido na propositura da ação, excetuando determinadas

24 hipóteses em que seria possível a manutenção do nome de casado pelo cônjuge culpado, enquanto o cônjuge inocente poderia optar em manter o sobrenome do outro, podendo, a qualquer tempo, renunciar o direito de uso do nome. Nesse sentido, explica Sílvio de Salvo Venosa que: Desse modo, mantida a mesma orientação do direito anterior, a regra geral, qual seja, a perda do direito ao uso do nome do outro cônjuge poderia ocorrer quando o interessado fosse declarado culpado na ação de separação judicial. Não bastava, porém, o simples reconhecimento de culpa. A perda do sobrenome só poderia ocorrer, primeiramente, se houvesse pedido nesse sentido pelo cônjuge inocente. Não bastasse isso, no caso concreto o juiz deveria examinar as hipóteses dos três incisos do artigo, questões que dependem de prova e deveriam ser controvertidas na ação de separação. Na verdade, conclui-se que o cônjuge, embora culpado pela separação, somente perderia o direito ao nome quando isto não lhe acarretasse prejuízo. [...]. O cônjuge inocente poderia manter o sobrenome do outro, podendo renunciar a ele, porém, a qualquer momento (art. 1578, 1º). Acrescentava o 2º que nos demais casos o cônjuge poderá optar pela conservação do nome de casado. (VENOSA, 2011, p. 167/168). Outro aspecto importante a ser avaliado quando se fala em separação judicial, é a questão ligada ao dever de mútua assistência dos cônjuges, guarda e educação dos filhos. Nessa celeuma, em relação aos alimentos recíprocos devidos pelos cônjuges em decorrência do enlace matrimonial, bem como em relação à pensão alimentícia devida aos filhos por conta da separação, Venosa expõe o seguinte: No acordo de separação ou divórcio devem ficar especificados o montante e a forma de alimentos aos filhos e ao cônjuge. A menção da pensão alimentícia aos filhos para sua criação e educação é essencial para a homologação da separação. Esses alimentos são irrenunciáveis pois decorrem de parentesco. [...]. A exata forma de contribuição, no entanto, deve ser descrita pelos cônjuges, sob pena de a separação não ser homologada. [...]. Por outro lado, a pensão ajustada de um cônjuge ao outro somente será devida se ajustada. Sua omissão no acordo de separação não é obstáculo para homologação, entendendo-se que os cônjuges abriram mão da

25 pensão. [...]. O dever de mútua assistência entre os cônjuges rompe-se quando é desfeito o casamento. (VENOSA, 2011, p. 178/179). Conforme expõe Rodrigo da Cunha Pereira, certamente a mais importante decorrência do divórcio é a guarda dos filhos e a nova convivência familiar após o término do vínculo conjugal. (PEREIRA, 2011, p. 59). Deve-se observar, primeiramente, que a regra geral, quando a separação judicial envolver também questões ligadas à guarda e cuidado com os filhos advindos do casamento, deve ser vista do prisma do melhor interesse da criança ou do adolescente. Muito embora o art. 10 da Lei do Divórcio estatuísse que caberia a guarda dos filhos ao cônjuge que não houvesse dado causa ao desenlace matrimonial, desde muito já não se leva em conta a culpa do cônjuge quando a decisão a ser tomada envolve os interesses do filho da união falida. Nesse sentido, salutares as palavras de Sílvio de Salvo Venosa, abaixo transcritas: Razões de bom-senso devem sempre determinar ao juiz que atribua, por exemplo, a companhia dos filhos em tenra idade à mulher, ainda que esta seja culpada da separação. O caso concreto deve sempre determinar qual a solução que ocasiona menor prejuízo moral aos menores. Tanto é assim que o 1º do art. 10 estatuía que se ambos os cônjuges fossem considerados culpados, os filhos menores ficariam em poder da mãe, salvo se o juiz verificar que de tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles. A preferência pela mãe justifica-se, na maioria das vezes, mormente em se tratando de filhos de pouca idade. Poderia também o juiz determinar que os filhos não devessem permanecer nem com o pai nem com a mãe, hipótese em que deferiria sua guarda à pessoa notoriamente idônea da família de qualquer dos cônjuges (art. 10, 2º). Essas decisões sempre trágicas não transitam em julgado, podendo ser alteradas sempre que houver conveniência ou necessidade. O art. 13 era expresso no sentido de que, ocorrendo motivos graves, em benefício dos filhos, o juiz poderia sempre regular de maneira diferente o disposto na lei. (VENOSA, 2006, p. 201).

26 Corroborando com este entendimento Pablo Stolze e Pamplona Filho, ao dizer que entendemos que a culpa deixou de ser referência, também, no âmbito de fixação da guarda de filhos. [...] sentido nenhum há em determinar a guarda em favor de um suposto inocente no fim do enlace conjugal (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2011, p. 102). Uma vez resolvidas então todas as questões relacionadas a separação judicial, e proferida a sentença, estariam então os cônjuges separados judicialmente aguardando o prazo de um ano para requerer a conversão em divórcio, embora pudessem ainda, restabelecer a sociedade conjugal desde que por ato regular em juízo, nos termos do art. 1577 do Código Civil vigente. 3.1.4 Da Conversão da Separação Judicial em Divórcio Transitada em julgado a sentença de separação judicial e escoado o prazo de um ano, poderia qualquer dos cônjuges requer, em processo autônomo, a conversão da separação em divórcio. Conforme dispõe o art. 1580 do Código Civil vigente, a sistemática adotada era no sentido de que decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio. Assim, nos termos do 1º deste artigo, a conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou.

27 3.2 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O DIVÓRCIO DIRETO O divórcio direto, admitido tanto na forma consensual como litigiosa, como visto, elevado ao status de norma constitucional em 1988, consistia, até a recente alteração introduzida no 6º do art. 226, da Constituição Federal, em modalidade em que não era necessário obter como requisito a separação judicial, sendo o único requisito para valer-se dessa modalidade, estar separado de fato por no mínimo dois anos. Conforme explica Sílvio de Salvo Venosa, [...] as portas do divórcio-remédio foram definitivamente abertas no ordenamento brasileiro, seguindo a tendência da maioria das legislações. Destarte, basta alegar e comprovar a separação de fato do casal por dois anos ou mais, não havendo a necessidade de ser declinada a causa dessa separação. [...]. O pedido de divórcio pode, portanto, nessas premissas, ser formulado em conjunto por ambos os cônjuges, na modalidade consensual. Se requerido por apenas um dos cônjuges, divórcio litigioso, observar-se-á o procedimento ordinário de acordo com o art. 40, 3º, da Lei do Divórcio. (VENOSA, 2006, p. 214). Verifica-se que o procedimento era bem mais simples, e não se discutia nesse processo as causas da separação como ocorria no processo de separação judicial. Não busca averiguar a culpa ou não culpa dos cônjuges. Em relação aos efeitos causados sobre os bens do casal, no que diz respeito a partilha de bens, aplicam-se as mesmas regras do divórcio por conversão, ou seja, deverá ser observado o regime de casamento e conforme redação do art. 1581 do Código Civil, não pode o juiz recusar a homologação do divórcio caso não tenha sido realizada a partilha, podendo os cônjuges manter condomínio sobre os bens.

28 Em relação à outras questões ligadas ao fim do casamento e que eram discutidas na ação de separação judicial (guarda dos filhos menores, alimentos, pensão, nome), embora pudessem vir dispostas em acordo realizado pelos cônjuges e ser objeto de homologação, se houvesse a necessidade de averiguação de culpa, deveriam ser objeto de ação autônoma. Sobre este aspecto em particular as posições são das mais variadas. Alguns entendem que tais questões deveriam ser objeto de análise em Ação de Separação Judicial, outros que entendem pela possibilidade de que elas sejam objeto de discussão na ação de divórcio não obstante o entendimento de que elas deveriam ser objeto de ação autônoma, por não integrar o mérito da ação de divórcio. Venosa explica, em apertada síntese, o seguinte: No divórcio não se declinam as causas da separação, de modo que qualquer dos cônjuges pode requerê-lo, ainda que, em tese, seja o responsável pelo desenlace. [...]. Se os cônjuges tiverem interesse em declaração judicial de culpa para fins de obtenção de guarda de filhos, alimentos, uso do nome da mulher, por exemplo, devem recorrer a ação autônoma, pois a matéria não é de ser admitida na ação de divórcio, que possui causa de pedir restrita. (VENOSA, 2006, p. 216). Conforme a Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: APELAÇÃO CÍVEL DIVÓRCIO DIRETO LITIGIOSO DECISÃO EXTRA PETITA INOCORRÊNCIA OBRIGATORIEDADE DA SENTENÇA EM ESTIPULAR ALIMENTOS AO FILHO MENOR INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 128, CPC REDUÇÃO DA VERBA ALIMENTAR PARA 20% DOS RENDIMENTOS LÍQUIDOS - QUANTUM COMPATÍVEL COM AS POSSIBILIDADES FINANCEIRAS COMPROVADAS PELO ALIMENTANTE. Apelo parcialmente provido 1- Não há como considerar extra petita a sentença que fixou alimentos ao filho menor, na ação de divórcio, se tal pretensão foi deduzida no corpo da ação de divórcio, ou na contestação. 2- O quantum fixado para alimentos deve equilibrar a carência de quem pede com a possibilidade de quem deve, ou seja, é uma operação de

29 proporcionalidade/razoabilidade. (Apelação Cível n.º 699.447-8. Rel. Dês. Rafael Augusto Cassetari Acórdão: 18207 Fonte: DJ: 642 Data Publicação: 31/05/2011 Órgão Julgador: 12ª Câmara Cível Data Julgamento: 18/05/2011) Depreende-se, portanto, que a ação de divórcio proposta na modalidade direta, diverge do chamado divórcio por conversão, pelo fato de que o requisito do primeiro era o decurso do tempo de dois anos de separação de fato, não se discutindo as causas do desenlace, enquanto no segundo, haveria a necessidade de superar primeiramente o processo de separação judicial, e findo este, após um ano do trânsito em julgado da sentença de separação, poderiam os cônjuges requerer a conversão, de forma que matérias ligadas a culpa do cônjuge faltoso, no divórcio direto, na opinião de alguns, deveriam ser decididas em procedimento autônomo, parecendo mais apropriado o entendimento exarado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que admite sua discussão na própria ação de divórcio, enquanto que no divórcio indireto, eram discutidas previamente na ação de separação judicial.

30 4 SEPARAÇÃO JUDICIAL APÓS AS ALTERAÇÕES DA EC N.º 66/2010 4.1 A EXTINÇÃO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL Conforme visto, a Emenda Constitucional nº 66/2010 alterou profundamente o 6º, do art. 226, da Constituição Federal, suprimindo o requisito temporal para o pedido de divórcio direto e extinguindo a modalidade do divórcio indireto, ou por conversão, e por conseqüência, a separação judicial. Note-se que alguns doutrinadores entendem que a separação judicial permanece vigente no ordenamento jurídico, inclusive, que haveria inconstitucionalidades na Emenda Constitucional do divórcio, a exemplo dos dizeres de Regina Beatriz Tavares da Silva, abaixo transcritos, No entanto, a EC n. 66/2010, diante de sua redação, que não condiciona sua aplicação à modificação da lei ordinária, tem eficácia imediata e, se não receber a devida interpretação, criará um vazio no ordenamento jurídico. Além disso, se não for devidamente interpretada, serão impossibilitadas a averiguação de culpa no desenlace conjugal e a aplicação de suas indispensáveis conseqüências, favorecendo aquele que descumpre gravemente os deveres conjugais, a ponto de facultar-lhe a exigência de pensão alimentícia plena, a ser paga pela vítima do ato ilícito. [...]. Por todas essas razões, caso não se interprete devidamente a EC n. 66/2010, essa modificação constitucional estará eivada de inconstitucionalidade e pronta para assim ser declarada pelo Supremo Tribunal Federal. (SILVA, 2011, p. 18). Entretanto, ao que tudo indica e, com maior propriedade, a doutrina majoritária parece interpretar com otimismo a alteração trazida pela emenda, como se observa dos dizeres de Silvio de Salvo Venosa, quando se refere à alteração no sentido de que havia mesmo que se suprimir definitivamente a separação, permitindo-se aos

31 cônjuges que recorram sistematicamente e diretamente ao divórcio (VENOSA, 2011, p. 161). No mesmo sentido, Pablo Stolze e Pamplona Filho, ao referirem-se ao objeto da emenda no sentido de que ela facilita a implementação do divórcio no Brasil, asseveram a existência de dois pontos fundamentais: a) extinção da separação judicial; b) extinção da exigência de prazo de separação de fato para a dissolução do vínculo matrimonial, enfatizando, inclusive, que a extinção da separação judicial é medida das mais salutares (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2011, p. 55). Citados autores justificam a vantagem da extinção da separação judicial sob o prisma jurídico, psicológico e econômico da seguinte forma: Sob o prisma jurídico, com o divórcio, não apenas a sociedade conjugal é desfeita, mas também o próprio vínculo matrimonial, permitindo-se novo casamento; sob o viés psicológico, evita-se duplicidade de processos e o streptius fori porquanto pode o casal partir direta e imediatamente para o divórcio; e, finalmente, até sob a ótica econômica, o fim da separação é salutar, já que, com isso, evitam-se gastos judiciais desnecessários por conta da duplicidade de procedimentos. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2011, p. 56). Corroborando com este entendimento, Décio Luiz Rodrigues enfatiza a própria redação atual do dispositivo constitucional alterado pela emenda, uma vez não havendo mais referência à necessidade de separação judicial prévia ao divórcio e nem decurso de tempo algum para se chegar ao divórcio [...] entendemos que foi extinta a separação judicial e extrajudicial (RODRIGUES, 2011, p. 33). Outrossim, infere-se da análise da Proposta de Emenda à Constituição n. 413 de 2005, realizada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara

32 dos Deputados, que o objetivo da emenda foi justamente no sentido de suprimir tanto a separação judicial como também o requisito temporal do divórcio direto. Nesse sentido é o relatório do Deputado Nelson Trad, ao dizer que a proposição suprime, portanto, a necessidade de prévia separação judicial por mais de um ano, ou de comprovada separação de fato por mais de dois anos, e prossegue enfatizando que a coexistência dos institutos da separação e do divórcio justificava-se no contexto da aprovação da Lei do Divórcio, mas que nos dias de hoje configura um ônus injustificado, em termos econômicos e emocionais (BRASIL, 2005, p. 1-3). No mesmo sentido é o parecer apresentado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, do qual foi relator o Senador. Demóstenes Torres, nos seguintes termos: Além disso, o interesse no fim da união matrimonial assume características variadas, sujeita ao teor dos conflitos ou a sua inexistência -, à extensão patrimonial, às questões ligadas à prole, em especial a fixação de alimentos, o que não se resolve pela simples dilatação do prazo compreendido entre a separação formal ou informal e o divórcio. Observa-se também que passados mais de trinta anos da edição da Emenda Constitucional nº 9, de 1977, perdeu completamente o sentido manter os pré-requisitos temporais de separação judicial e de fato para que se conceda o divórcio. [...]. A sociedade conjugal, fruto da iniciativa dos cônjuges, pode ser por eles desfeita, formal ou informalmente, ao seu arbítrio, mas o vínculo conjugal, para ser desfeito pelo divórcio, depende de nova interferência do Estado. Ora, o Estado atual é bem menos tutelar que o de trinta anos atrás, e, quanto à sociedade hodierna, as dúvidas e temores que acometeram diversos segmentos dos anos 70 do século passado estão, hoje, todos dissipados, inclusive o de que, no dia seguinte à aprovação do divórcio, não restaria no País, um só casamento. O que se observa é que a sociedade brasileira é madura para decidir a própria vida, e as pessoas não se separam ou divorciam apenas porque existem esses institutos. Portanto, não é a existência do instituto do divórcio que desfaz casamentos, nem a imposição de prazos ou separações intermediárias que o impedirá. Acrescente-se que a exigência de prazo e a imposição de condição para a realização do divórcio desatendem ao princípio da proporcionalidade, que recomenda não cause a lei ao jurisdicionado ônus impróprio ou desnecessário. Ora, o prazo para a concessão do divórcio não é peremptório, tanto que pode retroagir a data da separação da cautelar de corpos, e a condição não é essencial, porquanto a sociedade conjugal pode ser desfeita pelo casal, indiferente ao Estado. Logo, as duas variáveis, sem nenhum

33 prejuízo para o disciplinamento do tema, podem ser retiradas da norma, conforme preconiza a proposta de emenda. (BRASIL, 2009, p. 1-3). Já no que tange a mencionada inconstitucionalidade da emenda, muito embora se diga que a depender da interpretação que seja feita, a EC n. 66/2010 poderá ser havida como inconstitucional e que a decretação de inconstitucionalidade de uma emenda constitucional é amplamente possível (SILVA, 2011, p. 18), parece-nos mais adequado o ponto de vista de que a partir da promulgação da emenda, desapareceu de nosso sistema o instituto da separação judicial, e toda a legislação que o regulava, por conseqüência, sucumbiu sem eficácia, por conta de uma não recepção (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2011, p. 56). Em verdade, o que ocorre, portanto, é uma verdadeira inconstitucionalidade superveniente das normas legais ordinárias (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2011, p. 57), de forma que a extinção da separação judicial do ordenamento jurídico brasileiro repercute de forma crucial sobre a legislação infraconstitucional, embora omisso o texto da emenda em relação a estes institutos. 4.2 A LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL Conforme visto no tópico anterior, vigora atualmente no ordenamento jurídico brasileiro, como forma de dissolução do vínculo matrimonial, e por conseqüência da sociedade conjugal, apenas o divórcio direto. Entretanto, a emenda do divórcio omitiu-se em relação à situação dos dispositivos da legislação infraconstitucional que regulamentavam o instituto da separação judicial.

34 Há quem opte pela permanência no ordenamento jurídico vigente de ambos os institutos, mesmo tendo a própria proposta de emenda à Constituição Federal se posicionado no sentido de dissipar a separação judicial do ordenamento jurídico. Nesse sentido é a visão de Regina Beatriz Tavares da Silva, para quem a emenda estabelece que o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio e não que deva ser desfeito somente por essa espécie dissolutória, mantendo-se, portanto, as demais espécies dissolutórias no ordenamento jurídico infraconstitucional (SILVA, 2011, p. 16). Segundo a autora, o sistema dissolutório da legislação ordinária está adaptado àquela mesma anterior natureza conversiva causando dificuldades interpretativas, reafirmando e sustentando a inconstitucionalidade da emenda, porque colocam em risco os direitos fundamentais, baseados na proteção da dignidade da pessoa humana, sob a alegação de que não seria possível a averiguação de culpa, e, consequentemente, seus reflexos em outras questões ligadas ao fim do casamento restariam prejudicadas. (SILVA, 2011, p. 16). Por outro lado, infere-se da doutrina majoritária que podem ser considerados revogados tacitamente estes dispositivos normativos, agora, contrários à Constituição Federal. Nesse sentido Pablo Stolze e Pamplona Filho, ao dizer que consideramos tacitamente revogados os arts. 1572 a 1578 do Código Civil, perdendo sentido também a redação do art. 1571 no que tange a referência feita ao instituto da separação, enfatizando ainda que não há mais espaço também para o divórcio indireto, pois com

35 o fim da separação judicial, não há o que ser convertido (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2011, p. 56). Conforme Fábia Maschieto, não sobrevive qualquer norma infraconstitucional que trate da dissolução da sociedade conjugal isoladamente, por absoluta incompatibilidade com a Constituição (MASHIETO, 2011, p. 103). Segundo a autora acima referida, No direito brasileiro, há grande harmonia no sentido doutrinário e jurisprudencial acerca da força normativa própria da Constituição. Sejam as normas constitucionais regras ou princípios não dependem de normas infraconstitucionais para estas prescreverem o que elas já prescreveram. O 6º do art. 226 da Constituição qualifica-se como norma-regra, pois seu suporte fático é precisamente determinado: o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, sem qualquer requisito prévio, por exclusivo ato de vontade dos cônjuges. (MASCHIETO, 2011, p. 103). Paulo Lôbo especifica de forma minudente, e que merece transcrição integral para uma melhor compreensão, quais dispositivos estariam tacitamente revogados pela emenda, da seguinte forma: A nova redação do 6º do art. 226 da Constituição importa revogação das seguintes normas do código civil, com efeitos ex nunc: I caput do art. 1571(...), por indicar as hipóteses de dissolução da sociedade conjugal sem dissolução do vínculo conjugal, única via que a nova redação tutela. Igualmente revogada está a segunda parte do 2º desse artigo, que alude ao divórcio por conversão, cuja referência na primeira parte também não sobrevive. II arts. 1572 a 1573, que regulam as causas da separação judicial. III arts. 1574 a 1576, que dispõe sobre os tipos e efeitos da separação judicial. IV art. 1578, que estabelece a perda do direito do cônjuge considerado culpado ao sobrenome do outro. V arts. 1702 e 1704, que dispõe sobre os alimentos devidos por um cônjuge a outro, em razão de culpa pela separação; para o divórcio, a matéria está suficiente e objetivamente regulada no art. 1694. Por fim, consideram-se revogadas as expressões separação judicial contidas nas demais normas do Código Civil, notadamente quando associadas ao divórcio. Algumas normas do código permanecem, apesar de desprovidas de sanção jurídica, que era remetida a separação judicial. É a hipótese do art. 1566, que enuncia os deveres conjugais, ficando contido em sua matriz ética. A alusão feita em

36 algumas normas do Código Civil à dissolução da sociedade conjugal deve ser entendida como referente à dissolução do vínculo conjugal, abrangente do divórcio, da morte do cônjuge e da invalidade do casamento. Nessas hipóteses é apropriada e até necessária a interpretação em conformidade com a Constituição (nova redação do 6º do art. 226) (LÔBO, 2010. p. única). Com efeito, sendo a extinção da separação judicial medida das mais salutares, não restam dúvidas que o seu impacto sobre a legislação seja de grande relevância, a uma, porque não existe mais, a duas, porque parece não mais fazer sentido a permanência em vigor dos dispositivos que a regulam, na medida em que se houve mudança de paradigma, não faz sentido continuar preso ao sistema anterior.

37 5 O DIVÓRCIO CONSTITUCIONAL 5.1 A CULPA NO NOVO DIVÓRCIO Como visto, com a extinção da separação judicial, alguns artigos do Código Civil foram modificados e outros revogados tacitamente, de forma que o instituto da culpa, que repercutia nas causas e efeitos da separação, perde lugar com as reformas. Entretanto, permanecem suas influências no que diz respeito aos vícios de vontade aplicáveis ao casamento, a coação e o erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge, já que a culpa na anulação do casamento, conforme redação do art. 1564 do Código Civil Brasileiro, leva à perda das vantagens havidas do cônjuge inocente e ao cumprimento das promessas feitas no pacto antenupcial (MASCHIETO, 2011, p. 105). Com efeito, dispõe Fábia Maschieto que o direito brasileiro atual vem demonstrar que a culpa na separação conjugal perdeu as conseqüências jurídicas que provocava (MASCHIETO, 2011, p. 105). Acrescenta Décio Luiz Rodrigues, em relação às discussões acerca da culpa, que estas devem ser travadas em ação própria, pois mesmo havendo culpa do cônjuge, é impossível não se decretar o divórcio por isso e complementa dizendo que isso se deve ao fato de que a Constituição não vincula mais nada a possibilidade de decretação do divórcio (RODRIGUES, 2011, p. 34). Asseveram Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho que se o único fundamento para a decretação do divórcio é a falência afetiva da relação, afigura-se