Universidade no Ar: As Vozes Silenciadas das Mulheres Trans 1

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Transcrição:

Universidade no Ar: As Vozes Silenciadas das Mulheres Trans 1 André BORBA 2 Amanda OLIVEIRA 3 Yuri FERNANDES 4 Isabella de OLIVEIRA 5 Ana BAUMWORCEL 6 Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ RESUMO Como um ritual, a mídia parabeniza as mulheres no dia 8 de março de cada ano. No entanto, algumas identidades ficam de fora dessa comemoração: as mulheres trans. Mas não é apenas nessa ocasião que essas vidas são apagadas e as vozes, silenciadas. Em uma sociedade baseada no binarismo de gênero, essas mulheres enfrentam toda a sorte de violência e interdição aos espaços públicos. A reportagem em radiojornalismo apresentada tem o objetivo de mostrar as barreiras enfrentadas por essas pessoas no cotidiano e debater um tema relevante, mas, muitas vezes, secundarizado na mídia. Produzida na disciplina Atividades em Projeto de Extensão VI, esta reportagem foi veiculada, na Rádio CBN, no Dia Internacional da Mulher pelo projeto Universidade no Ar, da UFF. PALAVRAS-CHAVE: mulheres trans; radiojornalismo; visibilidade social; vozes silenciadas; Universidade no ar. 1 INTRODUÇÃO Desde 1975, o mundo lembra as lutas das mulheres no dia 8 de março. A data, reconhecida pela ONU, Organização das Nações Unidas, é um marco para o movimento feminista, que faz atos em diferentes países para cobrar mais direitos e igualdade de gênero. Na mídia, reportagens e entrevistas com mulheres de destaque abordam as recentes conquistas ou outros temas que permeiam a rede de signos e de vivência da mulher. No entanto, há mulheres que são esquecidas neste dia. E em todos os outros. As travestis e as mulheres trans 7, na maioria das vezes, não são lembradas pela grande mídia 1 Trabalho submetido ao XXIII Prêmio Expocom 2016, na Categoria Jornalismo, modalidade JO 09 Reportagem em Radiojornalismo (avulso). 2 Aluno líder do grupo e estudante do 8º. Semestre do Curso de Comunicação Social, email: andre.r.borba@gmail.com. 3 Aluna vice-líder e estudante do 8º. Semestre do Curso de Comunicação Social, email: amandaolv@oi.com.br. 4 Estudante do 8º. Semestre do Curso de Comunicação Social, email: yuri_fernandes052@hotmail.com. 5 Estudante do 8º. Semestre do Curso de Comunicação Social, email: isabellapedeoli@gmail.com. 6 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Comunicação Social, email: anabaumw@yahoo.com.br 7 As pessoas trans são aquelas que possuem identidade de gênero diferente daquela que lhe foi designada no nascimento. Aqui consideramos mulheres trans aquelas pessoas que se identificam com o universo feminino e assim se apresentam socialmente, embora não tenham sido identificadas como mulheres ao nascer. 1

quando se fala em Dia Internacional da Mulher. Elas enfrentam um cotidiano de invisibilidade e silenciamento. Essa situação de apagamento das identidades trans nos espaços comuns do cotidiano foi o ponto de partida para a produção da reportagem de um dos grupos que cursou a disciplina Atividades em Projeto de Extensão VI - projeto Universidade no Ar, do Departamento de Comunicação Social da UFF, em 2015. Coordenado pela professora Ana Baumworcel, o projeto estimula a relação dos alunos do curso de Comunicação Social da UFF com o rádio e divulga programas educativos e informativos na grande mídia. As reportagens dos diversos grupos de alunos, produzidas durante a disciplina optativa, vão ao ar em todo primeiro sábado de cada mês, às 11h30, na Rádio CBN, do Sistema Globo de Rádio. Na disciplina, os alunos fazem tudo, no estúdio de áudio da UFF: da pauta à locução e definem, também, como será a edição da reportagem. Ao escolher o mês de março para veiculação do produto, decidimos, em um primeiro momento, pensar em pautas que tivessem a ver com as principais lutas do movimento feminista. A ideia era aproveitar o espaço de um veículo da mídia hegemônica e a audiência da rádio - que é de 30 mil ouvintes por minuto naquele horário - para tratar de um tema pouco abordado pela mídia e, assim, dar voz a quem não tem. As entrevistadas foram Indianara Siqueira, Luciana Vasconcelos, Bárbara Vergetti e Brune Coelho. As quatro estão de diversas maneiras relacionadas à militância em prol da causa trans. Indianara é uma das criadoras do projeto Prepara Nem, um curso gratuito voltado para pessoas trans que tem o objetivo de prepará-las para concorrer em vagas de vestibulares, Enem e concursos públicos. O projeto, no entanto, é muito mais que apenas um cursinho. Há uma preocupação social com as mulheres trans e o curso acaba por proporcionar não apenas as aulas, mas a criação de laços afetivos entre as participantes. Luciana é uma das alunas do curso e pretende se candidatar a uma vaga para o curso de Serviço Social no próximo ano. Já Bárbara e Brune já estão inseridas no ambiente acadêmico e enfrentam resistências num espaço social aparentemente de vanguarda. As duas participaram ativamente da luta pela implementação do nome social para transexuais em suas faculdades, na Universidade Federal Fluminense e na Universidade Federal de Juiz de Fora, respectivamente. 2 OBJETIVO 2

Um dos objetivos da reportagem era lembrar as mulheres trans no Dia Internacional da Mulher. A matéria procura trazer um viés pouco abordado na mídia tradicional e, assim, apresenta um caráter de originalidade. Além disso, há explicitamente uma intenção de debater um tema de forte relevância social, mas muitas vezes deixado de lado, que é a questão do preconceito e a falta de informações sobre as pessoas trans, no nosso caso, sobre as mulheres trans. 3 JUSTIFICATIVA A questão da transexualidade é uma das polêmicas que permeia os movimentos de mulheres. Muitas vertentes do feminismo, inclusive, rejeitam a participação política das trans por considerarem que elas não são mulheres. Essa concepção, baseada em teorias feministas, foi questionada ao longo do século XX por outras correntes de pensamento. A partir de Simone de Beauvoir, com a publicação da obra O Segundo Sexo, inicia-se uma reflexão sobre o gênero a partir de sua construção social. Com a sua célebre frase Não se nasce mulher, torna-se, Beauvoir traz o início de um entendimento de que a construção do feminino se dá durante a existência social, portanto, tem viés histórico. Essa perspectiva, que questiona teses biologizantes para se constituir enquanto mulher, ganha seu ápice no final da década de 1980 com os estudos queer. Como postula Berenice Bento: Nos últimos anos, a proposta teórica de que o corpo-sexuado, o gênero e a sexualidade são produtos históricos, coisificados como naturais, assume uma radicalidade de desnaturalização com os estudos queer, fato que terá desdobramentos na concepção do que seja identidade e em como organizar as identidades coletivas. (BENTO, 2006, p. 82) Dessa forma, a partir desse breve acúmulo teórico, iniciamos uma reflexão sobre a interdição dos espaços às mulheres transexuais. Se, muitas vezes, nos próprios movimentos, elas são invisibilizadas, nos demais espaços do cotidiano a situação não é diferente. Para Judith Butler (2000), as mulheres trans são consideradas socialmente enquanto seres abjetos, uma vez que estremecem as configurações e regras da sexualidade e do sistema de gênero que marcam a inteligibilidade social. A partir daí, a sua circulação pelos espaços é restrita. O acesso a políticas públicas de saúde, ao sistema jurídico, educacional e 3

político, no sentido mais lato possível torna-se precário. O direito ao convívio social é, muitas vezes, negado a essas subjetividades que precisam buscar a aceitação com seus pares: Mesmo com as dificuldades de serem aceitos (as) pela família, escola e sociedade, insistem na efetuação de seus sonhos, buscando cumplicidades consigo mesmas. Devido a isso, muitos (as) acabam afastando-se de seu ambiente familiar e escolar quando não são segregados (as) e mesmo expulsos (as) buscando um lugar para serem eles (as) mesmos (as), e poderem se expressar autenticamente. (PERES; TOLEDO, 2011, p. 274) A violência contra essas pessoas atravessa o simbólico e marca a pele. De acordo com a organização não governamental Transgender Europe 8, entre janeiro de 2008 e março de 2014, foram registrados 604 assassinatos de travestis e transexuais no Brasil. O número coloca o país em primeiro lugar no ranking da violência transfóbica. Outro dado que chama a atenção é o relacionado ao trabalho. Cerca de 90% das mulheres trans se prostituem no Brasil, de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Segundo as entrevistadas, o grande número de transexuais nessa atividade está diretamente relacionado à falta de oportunidades no mercado formal de emprego. Esses dados nos inquietaram e nos motivaram a produzir uma reportagem que contribuísse para interromper o silêncio imposto a essas mulheres. 4 MÉTODOS E TÉCNICAS UTILIZADOS Durante o desenvolvimento da pauta, foi estabelecido que o grupo iria entrevistar apenas pessoas trans. O objetivo era reafirmar o compromisso de dar voz prioritariamente a essas pessoas, que são, constantemente, silenciadas. Essa metáfora do silêncio rompido é potencializada pelo veículo, o rádio, que possui a voz como um dos seus principais elementos. As entrevistas com Indianara e Luciana ocorreram após uma reunião do curso Prepara Nem. Nós, jovens estudantes de Comunicação Social da UFF, tivemos a oportunidade de observar, naquele dia, a dinâmica de funcionamento do curso. A ideia era que os alunos repórteres tivessem uma experiência de imersão naquele ambiente de trocas, militância e vivência das mulheres trans. 8 Informações disponíveis em: http://tgeu.org/ 4

Nessa época, em que a distância entre fonte e jornalista está cada vez maior devido, em boa parte, às facilidades das novas mídias, a ida ao encontro daquelas vivências proporcionou a troca dialógica e o compartilhamento de experiência. A proximidade física é socialmente menor, enquanto a intermediação midiática se expande. Quando a observação ou o contato direto dão lugar a meios indiretos de obtenção da informação o telefone, a internet, o pressrelease, o arquivo, o risco de desumanizar a cobertura ganha complicadores adicionais, tal o grau de distanciamento a ser agregado à interlocução entre repórter e entrevistado. (PEREIRA JR., 2006, p. 96) Dessa maneira, estabelecemos como objetivo a humanização da reportagem, dando prioridade às vozes de mulheres trans e as colocando no centro da narrativa. Também dialogando com a questão da humanização, escolhemos não entrevistar médicos e representantes de qualquer esfera pública. Optamos por não colocar vozes de autoridade, tão comum no jornalismo hegemônico. A proposta era de fato fazer um contraponto ao que predomina na grande mídia com intuito de ampliar o debate sobre o assunto e contribuir para a redução do preconceito em relação às mulheres trans. 5 DESCRIÇÃO DO PRODUTO OU PROCESSO Além da palavra falada, a música, os efeitos sonoros e o silêncio compõem a linguagem radiofônica (BALSEBRE, 1994). A interação entre esses elementos possibilita que a experiência radiofônica se dê por completo e aproxime o ouvinte da informação que está sendo contada. A palavra, a música, o silêncio e os efeitos especiais perdem sua unidade conceitual quando são combinados e exercem uma interação modificadora entre eles, aumentando as possibilidades expressivas e comunicativas do meio. Estas combinações criam melhores condições para os ouvintes produzirem as imagens auditivas, fundamentais para maior percepção da mensagem (BAUMWORCEL, 2005, p. 339). Três músicas foram escolhidas para complementar o sentido da reportagem. Foram elas: Mulher, composição de Feio e Doug Wayne, na voz de Elba Ramalho; Alma Feminina, composta por Mikael Mutti e Aiala Menezes, cantada por Daniela Mercury; e Maria, Maria, de Fernando Brant e Milton Nascimento, na voz de Elis Regina. Também foi proposital a escolha de canções interpretadas por mulheres e que falam sobre o universo feminino. 5

Foram utilizadas, ainda, trilhas sonoras instrumentais que transmitissem suavidade, delicadeza, e que ficaram em BG (background). A ideia era que a trilha não disputasse a atenção com o conteúdo narrado. Dessa forma, foram usadas em poucos momentos, apenas para servir de mediação, de costura entre a voz e as sonoras das entrevistadas. O silêncio ficou presente em trechos dos depoimentos das mulheres trans, indicando momentos de emoção e reflexão delas. 6 CONSIDERAÇÕES As pessoas trans falam, mas quase ninguém consegue ouvir. Suas vozes são silenciadas. Elas gesticulam, mas quase ninguém consegue ver. Seus gestos são invisibilizados por uma sociedade excludente e preconceituosa. É urgente que comecemos a refletir sobre a vivência dessas pessoas e que comecemos a desconstruir em nós os velhos preconceitos que ainda existem. As mulheres trans não passam despercebidas apenas na mídia. Esta, por sua vez, só se remete a elas, na maioria dos casos, quando é para fazer chacota em reportagens policialescas sobre violência ou prostituição. No dia a dia, dificilmente encontramos com transexuais nos espaços comuns de convivência. Quantas pessoas trans trabalham no mesmo lugar que você? Quantas pessoas trans frequentam as salas de aula das universidades como alunas? E quantas integram o corpo docente ou ocupam posições de chefia? A luta das pessoas trans perpassa a sobrevivência. Ainda mais no Brasil, que ocupa a primeira posição, no mundo, nos crimes contra transexuais. Além disso, a reivindicação dessas pessoas atravessa questões como o nome, o direito de se vestir como quiser, de modificar ou não o corpo como quiser. Trata-se, assim, de uma estética de existência e de construção de subjetividade. Nessa sociedade, fundamentada no binarismo de gênero, a existência dessas pessoas é negada. É a morte em vida. Para o grupo, o contato com as mulheres trans durante o desenvolvimento da reportagem proporcionou não só uma reflexão sobre a construção social do gênero, seus aparatos simbólicos e estereótipos, mas a decomposição de valores pré-concebidos que, ainda, restavam em nós sem nos darmos conta. 6

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEAUVOIR, Simone de. O Segundo sexo: fatos e mitos. 4 ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1980. BAUMWORCEL, Ana. Armand Balsebre e a teoria expressiva do rádio. In: MEDITSCH, Eduardo (org.). Teorias do Rádio, textos e contextos, vol. 1, p. 337-346, Florianópolis: Insular, 2005. BALSEBRE, Armand. El lenguaje radiofonico. Madri: Cátedra, 1994. BENTO, Berenice. A Reinvenção do Corpo: Sexualidade e Gênero da Experiência Transexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In: LOURO, Guacira. (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 151-172 FERRARETTO, Luiz Artur. Rádio: o veículo, a história e a técnica. Porto Alegre: Sagra- Luzzatto, 2001. MEDITSCH, Eduardo (org.). Teorias do Rádio, textos e contextos, vol. 1 e 2, Florianópolis: Insular, 2005 e 2008. PEREIRA JR., Luiz Costa. A Apuração da Notícia. Petrópolis: Vozes, 2006. PERES, William Siqueira; TOLEDO, Lívia Gonsalves. Dissidências existenciais de gênero: resistências e enfrentamentos ao biopoder. São Paulo: REVISTA PSICOLOGIA POLÍTICA, São Paulo, n. 22, p. 261-277, dez. 2001. 7