CADERNOS DE MUSEOLOGIA Nº NOVOS MUSEUS NOVOS PERFIS PROFISSIONAIS

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CADERNOS DE MUSEOLOGIA Nº 1 1993 12 NOVOS MUSEUS NOVOS PERFIS PROFISSIONAIS Maria Madalena CORDOVIL I - INTRODUÇÃO A recente Declaração de Caracas considera no seu ponto 6 que a "profissionalização do pessoal dos museus é uma prioridade que esta instituição deve encarar como premissa para contribuir para o desenvolvimento integral das populações" (p. 13). A esta recomendação subjaz a ideia de que a formação do museólogo deve "torná-lo capaz de desempenhar as tarefas interdisciplinares próprias do museu actual, ao mesmo tempo que dotá-lo dos elementos indispensáveis para exercer uma liderança social, uma gestão eficiente e uma comunicação acertada" (id. p. 13). Ora, este novo perfil profissional dos trabalhadores dos museus proposto pelos participantes do Seminário de Caracas, supõe, igualmente, a existência de um "novo Museu". Antes de definir o perfil do novo museólogo impõe-se, então, percorrer a história mais recente da museologia e verificar quando, de que maneira e que circunstâncias determinaram que o conceito de Museu tivesse sido alterado, bem como os novos conteúdos que tal conceito integra hoje. Para tanto servimo-nos das ideias e do debate suscitados ao longo do ano, não apenas nas sessões de "Função Social dos Museus", mas dos contributos de outras áreas e socorremo-nos de bibliografia suplementar àquela que foi fornecida, sobretudo, para verificar como, no caso português, as ideias de "novo Museu" e de "novo museólogo" têm sido entendidas e aplicadas. II - O NASCIMENTO DA NOVA MUSEOLOGIA Durante mais de um século o Museu permaneceu como uma instituição inquestionada. Local de "culto" e repositório do prestígio da sociedade dominante, o Museu ía difundindo a sua "colecção" a um "público" que se pretendia variado e que nela se revia ou não, mas, ao qual eram transmitidos os valores que as peças veiculavam. A emergência de novos paradigmas sociais, económicos e políticos na segunda metade do nosso século vem afectar todas as estruturas e instituições. A tais mudanças não escapou a instituição Museu. De facto, logo no imediato pós-guerra, a acção de Georges-Henri Rivière começa a fazer sentir-se, primeiro em França e, depois, um pouco por toda a parte. No início dos anos 60 uma equipa liderada por Hugues de Varine-Bohan transforma todo um território económica e

CADERNOS DE MUSEOLOGIA Nº 1 1993 13 socialmente degradado no Ecomuseu de Cresot com a participação da população. (Provavelmente nasceu então o termo e constituiu-se o conceito de Ecomuseu). Experiências semelhantes desenvolveram-se, então, na Europa e no continente americano. Aproveitando as especificidades latino-americanas e o momento particular que então se vivia no Chile, o ICOM promove em 1972 a Mesa Redonda de Santiago significativamente dedicada ao tema "O desenvolvimento e o papel dos Museus no mundo contemporâneo". Logo aí, no tema mesmo da Mesa Redonda, se introduzem duas ideias inovadoras no que respeita à museologia, aos seus fins e métodos: por um lado, a ideia de que o desenvolvimento dos povos é algo que tem a ver também com os museus e, por outro, a ideia de que o Museu não é apenas repositório de colecções do passado mas que a sua acção tem que ver com a contemporaneidade. A declaração final afirma "a necessidade de uma tomada de consciência pelos Museus da situação presente e a necessidade para estes de desempenhar um papel decisivo num mundo em transformação", ao mesmo tempo que lembra que a abordagem da realidade socio-cultural deve ser multidisciplinar e interdisciplinar. Abrem-se, então, as portas à existência de um Museu de novo tipo que se adapte e sirva as pequenas comunidades locais e regionais. A esta museologia de cariz popular a declaração chama Museu Integral e define-a como vocacionada para "situar o público no seu mundo para poder tomar consciência da sua problemática enquanto indivíduo e homem-social". Do mesmo modo, as experiências estimuladas pela Mesa Redonda de Santiago, visavam transformar o Museu num organismo vital para a Comunidade e num instrumento eficaz para o seu desenvolvimento integral, como vinte anos mais tarde, reconheceram os participantes do Seminário de Caracas. O desenvolvimento de tais experiências museais, um pouco por todo o mundo, levou à primeira reunião internacional da Nova Museologia que teve lugar no Quebéc em 1984. Pouco tempo depois, realizou-se no México uma reunião que juntou alguns dos participantes do Quebéc a outros latino-americanos. A declaração final desta assembleia, conhecida como Declaratoria de Oaxtepec, é da máxima importância porque define claramente o novo tipo de Museu, adaptado aos novos tempos, assimilando os conceitos de ecomuseologia e da nova museologia e pondo a tónica no desenvolvimento e no equilíbrio ecológico. Aí se afirma: "O museu tradicional produz-se num edifício, com uma colecção e para um público determinado. Trata-se agora de ultrapassar estes princípios substituindo-os por um território, um património integrado e uma comunidade participativa." Mais se afirmava então, que um tal museu constituía um "Acto pedagógico para o ecodesenvolvimento". Estamos, de facto, perante uma nova concepção de Museologia e um novo tipo de Museus e não se trata já de adaptar ou ampliar as funções do museu tradicional.

CADERNOS DE MUSEOLOGIA Nº 1 1993 14 A escassez do espaço disponível não permite uma análise cuidada dos pressupostos e das conclusões das duas declarações em apreço, mas não podemos deixar de sublinhar, pela síntese que representa, o seguinte ponto da Declaratoria de Oaxtepec: "É necessário fortalecer e desenhar acções que integrem vontades políticas conscientes, a fim de preservar a cultura viva, o património material, o desenvolvimento sócio-económico e a dignidade humana". Curiosamente, mas mais tarde, em 1987, durante o IIIº Atelier Internacional da Nova Museologia, reunido em Aragão, René Rivard, retomou as mesmas ideias ao afirmar que "A nova museologia tem essencialmente por missão favorecer por todos os meios, o desenvolvimento da cultura crítica no indivíduo e o seu desenvolvimento em todas as camadas da sociedade como melhor remédio para a desculturização, a massificação ou a falsa cultura". E mais adiante: "Dependendo do tipo de instituição na qual opera, a nova museologia, utiliza, então, as culturas etnológicas e as culturas eruditas para proporcionar o desenvolvimento desta cultura crítica que permite adquirir o sentido da qualidade, libertar-se dos estereótipos e portanto, assegurar ao maior número uma estratégia de vida individual e colectiva do mesmo modo que uma identidade mais forte". (Museologie et Cultures, p.p. 3/4. Sublinhados do autor). Para o desenvolvimento desta consciência cultural e patrimonial como meios de desenvolvimento integral, os participantes da Assembleia de Oaxtepec recomendavam:. "Formação de promotores seleccionados no próprio meio.. Criação de estruturas associativas.. Criação de uma museografia popular, incluindo inventariação, conservação, apresentação, valorativa e difusão.. Preparação e participação de profissionais para um diálogo consciente com a comunidade". O que, definido que está o Novo Museu, implica que se encontre para ele o perfil do profissional adequado. III. O NASCIMENTO DO NOVO MUSEÓLOGO 1 - O Desenvolvimento - Novo Desafio dos Museus. A Mesa redonda de Santiago do Chile sublinhava com ênfase a "orientação eminente social do papel da museologia". Tal directiva foi assumida e reforçada em Oaxtepec. Esta declaração vai mesmo mais longe ao terminar afirmando ver na "museologia um instrumento para o livre desenvolvimento das comunidades". Duas décadas decorridas, os participantes reunidos em Caracas reafirmam esta função social do museu atribuindo-lhe uma nova dimensão que "é a de ser protagonista do seu tempo"

CADERNOS DE MUSEOLOGIA Nº 1 1993 15 e conclamam os trabalhadores do museu a "assumir a dinâmica da mudança e a preparar-se para enfrentar com êxito o desafio". Entretanto, em Portugal, inúmeros textos, sobretudo da última década, dão igualmente conta desta preocupação. É que, também entre nós, o desenvolvimento passou a estar no centro das preocupações dos museus. Pode bem dizer-se que o desenvolvimento é agora o novo desafio. Em praticamente todos os Encontros celebrados desde 1985 até aos nossos dias (Jornadas Sobre a Função Social do Museu: Encontros Nacionais sobre Museologia e Autarquia) encontramos temáticas, comunicações, conclusões e recomendações que versam o problema do desenvolvimento das comunidades. Tal reflexão teórica, que não cabe aqui analisar exaustivamente, chegou a definir os contornos do modelo de desenvolvimento que se requer - desenvolvimento integrado por oposição ao simples crescimento económico - e a posicionar perante esse desafio os vários intervenientes: população, museólogos, poder autárquico, poder político central. Bem como, a redefinir os elementos constituintes do Museu. 2 - O Papel do Museólogo no Museu Tradicional Em comunicação apresentada às Ias Jornadas Sobre a Função Social do Museu, Rui Parreira dá conta dos equívocos que envolvem a designação de Museólogo. De facto, no museu tradicional, o Museólogo era identificável ao Conservador. Ora, nesse tipo de instituições, o conservador tem a seu cargo a preservação da colecção, o seu equilíbrio físico e químico, uma vez que os objectos estão deslocados do seu contexto ambiental e histórico e a sua apresentação a um público, que se pretende vasto. Isto equivale a dizer que o conservador é um especialista, com formação académica adequada, na administração, na conservação e no restauro de peças. Raramente se ocupa da investigação aprofundada do património que tem à sua guarda e por vezes, realiza actividades de extensão cultural. Como já atrás demos conta, o novo conceito de Museu, definido a partir da Mesa Redonda de Santiago, deitou abaixo as barreiras, entre o objecto e os seus utentes ao substituir o conceito de público pelo de população e comunidade; deixou de sacralizar o objecto ao mantê-lo no seu enquadramento histórico e ambiental, falando-se agora de património integrado, humanamente valorizado; e aboliu mesmo o conceito e a necessidade do edifício, substituindo-o por todo o território em que a comunidade exerce a sua actividade e influência. Desde logo, a função do conservador deixa de ter, neste tipo de Museu, o enquadramento anterior. Não só as tarefas são diversas, como há que contar, aqui, com a intervenção de outros agentes - a comunidade, e ainda, o destino e o usufruto do património assumem um carácter distinto daquele que têm no Museu tradicional.

CADERNOS DE MUSEOLOGIA Nº 1 1993 16 3 - O Novo Museólogo Ao novo Museu incumbem então diferentes funções, muito para além da tradicional conservação de uma colecção. O IV Atelier da Nova Museologia define como objectivos comuns do Museu a favor das populações: * favorecer a tomada de consciência, contribuir para o despertar da dimensão política, cultural e social com vista à reapropriação do território, do património para um autodesenvolvimento individual e colectivo; * estimular a criatividade em função de uma qualidade de vida, da felicidade e do prazer; * favorecer as trocas culturais reconhecendo o saber das populações. (Cadernos de Minom, nº1, p. 13). Por outro lado, é claro que esta acção se faz com as populações e para elas, pondo sempre a tónica na liberdade e na criatividade das próprias comunidades. Tais intenções ressaltam nas conclusões do grupo III das citadas Ias Jornadas, quando se afirma que "a museologia (... instrumentos...) a par de outros, de desenvolvimento integral das populações e com as populações". (p. 33). E mais adiante: "nesse sentido, o que há de novo nas práticas da Nova Museologia é a demonstração da capacidade (e a prática disso) de as populações se auto-organizarem para gerir o seu tempo e o seu futuro". Ou ainda "a acção da N. M. supõe a acção criadora da população no seu próprio desenvolvimento, ainda que haja a consciência de que essa participação se manifesta de modo vário, respeitando a diversidade de interesses, o grau de desenvolvimento e as necessidades em número de participantes em cada projecto (...)". E a finalizar: "o novo Museu é um agente de desenvolvimento através de um trabalho criador e de sentido libertador feito pela população (em que se integra a equipa museal), para a população (...)", (p.34). O mesmo documento dá um assinalável contributo para a definição, o enquadramento e o papel do museólogo ao afirmar que se reconhece "o carácter mais vasto da acção do museu e do museólogo que não pode confinar-se à acção cultural (que no entanto é essencial) e ao espaço local, mas reveste muitas vezes o carácter de intervenções nos domínios do social, do económico e até, do político (...)". Adiante e nas mesmas conclusões, afirma-se: "Na perspectiva do desenvolvimento integral da população a primeira obrigação do Museu e da equipa museal é detectar as carências do meio e responder-lhes de modo correcto e eficaz (...) na detectação e resposta a esses problemas têm papel fundamental os técnicos (museólogos, investigadores, animadores, agentes de desenvolvimento...) cuja acção se desenrola em ligação com os restantes elementos que integram o projecto e tem de ser sempre orientado para a resolução dos interesses da população. Nesse sentido o Museu é um centro de formação de criadores".

CADERNOS DE MUSEOLOGIA Nº 1 1993 17 Do que acima fica transcrito ressalta que o museólogo do novo Museu é um profissional de tipo novo, que, além do domínio das áreas tradicionais da museologia (que me parece não deverem ser esquecidas), tem de ser capaz de detectar e gerir os problemas com que se defronta a comunidade, de responder a solicitações variadas que vão das questões culturais às socioeconómicas e políticas. Tem de ser capaz de integrar uma equipa que tome as decisões aos vários níveis, empreender, incentivar ou coordenar os vários trabalhos de investigação que decorram na área do Museu e finalmente, gerir o Museu. Tal perfil implica um museólogo capaz de se integrar na população e se manter com ela um diálogo permanente. Um profissional deste tipo tem naturalmente de ser polivalente e de possuir uma formação transdisciplinar. O que põe, finalmente, o problema da formação de museólogos para criar museus. 4 - Comunicação e Linguagem Sejam quais forem os problemas concretos com que se defronta cada projecto museal, os museólogos sabem que "a função museológica é, fundamentalmente, um processo de comunicação que explica e orienta as actividades do museu (...)". (Declaração de Caracas, p.6). A linguagem específica do museu deve merecer ao museólogo e a toda a equipa um cuidado especial. De facto, as linguagens utilizadas devem ser variadas e facilmente descodificáveis por todos os públicos de modo a que a comunicação seja eficaz e tenha utilidade. Além de que a comunicação no museu deve ser sempre entendida como um processo multidireccional e interactivo capaz de manter "um diálogo permanente que contribua para o desenvolvimento e o enriquecimento mútuos e evite a possibilidade de manipulação ou imposição de valores e sistemas de qualquer tipo". (id. p.7). Semelhante ideia já tinha de resto, sido afirmada nas Conclusões das Ias Jornadas Sobre a Função Social do Museu. Os principais textos teóricos da Nova Museologia, nomeadamente a Declaração de Caracas, insistem ainda em que o museu dirija o seu discurso para o presente, mostrando que os objectos têm significado na cultura e na sociedade contemporânea e são por elas iluminados, e não apenas como meros testemunhos da produçaõ cultural do passado, para concluir que, "nesse sentido o processo importa mais do que o produto" (id. p.8) Quanto às tecnologias ou informação, que estão omnipresentes no mundo actual, a Declaração de Caracas aponta para que se aproveitem os seus benefícios e ensinamentos, utilizando-os de modo crítico, ao mesmo tempo que se aproveita a sua utilização para desmistificar o uso de tecnologias sofisticadas sempre que seja em proveito do homem na sua integridade. Eis, pois uma nova vertente do perfil do novo museólogo.

CADERNOS DE MUSEOLOGIA Nº 1 1993 18 IV - A FORMAÇÃO DOS NOVOS MUSEÓLOGOS Definidos que estão o novo museu e o perfil do novo museólogo, não queremos terminar sem abordar uma questão que nos parece essencial: a formação dos novos profissionais à qual as instituições tradicionais não poderiam ter dado resposta. Já as Declarações de Santiago e de Oaxtepec insistiam em dois ítems fundamentais no que respeita ao pessoal dos museus: por um lado, uma participação acrescida da população que gradualmente deverá dominar as técnicas e o saber museológico e por outro, a formação de novos profissionais, sensíveis à problemática acima enunciada, capazes de se integrar nas comunidades, partilhar com elas as responsabilidades e a gestão de projectos museais e dotados de um saber pluridisciplinar. Coloca-se então, claramente o problema da formação profissional do novo museólogo. Não deixa de ser sintomático que logo nas Ias Jornadas do Minom um dos temas em debate tenha sido "A profissão do museólogo no quadro de uma nova Museologia". Nas conclusões desse grupo de trabalho, de que este texto é largamente tributário, assinalase no ponto 7: "Perante a impossibilidade de as instituições actuais darem resposta cabal à formação dos profissionais de museus de acordo com as necessidades actualmente sentidas, justifica-se uma formação alternativa. Recomenda-se que saia destas Jornadas uma Comissão encarregada de constituir um Centro de estudos para uma Nova Museologia que tenha nos seus objectivos a formação de novos profissionais, a criação de ateliers práticos locais e a formação permanente e que se assuma como interlocutor válido junto das Universidades e Institutos que promovem ou possam vir a promover a formação profissional." Cremos que terá sido aí dado um primeiro passo para a resolução deste problema. V - CONCLUSÃO No respeito dos princípios acima enunciados que contemplam o enquadramento do novo museu e o perfil do novo museólogo, poderá o Museu ser então, o espaço privilegiado para que toda a comunidade se possa expressar, onde possa rever-se no seu passado comum e em conjunto, tomar em mãos o seu futuro. É que, como afirmou Mário Moutinho em comunicação às IIas Jornadas Sobre a Função Social do Museu, "A relação entre o Museu e o seu público ou utilizador tem vindo a ser modificada no sentido de maior implicação deste no trabalho museológico, orientado cada vez mais para a satisfação das suas necessidades individuais e colectivas. Esta relação, passa pelo acesso à propriedade sobre o meio e consequentemente sobre o museu, flexibilidade do museu

CADERNOS DE MUSEOLOGIA Nº 1 1993 19 para funcionar como um utensílio de intervenção social, pela valorização das competências, por estruturas de gestão não hierarquizadas e participadas." ("Museologia e Economia", in Textos de Museologia, p.66, Cadernos do Minom, nº1.).. O que em última análise, implica com a capacidade e o trabalho de dinamização que o museólogo for capaz de transmitir à comunidade em que se desenvolva o seu trabalho.