O ATENDIMENTO A MULHERES EM SITUAÇÃO DE ABORTAMENTO PROVOCADO: COMPREENSÃO E PRÁTICA DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE Mariela Nicodemos Bailosa 1 marielabailosa@yahoo.com.br Vanessa Catherina Neumann Figueiredo² vanessa_figueiredo@hotmail.com Psicologia UFMS/ CPAN³ RESUMO: Esta pesquisa teve como objetivo conhecer a representação social elaborada por profissionais de saúde acerca da situação de abortamento provocado. O estudo foi realizado na Maternidade da Santa Casa de Corumbá- MS, no período de Setembro e Outubro de 2013 e envolveu a participação de dez pessoas: duas enfermeiras, três técnicas de enfermagem, três médicos, uma psicóloga e uma assistente social. Foi aplicada uma entrevista semiestruturada para levantar questões sobre a identificação pessoal, profissional, as práticas de atendimento e a temática do abortamento, além do Questionário de Valores e Crenças sobre Sexualidade. Verificou-se que o aborto provocado é compreendido como crime para mais da metade das entrevistadas e apenas uma pessoa soube afirmar corretamente os casos em que o procedimento é legal no país; ninguém mencionou a nova Norma Técnica para Atenção Humanizada como base para seus atendimentos e a maior parte das entrevistadas disseram não perceber qualquer relação entre aborto e saúde pública; e para algumas participantes a mulher que realiza o aborto não tem caráter nem condições de ser mãe. Foi possível concluir que as representações compartilhadas sobre o aborto estão relacionadas a valores e crenças pessoais atrelados a conceitos morais e religiosos sobre maternidade, o que por vezes prejudica os atendimentos. Portanto, faz-se imprescindível a capacitação desses profissionais, de forma a garantir que a assistência a essas pacientes seja de qualidade, respeitando a dignidade humana e saúde física e mental dessas mulheres. Palavras -chave: Aborto. Saúde pública. Saúde da mulher. Grupo de Trabalho 3 - Políticas públicas e Direitos Humanos. INTRODUÇÃO O aborto provocado ou inseguro se caracteriza por ser realizado em um ambiente sem qualquer padronização médica e por pessoas que não possuem habilidades para a interrupção 1 Autora. ² Coautora e Orientadora da Pesquisa. ³ Universidade Federal do Mato Grosso do Sul/ Campus do Pantanal. Curso de Psicologia.
da gravidez, trazendo riscos à saúde e à vida das mulheres. (Organização Mundial da Saúde - OMS,1998, apud LEAL 2012; CHAVES, et al 2012). Segundo a OMS (2013), uma em cada quatro mulheres possivelmente adquire sequelas temporárias ou permanentes. No mundo estima-se que ocorram anualmente 46 milhões de abortamentos induzidos e no Brasil representam a quarta causa de morte materna e a quinta entre as internações (MENICUCCI, 2012). Além de ser um grave problema de Saúde Pública, a cada dois dias uma brasileira (pobre) morre, sendo que a maioria entre elas são jovens e negras, caracterizando assim um problema de classe e de raça (ROCHA, 2013). O Código Penal brasileiro só autoriza o procedimento em casos de estupro, quando a gravidez oferece risco à vida da mulher e em situações de anencefalia. O Governo Federal criou a Norma Técnica para Atenção Humanizada ao Abortamento (BRASIL 2011), com o objetivo de propor atenção de qualidade no pós-abortamento, envolvendo atendimento clínico ético e legal, acolhimento e orientação psicossocial, garantia de planejamento reprodutivo e informação sobre métodos contraceptivos. Isso porque no campo da Saúde Coletiva, várias pesquisas têm procurado levantar as práticas das equipes de saúde frente ao aborto induzido, analisando como acontecem os atendimentos e quais interferências (morais, éticas, legais) estes sofrem. Entende-se que a questão do aborto provocado é indissociável às práticas sexuais, como a contracepção e a maternidade que, em uma perspectiva feminista, implicam na conquista de autonomia e controle das mulheres sobre suas vidas (SARDENBERG, 2012). Nesse sentido, o direito à livre expressão da sexualidade, o acesso às formas de anticoncepção e ao atendimento pós- abortamento de qualidade possibilita à mulher o controle do próprio corpo. OBJETIVOS A pesquisa teve o objetivo de identificar como os profissionais de saúde compreendem o abortamento provocado e como estas representações sociais interferem no atendimento as mulheres. Isso porque para Corrêa (2010) a grande dificuldade nesses atendimentos está vinculada a condenação moral e cultural das mulheres, além da violência ocasionada diante as relações de poder estabelecidas (paciente- profissional). Benute et al (2012) acrescenta ainda
que os profissionais não conseguem esconder a contrariedade diante a situação, propiciando uma assistência pautada no julgamento e na raiva. METODOLOGIA Pesquisa de abordagem qualitativa, e que fez uso da análise de discurso baseada na teoria das representações sociais. Para Moscovici, citado por Sá (1995), as representações sociais consistem em conjuntos de teorias do senso comum. Segundo Spink (1995), é necessário entender sempre como o pensamento individual se enraíza no social e como um e outro se modificam mutuamente, o que torna indispensável analisar cada conteúdo e discurso de maneira singular. O estudo fora realizado, no período de Setembro e Outubro de 2013, na Maternidade da Santa Casa de Corumbá MS, local onde são encaminhadas as mulheres que sofrem complicações pós- abortamento. Participaram da pesquisa dez profissionais de saúde: duas enfermeiras, três técnicas de enfermagem, três médicos, uma psicóloga e uma assistente social. A coleta dos dados deu-se a partir de uma entrevista semiestruturada, a qual foi registrada com o auxílio de gravador, contendo questões sobre identificação pessoal, profissional, e acerca da temática do abortamento. Em seguida, foi também utilizado o Questionário de Valores e Crenças sobre Sexualidade (SERENO; LEAL; MAROCO 2009), o qual teve o objetivo de avaliar os valores e crenças face à sexualidade, maternidade e aborto. RESULTADOS Os dados levantados foram analisados a partir de cinco categorias: Compreensão do aborto provocado e sua legalidade; Dinâmica de assistência as mulheres; Aborto e saúde pública; Perfil das mulheres que provocam aborto e as principais consequências do procedimento; Compreensão de sexualidade e maternidade. As categorias foram estabelecidas pela autora da pesquisa frente às entrevistas, sendo a última específica para as respostas dos questionários, visando assim o cumprimento do objetivo do estudo. Verificou-se que o aborto provocado é compreendido como crime para mais da metade das entrevistadas, sendo que para três é um crime mais religioso do que penal. Apenas uma pessoa soube afirmar corretamente os casos em que o procedimento é legal no país; ninguém mencionou a nova Norma Técnica para Atenção Humanizada como base para seus
atendimentos; a maior parte dos profissionais disse não perceber qualquer relação entre aborto e saúde pública; e para algumas participantes a mulher que realiza o aborto não tem caráter nem condições de ser mãe. Percebeu-se como os valores pessoais, morais e crenças religiosas influenciam na forma como a equipe de saúde entende o aborto e como realizam os procedimentos de acolhimento, atendimento e encaminhamento dessas mulheres. Foram evidenciadas sérias dificuldades e carência nesta assistência devido a posicionamentos discriminatórios, relacionamentos hostis, desconhecimento da legislação, ausência de escuta terapêutica, falhas na formação e capacitação das equipes, e principalmente o conflito pessoal e ético de cada profissional diante esta temática. CONSIDERAÇÕES FINAIS Foi possível concluir que as representações compartilhadas sobre o aborto estão relacionadas a valores e crenças pessoais, atrelados a conceitos morais e religiosos sobre maternidade, sexualidade e gênero, o que evidenciou ocasionar dificuldades e prejuízos nos atendimentos. Portanto, faz-se imprescindível e urgente a capacitação dessas equipes de profissionais, de forma a garantir que a assistência a essas pacientes seja de qualidade, respeitando a dignidade humana e saúde física e mental dessas mulheres. Destaca-se que a rede básica de saúde também exige atenção, pois melhores programas e serviços prestados frente a política de planejamento familiar e direitos sexuais reprodutivos garantirá mais saúde e menor mortalidade às mulheres. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério da Saúde. Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento. Brasília. 2011. BENUTE, Gláucia Rosana Guerra et al. Influência da percepção dos profissionais quanto ao aborto provocado na atenção à saúde da mulher. R. bras. Ginec. Obst., Rio de Janeiro, v. 34, n.2, fev. 2012.
CHAVES, José Humberto et al. A interrupção da gravidez na adolescência: aspectos epidemiológicos numa maternidade pública no nordeste do Brasil. Saude soc., São Paulo, v. 21, n. 1, Mar. 2012. CORRÊA, Sonia. O aborto, um assunto político global. 2010. LEAL, Ondina Fachel. "Levante a mão aqui quem nunca tirou criança!": revisitando dados etnográficos sobre a disseminação de práticas abortivas em populações de baixa-renda no Brasil. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 7,2012. MENICUCCI, Eleonora. Portal Brasil. 2012. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde. Catalogação-na-fonte: Biblioteca da OMS: 2ª Ed. 2013. ROCHA, Bruna. Legalizar o aborto no Brasil pelo combate ao genocídio da população negra. Marcha Mundial das Mulheres. 2013. SÁ, Celso Pereira. Representações sociais: o conceito e o estado atual da teoria. In: SPINK, M. T. (Org.). O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 19-45. SARDENBERG, Cecília. Práticas sexuais, contracepção e aborto provocado entre mulheres das camadas populares de salvador. Estud. sociol., Araraquara, v.17, n.32, p.65-84, 2012. SPINK, Mary Jane. O estudo empírico das representações sociais. In:. O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 85-108. SERENO, Sara; LEAL, Isabel; MAROCO, João. Construção e validação de um questionário de valores e crenças sobre sexualidade, maternidade e aborto. Psic., Saúde & Doenças, Lisboa, v. 10, n. 2, 2009.