O EGRESSO DE LETRAS E O SEU DISCURSO: A CONSTITUIÇÃO DO ETHOS ACADÊMICO

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Transcrição:

2443 O EGRESSO DE LETRAS E O SEU DISCURSO: A CONSTITUIÇÃO DO ETHOS ACADÊMICO Rosa Leite da Costa CAMEAM/UERN Gilton Sampaio de Sousa CAMEAM/UERN 0 Palavras iniciais O presente trabalho originou-se da pesquisa O perfil dos egressos do Curso de Letras do CAMEAM/UERN (SOUZA, 2007), financiada pelo CNPq/UERN, concluída no ano de 2007, que levanta os dados referentes à formação de todos os egressos de Letras, das habilitações de Língua Portuguesa e Língua Inglesa, do Campus Avançado Profª. Maria Elisa de Albuquerque Maia, no período compreendido entre os anos de 2001 a 2005. Nosso recorte, de natureza documental e de campo, tem como fonte a relação dos egressos de Letras (cedida pelo Departamento do curso), com os dados sobre o ano de conclusão desses egressos e município de origem de cada um deles. A pesquisa de campo foi realizada nos municípios dos egressos (residências e ambientes de trabalho), com aplicação de um questionário que investigava sobre suas opiniões a respeito do Curso de Letras, considerando as concepções teóricas e as atividades práticas desenvolvidas durante o mesmo. Como base teórica para este trabalho, partimos do princípio de linguagem como interação social, conforme nos legou Bakhtin (1995/1997). Com base nesse postulado, travamos uma discussão sobre a argumentação no discurso, considerando algumas das principais categorias de análise da Nova Retórica ou Teoria da Argumentação, tal como postulada por Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca (2002), contando com a contribuição de autores como Reboul (2002) e Souza (2008) e, ainda, a compreensão do que seja o ethos nos estudos retórico-argumentativos, de acordo com Amossy (2008) e Meyer (2007), entre outros. Assim sendo, consideramos relevante discutir o ethos dos egressos do Curso de Letras do CAMEAM/UERN, partindo do pressuposto de que a própria universidade, por tratar-se de um setor da sociedade que promove atividades de ensino, pesquisa e extensão, também deve tornar público o conhecimento sobre seu próprio funcionamento. 1 A argumentação no discurso: breves considerações A argumentação no discurso, representada hoje especialmente pela Nova Retórica, de Chaim Perelman e Obstrect Tyteca (2002), recupera da retórica aristotélica conceitos como orador, auditório, entre outros e os aplica à funcionalidade de todo e qualquer discurso, distanciando-se da classificação característica dos estudos daquela época, que consistia em delimitar os discursos aos limites do judiciário, do deliberativo e do epidíctico. Nestes termos, a Nova Retórica afirma-se como uma teoria de caráter sócio-interativo, que dialoga diretamente com a questão dos gêneros do discurso, os quais, segundo Bakhtin (1997), pertencem as múltiplas esferas da comunicação humana, de maneira que todo gênero é o resultado da interação entre interlocutores socialmente situados, que tomam a palavra em favor de si, de suas crenças e das causas em que acreditam. Dessa forma, podemos dizer que, em qualquer circunstância de enunciação, estamos sempre querendo convencer o nosso interlocutor da validade de nossas teses, estamos argumentando em favor de nossa imagem e de nossos interesses, estamos persuadindo o outro interlocutor(es), através de um discurso constituído por outro discurso(s). Estamos, portanto, no âmbito da argumentação. Assim sendo, a argumentação no discurso pode ser vista como uma ação humana que envolve uma tese (logos) a ser defendida pelo orador, a imagem que esse orador faz dos interlocutores, do auditório (pathos) e para o qual dirige seu discurso; e, ainda, a sua própria imagem (ethos), visando à credibilidade.

2444 2 O ethos discursivo: argumentando em favor da imagem própria Conforme temos visto, não podemos falar em argumentação se não considerarmos as suas bases fundamentais que são o ethos, o pathos e o logos. Deixando a noção de ethos para ser aprofundada ao longo do texto, podemos dizer que o logos é a parte racional do discurso, a própria argumentação construída ao longo da fala e/ou da escrita do orador, e que o pathos é a paixão/aceitação desenvolvida pelo auditório diante do qual este orador se coloca (MEYER, 2007). Não obstante, interessa-nos, aqui, mostrar também que o auditório, na perspectiva da Teoria da Argumentação (PERELMAN e TYTECA, 2002), divide-se em Auditório Universal, um conjunto de pessoas sobre as quais o orador não tem controle, e Auditório Particular, que pode ser constituído por um grande número de pessoas, ou por um único indivíduo, que se encontram, de alguma maneira, sob o controle do orador. Tais conceituações, de acordo com Souza (2008), correspondem aos conceitos bakhtinianos de Auditório Social e Auditório Médio (BAKTHIN 1995), o que vem a afirmar mais uma vez o caráter sócio-interacionista da Nova Retórica. Em se tratando do ethos, nos estudos retórico-argumentativos, ele é tido como a imagem do orador construída perante seu auditório, deixando-se marcar no próprio discurso dos interlocutores. O ethos não se limita àquele que fala pessoalmente, nem tampouco a um autor de texto, cuja presença pouco importa, ele se apresenta de maneira geral como aquele com quem o auditório se identifica e, em última instância, a todos os interlocutores envolvidos no processo de interação verbal. Conforme nos diz Meyer (2007), o ethos é uma excelência que não tem objeto próprio, mas se liga à pessoa, à imagem que o orador passa de si mesmo e que o torna exemplar aos olhos do auditório, que, então, se dispõe a ouvi-lo e a segui-lo. Assim, para Souza (2008), no contexto da argumentação, a dinâmica do discurso consiste em o orador tentar convencer o auditório da validade de suas teses (logos), construindo a sua imagem (ethos) e, ao mesmo tempo, a imagem deste auditório (pathos), visando persuadi-lo. Nestes termos, Aristóteles (sd), na Arte Retórica, propunha que a conquista da confiança desse auditório depende de algumas características como a prudência, a virtude e a benevolência do orador, uma vez que, para este filósofo, ethos é sinal de moralidade (ARISTÓTELES, sd, p. 189). A esse respeito, também nos diz Reboul (1998) que o ethos é um termo moral, ético, definido como o caráter moral que o orador deve parecer ter, mesmo que não o tenha deveras. Quando os argumentos centrados na razão, nos fatos e nas provas não são capazes de convencer por completo, o orador tem sempre o escape de recorrer às paixões do auditório, apelando, então, para os valores em que esse auditório acredita, os quais atuam pela sensibilidade, promovendo, conseqüentemente, a imagem do orador na instância do discurso. Neste sentido, há alguns aspectos que devemos considerar (e também analisar) na constituição do ethos, entre eles, podemos dizer que o acordo inicial postulado entre as partes do discurso já contribui para a efetivação das imagens do auditório e, principalmente, do orador, que, no decorrer da argumentação, seleciona os argumentos mais eficientes para a defesa de suas teses, principalmente aqueles que possam trazer à presença a comprovação daquilo que está falando, ou aqueles que possam apoiar o seu discurso. Tais recursos atuam diretamente sobre a sensibilidade do auditório, aumentando-lhe a adesão, ao mesmo tempo em que constrói o ethos desse orador (PERELMAN e TYTECA, 2002). À medida que esse orador se apresenta, projeta seu ethos, ele se coloca numa posição de autoridade. O auditório espera dele uma resposta aos seus anseios, pois parte do princípio de que ele, o orador, se não detém, deveria ter o conhecimento necessário para discutir satisfatoriamente sobre o que se propõe. Segundo Meyer O éthos é a capacidade de pôr termo a uma interrogação potencialmente infinita. Para chegar a isso, o orador deve dar prova de um saber particular: ele deve saber que algumas das respostas que ele conhece a propósito daquilo (grifo do autor) de que ele trata são igualmente conhecidas do interlocutor, que na falta delas, repetirá a interrogação. (MEYER, 2007, p.43). O ethos, então, demanda um saber específico. Ele se institucionaliza nos profissionais e/ou no

2445 homem comum, é capaz de despertar o interesse dos interlocutores do discurso e, de certa forma, pressupõe a verdade, embora, em se tratando da argumentação, já não seja possível falar em verdades absolutas, mas em fatos verossímeis, aquilo que é pressuposto como verdadeiro no momento da enunciação do discurso. O ethos é, portanto, a fonte das respostas aos diversos anseios de quem dialoga com ele. Neste trabalho, buscamos o ethos ou diferentes ethos dos egressos de Letras, recorrendo aos chamados lugares da argumentação, os quais incluem a noção de valores, e aos quatro conjuntos de técnicas argumentativas que servem para defender a tese (idéia/opinião) levantada pelo produtor do discurso, no caso o próprio egresso. 3 Os lugares da argumentação nascem os argumentos Durante o processo argumentativo é comum o orador recorrer a certos lugares da argumentação, como forma de criar argumentos que pareçam inquestionáveis ao seu auditório, conseqüentemente, favorecendo a imagem de si (o ethos) no discurso. Tais lugares têm relação direta com os valores estabelecidos na sociedade, em consonância com a época em que o discurso é produzido. Sendo assim, surge o lugar da quantidade, que declara uma premissa superior à outra em função de razões puramente quantitativas. Em oposição a este lugar, aparece o lugar da qualidade, que faz alusão a conceitos e valores tidos socialmente como bons, corretos, legítimos etc. Aqui são fundados espaços para extensões de prioridade do que é extraordinário ou exclusivo, pois segundo Perelman e Tyteca (2002, p.101-102) a unicidade de um ente ou objeto qualquer ocorre da maneira pela qual se concebe as relações com ele. Perelman e Tyteca ainda apresentam referência a outros lugares como o lugar da ordem, que consiste em afirmar a superioridade do anterior sobre o posterior, o lugar do existente, que dá preferência ao que é real ou atual em detrimento do que é apenas provável, o lugar da essência, que consiste em conceder um valor superior aos indivíduos enquanto bem caracterizados de uma espécie, e o lugar da pessoa, o qual está vinculado à dignidade, ao mérito e à autonomia desta. Os autores afirmam que há possibilidades de reduzir todos aos de quantidade ou qualidade, mas consideram essencial adotá-los como unidades independentes, uma vez que eles representam um ponto de partida nas situações comunicativas de argumentação, mexendo, muitas das vezes, com a vaidade do auditório. 4 Lançando mãos das estratégias argumentativas: as teses e as técnicas argumentativas Segundo Perelman e Tyteca (2002), no ato do discurso, o orador dispõe de inúmeras estratégias para convencer o auditório da validade de suas teses. Tais estratégias no campo são conhecidas como técnicas argumentativas. Conhecê-las é indispensável para entendermos o grau de manipulação do discurso e a intencionalidade nele contida, bem como para atender às exigências de cada situação em que precisamos trabalhar a linguagem para alcançar determinados fins. Perelman e Tyteca (2002) apresentam várias técnicas argumentativas, divididas em quatro grupos: os argumentos quase-lógicos, os argumentos baseados na estrutura do real, os argumentos que fundam a estrutura do real e os argumentos por dissociação das noções. Os argumentos quase-lógicos apoiam-se em normas quase-lógicas que se baseiam nos raciocínios formais, possuindo uma organização semelhante às demonstrações científicas. Ao corresponder às leis da lógica, esses argumentos evidenciam-se nas discussões, definições, contradições, incompatibilidades, regras de justiça, dentre outros. Os argumentos baseados na estrutura do real são aqueles que se baseiam apenas em situações reais vividas dentro da sociedade. Esses argumentos, ao contrário dos primeiros, não se baseiam na lógica, mas na experiência, nas ligações existentes entre as coisas do mundo real. Tais ligações podem ser por sucessão, por coexistência e por relações simbólicas.

2446 Na terceira técnica, Perelman e Tyteca apresentam argumentos que também são empíricos, mas não se apóiam na estrutura do real porque criam-na ou porque, pelo menos, a completam, de maneira que entre as coisas apareçam ligações não vistas. São eles: argumentos pelo exemplo, por ilustração, por modelo e por antimodelo; argumentos por analogia e metáfora. Já os argumentos por dissociação das noções, abordam a dissociação das noções em partes hierarquizadas como aparência/realidade, meio/fim, etc. A função desta técnica é dissuadir, ou seja, fazer com que os fatos possam mudar de parecer ou finalidade. Embora todas essas técnicas constituam estratégias do falante/escritor para convencer seu interlocutor, não podemos deixar de ressaltar que o ato lingüístico, por meio do qual a argumentação se proclama, está fixado num contexto social e histórico onde a ideologia opera. Nisto, concluimos que a intencionalidade de um discurso nem sempre está condicionada à vontade própria do falante/escritor. Segundo Perelman e Tyteca (2002), a ação desse orador só é mais ou menos consciente, não há uma total liberdade, devido ao caráter dialético e dialógico da linguagem. No nosso trabalho, as técnicas argumentativas desempenham um papel muito importante, não se trata de identificarmos o tipo de argumentos que os egressos utilizam para compor suas respostas, mas de percebermos como esses ex-alunos fazem uso da linguagem para construir a sua própria imagem no discurso, com vistas a convencer os próprios pesquisadores, os professores, os alunos e exalunos do Curso de Letras, seu auditório, da validade de seus argumentos. 5 Uma análise argumentativa do ethos acadêmico 5.1 O corpus Para a realização da pesquisa, trabalhamos com respostas dadas pelos egressos dos anos de 2001 e 2005 do Curso de Letras do CAMEAM/UERN, habilitações Língua Portuguesa e Língua Inglesa, que, no momento de coleta dos dados, não haviam cursado ou não estavam cursando nenhuma pós-graduação lato-senso ou strictu-senso. Fazemos, aqui, a análise de apenas uma das oito questões que compõem o documento (questionário aberto e fechado) respondido pelos vinte e dois egressos que participaram da pesquisa nas condições apresentadas, conforme ilustrado no quadro abaixo. EGRESSOS DE LETRAS DOS ANOS 2001 e 2005 Ano 2001 Apenas graduado Ano 2005 Apenas graduado 13 09 TOTAL 22 Quadro nº 1: O total de egressos do Curso de Letras 2001 e 2005. 5.2 A imagem construída no discurso Conforme nos diz Amossy (2005, P.124), o auditório é uma construção do próprio orador. Neste trabalho, podemos perceber a influência dos pesquisadores nas respostas desses ex-alunos, no que concerne ao cuidado nas afirmações e na maneira de tecer uma imagem social do professor. Todos esses egressos elegem os pesquisadores, interlocutores imediatos, para dialogar com o curso de Letras, em seu aspecto acadêmico-institucional, construindo a imagem do próprio curso. Dessa forma, todos eles buscaram atribuir a si uma imagem de credibilidade no discurso (ethos), valendo-se de uma argumentação que lhes afirmasse o caráter próprio, algumas vezes, em consonância com a imagem que têm do curso, outras vezes contrastante com a mesma. Neste sentido, vejamos, então, como esses egressos se colocaram diante dos pesquisadores, como se constituem argumentativamente em suas respostas, isto é, como o ethos se revela por meio do próprio discurso. Consideremos a questão:

2447 A sua formação em nível superior (título), no curso de Letras, está contribuindo para a sua atuação no mercado de trabalho?( ) Sim ( ) Não justifique. Dos vinte e dois egressos, dezessete responderam afirmativamente e justificaram sua resposta, um afirmou, mas não justificou, e quatro responderam que o curso não contribuiu para a atuação no mercado de trabalho, apresentando as devidas justificativas. Considerando a diversidade de imagens encontradas, vejamos primeiro como se colocam alguns desses egressos do ano de 2001. Egresso- 01/2001 É muito importante, para mim, ter a segurança de ministrar um idioma que poucas pessoas têm conhecimento didático, pois a maioria desses professores não possui esta especialização. O olhar do senso comum sobre este texto, em virtude de enxergar apenas o imediato, acabaria por esconder um dos principais pilares da argumentação, o ethos do orador. O egresso em questão, ao tomar a palavra, estabelece de imediato um diálogo com os pesquisadores, os professores e os alunos de Letras, seu auditório particular, na medida em que firma com eles um acordo inicial enaltecendo o curso, justificando-lhe a importância. No entanto, a preocupação principal é de defender sua própria imagem, colocando-se em posição de destaque diante deste auditório. Neste sentido, o egresso se constrói discursivamente, utilizando-se da imagem que julga ser aceita por seu auditório. Para tanto, desenvolve uma argumentação que lhe permite colocar-se como um profissional competente. Assim, ao assumir a identidade de professor de língua (inglesa) 1, o orador deixa transparecer um ethos vaidoso, assegurado por uma argumentação cujo efeito é comparável ao argumento de autoridade (argumentação com base no real), pois ele confere à sua pessoa um lugar de prestígio, colocando-se como uma autoridade no assunto, naquilo que faz. Como forma de validar sua própria imagem, o orador busca apoio na argumentação quase lógica, especificamente no argumento de comparação, que ressalta o valor individual em detrimento do valor de grupo, ele é o diferencial diante de sua classe profissional, a maioria desses professores, nas suas palavras. Nisto, há uma recorrência ao lugar da qualidade, pois o orador julga conhecer aquilo que a sociedade considera importante, aquilo que é bom ou raro. Assim, a língua inglesa, a especialização, o idioma que ele domina no contexto educacional, funciona como um bem, algo raro a que poucos têm acesso, um conhecimento que o faz diferente de tantos outros. Temos, desse modo, um egresso cujo ethos se coloca no lugar da essência, ele é aquilo que se espera ser um professor de língua estrangeira. Ele se define, ao longo do discurso, como um professor sério e competente, que se reconhece como profissional diante de sua classe e da sociedade. Dialoga especialmente com professores de língua inglesa, com os pesquisadores e o próprio curso de Letras. Seu caráter se manifesta pela segurança e competência profissional que afirma ter. Egresso 02/2001 - Não, porque não tenho atuação exatamente na área da educação, mas entendendo por outro aspecto o curso de letras contribuiu muito para o desenvolvimento dos meus conhecimentos, pois aprendi muito e continuo aprendendo. Quem diz que sabe tudo, não sabe nada, e sábias são as palavras do filósofo quando diz: só sei que nada sei. O orador em questão estabelece com seus interlocutores um acordo prévio centrado na tese de que o curso tem sua importância para as pessoas que não atuam na área. Trata-se, neste caso, de uma importância pessoal e não profissional. Ao colocar este argumento como centro de seu discurso, o orador intenciona sua autodefesa, a qual está pressuposta desde as primeiras palavras, pois, com efeito, ao dizer que o curso não contribui para a sua atuação no mercado de trabalho, o egresso parte do princípio de que a sinceridade é um valor compartilhado pelo seu auditório. Dando continuidade a sua imagem, ao seu ethos discursivo, o orador, vaidoso, não admite que seja visto de um ângulo desprivilegiado, em virtude de não ser um profissional no sentido estrito (da área). Assim, tenta seduzir seu auditório, utilizando-se de uma argumentação que favoreça sua imagem. Para ele, seu auditório imediato aprecia o conhecimento e a sabedoria, daí a importância de 1 Para chegarmos à definição do ethos de cada egresso, analisamos três das respostas dadas. Nisto, podemos afirmar que o idioma ao qual o egresso se refere é, de fato, a Língua Inglesa, haja vista que ele faz essa afirmação em outras partes do questionário.

2448 passar uma imagem do saber, sem se dar conta de que suas palavras podem ser questionadas. Na construção da imagem em que acredita, o orador se vale de um raciocínio quase lógico para dizer que possui conhecimento, pois se quem diz que sabe tudo não sabe nada, logo quem diz que nada sabe, tudo sabe, ou ainda de uma dissociação de noções centrada na concepção aparência/ realidade, argumento que consiste em dizer que aquilo que é aparente nem sempre é a verdade. O orador parece saber que não é de bom tom falar abertamente de si (AMOSSY, 2008). Vemos que, na construção desse argumento, dessa autodefesa, o ethos emprega as palavras do próprio Sócrates, argumento de autoridade (com base no real). É, portanto, o ethos de um egresso que não se reconhece profissional porque não atua na área, mas que se julga igual ou superior aos profissionais atuantes. Vejamos, também, duas das respostas dadas pelos egressos do ano de 2005 Egresso 01/2005- Graças a esse título eu tenho conquistado o meu espaço tanto na área educacional como em outras áreas (justiça). Afinal, a conclusão de um curso de nível superior abre algumas portas antes fechadas. O discurso deste egresso enuncia um ethos profissional que estabelece com o seu auditório, isto é, com os pesquisadores, professores e alunos do Curso de Letras, um acordo inicial que consiste em apreciar o valor do curso em virtude de seus efeitos (ligações de sucessão/ argumento com base no real). No entanto, o ethos profissional desse egresso está ligado ao ethos pessoal; isso fica evidente quando ele afirma haver conquistado o espaço próprio na sociedade. Nesse caso, está em discussão o valor da pessoa, as ligações de coexistência (ato/pessoa), as quais permitem apreciar o valor de uma pessoa em virtude de suas ações. Assim sendo, o ethos coloca-se aqui como um sujeito batalhador e dinâmico, capaz de atuar em diferentes campos profissionais; uma pessoa a quem se liga o esforço, a competência e as qualidades individuais, alguém que tem formação reconhecida na sociedade, autorizado a ocupar espaços privilegiados (a área da justiça). É, portanto, um ethos de um profissional múltiplo, que se valoriza em virtude de suas conquistas. Egresso 02/2005- É inversamente proporcional a minha profissão. Não há nenhum estímulo para graduandos em meu universo profissional. Utilizando-se de uma linguagem objetiva, o egresso desse discurso deixa claro que a formação oferecida pelo curso de Letras não tem nenhuma relação com sua vida prática. O efeito de sentido de suas palavras revela que há uma incompatibilidade (argumentação quase-lógica) entre o que ele estudou e o que faz, dando a entender que sua formação não teve o devido reconhecimento social. Embora o diálogo seja curto, não podemos dizer que o egresso não deixa marcas que definem seu ethos, como diz Amossy (2008, p. 09) todo ato de tomar a palavra implica a construção de uma imagem de si. Na verdade, o ethos discursivo, neste caso, se constrói da oposição entre o que seria um profissional da área e o profissional real. Notamos, neste sentido, que o orador não se coloca como uma pessoa que tem um ofício, um emprego, mas se apropria de termos como a minha profissão, o meu universo profissional, como forma de defender sua imagem. Assim, ao dizer que não é um professor, ele diz sou um outro profissional. O orador enuncia uma informação e ao mesmo tempo diz: sou isto, não sou aquilo (AMOSSY, 2008, p. 10). Vemos, portanto, neste discurso, o ethos de um egresso que nega a sua formação, que não a considera importante para a sua atuação profissional. Um ethos que se constrói pela sinceridade, colocando-se no lugar da pessoa. Em síntese: Qualidade /valores Egresso empregados 01/2001 Seriedade/ competência Lugar da essência 02/2001 Sabedoria/conhecimento Lugar da qualidade Argumentação no discurso Argumentação com base no real: argumento de autoridade/ Argumentação quase lógica: por comparação Argumentação com base no real: argumento de autoridade / Dissociação de noções: Imagem de si ethos Professor de língua inglesa autoreconhecimento profissional Aquele que não atua na área, mas se reconhece formado: um ethos

2449 aparência/realidade 01/2005 Esforço pessoal/ Argumentação com base no dedicação/competência real: ligações de sucessão por Lugar da qualidade causa/efeito, ligações de coexistência ato/pessoa 02/2005 Sinceridade / lugar da Argumentação quase-lógica: pessoa incompatibilidade Quadro nº 2: Síntese dos valores e argumentos utilizados vaidoso. O professor autoridade - reconhece seu valor profissional, atua na área e em outras. Despreza a sua formação; desiludido 5.3 As imagens em discussão As análises acima apresentadas nos dão a noção da multiplicidade de ethos presentes nos discursos dos egressos do curso de Letras do CAMEAM, quase sempre construídos com argumentos éticos, em especial por meio de uma argumentação com base no real, e dos lugares da qualidade e da pessoa. Esses egressos manifestam diante do auditório particular (pesquisadores, professores e alunos do próprio curso) a defesa própria, que também se dirige a tantos quantos possam alcançar o seu discurso (auditório universal). A maioria, ao aceitar responder a pergunta feita pelos pesquisadores, auto defende-se, tanto por meio de uma argumentação que consiste em torná-lo um profissional com valor reconhecido na área, como por meio de uma argumentação que lhe faz um profissional de outras áreas, um profissional e não um prestador de serviços, um empregado. A análise de outros ethos presentes no conjunto dos vinte e dois textos desta pesquisa nos permite dizer que até mesmo os egressos que deixam transparecer uma imagem de não-professores (aqueles que atuam na educação, mas não se sentem preparados) buscam sua defesa em argumentos éticos, centrados nos valores que consideram importantes para seu auditório: sinceridade e capacidade de criticar, especialmente, atribuindo a culpa ao próprio curso ou à instituição e não à sua pessoa. Vimos, nessas análises, que todos os egressos argumentam em favor de si, são cuidadosos com as palavras, pois como dizem Perelman e Tyteca, o papel da seleção (das palavras, dos argumentos) é de suma importância, uma vez que para cada auditório, existe um conjunto de coisas admitidas que têm, todas, a possibilidade de influenciar-lhe as reações (PERELMAN e TYTECA, 2002, p. 131). Não por acaso, a maioria dos argumentos utilizados são baseados no real, são argumentos de autoridade e ligações de coexistência ato/pessoa e, algumas vezes, ligações de causa e efeito, argumentos estes que enaltecem a pessoa, nestes casos, o próprio orador. Alguns desses egressos firmam de imediato um acordo com seu auditório particular, admitindo a sua tese, concordando com a importância do curso, mas sem perder de vista o papel de ressaltar o esforço e da individualidade (egressos 01/2001 e 02/2005). Os que não concordam com a tese principal, também não deixam de dialogar com o auditório, pois justificam-se, apresentam suas razões e ressaltam o brilho próprio (egressos 02/2001 e 02/2005). Como não é possível, nesse texto, apresentar as análises discursivas dos vinte e dois egressos participantes desta pesquisa, apresentamos, em caráter ilustrativo, uma síntese das imagens encontradas. Justificamos, ainda, que algumas delas, muito pertinentes, não entraram na análise discursiva, neste artigo, porque precisaríamos trabalhar com mais de uma pergunta (para a definição desses ethos, fizemos a análise de três respostas de cada egresso), e optamos, aqui, por aqueles que na pergunta apresentada já deixavam transparecer seu ethos. Vejamos, então, o quadro que sintetiza as imagens produzidas no discurso de todos os egressos, o que nos permitirá ampliar nossas discussões. EGRESSOS 2001 EGRESSOS 2005 Imagem/ O (não) ethos professor, o aluno que Total de Imagem / ethos Total de apenas concluiu o curso (Atua na egressos egressos O educação, professor mas de línguas não se reconhece (atua na O profissional professor autoridade em formação - reconhece 02 área profissional) e se considera profissional) 02 seu valor profissional, atua na área e O que não se considera profissional, 03 em Aquele outras. que reconhece a 01 O em profissional virtude de em não formação atuar na área (atua de na formação. área) 02 importância de sua formação para O outras educador áreas 02 03 O que não se considera profissional Aquele que despreza a sua

2450 em virtude do curso 01 formação - desiludido 01 Aquele que não atua na área, mas se reconhece formado: um ethos vaidoso. 02 A imagem escondida 01 Quadro nº 3: O ethos dos egressos de Letras 2001 e 2005 O quadro nos permite fazer algumas considerações. Primeiro, observamos que, apesar de algumas semelhanças, há diferenças entre os ethos construídos pelos egressos de 2001 e os egressos de 2005. Diferentemente dos primeiros, os egressos de 2005 não se colocam como professores de língua, mas como profissionais atuantes, educadores e professores em formação. Estes resultados evidenciam a forma como todos esses ex-alunos enxergam a imagem de um professor formado em Letras, o reconhecimento social que tem o professor de Língua Portuguesa e/ou Língua Inglesa. Os egressos que se revelam professores de uma língua em específico, ao longo do discurso (o questionário completo), deixaram marcas de que são, de fato, professores preocupados com o ensino gramatical da língua. Já os professores cujo ethos é de um educador reconhecem a importância do curso para a sua atuação na sala de aula ou em outras funções pedagógicas, pois partem do princípio de que são profissionais da educação e não somente professores de línguas. Vemos, assim, que o diálogo é com o próprio curso e seus sujeitos formadores, considerando a época em que o freqüentaram. Os egressos do ano de 2005 que não se sentem profissionais encontram-se subdivididos entre os que reconhecem a importância de sua formação para outras áreas e os que desconsideram essa formação para a sua vida profissional. Em 2001, esses ethos se apresentam como aqueles que atuam na área educacional, mas que não se reconhecem professores; aqueles que não se reconhecem porque não atuam (vivem realidades completamente distintas), os que não se sentem profissionais porque não tiveram uma formação consistente, embora o que aprenderam lhes sirva em situações práticas; os que mesmo não sendo profissionais da área tentam dialogar com o curso ao admitirem que a formação também é de nível pessoal, e ainda os que se omitem, preservando suas faces diante dos seus interlocutores. Vemos, em todos esses casos, que mais uma vez os ethos têm a ver com a própria imagem do curso, em consonância com a época em que estes egressos foram alunos. Assim, ao responderem nossas interrogações, todos esses egressos travaram, na concepção bakthiniana de diálogo, uma conversa não apenas com os pesquisadores, seus interlocutores mais imediatos, mas também com o próprio curso de Letras (professores, alunos e ex-alunos) e ainda com a sociedade, seu auditório universal. Como nosso propósito é buscar compreender a imagem que estes egressos têm de si, seu ethos, acreditamos que entendendo suas constituições discursivas entendemos melhor também como eles se constituem como profissionais e como ex-alunos do curso. Vimos que argumentativamente eles recorrem aos valores que julgam ser importantes para seu auditório, pois como afirmam Perelman e Tyteca (2002), todo auditório tem seus valores e cabe ao orador estudar-lhes para garantir a adesão de suas teses. Assim, valores ou qualidades como prudência, sinceridade, competência, entre outros, foram os seus construtos diante de seus interlocutores, para garantir-lhes a credibilidade. Palavras finais Neste trabalho, investigamos o ethos dos egressos do Curso de Letras do CAMEAM/UERN, nas habilitações de Língua Portuguesa e Língua Inglesa, compreendendo os anos de 2001 e 2005. Os resultados obtidos, por meio de nossas análises, nos revelam que há uma multiplicidade de imagens construídas por meio de uma argumentação cuja tese maior é a defesa da própria imagem de profissional, de ético e competente. Alguns, em virtude dos próprios conceitos que têm do professor, não tiveram medo de se apresentarem como verdadeiros modelos de professores; outros preferiram resguardar suas imagens. Houve, ainda, aqueles que, não sendo professores, deixaram transparecer seu ethos como ex-alunos ou como profissionais pertencentes a outros campos e áreas. Enfim, todos eles partiram da necessidade de justificar sua auto-imagem no discurso. Nestes termos, ao estudar o ethos desses egressos, pudemos verificar que, além de dialogarem com os pesquisadores, alunos, ex-alunos e professores do Curso de Letras, estes egressos dialogaram também com o seu próprio tempo, com o conhecimento adquirido no curso, com suas classes

2451 profissionais. De uma forma geral, tentaram a adequação aos seus auditórios, especialmente ao auditório particular, imaginando o que este considera importante. Daí o nosso interesse por estudar o processo argumentativo destes egressos, uma vez que suas respostas repercutem diretamente na maneira como eles enxergam o trabalho com a linguagem na sala de aula. É importante também porque oportuniza aos próprios professores do curso de Letras refletirem sobre sua atuação profissional. Referências AMOSSY, R. (Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005. ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética. Rio de Janeiro: Ediouro, 199-, [395 a.c.] BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.. Marxismo e filosofia da linguagem. 7 ed.tradução de M. LATIVO; Y. F. VIEIRA. São Paulo: HUCITEC, 1995. MEYER, M. A unidade da retórica e seus componentes: éthos, páthos, logos. In: A retórica. São Paulo: Ática, 2007. MONTEIRO, J.L. A Estilística. São Paulo: Ática, 1991. PERELMAN, C. O império retórico: retórica e argumentação. Tradução de F. TRINDADE; R. A. GRÁCIO. Porto: Ed. ASA, 1993. PERELMAN, C., OLBRESCHTS T. L. Tratado de argumentação: a nova retórica. Tradução M. E. GALVÃO. São Paulo: Martins Fontes, 2002. REBOUL, O. Introdução à retórica. Tradução de I. C. BENEDETTI. São Paulo: Martins Fontes, 2000. SOUZA, Gilton Sampaio de. Argumentação no discurso: questões conceituais. In: FREITAS, Alessandra Cardozo de; RODRIGUES, Lílian de Oliveira; SAMPAIO, Maria Lúcia Pessoa (Orgs.). Linguagem, discurso e cultura: múltiplos objetos e abordagens. Mossoró: Queima Bucha/Edições UERN, 2008.. (Coord.). Relatório técnico final de atividades: Pesquisa O perfil dos egressos do Curso de Letras do CAMEAM/UERN. Departamento de Letras do Campus Avançado Profª Mª Elisa de Albuquerque Maia, Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/UERN. Pau dos Ferros: UERN, 2007.