SUBSÍDIOS PARA A DISCUSSÃO ENTRE EDUCAÇÃO E ÉTICA: UMA ANÁLISE SOBRE A AMIZADE EM TOMÁS DE AQUINO (SÉCULO XIII)

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Transcrição:

1 SUBSÍDIOS PARA A DISCUSSÃO ENTRE EDUCAÇÃO E ÉTICA: UMA ANÁLISE SOBRE A AMIZADE EM TOMÁS DE AQUINO (SÉCULO XIII) CAVALCANTE, Tatyana Murer OLIVEIRA, Terezinha Em nossa pesquisa de doutoramento, nos propusemos a investigar, no âmbito da educação, relações entre conhecimento e transformações sociais no Ocidente medievo, especialmente na obra de Tomás de Aquino (1224-5?/1274). Compreendemos que as condições históricas variam e, com elas, também os questionamentos e as aspirações humanas. Com isso, as diferentes sociedades criam mecanismos e instituições que têm por objetivo nutrir os homens de conhecimentos, hábitos e valores que lhes pareçam cruciais. Nesse sentido, verificamos que a sociedade medieval passou por profundas modificações (OLIVEIRA, 2005a), a partir do Ano Mil, 1 entre as quais destacamos o renascimento das cidades, do comércio e a ampliação do universo cristão, em decorrência do contato com outras culturas. Essas transformações promoveram a necessidade de questionar o conhecimento estabelecido. No século XIII, o Ocidente criou a Universidade, uma nova instituição destinada não apenas a ensinar, mas principalmente a elaborar novos saberes. O ambiente citadino 2 local de nascimento da Universidade 3 alterou sensivelmente as relações sociais dos homens medievos, tornando-as mais complexas. Muitos fatores colaboraram para o fenômeno, como a nova organização do trabalho (a corporação, criada no século XII) e a multiplicidade de papéis a ela relacionados. 1 Não pretendemos neste trabalho discutir o conjunto dessas transformações. 2 Sabemos que a maior parte das pessoas naquele contexto vivia nos campos: no século XIV, cerca de 20% delas habitava as cidades (LE GOFF, 1998). Entendemos, entretanto, que as cidades foram a referência para a construção dos novos saberes. 3 O presente texto não tem como objetivo debater o nascimento dessa instituição ou a sua organização interna, mas o conhecimento que ela produziu. No entanto, cabe lembrar que sua origem não foi uniforme, havendo diferentes modalidades de organização (ex-consuetudine; ex-privilegio; ex-migratione). Embora reconheçamos que o início da organização das corporações universitárias remete-se ao século XII, assumimos seu nascimento no século XIII, com as bulas de reconhecimento papal. Sendo a Universidade de Paris (ex-consuetudine) o grande centro do debate filosófico a Meca Intelectual do século XIII ela é a nossa referência. Para ter acesso à discussão, consultar as obras de ULLMANN (2000) e VERGER (1990).

2 As condições de existência neste período experimentaram melhorias principalmente relacionadas à segurança propiciada pelas cidades, 4 contribuindo para a retomada da preocupação com a vida material. 5 A cidade apresentava novas perspectivas de vida e, ao mesmo tempo, impunha novas necessidades. Como compreender as novas circunstâncias, o novo homem, suas novas atividades e perspectivas, sem perder de vista o objetivo da salvação da alma? No interior da instituição universitária, mestres e discípulos se dedicaram ao debate que, em diferentes áreas do conhecimento, procurou compreender e delimitar os espaços da fé e da razão, da ação divina e humana. O século XIII deixou como legado a produção de um conhecimento profícuo, fruto da busca de entendimento e superação histórica dos homens medievos. As concepções teóricas que vigoravam ao raiar do século XIII assentavam-se na tradição neo-agostiniana do conhecimento, que não mais conseguia responder completamente aos anseios dos homens, motivo pelo qual os pensadores da Universidade precisaram contrapor ao conhecimento estabelecido obras da literatura filosófica antiga (Greco-Romana) e as recém-descobertas obras Árabe e Judaica (VERGER, 1990; ULLMANN, 2000; LAUAND, 2004; OLIVEIRA, 2005). Ao longo do mesmo século, o Ocidente teve acesso a grande parte da obra de Aristóteles que lhe era desconhecida, principalmente por traduções feitas a partir de versões em árabe. Essas traduções contribuíram significativamente para o estabelecimento e o confronto entre bases teóricas distintas de um lado a Teologia Cristã e de outro a Filosofia elaborada a partir da experiência sensível, principalmente aristotélica. Aristóteles foi o autor mais questionado, aclamado e criticado no ambiente universitário e sua obra trouxe expressiva contribuição aos debates acadêmicos (VERGER. 2001). 4 Le Goff (1998) explica que a preocupação das cidades medievas em conter a violência diz respeito, no primeiro momento, apenas à proteção dos habitantes em relação aos perigos externos, que poderiam advir de fora de suas muralhas, que eram rigorosamente vigiadas. No entanto, em seu desenvolvimento e já no século XIII, os citadinos preocuparam-se também com a segurança no interior das muralhas, uma vez que o ambiente urbano acolhia homens em situação social extremamente diversa. 5 As condições de vida na aurora da Idade Média, geridas pela violência e pela força, explicam a necessidade de renegar a vida material (OLIVEIRA, 2005).

3 A contraposição entre bases teóricas distintas permitiu àqueles homens questionar o conhecimento estabelecido e criar saberes pertinentes ao seu tempo. Dentre os novos saberes, consideramos essencial a elaboração relativa ao convívio entre os homens. Por esse motivo buscamos, em nossa pesquisa, compreender a legitimidade do reconhecimento do bem-comum na obra de Tomás de Aquino, um dos mais expressivos autores do período, conhecido por elaborar uma proposta conciliatória entre a fé e a razão (VERGER, 1990; ULLMANN, 2000). Os intelectuais que se dedicam ao estudo de Tomás de Aquino afirmam que ele consagrou toda a sua vida ao conhecimento e ao ensino. Nascido em 1224-5?, o Mestre de Aquino como também é conhecido produziu sua obra na agitação citadina do século XIII. Segundo Lauand: Os cinqüenta anos da vida de Tomás de Aquino (1225-1274) estão plenamente centrados no século XIII, e não só do ponto de vista cronológico: todas as significativas novidades culturais desse tempo mantêm estreita relação com sua vida e lutas. Ao contrário do clichê que o apresenta como uma época de paz e equilíbrio harmônico, esse século é um tempo de agudas contradições, tanto no plano econômico e social como no do pensamento (LAUAND, 1999, p. 4-5). Ao observarmos, ainda que rapidamente, a biografia do Mestre de Aquino, conseguimos compreender a motivação de Lauand para imbricar nosso autor ao século XIII. Ainda criança, com cerca de 6 anos, o Aquinate foi entregue como oblato à Abadia Beneditina de Monte Cassino. Alguns anos mais tarde, estudou Artes Liberais na Universidade de Nápoles (1239-1244), situação na qual teve acesso aos textos aristotélicos de Lógica e Filosofia Natural, bem como teve oportunidade de conhecer a recém-criada Ordem Dominicana, à qual se integrou em 1244 (TORRELL, 1999). Foi discípulo do Mestre Alberto Magno em Paris (1245/1248) e em Colônia (1248/1252). Iniciou seu trabalho como professor universitário em Paris, em 1252, primeiro como Bacharel Sentenciário (até 1256) e em seguida como Mestre Regente (até 1259). Entre 1260 e 1268 foi convocado a realizar sua tarefa fora de Paris, tendo provavelmente atuado em Nápoles, Orvieto, Roma e Viterbo. Retomou a docência em Paris entre 1269 e 1272. De volta à Nápoles, foi Regente de Teologia entre 1272 e 1273. Veio a falecer em 1274 (LAUAND, 1999). Dessa forma, desde quando estudou Artes Liberais em Nápoles,

4 nosso autor se dedicou ao conhecimento e ao ensino na vida citadina, ou seja, esteve em condições de integrar-se aos debates travados no seio universitário. Como resultado de sua dedicação, o Mestre de Aquino produziu uma vasta obra, da qual a Suma de Teologia, 6 composta entre 1265 e 1273, em diversas cidades e sob diferentes situações, é a principal (TORRELL, 1999). Assim como a Universidade, o estilo literário conhecido como suma (em Latim summa) foi uma criação do século XIII, das entranhas dessa instituição, como esforço de compreensão teórica daqueles homens. A suma tinha como objetivo resumir (que podemos traduzir por dizer tudo sobre ) determinada disciplina. Organizava-se internamente em questões e estas em artigos, que eram construídos a partir de uma pergunta dialética. Entender a composição do artigo é essencial, pois nele verificamos como os mestres universitários utilizavam suas fontes, nomeadas na época de autoridades. Os artigos eram iniciados por duas séries de argumentos, apoiadas em citações de autoridades, que se contrapunham. Era comum que o autor apresentasse, na série inicial, o grupo de argumentos dos quais discordaria. Em seguida constava a parte mais importante do artigo, conhecida por corpo do artigo, que consistia na resposta (ou solução) do problema e determinava a posição do autor. Nos textos de Tomás de Aquino, verificamos que muitas vezes ele concordava em parte ou de certa forma, com alguns dos argumentos iniciais. A última parte do artigo era dedicada ao esclarecimento ou à refutação de cada um dos argumentos iniciais (KENNY; PINBORG, 1984). Se o objeto da Suma de Teologia de Tomás de Aquino é resumir a teologia, seu objetivo é maior, é pedagógico, conforme nos esclarece o próprio autor, no prólogo da obra: tratar do conhecimento teológico de maneira ordenada, clara e sucinta, no interesse da formação dos iniciantes. Apenas esse objetivo seria suficiente para dedicarmos estudos históricos à obra. Entretanto, a compreensão de nosso autor sobre a Teologia nos apresenta motivos adicionais, uma vez que segundo o Mestre de Aquino, ela não se restringe ao conhecimento de Deus em si mesmo. Nas palavras dele: 6 O nome mais antigo e mais atestado desta obra é Summa Theologiae, em português, Suma de Teologia. Hoje é mais conhecida pelo nome Suma Teológica, em latim Summa Theologica. Esta segunda forma aparece menos vezes e mais recentemente na literatura Medieval, motivo pelo qual preferimos nos referir à obra como Suma de Teologia (TORRELL, 1999, p. 173).

5 O objetivo principal da doutrina sagrada está em transmitir o conhecimento de Deus não apenas quanto ao que ele é em si mesmo, mas também enquanto é o princípio e o fim das coisas, especialmente da criatura racional, como ficou demonstrado. No intento de expor esta doutrina, havemos de tratar: 1. de Deus; 2. do movimento da criatura racional para Deus; 3. do Cristo, que, enquanto homem, é para nós o caminho que leva a Deus (TOMÁS DE AQUINO, ST, I a, q. 2, prólogo 7 ). Por tratar do movimento humano que leva a Deus essa obra nos interessa profundamente. Nela está explícita a preocupação com a formação moral cristã e pode causar a impressão de voltar-se para uma discussão global acerca do tema. Entretanto, ao avançarmos na leitura, compreendemos que a análise do movimento que leva a Deus engendra por caminhos que debatem as ações que os homens realizam. A obra parte de questões mais abstratas, mas avança para a compreensão das condições concretas da experiência humana. Martin Grabmann (1944), ao explicitar o plano da Suma de Teologia, esclarece que a primeira parte da obra trata de Deus em si mesmo e da procedência das criaturas, enquanto a segunda volta-se ao homem, considerado livre para escolher e agir; a terceira parte, por sua vez, destina-se ao estudo do exemplo vivido por Cristo, enquanto modelo de caminho a ser tomado. Como nosso interesse neste estudo dirige-se ao bem-comum, cerceamos o olhar à segunda parte, visto que essa preocupação está relacionada a determinadas escolhas humanas, objetivadas em ações. Segundo Grabmann: A segunda parte da Suma teológica considera o homem enquanto ser livre moral e, como tal, podendo tender para Deus como seu fim último, mas também afastar-se deste fim supremo. Em conjunto, o objeto desta segunda parte da Suma pode assim definir-se: os fins últimos da vida humana e os meios que para lá conduzem. Estes meios podem ser considerados em geral e em particular. O estudo do fim último e dos meios em geral faz o objeto da primeira secção da Secunda, que se chama Prima Secundae ; o estudo dos meios em particular é o objeto da segunda secção da Secunda, a Secunda Secundae, a mais extensa (GRABMANN, 1944, p. 137). Na segunda parte da obra, Tomás de Aquino traça o caminho para a realização do fim último do homem. Por esse motivo, analisa as virtudes e, em oposição a elas, os vícios. 7 Sabemos que a norma para a referência em citação obedece ao padrão AUTOR, data, página; entretanto, para textos medievais utilizamos AUTOR, obra, localização da citação no interior da obra.

6 O autor apresenta essa discussão de maneira geral na primeira seção e de maneira particular na segunda: Depois do tratado geral das virtudes e dos vícios e de outros dados referentes à moral, é necessário considerar cada ponto em particular. Porque, na moral, as generalidades são pouco úteis, já que as ações se realizam em situações particulares (TOMÁS DE AQUINO, ST, II a II ae, prólogo Grifos nossos). Assim, como buscamos compreender as relações entre o conhecimento e as transformações sociais, nos interessamos pelas situações reais. Considerando os limites deste trabalho, decidimos pela análise da questão A amizade ou afabilidade, da segunda seção da segunda parte, constante no tópico dedicado à justiça 8 (q. 57-122). Segundo Torrell (1999) essa parte da obra provavelmente foi composta entre 1271 e 1272, durante a segunda regência de Tomás de Aquino em Paris. A amizade ou afabilidade (ST, II a, II ae, q. 114) é discutida imediatamente após as questões destinadas a tratar dos pecados sociais contra a verdade (q. 109-113), uma vez que, como afirma Grabmann, para Tomás de Aquino homem tem o dever de dar-se ao próximo tal qual ele é (1944, p. 148). Tomás de Aquino considera o homem do ponto de vista teológico/filosófico, o que equivale a dizer que suas elaborações filosóficas sobre o homem guardam uma profunda relação com os preceitos teológicos. Essa relação será apresentada com mais clareza ao longo do texto. Ao debater se a verdade é parte da justiça, afirma Tomás de Aquino: [...] deve-se dizer que por ser um animal racional, o homem deve a outro, pela própria natureza, aquilo que é indispensável à conservação da sociedade humana. Ora, os homens não poderiam conviver se não acreditassem uns nos outros, como pessoas que mutuamente dizem a verdade. Por conseguinte, de certa maneira, a virtude da verdade atende à razão de dívida (ST, II a II ae, q. 113, a. 3, Ad1m). Ora, discutir os pecados sociais contra a verdade nos remete à necessidade de explicitar que o Aquinate trabalha com duas possibilidades distintas de verdade: a humana e a divina. Essa proposição dupla nos permite supor a mutabilidade do conhecimento 8 São quatro as virtudes morais ou cardiais: prudência, justiça, coragem e temperança. Tomás de Aquino aborda todas elas na segunda parte da obra, além, é, claro de dedicar-se às virtudes teologais (fé, esperança e caridade).

7 humano, bem como a legitimidade das transformações sociais produzidas pelos homens. De maneira geral, verificamos que as verdades e os saberes eram questionados no século XIII. Para compreendermos melhor o posicionamento de Tomás de Aquino em relação às diferentes verdades, cabe apresentar as considerações feitas por Oliveira (2005a): 9 [...] Ora, se a verdade está no intelecto humano e é esse intelecto que define a verdade, no momento em que esse intelecto não reconhece mais uma coisa como verdadeira, ela deixa de ser verdade para ser falsa, pois que a verdade está em conformidade com aquilo que reconhecemos como tal. Desse modo, como o intelecto humano se modifica, a verdade para os homens é algo mutável, ou seja, Santo Tomás reconhece que no âmbito do intelecto humano, nas relações humanas, as verdades podem sofrer alterações. Os homens, portanto são passíveis de promover mudanças. Todavia, o intelecto divino, como possui em si a verdade única e suprema, a verdade não se modifica, ela é única e imutável (OLIVEIRA, 2005a, p.54). Com essa prerrogativa, podemos adentrar a questão, que é breve quando comparada a outras da mesma obra. Subdivide-se em apenas dois artigos, que questionam se a amizade é uma virtude especial (1º) e se ela faz parte da justiça (2º). O primeiro artigo debate a possibilidade da amizade ser um vício e não uma virtude, enquanto o segundo assegura-a enquanto virtude ligada à justiça. Apresentaremos os dois com mais detalhes. No primeiro artigo (A amizade é uma virtude especial?) o autor esclarece que toda virtude é ordenada para algum bem e, para que haja um bom convívio social é necessário que os homens atuem de maneira conveniente. Afirma: Ora, é preciso que as relações entre os homens se ordenem harmoniosamente num convívio comum, tanto em ações quanto em palavras, ou seja, é necessário que cada um se comporte com relação aos outros de maneira conveniente (TOMÁS DE AQUINO, ST, II a II ae, q. 114, c.). Em seguida, ao responder aos argumentos iniciais, nosso autor aprofunda suas idéias acerca do convívio harmonioso entre os homens. Mas especificamente, o terceiro argumento inicial, pautado numa citação aristotélica, afirmava que qualquer virtude era um meio-termo determinado pelo sábio, tornando necessário precaver-se contra o 9 Nesse trecho da obra, Oliveira discute a questão que Tomás de Aquino dedica à Verdade, na Primeira Parte da Suma de Teologia (ST, I a, q. 16).

8 prazer, tomado como algo contrário à sabedoria. Ou seja, a amizade previa um convívio harmonioso compreendido como prazeroso que poderia ameaçar a ação virtuosa, ao invés de colaborar para ela. Contra esse argumento, afirma Tomás de Aquino: Pertence aos sábios trazer prazer para aqueles de cujo convívio participam. Não o prazer lascivo que a virtude recusa, mas o prazer honesto (...). Algumas vezes, porém, para conseguir um bem ou afastar-se do mal, o homem virtuoso não terá medo de entristecer seus companheiros, como diz Aristóteles. (TOMÁS DE AQUINO, ST, II a II ae, q. 114, a. 1, Ad3m.). Ora, nosso autor compreende que tratar os demais homens com cordialidade em gestos e palavras, evitando confrontos verbais e físicos, ou seja, viver bem coletivamente é uma ação sábia. Mas tratar cordialmente não significa adular, submeter-se aos outros cegamente. A virtude da amizade consiste no bem-viver consciente. É necessário, portanto, conhecer os homens como eles realmente são e também as verdades da fé para agir sabiamente. Muito embora nossa intenção seja analisar a questão A amizade ou afabilidade, por relacionar-se à justiça e, portanto, às relações entre os homens, não podemos deixar de considerar que Tomás de Aquino discute o conceito de amizade também em outro trecho da obra, ao tratar da virtude teologal da Caridade. Essa discussão é apresentada na questão A caridade em si mesma (ST, II a II ae, q. 23, a. 1), na qual o autor considera a amizade a partir de outro ponto de vista, vinculada ao amor benevolente, ao amor pelo qual queremos bem a quem amamos (q. 23, a. 1, c.), ou seja, a partir da relação entre o homem e Deus. Ele defende certa comunhão, certa amizade entre o homem e a divindade, em razão do homem participar espiritualmente da bem-aventurança divina. Para compreendermos esse pensamento com exatidão é fundamental trazermos à tona o conceito de participação. Lauand assim o define, ao discutir a relação entre verdade de conhecimento na obra do Aquinate: [o sentido profundo e decisivo da participação]... é expresso pela palavra grega metékhein, que indica um ter com, um co-ter, ou simplesmente um ter em oposição a ser, um ter pela dependência (participação) com o outro que é. (...) Tomás, ao tratar da Criação, utiliza este conceito: a criatura tem o ser, por participar do ser de Deus, que é ser. E a graça nada mais é do que ter por participação na

9 filiação divina que é em Cristo a vida divina que é na Santíssima Trindade (LAUAND, 1999, p.56-57). Ainda na questão que relaciona a amizade à caridade, Tomás de Aquino esclarece que o homem pode amar, em virtude do amor divino, até os pecadores, sem que a amizade perca o caráter de uma virtude honesta. Para fazer essa consideração, o autor compreende que os homens estão ligados entre si por obra divina. Por participarem do amor divino, os homens podem amar aos outros homens, porque, antes de tudo, amam a Deus e, por conseqüência, podem amar aquilo que o amado ama. Assim, os aspectos intelectuais dos homens se dão por analogia a Deus, seja na relação homem/divindade, seja na relação homem-a-homem. Depois de consultarmos a relação entre a caridade e a amizade, podemos retomar a análise da questão que liga a amizade à justiça, em seu segundo artigo, intitulado Esta amizade é parte da justiça? Isso porque anteriormente o autor associou, pela amizade, o homem a Deus, tratando-a como uma virtude ligada à caridade. Agora Tomás de Aquino precisa investigar se pode também considerar a amizade como prerrogativa entre os homens, como parte da virtude cardeal da justiça. Mais uma vez, precisamos consultar outra parte da obra, na qual Tomás de Aquino elabora o conceito de justiça. Trata-se do primeiro artigo da primeira questão dedicada a ela (É conveniente a definição: a justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito?). Nele a justiça é entendida como ato virtuoso relativo a outrem, como dar ao outro o que lhe é devido. O mesmo artigo esclarece também que o ato virtuoso é necessariamente voluntário, estável e firme (ST, II a, II ae, q. 58, a. 1, c.). O propósito do segundo artigo da questão sobre a amizade consiste, portanto, em verificar na relação entre os homens, se a amizade pode proporcionar a justiça, ou seja, se por meio dela o homem pode dar a outro o que é de seu direito. Em primeiro lugar, o autor responde que a amizade liga-se à justiça, uma vez que a amizade também é relativa ao outro (se tem amizade pelo outro). Adiante, ainda na resposta geral, o Aquinate nos permite avançar no significado dessas relações.

10 Segundo nosso autor, o caráter especial da amizade não está vinculado a alguma lei ou a alguma dívida gerada por benefício recebido, que o homem tenha que honrar, como as demais virtudes sociais. Ao invés, considera a vinculação do sujeito mais em relação a ele mesmo, como uma característica de pessoa honrada. Em suas palavras: a amizade leva em conta apenas uma dívida de honra que é muito mais própria do virtuoso do que do outro, levando-o a fazer para o outro o que convém (ST, II a II ae, q. 114, a. 2, c.). Dessa forma, a amizade se revela como uma virtude especial, na medida em que considera de um lado o sujeito que se dedica à honra e, de outro, o outro homem que recebe a ação virtuosa. Em relação a esse artigo, ainda nos interessam as respostas individuais aos argumentos iniciais, especialmente ao primeiro e ao terceiro. Na resposta ao primeiro argumento, verificamos com maior propriedade a elaboração tomasiana, uma vez que o argumento referido negava que a amizade pudesse pertencer à justiça, justificando que fazer do convívio com outros homens algo agradável não implica em dar ao outro o que lhe é devido. Assim responde o Aquinate: QUANTO AO 1º, portanto, deve-se dizer que o homem é, por natureza, um animal social e deve com honestidade manifestar a verdade aos outros homens, sem o que a sociedade humana não poderia durar. Ora, assim como o homem não poderia viver numa sociedade sem verdade, assim também não poderia viver numa sociedade sem prazer. Aristóteles diz: ninguém consegue passar um dia inteiro com uma pessoa triste e sem atrativos. Por isso o homem é obrigado, por uma espécie de dívida natural de honestidade, a tornar agradáveis as relações com os outros, a menos que, por um motivo particular, seja necessário contristar outros para o próprio bem deles (TOMÁS DE AQUINO, ST, II a II ae, q. 114, a. 1, Ad1m.). Nosso autor explicita claramente a necessidade da verdade e do prazer intelectual, bem como estabelece claramente a definição de amizade: ela é necessariamente honesta, ou seja, em nenhum momento inclina-se aos vícios, aos pecados. Por fim, o Mestre de Aquino responde ao terceiro argumento. Esse afirmava que a amizade não era uma virtude especial ligada à justiça, pois, segundo a definição aristotélica, a amizade supunha tratar desiguais como iguais, conhecidos como desconhecidos, sendo contrária à justiça. Assim nosso autor responde ao argumento e completa a análise da questão:

11 QUANTO AO 3º, deve-se dizer que não se deve interpretar esta palavra de Aristóteles como se alguém devesse oferecer o mesmo tratamento aos conhecidos e desconhecidos. E ele próprio acrescenta: Não convém tratar da mesma maneira familiares e estranhos, quando se trata de participar das alegrias ou das tristezas. A semelhança consiste, pois, em que se deve tratar a todos como convém (TOMÁS DE AQUINO, ST, II a II ae, q. 114, a. 1, Ad1m.). A exposição e discussão dos artigos da questão A amizade ou afabilidade, aliada as definições procedentes de outros momentos da obra, bem como da análise de autores que nos são contemporâneos, nos permite compreender um pouco do pensamento ético de Tomás de Aquino. Quando o autor estabelece que a amizade tem como função principal junto à justiça tornar o convívio social agradável, sem perder de vista que o condicionante maior do homem é a busca da verdade, o Mestre de Aquino afirma claramente que o conhecimento, o bem-comum e a bem-aventurança estão estreitamente condicionados. Ora, o conhecimento da verdade (enquanto fim último do homem), aliado a busca do bem-viver cotidiano (que pressupõe o conhecimento dos homens e das realidades como elas são), não apenas torna possível, mas sobretudo desejável a oposição dos homens às situações que sabiamente podem avaliar como ruins, ou seja, naquelas situações em que a conservação da sociedade humana, enquanto caminho para alcançar A Verdade (Deus), está em risco. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao vislumbrarmos o conceito de amizade discutido por Tomás de Aquino ao longo desta questão, compreendemos que para nosso autor ela é essencial ao estabelecimento de boas relações sociais no cotidiano dos homens. É claro que a preocupação do Mestre de Aquino era a salvação da alma. Mas precisamos compreender que, do ponto de vista teórico, é justamente a possibilidade de partilhar o amor divino definido como caridade que aproximava os homens nesse autor: os homens estariam ligados entre si porque estavam ligados a Deus. A virtude da amizade, ao solicitar o bom convívio com os outros, abria espaço para a discussão acerca do bem-comum. O vínculo da amizade não mais fazia referência às pessoas mais próximas, conhecidos e familiares, não se restringia ao domínio privado,

12 mas visava um novo espaço, que implicava na convivência com estranhos poderíamos arriscar: num domínio mais público? Para nosso autor, a educação era condição absolutamente necessária para que os homens pudessem conviver harmoniosamente, uma vez que não possuíam um conhecimento natural da Verdade, do Bem, compreendido como conhecimento de Deus. Para entender a necessidade de viverem bem com os outros homens, necessitavam compreender o que seriam as virtudes e os vícios. O conhecimento possibilitaria distinguir as diferentes situações reais, bem como as boas escolhas nos usos de palavras e ações. Do contrário, como os homens poderiam discernir quando concordar e quando se opor às ações alheias? Muito embora reconheçamos que as condições históricas atuais sejam muito diversas daquelas vividas pelos homens do Ocidente no século XIII, entendemos que as elaborações teóricas daqueles pensadores podem nos ajudar a discutir os problemas que nossa época nos impõe. Com isso, não pensamos que as respostas por eles encontradas possam ser soluções para os nossos problemas que são outros mas compreendemos que alguns assuntos tratados por aqueles autores continuam atuais. Tomás de Aquino, entre outros importantes pensadores do século XIII, ao buscar nos autores da Antiguidade conhecimentos que lhe propiciassem compreender melhor o seu tempo, não os leu de modo servil: procurou verificar em que medida ainda poderiam ser instrumento de análise teórica da realidade e, em que medida as condições de sua sociedade clamavam por interpretações mais complexas. A produção intelectual desses autores nos instiga a avaliar os usos que fazemos de nossos referenciais teóricos: em que medida estamos atentos às suas verdades históricas e, portanto, provisórias? Por outro lado, precisamos também avaliar que questões ainda nos parecem relevantes e de que forma nos posicionamos em relação a elas: algo que se assemelhe ao bemcomum nos interessa? Finalmente, cabe questionar se não naturalizamos demais as relações humanas, a ponto de desconsiderarmos a importância da educação para a vida social?

13 REFERÊNCIAS GRABMANN, M. Plano da Suma Teológica. In: GRABMANN, M. Introdução à Suma Teológica de Sto. Tomás de Aquino. Petrópolis: Vozes, 1944. p. 132-156. KENNY, A; PINBORG, J. The Cambridge Historia of Late Medieval Philosofy: from de Rediscobery af Aristotle to the Desintefration of Scholasticism, 1100-1660. Cambridge University Press, 1984, p. 11-42. LAUAND, J. Introdução e estudos introdutórios. In: TOMÁS DE AQUINO. Sobre o ensino (De magistro) e Os sete pecados capitais. 2ª. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004 p. VII-XII; 3-22. LAUAND, J. Tradução, estudos introdutórios e notas. In: TOMÁS DE AQUINO. Verdade e Conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p.1-80; p. 387-390. LE GOFF, J. Por amor às cidades. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. OLIVEIRA, T. Escolástica. São Paulo/Porto: Mandruvá/ Univ. do Porto, 2005. OLIVEIRA, T. As Universidades na Idade Média (séc. XIII). São Paulo/Porto: Mandruvá/Univ. do Porto, 2005a. TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica. São Paulo: Loyola, 2001. TOMÁS DE AQUINO. A caridade em si mesma (ST, II a II ae, q. 23, a. 1). In: TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica. São Paulo: Loyola, 2001. v. V, p. 293-295. TOMÁS DE AQUINO. É conveniente a definição: a justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito? (ST, II a II ae, q. 58, a. 1). In: TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica. São Paulo: Loyola, 2001. v. VI, p. 54-57. TOMÁS DE AQUINO. A verdade faz parte da justiça? (ST, II a II ae, q. 113, a. 3). In: TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica. São Paulo: Loyola, 2001. v. VI, p. 607-609. TOMÁS DE AQUINO. A amizade ou afabilidade (ST, II a II ae, q. 114). In: TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica. São Paulo: Loyola, 2001. v. VI, p. 642-646. TORRELL, J-P. Iniciação a Santo Tomás de Aquino: sua pessoa e sua obra. São Paulo: Loyola, 1999. ULLMANN, R. A universidade medieval. 2ª ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. VERGER, J. Cultura, ensino e sociedade no Ocidente nos séculos XII e XIII. Bauru, SP: EDUSC, 2001. VERGER, J. As universidades na Idade Média. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1990.