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Transcrição:

PROMOVENDO TUTORES DE RESILIÊNCIA: Relatos de uma experiência com educadoras em uma Casa Abrigo Ladislau Ribeiro do Nascimento 1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ladislaunascimento@hotmail.com Eixo: OUTROS RESUMO O presente relato aborda uma experiência na prática de estágio supervisionado em Psicologia Jurídica durante o ano letivo de 2006. O processo se deu por meio de intervenções com um grupo de educadoras que atuam em uma instituição que abriga crianças e adolescentes sob medida de proteção. O trabalho foi orientado para abordar aspectos da relação entre as educadoras e a população abrigada. De acordo com Silva, citado em Siqueira e Dell Aglio (2006), no Brasil há cerca de 590 instituições que abrigam uma média de 20 mil crianças e adolescentes. O abrigo é um ambiente com potencial para o desenvolvimento de relações recíprocas, de equilíbrio de poder e de afeto (SIQUEIRA E DELL ALIO, 2006, p. 73). Segundo uará citado em Arolla (2000), mais de 90% das crianças e adolescentes que necessitam de um abrigo são de famílias que estão com problemas relacionais, dificuldades de sobrevivência, agravos sociais, psicológicos ou de saúde física. O enfoque das intervenções foi pautado no conceito de resiliência, tal conceito tem origens nos estudos da física e significa a capacidade de um objeto recuperar-se após sofrer modificações em sua forma. Existe uma série de controvérsias envolvendo o conceito de resiliência; para Junqueira & Deslandes (2002), o conceito ainda está em debate; há uma metáfora para ilustrar tal conceito que originariamente refere-se à propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora da deformação elástica (FERREIRA apud JUNQUEIRA & DESLANDES, 2002, p. 228). Na psicologia, resiliência pode ser compreendida como as possibilidades de superação em situações adversas que são impostas e determinadas por fatores sociais e históricos. Uma forma de potencialidade humana para superação em situações adversas. É preciso reforçar que o desenvolvimento pleno de uma pessoa é menos influenciado pelas adversidades e mais pelos recursos protetores dispostos ao longo da vida. (ASSIS, PESCE & AVANCI, 2006, p. 120). Na primeira etapa do projeto, dirigiu-se um olhar acerca de todo o funcionamento institucional e sobre as relações entre as pessoas que compõem o quadro funcional na instituição. As observações iniciais foram direcionadas às situações de convivência entre crianças e educadoras com o propósito de analisar de forma geral, expressões de: dependência/independência das crianças, vínculos, relação criança/criança, criança/educadora, criança/instituição, educadora/instituição. Além das observações, nos encontros com o grupo buscou-se abordar temas pertinentes e relativos ao conceito de resiliência. Em um segundo 1 Psicólogo, mestrando do Programa de Estudos Pós-raduados em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP. 4

momento, as observações buscaram verificar mudanças na relação educadora/criança possivelmente decorrente das intervenções com o grupo de educadoras que ocorreram mensalmente no primeiro semestre e quinzenalmente durante o segundo semestre. Realizou-se um total de 20 encontros de intervenção que consistiram na execução de estratégias de ação com caráter preventivo para a promoção de saúde; algumas características positivas e potencialidades apresentadas pelas educadoras durante os encontros foram estimuladas e pontuadas, visando apontar a importância no papel do educador/tutor na vida da população abrigada. Os profissionais que mantêm contato direto com crianças e adolescentes ocupam uma posição favorável à prevenção no sentido de poder evitar o agravamento de problemas que foram produzidos em um contexto violento. Para o trabalho com o grupo de educadoras, utilizou-se um importante referencial, a perspectiva de grupos operativos. Deste modo, o grupo abriu possibilidades para ampliação da intervenção no modelo primário de promoção de saúde, segundo Abduch (1999), a técnica de grupos operativos é eficiente por se tratar de uma didática horizontal que leva em consideração as necessidades pessoais e comunitárias dos indivíduos participantes, o que permite um engajamento no processo de mudança. Como recursos, utilizaram-se dinâmicas de grupo, apresentação de filmes e documentários; intervenções individuais também fizeram parte do processo. Percebeu-se que as relações entre educadoras e crianças são atravessadas por aspectos ligados à estrutura organizacional da instituição. Sendo assim, nos encontros, as participantes tinham espaço para falar sobre suas dificuldades, medos e preconceitos relacionados à situação particular de trabalho. Por meio dos relatos e lembranças que as educadoras levaram aos encontros, percebeu-se que o perfil das mesmas, em muito se assemelha ao das crianças, comumente surgia um histórico de violência doméstica, abandono ou até mesmo, abuso na fala das educadoras, o que de certa forma proporcionou uma identificação por parte das mesmas em relação a algumas crianças, esse movimento de identificação foi entendido como um aspecto importante para a promoção da resiliência. Observamos momentos de troca de experiências e reconhecimento-de-si frente à fala do outro. Almejou-se com isso uma ressignificação do papel de educadora e de sua relação com as crianças e adolescentes. Apesar da falta de acesso aos bens materiais e até mesmo simbólicos referentes à maioria das educadoras enfatizaram-se os aspectos positivos, os mais importantes na vida das pessoas, quando ressaltado e valorizado na intervenção, podem permitir superação de condições desfavoráveis. Por meio das discussões que surgiram nos encontros, falou-se sobre violência doméstica e as conseqüências para as vítimas, abuso sexual e seus indicadores, entre outros assuntos pertinentes à realidade das crianças. É fato que no Brasil e em outros países em desenvolvimento, não haja muito incentivo para serviços que visem à promoção primária de saúde. eralmente, as intervenções carregam um caráter terciário, procura-se com isso sanar um problema que já está instalado. No entanto, não cria bases sólidas para um desenvolvimento saudável. Neste sentido, o trabalho com as educadoras adquire uma importância por ter uma visão ampla e responsável, que visa resultados a médio e longo prazo. Há boas 5

expectativas quanto à capacidade de superar adversidades e gerar possibilidades para se ter uma vida mais saudável em vários aspectos, o que pode proporcionar não apenas um salto qualitativo na vida dos sujeitos foco do projeto, mas também, na vida daqueles que vive no mesmo contexto social. Finalmente, apontamos para a necessidade de ampliação no direcionamento do projeto, talvez buscar uma forma de integrar as crianças e adolescentes em projetos semelhantes, para intervir diretamente na interação entre educadoras e crianças, pensar em outras possibilidades de comunicação, uma vez que foi possível observar um distanciamento entre educadoras e crianças. Palavras-Chave: Abrigo Resiliência Psicologia Jurídica ECA- proteção 1. APRESENTAÇÃO Famílias inteiras são expostas a situações de violência, em que há probabilidade de ocorrências de abusos, espancamentos, entre outros problemas. As vítimas principais são as crianças e adolescentes. Muitos recorrem ao direito à proteção que se efetiva por meio de medidas aplicadas por órgãos competentes; os direitos são assegurados pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Uma das medidas aplicadas sobre tal população é a medida de abrigamento. Segundo AROLLA (2000), o abrigo é uma medida de proteção, onde o abrigado não tem a privação de liberdade. De acordo com Silva, citado em SIQUEIRA e DELL'ALIO (2006), no Brasil há cerca de 590 instituições que abrigam uma média de 20 mil crianças abrigadas. As autoras apontam que os efeitos de um período de institucionalização interferem na sociabilidade e na manutenção de vínculos na vida adulta. No entanto, as instituições podem servir como importante rede de apoio. Para Bronfenbrenner citado em SIQUEIRA e DELL'ALIO (2006) brincadeiras espontâneas e bom vínculo na relação adulto-criança permitem que o abrigo seja, eventualmente, melhor do que um lar caótico. O presente trabalho enfocou a relação entre educadoras, crianças e adolescentes inseridos em uma instituição onde crianças e adolescentes residem sob medida de abrigamento; uma parte do público atendido não reside na instituição, apenas são acolhidas em período integral. A instituição oferece cursos, conta com uma equipe de saúde preventiva e mantém parceria com um colégio municipal. O projeto de intervenção foi baseado no conceito de Resiliência, tal conceito tem origens nos estudos da física e significa a capacidade de um objeto recuperar-se após sofrer modificações em sua forma. O modelo da resiliência é uma maneira legítima de fortalecer a base geradora da prevenção primária (ASSIS, PESCE & AVANCI, 2006, p. 116). 6

As intervenções com as educadoras foram realizadas em grupo e individualmente. O grupo serviu como continente para muitas questões pessoais e da relação com as crianças na instituição. 2. Construindo seres resilientes Os profissionais que mantêm contato direto com crianças e adolescentes ocupam uma posição favorável à prevenção, no sentido de poder evitar o agravamento de problemas que foram produzidos em uma relação de violência. Para tanto, é necessário que estas pessoas sintam-se bem na relação com os abrigados. O trabalho que visa à promoção de tutores de resiliência anseia o desenvolvimento de seres de superação que possam enfrentar de maneira mais positiva, adversidades encontradas na trajetória de suas vidas para evitar problemas que podem ser produzidos/reproduzidos em um contexto relacional. Vale pena considerar que: Pensar projetos neste modelo é considerar que os resultados podem surgir a médio e longo prazo, além disso, o olhar deve ultrapassar a esfera individual e abranger aspectos sócio-histórico-institucional. É Bleger (1989) quem diz que qualquer organização tem tendência em manter a mesma estrutura do problema que tenta enfrentar e em função do qual foi criada. Dessa forma, a instituição é inserida no processo de análise do problema a ser solucionado. O trabalho com o grupo de educadoras foi realizado sob a perspectiva de grupos operativos: A técnica de grupos operativos parece um instrumento eficiente por se tratar de uma didática horizontal. Essa horizontalidade torna o indivíduo agente ativo, responsável e engajado no processo de mudança, na medida em que suas necessidades pessoais e comunitárias são levadas em consideração (ABDUCH, 1999, p.303). Existe uma série de controvérsias envolvendo o conceito de resiliência; para Junqueira & Deslandes (2002), o conceito ainda está em debate. Originariamente, o termo vem da física e referese à propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora da deformação elástica (FERREIRA apud JUNQUEIRA & DESLANDES, 2002, p. 228). No âmbito da psicologia, resiliência relaciona-se às possibilidades de superação em situações adversas impostas e determinadas por fatores sociais e históricos: Entendemos que a resiliência não é um processo estanque nem linear, visto que um indivíduo pode se apresentar como resiliente diante de determinada situação, mas, posteriormente, não o ser frente à outra. Nesse sentido, não podemos falar de indivíduos resilientes, mas de uma capacidade do sujeito de, em determinados momentos e de acordo com as circunstâncias, lidar com a adversidade, não sucumbindo a ela (JUNQUEIRA & DESLANDES, 2002, p. 229). 7

2.1 INTERVENÇÃO O público alvo das intervenções foi um grupo de educadoras que atuam em contato direto com crianças e adolescentes sob medida de proteção. Em um primeiro momento, realizamos algumas observações direcionadas às situações de convivência entre crianças e educadoras com o propósito de levantar aspectos como: grau de independência das crianças; vínculos; relação criança/criança; criança/educadora; criança/instituição; educadora/instituição. As atividades de observação e intervenção grupal por meio de dinâmicas e discussões de temas relacionados à Resiliência, foram realizadas em encontros semanais, no primeiro mês, realizou-se um total de oito horas de observação, sendo duas horas/semana. Além disso, houve quatro encontros com o grupo de educadoras. Na segunda etapa do trabalho, segundo semestre de 2006, o olhar foi dirigido com maior ênfase sobre a relação educadora/criança. O grupo de educadoras foi dividido em dois subgrupos, A e B, cada um se reunia quinzenalmente em encontros de duas horas. Foram dezesseis encontros que ocorreram em nível individual e grupal. Segue abaixo, um quadro com a síntese dos encontros realizados: 2.1.2 Primeira etapa de intervenções: De: 04/04/2006 a 07/06/2006 Encontro Objetivo Atividade Desenvolvimento 01 Apresentação do projeto Colaborativo, com dificuldade de comunicação 02 Observar modos de comunicação entre as educadoras 03 Introduzir o tema: Violência Doméstica 04 Fechamento parcial das atividades e pausa nas intervenções (férias) Colaborativo, foi possível observar posições diferentes sobre o mesmo tema: Comunicação As educadoras compartilharam dificuldades no trato com algumas crianças-problema, classificadas assim, pelo grupo de educadoras As educadoras demonstraram uma atitude empática frente o comportamento agressivo de algumas crianças abrigadas Legendas: Atividade grupal: - Atividade Individual: I 2.1.3 Segunda etapa de intervenções: De: 10/08/2006 a 28/11/2006 Encontro rupo Objetivo Atividade Desenvolvimento 01 A Retomada dos encontros, Explicação sobre alterações na configuração do grupo contexto institucional 02 B Retomada dos encontros, Explicação sobre alterações na configuração do grupo Participativo; as educadoras demonstraram necessidade de falar dificuldades enfrentadas no Participativo; as educadoras falaram sobre suas identificações com algumas crianças, apontaram a necessidade de haver maior proximidade entre pais e filhos que residem no abrigo 03 A Discutir sobre Resiliência I Foi possível abordar questões que são evitadas no grupo. Houve fortalecimento no vínculo entre 8

04 B Falar sobre possibilidades de superar adversidades na vida, por meio do contato com um adultos que ofereça segurança e afeto 05 A Direcionar o foco sobre aspectos pessoais auxiliar a educadora na promoção de resiliência. para 06 B Enfocar habilidades pessoais para promoção de resiliência 07 A Pensar sobre a postura do educador e promoção do bem-estar das crianças e adolescentes do abrigo 08 B Pensar sobre a postura do educador e promoção do bem-estar das crianças e adolescentes do abrigo 09 A Favorecer mudanças na postura do público atendido na instituição através de mudanças na postura profissional 10 B Abrir espaço para escuta e acolhimento 11 A Discutir modos de educar para diminuir comportamentos agressivos nas crianças I I I I estagiário e educadora. A educadora relatou sua vivência em um orfanato, criticou a ausência dos pais das crianças no processo de abrigamento das mesmas. Demonstrou resistências em relação às intervenções grupais A educadora expressou-se de forma espontânea, abordamos aspectos ligados às potencialidades das crianças, falamos sobre a importância em estabelecer limites para as mesmas, visando possibilitar um desenvolvimento saudável A partir da realização de uma dinâmica, as integrantes refletiram sobre a importância em cuidar com responsabilidade Pouca participação entre as educadoras, enfoque sobre aspectos negativos no contexto institucional Houve uma discussão sobre mudanças na postura de crianças e adolescentes durante a permanência na instituição Colaborativo; algumas educadoras apontaram as disputas dentro da equipe de educadoras, como sendo um elemento prejudicial na educação dos abrigados Colaborativa; está adquirindo habilidade no trato com pessoas, dentro e fora da instituição. Todavia, queixou-se de disputas por poder dentro da equipe de educadoras Colaborativa; citou o exemplo de uma criança que apresentou saltos qualitativos em seus comportamentos após receber maior atenção entre as educadoras 12 B Discutir resiliência Colaborativo; demonstraram apropriação dos objetivos do projeto 13 A Falar sobre a importância do brincar para quem vive na adversidade Colaborativo; integrantes apontaram falta de cuidados das crianças para com seus objetos de uso pessoal 14 B Retrospectiva para o encerramento das atividades 15 A Retrospectiva para o encerramento das atividades Colaborativo; educadoras classificaram o grupo como um espaço de acolhimento Colaborativo; educadoras deram sugestões para futuros trabalhos 16 A/B Encerramento Colaborativo; educadoras compreenderam que há Possibilidades de superar adversidades por meio de acolhimento, estimulo, carinho e afeto. 3. ANÁLISE O trabalho com o grupo de educadoras permitiu uma visão ampla sobre o funcionamento institucional, além de aspectos da interação entre educadoras e população abrigada. Inicialmente as educadoras resistiram à proposta de trabalho, por meio de ausências, interrupções na fala e rejeição em relação à realização de atividades no grupo. 9

O grupo manifestou contradições que foram pontuadas pelo estagiário, fato que contribuiu com o fortalecimento do vínculo na relação educadoras/estagiário, permitiu um movimento no grupo, no sentido de se constituir em um espaço acolhedor. Segundo Abduch (1999) o vínculo é um processo motivado que tem direção e sentido, é possível identificar se o vínculo foi estabelecido, quando somos internalizados pelo outro e internalizamos o outro dentro de nós. Quando a indiferença e o esquecimento deixam de existir na relação, passamos a pensar, a falar, a nos referir, a lembrar, a nos identificar, a refletir, a nos interessar, a nos complementar, a nos irritar, a competir, a discordar, a invejar, admirar, a sonhar com o outro ou com o grupo. As educadoras levantaram queixas relacionadas com algumas práticas burocráticas da instituição e à relação com os abrigados. Buscou-se uma valorização sobre a atuação profissional das educadoras. O tutor de resiliência necessita perceber saltos qualitativos em suas ações. A não-valorização do próprio trabalho prejudica a relação educadora/criança. Ao ressaltar aspectos positivos na atuação, acredita-se que as educadoras tenham compreendido que são as responsáveis diretas pelo cuidado de muitas crianças e adolescentes que necessitam interagir com adultos para adquirir repertório de vida e superar as adversidades. Percebeu-se que o perfil das educadoras, em muito se assemelha ao das crianças, comumente surgia nos encontros com o grupo, relatos reveladores de um histórico de violência doméstica, abandono ou até mesmo, abuso sexual; o que de certa forma proporcionou uma identificação por parte das educadoras em relação a algumas crianças e adolescentes amparados pela instituição. 3.1 CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho com as educadoras adquiriu importância por assumir uma postura preventiva, com expectativas de obter resultados em médio e longo prazo. Considera-se a necessidade de ampliação no direcionamento do projeto, talvez buscar estratégias para integrar crianças e adolescentes nas intervenções, uma vez que foi possível observar certo distanciamento entre educadora/crianças. Vale ressaltar que as dificuldades apresentadas nessa relação estão atravessadas por aspectos do contexto sócio-histórico-institucional. REFERÊNCIAS BIBLIORÁFICAS ABDUCH, C. In: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área de Saúde do Adolescente e do Jovem. Cadernos, juventude saúde e desenvolvimento. v.1. Brasília, DF, agosto, 1999. AROLLA, R. L., Casa não é lar: O abrigo como conterxto de desenvolvimento psicológico. São Paulo: Editora Salesiana, 2000. 10

ASSIS, S.., PESCE, R.P., AVANCI, J.P: Resiliência : Enfatizando a proteção dos adolescentes. Artmed 2005. BLEER, J. O rupo como Instituição e o rupo nas Instituições, In: A instituição e as Instituições, São Paulo, Casa do Psicólogo, 1989, p. 49. JUNQUEIRA, M. F. P.S e DESLANDES, S. F. Resiliência e maus-tratos à criança. Cad. Saúde Pública, jan./fev. 2003, vol.19, no.1, p.227-235. ISSN 0102-311X. OSÓRIO, L.C., ZIMERMAN, D. E., Como trabalhamos com grupos. Porto alegre: Artes Médicas, 1997. SIQUEIRA, A. C., DELL'ALIO,.D.D., O impacto da institucionalização na infância e na adolescência: uma revisão de literatura. Psicologia & Sociedade. Porto Alegre, v. 18, n. 1, pp. 71-80; Jan/Abr. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0102-71822006000100010&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 20 Set 2006. 11