Machado de Assis e as experiências subjetivas na aprendizagem por meio dos signos, segundo Deleuze Lilian Silva 1 Resumo: Este artigo investiga Machado de Assis como um potencializador para experiências subjetivas na aprendizagem, por meio dos signos, no sentido dado ao termo por Deleuze. Para tanto, a partir da obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, são identificados signos, que podem funcionar como intercessores, contribuindo para fruição, reflexão e criação dos alunos. Tal atualização, que toma como base Proust e os Signos de Deleuze, intenciona mostrar o potencial do uso dos signos, considerando-os "significações (antes não existentes) que emergem e que dependem de um trabalho de criação entre a individuação e o caos". Seguindo na proposta do VI Seminário Conexões, destaca-se que "o pensamento deleuziano é atravessado pelas intensidades que se produzem na relação com o plano de imanência, condição para a emergência e sentidos da diferença e devires". Desse modo, indicam-se devires que os signos machadianos podem proporcionar ao aluno, pensando em componentes de subjetividade e processos de singularização. Palavras-chave: Signos. Gilles Deleuze. Machado de Assis Não importa ao tempo o minuto que passa, mas o minuto que vem. O minuto que vem é forte, jucundo, supõe trazer em si a eternidade, e traz a morte, e perece como o outro, mas o tempo subsiste Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas O objetivo deste artigo é investigar Machado de Assis como um potencializador para experiências subjetivas na aprendizagem. Pretende-se mostrar que os signos presentes na obra Memórias Póstumas de Brás Cubas podem funcionar como intercessores, contribuindo para pensar caminhos que propiciem ao aluno ousar e ensaiar (DELEUZE, GUATTARI, 2007), permitindo novas experiências subjetivas, ativas e abertas (ROLNIK; GUATTARI, 1985, 2005). Para tanto, Proust e os Signos de Gilles Deleuze é tomado como base para uma atualização dos signos em Memórias Póstumas de Brás Cubas. A conceituação teórica parte da definição de signo e intercessor, no sentido dado aos termos por Deleuze. O método fundamentada-se no acolhimento do 1 Jornalista formada pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", UNESP e Mestranda no Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Federal de São Paulo, Unifesp.
signo como o próprio elemento intercessor, não sendo a interpretação proposta uma hermenêutica, que desvela a verdade pela verdade. Assim, busca-se entender: quais reflexões os signos machadianos podem trazer ao aluno, pensando em componentes de subjetividade e processos de singularização. A concepção de signo costura boa parte da escrita deleuzeana. Segundo o autor, todo ato de aprender está relacionado à interpretação por meio deles: nunca se sabe como uma pessoa aprende; mas, de qualquer forma que aprenda, é sempre por intermédio de signos, perdendo tempo, e não pela assimilação de conteúdos objetivos (DELEUZE, 2003, p.21). Afirma-se a relação entre os signos e a aprendizagem quando Silvio Gallo retoma Deleuze exemplificando que ensinar é colocar sinais para que outros possam orientar-se, aprender é encontrar-se com esses sinais (2012, p.3). Para Deleuze, na obra Em busca do tempo perdido de Marcel Proust 2, desponta a questão de que "a verdade nunca é o produto de uma boa vontade prévia, mas o resultado de uma violência sobre o pensamento" (2003, p.15). E complementa: "as significações explícitas e convencionais nunca são profundas; somente é profundo o sentido, tal como aparece encoberto e implícito num signo exterior (idem)". Ora, portanto o signo é um ponto de encontro na medida em que força a pensar e procurar o que é verdadeiro (ibidem). E é por meio do aspecto do signo, que se atrai o conceito de intercessor. O essencial são os intercessores. A criação são os intercessores. Sem eles não há obra. Podem ser pessoas - para um filósofo, artistas ou cientistas; para um cientista, filósofos ou artistas - mas também coisas, plantas, até animais [ ]. Fictícios ou reais, animados ou inanimados, é preciso fabricar seus próprios intercessores [ ]. Se não formamos uma série, mesmo que completamente imaginária, estamos perdidos. Eu preciso de meus intercessores para me exprimir (...) (DELEUZE, 2010, p.156, grifo nosso) A fim de aprofundar as possibilidades de experiências subjetivas na obra machadiana, optou-se por um tema, que permeia de forma absoluta ambas as produções literárias: a passagem do tempo. Está em jogo, de forma central, na obra de Proust, a questão do tempo perdido e do tempo redescoberto, sendo que as diversas camadas temporais percorridas pelo protagonista são 2 Proust (1871-1922) produziu nessa obra uma espécie de autobiografia que fala sobre o tempo, a memória e a imaginação. Ao todo são oito volumes: No Caminho de Swann, À Sombra das Raparigas em Flor, O Caminho de Guermantes (1 e 2), Sodoma e Gomorra, A Prisioneira, A Fugitiva e O Tempo Redescoberto.
perpassadas por signos. Já Brás Cubas apresenta o tempo das memórias, que escancara ao leitor o eterno movimento das coisas que estão no tempo. Esse processo se dá quando o tempo psicológico surge sem ordem linear, do narrador alémtúmulo, que retoma a história de sua vida de maneira arbitrária, com digressões, manipulando os fatos à revelia. A narrativa segue desordenadamente, sob o comando do fluxo de sua memória ou do que ele intenciona. Mas há também o tempo cronológico, em que os acontecimentos obedecem a uma ordem: infância, adolescência, ida para Coimbra, volta ao Brasil e morte. A questão é mais complexa pois há a camada do tempo da escrita, que implica em uma intransitoriedade: o narrador está perdido no infinito da morte, que não lhe envelhece mais. Trata-se de: não um autor-defunto e sim um defunto-autor (ASSIS, 2008, p.17). Todo esse questionamento se dá a partir do fato de que Brás Cubas narra sua história de forma póstuma, do além-túmulo, o que implica em um novo olhar sobre fatos que já aconteceram. Tal olhar é desprendido de julgamentos à primeira vista, ele fala o que pensa pois já não precisa agradar ninguém e dialoga apenas com o leitor. No momento em que conta sua história, retoma-a pela memória e, muitas vezes, se contradiz ou afirma não ter certeza se os fatos foram realmente como está narrando. Ora, há, portanto, um jogo de percepções temporais: quando ocorreram os fatos, quando ele lembra e ainda outro, o tempo da enunciação em que narra (GUIMARÃES, 2013). Daí pode-se estabelecer um paralelo com Deleuze, pois esse assunto também está presente em Em busca do tempo perdido: Daí a grande distinção entre o Tempo perdido e o Tempo redescoberto (...) O tempo perdido não é apenas o tempo que passa, alterando os seres e anulando o que passou; é também o tempo que se perde (...) E o tempo redescoberto é, antes de tudo, um tempo que redescobrimos no âmago do tempo perdido e que nos revela a imagem da eternidade; mas é também um tempo original absoluto, verdadeira eternidade que se afirma na arte (DELEUZE, 2003, P.16). A partir do lugar de onde Brás Cubas fala - após a morte - há um posicionamento do narrador para contar a história. A tragédia da existência para ele está ligada à certeza da morte. Assim o tempo perdido de Proust assemelha-se, de novo, às Memórias Póstumas, pois esse autor concebe a mudança da passagem do tempo "como uma defecção, uma corrida para o túmulo" (DELEUZE, 2003, p.17). E do além-túmulo, tudo o que resta a Brás Cubas é o niilismo expresso em: não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria, na sintomática frase que encerra o livro.
Por meio desses exemplos de percepções de signos do tempo, apontam-se caminhos para propiciar ao aluno experiências subjetivas, especificamente em relação a: transitoriedade do estado das coisas, o caráter fugidio da existência no movimento incessante do tempo, o eterno devir das coisas, o jogo de diferentes percepções temporais: tempo cronológico, tempo psicológico, o tempo inevitável da corrida para o túmulo, o tempo específico em que se encontra Brás Cubas e o tempo implicado quando se retoma os fatos pela memória. Confirma-se assim Machado de Assis como um intercessor para experiências subjetivas na aprendizagem. Acima de tudo, observa-se que as percepções sugeridas rumam em direção a uma proposta específica de subjetividade. Trata-se de uma busca constante para compreender o tempo, em que está em jogo um exercício com o pensamento de acordo com as próprias experiências vividas. Parafraseando Deleuze: "e mais importante do que o pensamento é aquilo que faz pensar" (DELEUZE, 2003, p.30). Bibliografia ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Globo, [1888] 2008. DELEUZE, Gilles.; GUATTARI, Félix. Mil Platôs. Vol. 1. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2007. DELEUZE, Gilles. Conversações. 2 ed. Trad. Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 2010. DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. 2.ed. trad. Antonio Piquet e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. GALLO, Silvio Donizetti. As múltiplas dimensões do aprender. Congresso de Educação Básica Aprendizagem e Currículo, 2012. <disponível em: www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/13_02_2012_10.54.50.a0ac3b8a140676ef8ae0dbf32e66 2762.pdf> Acesso em: 25 de outubro de 2014. GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Notas de Aula. Disciplina: Literatura Brasileira IV, curso de Letras, FFLCH/USP. Aula: Machado de Assis, Memórias Póstumas. Set. 2013. ROLNIK, S.; GUATTARI, F. Micropolítica: cartografias do desejo. 7 ed. Petrópolis: Vozes, 2005 [1981]. ROLNIK, S.; GUATTARI, F. Revolução molecular: pulsações políticas do desejo. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1985 [1981]. SCHÖPKE, Regina. Por uma filosofia da diferença: Gilles Deleuze, o pensador nômade. Rio de Janeiro: Contraponto. São Paulo: Edusp, 2004.
PROUST, Marcel. Em busca do tempo perdido. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. 1 volume