Do natural ao social: um abraço necessário na Educação Ambiental



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Transcrição:

FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA E AS QUESTÕES AMBIENTAIS: TERRITÓRIOS DEMARCADOS? Marco Antônio Barzano (UEFS) Sandra Escovedo Selles Introdução O debate em torno da Formação de Professores vem sendo destacado nas principais conferências e seminários sobre educação no Brasil e tornou-se mais presente, principalmente, a partir do final da década de 70 e início dos anos 80, em virtude da reformulação dos cursos de Pedagogia e Licenciatura (Pereira, 2000). A discussão sobre a Formação de Professores voltada para as questões ambientais, entretanto, ainda se encontra pouco investigada, como podemos constatar, por exemplo, no Catálogo Analítico de Teses e Dissertações sobre o Ensino de Ciências no Brasil (Megid-Neto, 1998). Esse documento, que contém o resumo de 572 teses e dissertações defendidas entre 1972 e 1995, nos revela que a Educação Ambiental foi estudada, nesse período, em 36 trabalhos sendo que, em apenas dois deles, quando esse tema foi tratado, fazia-se uma relação com o ensino de graduação. Ainda assim, não se tratava do curso de Ciências Biológicas, modalidade Licenciatura. Este trabalho apresenta parte de uma pesquisa elaborada na dissertação de Mestrado que teve como um dos objetivos compreender como um curso de Licenciatura em Ciências Biológicas trata das questões ambientais e em que medida estas questões estão presentes nas disciplinas do curso. Do natural ao social: um abraço necessário na Educação Ambiental À luz de diversas contribuições teóricas, buscamos analisar propostas de atividades e conteúdos que possibilitassem uma compreensão mais ampliada das questões ambientais. Indagando sobre o que constituiria o eixo temático em torno do qual estas questões se situariam, encontramos em Penteado (1994); Moisés (1995); Dias (1998) e Barcelos & Noal (1998), o que Grün (1996) considera como recuperação do horizonte histórico como horizonte de tematização das questões ambientais (p.111). Ou seja, é preciso superar a epistemologia cartesiana que constrange o tratamento do ambiente apenas à sua dimensão naturalizada, em que os aspectos

2 sociais não são incluídos. Tal epistemologia acaba por impossibilitar que estes aspectos sejam debatidos nas mais variadas disciplinas. Surgiu daí o interesse de investigar, dentro do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, a pertinência desta proposição. Neste sentido, o estudo de caso (Chizzotti, 1991; Lüdke & André, 1986; Stenhouse, 1988 e Triviños, 1995) pareceu-nos a abordagem metodológica que melhor permitiria o desenvolvimento da pesquisa. O estudo de caso foi realizado durante o ano de 1999, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas. Participaram desta pesquisa dezesseis alunos e cinco professores. Para o presente trabalho, focalizaremos o resultado das entrevistas com os professores. Realizamos entrevistas individuais do tipo semi-estruturada e nestas, propusemos questões que nos permitissem compreender como os professores, de um modo geral, organizavam o programa das disciplinas que lecionavam e, em que medida estas contribuíam para a formação do futuro professor. Mais especificamente, procuramos investigar se as disciplinas, na opinião dos professores, estavam contribuindo para que o licenciando pudesse, como profissional, desenvolver trabalhos em Educação Ambiental. Era importante saber o que pensam esses profissionais, legitimamente posicionados para conduzir o processo de formação dos futuros professores dos licenciandos, no intuito de compreender dimensões institucionais e curriculares que influenciam a construção de uma concepção a respeito do ambiente. Este papel, muitas vezes configura-se como catalisador de valores, conhecimentos e atitudes. Esta influência extrapola os limites da legitimação e assume um caráter reprodutor de tendências normativas para entender o ambiente natural. Para a compreensão deste contexto era preciso investigar se abordavam em suas disciplinas algum(ns) conteúdo(s) e práticas que, futuramente, seus alunos pudessem utilizar em trabalhos de Educação Ambiental. Universidade e Meio Ambiente: os professores explicitam suas idéias Alguns pesquisadores como Hogan (1990), Sorrentino (1995), Leff (1998) e Leonardi (1999) vêm se dedicando, há alguns anos, ao tema Universidade e Meio Ambiente e discutem como o tema meio ambiente deveria ser tratado nos cursos universitários. Leff (1998), por exemplo, considera que o saber ambiental não é um novo setor do conhecimento ou uma nova disciplina. A formação ambiental não se reduz à incorporação de uma matéria adicional de ecologia aos conteúdos curriculares atuais. Mais do que uma dimensão, trata-se de um saber emergente que perpassa todas as disciplinas e todos os níveis do sistema educativo (p. 14). Na

3 verdade, a inclusão de disciplinas de cunho ecológico pode ter uma contribuição limitada, já que o cerne da questão é epistemológico. A simples inserção de uma nova disciplina não garantiria aos alunos uma melhor formação e cabe indagar se os conteúdos dessa disciplina abordariam questões sócio-ambientais. Caso contrário, correríamos o risco de propor uma disciplina que só seria nova formalmente, mas continuaria possuindo conteúdos cuja orientação cartesiana fragmenta os saberes e inviabiliza um tratamento coerente com a complexidade das questões ambientais. O programa das disciplinas e as questões ambientais No decorrer das entrevistas, dois professores responderam que utilizaram os programas de disciplinas de outras universidades. Entendemos que esse encaminhamento possui duas faces. A primeira respalda o professor, pois ele pode mostrar à seus alunos que o que é ensinado em sua disciplina encontra-se em consonância com o trabalho de outras universidades. Por outro lado, vemos que aquilo que é considerado como prático-funcional poderá trazer algumas conseqüências. A não adequação do programa com a realidade da instituição ignora que esta possui características próprias, construídas historicamente em um determinado curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, no âmbito de uma universidade rural específica. Esta prática, na verdade, sugere-nos que o determinante na opção programática guia-se pelos valores de uma cultura acadêmica que prioriza conteúdos universalizados em detrimento de abordagens contextualizadas. Outro ponto relativo ao conteúdo diz respeito à carga horária disponibilizada às disciplinas. Os depoimentos apoiam a idéia de que o tempo reservado ao professor para lecionar a disciplina é bastante reduzido em relação ao conteúdos programáticos e é com muita dificuldade que conseguem cumpri-los. Pareceu-nos que os professores, constrangidos por diversas pressões, encontram solução à moda burocrática, optando por uma abordagem generalista e com isso não conseguem introduzir dimensões que não aquelas classicamente recomendadas pela comunidade científica. Procuramos saber ainda como os professores das disciplinas consideram que estas contribuem para que licenciando trabalhe com Educação Ambiental. Passaremos a apresentar as respostas dos professores agrupando-as por disciplina, o que revelou-nos particularidades que contribuem para a discussão que ora nos propomos iniciar.

4 Para o professor de Biologia Celular, há uma dificuldade dos alunos compreenderem a relação existente entre a disciplina e o tema Meio Ambiente. Ele justifica dizendo que há uma falta de base dos alunos e que não há um melhor encadeamento entre as mais variadas disciplinas. A dificuldade apontada pelo professor de articular conteúdos de Biologia Celular às temáticas ambientais exige que analisemos esta questão sob alguns ângulos. Busca-se responsabilizar uma formação anterior, o que obrigaria o professor a usar parte do tempo da disciplina para restabelecer um nível básico que permitisse aos alunos o entendimento dos conteúdos de Biologia Celular. A desarticulação entre as disciplinas é, ao mesmo tempo, impeditiva para uma abordagem mais afinada com as questões ambientais porque faz com que o professor gaste mais tempo ensinando conteúdos que o aluno deveria aprender em outras disciplinas. Nas razões apresentadas, buscam-se fatores externos para justificar a ausência de um enfoque interdisciplinar e revela uma prática conservadora que não consegue enfrentar a questão das interrelações entre os conteúdos citológicos e o meio ambiente. O professor de Botânica, entretanto, considera que a disciplina oferece o conteúdo básico para que o aluno possa realizar trabalhos de Educação Ambiental. Pelo fato da visão naturalista ainda ser hegemônica no senso comum e também no meio acadêmico, a disciplina Botânica, assim como a Zoologia, são as que melhor se ajustam a estabelecerem relações com as temáticas ambientais. Isto é reforçado por um lugar comum de se considerar Meio Ambiente como verde, relacionando-o exclusivamente com os vegetais. Este enfoque, ainda que reconheça a possibilidade de articulação com trabalhos de Educação Ambiental, parece priorizar a sua dimensão biologizante ou naturalista. Seria de se esperar que a disciplina Ecologia Geral, obrigatoriamente, tratasse de conteúdos que levassem a um trabalho de Educação Ambiental. Porém, o professor comenta que ele não aborda esse tema formalmente mas, assim como na disciplina de Botânica, os alunos têm apenas uma base para um aprofundamento futuro na área. Uma das razões apontadas para o não prolongamento dessa discussão nas aulas de Ecologia Geral foi a sua carga horária, que, bastante reduzida, não permite abranger todos os conteúdos básicos que a disciplina deveria contemplar. O problema complica-se na medida em que as aulas práticas não são realizadas. Mais uma vez, vemos que a estrutura curricular é responsabilizada pela ausência de uma interrelação entre disciplinas de forte conteúdo biológico com questões ambientais mais amplas. É interessante apontar que o mesmo não foi revelado pelo professor de Genética. Segundo ele, a repercussão que a Genética tem alcançado nos últimos anos, no Brasil e no

5 exterior, ultrapassa os limites do campo científico e atinge as mais variadas instâncias da sociedade em geral. Para o professor desta disciplina, o enfoque do Meio Ambiente dado é muito pertinente pois temas como transgênicos, engenharia genética, clonagem, estão obrigatoriamente inseridos na relação genética-meio ambiente. A partir dos depoimentos dos professores vemos que a Zoologia, juntamente com a Botânica têm, n conceptualização de Meio Ambiente, um papel marcante. Já observamos, ao longo de nossa trajetória de trabalho, que, dentre o conjunto dos seres vivos, os animais assumem uma representação significativa e, consequentemente, todo o conjunto de conhecimentos zoológicos está relacionado à sua interação ambiental, o que torna o reconhecimento de sua importância mais fácil. A posição da Genética pode ser tomada como um caso particular porque é notória a presença de notícias veiculadas pela mídia a respeito do desenvolvimento da biotecnologia e de suas implicações econômico-ambientais. Pensamos que para romper com esta visão biologizante dominante em todo o curso é complexo e demanda um debate mais aprofundado. É importante considerar que a formação da maioria dos professores universitários que trabalham com a licenciatura tem sido influenciada por um modelo de cientificidade que, apenas recentemente (Grün, 1996) incluem as interações sociais no entendimento das questões ambientais. Considerações Finais Como vimos, existe no curso uma demarcação explícita entre os saberes que são ensinados nas disciplinas, configurando uma territoriedade curricular que obstaculariza um trabalho interdisciplinar, uma vez que as disciplinas são organizadas em conteúdos isolados por si mesmos, desconsiderando suas interrelações conceituais, historicamente constituídas. Como decorrência, a apropriação dos seus sentidos no âmbito das questões ambientais é marcada por esta concepção reducionista. Entendemos que em um curso de Licenciatura em Ciências Biológicas não se pode mais ter uma visão limitada de Meio Ambiente onde os fios de relações existente nele não possam formar uma teia. Em realidade, as disciplinas cursadas ao longo do curso foram lecionadas isoladamente, em que os conteúdos, na maioria das vezes, se limitavam à sistemática dos seres vivos. Dessa forma, o conhecimento fica compartimentado num monólogo epistemológico que esvazia as possibilidades de um tratamento interdisciplinar que valorize a pluralidade dos saberes ambientais. Esse trabalho aponta a necessidade de se aprofundar estas questões em estudos sobre

6 a formação de professores que tome como objeto o tratamento das temáticas ambientais em sua articulação curricular. Há, assim, um extenso campo a ser explorado teoricamente, nos cursos de licenciatura, particularmente, nos de Ciências Biológicas. Referências Bibliográficas BARCELOS, V.H. de L. & NOAL, F.O. A temática Ambiental e a Educação: uma aproximação necessária. In: NOAL, F.O et alii (orgs). Tendências da Educação Ambiental Brasileira. Santa Cruz do Sul,RS: EDUNISC, 1998. CHIZZOTTI, A. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1995. DIAS, G.F. Educação Ambiental: princípios e práticas. 5ª ed. São Paulo: Global, 1998. GRÜN, Mauro. Ética e Educação Ambiental: a conexão necessária. Campinas, SP: Papirus, 1996. HOGAN, D.J. A Questão Ambiental e os Cursos de Graduação. In: IV SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE UNIVERSIDADE E MEIO AMBIENTE. Florianópolis. 1990. Textos Básicos. Universidade e Sociedade Face à Política Ambiental Brasileira. Santa catarina, 1990. 147-158. LEFF, E. As Universidades e a Formação Ambiental na América Latina. In: ZANONI, M. e FERREIRA, A. Meio Ambiente e Desenvolvimento: a Universidade e a Demanda Social. Curitiba, PR: Cadernos de Desenvolvimento e Meio Ambiente, n LEONARDI, Maria Lúcia Azevedo. A educação ambiental como um dos instrumentos de superação da insustentabilidade da sociedade atual. In: CAVALCANTI, Clóvis (org). Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas. São Paulo: Cortez: Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1999. 2ª ed. LÜDKE, Menga e ANDRÉ, E.D.A. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo, EPU, 1986.

7 MEGID-NETO, J. O Ensino de Ciências no Brasil: catálogo analítico de teses e dissertações: 1972-1995. Campinas, SP: UNICAMP/FE/CEDOC, 1998. MOISÉS, H. N. O Meio Ambiente no Ensino de Ciências. In: SORRENTINO, M. et alli. Cadernos do III Fórum de Educação Ambiental. São Paulo: Gaia, 1995. PENTEADO, H. D. Meio Ambiente e Formação de Professores. São Paulo: Cortez, 1994. PEREIRA, J.E.D. Formação de Professores: pesquisas, representações e poder. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. SORRENTINO, M. Educação Ambiental e Universidade: um estudo de caso. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 1995. STENHOUSE, L. Case Study Methods. In: KEEVES, J.P. Educational Research, Methodology and Measurement. Oxford: Pergamon Press, 1988. TRIVIÑOS, A.N.S. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

8 ESQUEMA DA APRESENTAÇÃO GRÁFICA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA E AS QUESTÕES AMBIENTAIS: TERRITÓRIOS DEMARCADOS? Autores e Instituições INTRODUÇÃO Apresentamos o objeto da pesquisa bem como os objetivos. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Universidade e Meio Ambiente: os professores explicitam suas idéias O programa das disciplinas e as questões ambientais REFERENCIAL TEÓRICO PARA ANÁLISE DOS DADOS Apresentamos o trajeto metodológico, bem como o suporte teórico que nos auxiliou para a interlocução com os dados da pesquisa. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apresentamos as considerações finais e algumas propostas para a continuidade do trabalho de pesquisa. Do natural ao social: um abraço necessário na Educação Ambiental

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 9