DIREITO À EDUCAÇÃO: CLÁUSULA PÉTREA

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Transcrição:

DIREITO À EDUCAÇÃO: CLÁUSULA PÉTREA Isa Gabriela de Almeida Stefano* Sumário Introdução. 1. Constitucionalismo. 2. Direitos fundamentais. 3. Educação para o exercício da cidadania. 4. O direito à educação reconhecido como cláusula pétrea. Conclusão Resumo A proteção dos direitos passou por significativa evolução até compreender os chamados direitos sociais em que a educação se encaixa. A evolução da proteção dos direitos fundamentais deve ser observada de forma agregadora e seu núcleo essencial não pode ser passível de supressão pelo legislador. Palavra-chave: direitos fundamentais, cláusula pétrea, educação. *Doutora e Mestre em Direito pela PUC- -SP, advogada, professora universitária e de cursos de pós-graduação Abstract The protection of rights has undergone significant evolution to understand the so-called social rights where education fits. The evolution of the protection of fundamental rights must be observed aggregator form and its essential core can not be subject to removal by the legislature. 60 Keywords: fundamental rights, entrenchment clause, education. // Revista da Faculdade de Direito // número 3 // primeiro semestre de 2015

INTRODUÇÃO Apesar de o constitucionalismo ser a decorrência de uma longa evolução histórica da sociedade que surge com o governo dos homens (constitucionalismo antigo) e evolui para o governo das leis (constitucionalismo moderno), iremos nos pautar na visão do constitucionalismo moderno que traz, dentro de sua evolução, a garantia dos direitos fundamentais. Nesse sentido se manifesta Canotilho: Num momento em que a cidadania e a democracia enfrentam novos desafios a educação se mostra como um direito essencial para a evolução e estabilidade do Estado. Apesar de sua relevante importância o direito à educação não é posto, de forma expressa, como um direito a ser protegido pelas cláusulas pétreas. Numa outra acepção histórico-descritiva fala-se em constitucionalismo moderno para designar o movimento político, social e cultural que, sobretudo, a partir de meados do século XVIII, questiona nos planos políticos, filosóficos e jurídico os esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo, a invenção de uma nova forma de ordenação e fundamentação do poder político. Este constitucionalismo, como o próprio nome indica, pretende opor-se ao constitucionalismo antigo, isto é, o conjunto de princípios escritos ou consuetudinários alicercadores da existência de direitos estamentais perante o monarca e simultaneamente limitadores do seu poder. (1998, p. 46) O presente artigo tem por finalidade demonstrar que, apesar de não estar expresso no rol das cláusulas pétreas, o direito à educação não é passível de ser suprimido do texto constitucional. 1. CONSTITUCIONALISMO Com o advento do capitalismo, o poder absoluto do monarca passa a gerar insatisfação, principalmente aos burgueses, o que faz com que ocorram revoluções burguesas com a finalidade de limitar o poder e garantir os direitos individuais. As principais revoluções na criação do constitucionalismo ocorreram na Inglaterra, Estados Unidos e França. 61 A proteção da sociedade contra as arbitrariedades do soberano nasce do movimento político-jurídico chamado constitucionalismo que tem por finalidade estabelecer um governo moderado e garantidor dos direitos individuais. A esse respeito Ingo Sarlet salienta: Com o incremento do capitalismo como modo de produção, primeiramente com o incremento e expansão das

revoluções comerciais a partir do final da Idade Média, e depois por via de seu modelo industrial oriundo da revolução econômica na Inglaterra, a burguesia revela-se como o setor mais avançado e dinâmico da sociedade, avultando cada vez mais, o contraste entre sua posição econômica e ausência de sua participação no poder político. Assim, inevitável o choque de interesses, findando na eclosão de movimentos revolucionários que iriam contestar os privilégios da monarquia do antigo regime, inclusive em termo de secessão por parte das colônias, não apenas nos Estados Unidos (1776-1787) e na França (1789-1790) seguramente as duas mais importantes para o constitucionalismo [...]. (2013, p. 40) Uma vez concebido os ideais do constitucionalismo, suas garantias evoluem ao longo do tempo, estando, até hoje, em construção. A primeira fase do constitucionalismo moderno é conhecida com liberal e decorre do ideal iluminista. Compreende o período do final do século XVIII (com o surgimento das Constituições) até o início do século XX. Nela o Estado tem funções mínimas caracterizadas por prestações negativas (não fazer), com competência apenas necessária para garantir as liberdades individuais, e para impedir ou punir as distorções na harmonia natural. Canotilho salienta que: Assim, pode-se afirmar que o sentido a ser adotado de constitucionalismo, no presente trabalho, é o mesmo empregado por Barroso (2013, p. 28): constitucionalismo significa, em essência, limitação do poder e supremacia da lei. A primeira constituição escrita foi a Americana (1787) que está em vigor até hoje. Nela estabeleceu-se a supremacia da constituição como forma de limitação normativa além de garantir direitos individuais e indisponíveis. A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu artigo 16 afirmava que somente teria Constituição a sociedade que promovesse a garantia de direitos aos cidadãos, bem como fixasse a separação dos poderes como modo de limitar o arbítrio dos governantes. Apesar de ser posterior à Revolução Americana, a Revolução Francesa possui relevante marco mundial por seus ideais serem concebidos para revolucionar o mundo. O Estado de direito cumpria e cumpre bem as exigências que o constitucionalismo salientou relativamente à limitação do poder político. O Estado constitucional é, assim, e em primeiro lugar, o Estado com uma constituição limitadora do poder através do império do direito. As ideias do governo de leis e não de homens, de Estado submetido ao direito, de constituição como vinculação jurídica do poder, foram, como vimos, tendencialmente realizadas por institutos como os de rule of law, dues processo of law, reschtsstaat, príncipe da la légalité. (1998, p. 87) O Direito era restrito às previsões fundamentais para assegurar as liberdades públicas (igualdade, propriedade privada, liberdade, segurança e vida). A segunda fase conhecida como constitucionalismo social visa preservar as liberdades individuais já conquistadas e ampliar a atuação do Estado na atuação da ordem econômica e social como agente normatizador e regulador. 62

A necessidade de instaurar um Estado interventor e de garantir a igualdade material, isto é, o dever de tratamento desigual (ALEXY, 2012, P. 409), decorre do abuso da concepção da liberdade utilizada pelo período liberal, pois em razão do desenvolvimento industrial muitas pessoas ficaram na miséria e tiveram que se submeter a condições precárias de trabalho para poder sobreviver. Conforme Luís Roberto Barroso: O constitucionalismo liberal, com sua ênfase nos aspectos de organização do Estado e na proteção de um elenco limitado de direitos de liberdade, cedeu espaço para o constitucionalismo social. Direitos ligados à promoção da igualdade material passaram a ter assento constitucional e ocorreu uma ampliação notável das tarefas a serem desempenhadas pelo Estado no plano econômico e social. (2012, P. 107) Com vistas a garantir uma vida mais digna o Estado passa a ser intervencionista para poder promover os direitos sociais, econômicos e culturais como forma de instrumento realizador da liberdade. A primeira Constituição social é a Mexicana de 1917, mas a que mais nos influenciou e ao mundo foi a de Weimar de 1919. Apesar de haver as previsões de garantias fundamentais sua efetividade passou a ser um problema, por muitas vezes as garantias sociais ficavam somente na previsão normativa sem que houvesse sua implementação dentro do seio social. Em meados do século XX o surge o chamado constitucionalismo democrático com a finalidade de se garantir a efetividade dos direitos fundamentais e não somente aceitar sua previsão normativa. Nesse sentido escreve Canotilho: O Estado constitucional é mais do que Estado de direito. O elemento democrático não foi apenas introduzido para travar o poder (to check the power); foi também reclamado pela necessidade de legitimação do mesmo poder (to legitimize State power). Se quisermos um Estado constitucional assente em fundamentos não metafísicos, temos de distinguir claramente das coisas: (1) uma é de legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo de legitimação no sistema jurídico; (2) outra é a de legitimidade de uma ordem de domínio político e da legitimação do exercício do poder político. O Estado impolítico do Estado direito não dá resposta a este último problema: donde vem o poder. Só o princípio da soberania popular segundo o qual todo o poder vem do povo assegura e garante o direito à igual participação na formação democrática da vontade popular. Assim, o princípio da soberania popular concretizado segundo procedimentos juridicamente regulados serve de charneira entre o Estado de direito e o Estado de direito democrático. Alguns autores avançam mesmo a ideia de democracia com valor (e não apenas como processo), irresistivelmente estruturante de uma ordem constitucional democrática. (1998, P. 94) Pode-se afirmar que o Estado Democrático possui princípios que lhe são próprios, dentre eles: (i) da dignidade do ser humano; (ii) da participação popular nas decisões políticas 63

e públicas; (iii) da inclusão social; (iv) do neoconstitucionalismo e (v) das garantias processuais e o (vi) surgimento de novos direitos fundamentais (direitos fundamentais materiais 1 ). A Constituição é a norma fundamental de um Estado e todas as normas infraconstitucionais devem estar em conformidade com seus preceitos na busca de sua concretização. Esse é o entendimento de Luis Roberto Barroso: Dentre os princípios do Estado Democrático elencados acima, neste trabalho, o neoconstitucionalismo será abordado de forma mais incisiva, já que significa uma inovadora forma de interpretação do ordenamento jurídico, pautado pela supremacia da ordem constitucional sobre todos os ramos do direito, constituindo até mesmo como filtro das normas infraconstitucionais. Nesse ambiente, a Constituição passa a ser não apenas um sistema em si - com a sua ordem, unidade e harmonia - mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos de Direito. Esse fenômeno, identificado por alguns autores como filtragem constitucional, consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados. Como antes já assinalado, a constitucionalização do direito infraconstitucional não tem como sua principal marca a inclusão na Lei Maior de normas próprias de outros domínios, mas, sobretudo, a reinterpretação de seus institutos sob uma ótica constitucional. (2013, p. 387) Com o novo ideal de se instituir um Estado democrático garantidor dos direitos fundamentais em que há soberania popular e o governo decorre da maioria, o constitucionalismo democrático passa a implementar uma ideologia de efetivação dos direitos. Assim, a garantia e efetivação dos direitos fundamentais fazem parte do processo de evolução do constitucionalismo. Isto porque os direitos fundamentais só existem se previstos na Constituição, pois onde não existir constituição não existirão direitos fundamentais. Demonstrada, de forma sucinta, a evolução do constitucionalismo, passa a ser essencial a compreensão dos direitos fundamentais. 2. DIREITOS FUNDAMENTAIS Direitos fundamentais são aqueles inerentes à essência humana, isto é, sem os quais a pessoa não conseguiria existir ou se desenvolver plenamente. José Afonso da Silva ensina que: No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. (2013, p. 190) Oscar Vilhena o conceitua: Direitos Fundamentais é a denominação comumente empregada por constitucionalistas para designar o conjunto de direitos da pessoa humana, expressa ou implicitamente reconhecidos por uma determinada ordem social (2006, 36). 64

Referidos direitos encontram-se interligados constituindo um sistema que tem por finalidade garantir a proteção do ser humano. Vidal Serrano Nunes Junior assim se manifesta: Destarte, podemos conceituar direitos fundamentais como o sistema aberto de princípios e regras que, ora conferindo direitos subjetivos a seus destinatários, ora conformando a forma de ser e de atuar do Estado que os reconhece, tem por objetivo a proteção do ser humano em suas diversas dimensões a saber: a sua liberdade (direitos e garantias individuais), em suas necessidades (direitos sociais, econômicos e culturais) e em relação à sua preservação (solidariedade). (2009, p. 15) Sua função é manter e criar os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana. Nesse sentido afirma Loewenstein: Entre todos lós limites impuestos al poder del Estado se considera que el más eficaz es el reconocimento jurídico de determinados âmbitos de autodeterminacíon individual em lós que el Leviataán no puede penetrar. El acceso a estas zonas prohibidas está cerrado a todos los detentores del poder, al gobierno, al parlamento y, dado que los direchos fundamentales son inalienables, também ao electorado. Estas esferas privadas dentro de las cuales los destinatarios del poder están libres de la intervención estatal, coinciden com ló que se há venido a llamar desde hace trescientos años los derechos del hombre o liberdades fundamentales. 2 As garantias constitucionais dos direitos fundamentais decorrem de uma longa evolução histórica. A evolução e o reconhecimento de tais direitos é explicada pela doutrina através da divisão em dimensões, que se demonstra como um processo cumulativo na busca da proteção universal do ser humano. De modo geral, pode-se afirmar que os direitos fundamentais passaram por três dimensões até chegar a vasta proteção hoje posta. Com o advento do constitucionalismo e da criação da constituição escrita os direitos fundamentais são positivados e a primeira previsão constitucional ocorre no Estado Liberal em que se protege a liberdade do indivíduo perante o Estado. Os direitos fundamentais de primeira dimensão se caracterizam por serem direitos individualistas que buscam a não interferência do Estado perante as relações entre particulares, dessa forma, são conhecidos como direitos negativos, pois visam uma abstenção do Estado. Enquadram-se nessa categoria de direitos a proteção à vida, às liberdades, à propriedade, à igualdade formal, aos direitos políticos, em outras palavras, abrangem os chamados direitos civis e políticos. Apesar de haver a proteção da sociedade contra eventual conduta arbitrária do Estado as liberdades consagradas não foram capazes de evitar o abuso praticado entre os particulares. 65

Durante o Estado Liberal e principalmente em razão da industrialização (Revolução Industrial) ocorreram graves problemas sociais e econômicos em que há o abuso nas relações entre particulares e passa a haver reivindicações para que o Estado atue com a finalidade de trazer equilíbrio entre as relações sociais. Nesse sentido Motauri Ciocchetti de Souza se manifesta: Com efeito, em que pese o liberalismo idealizado por John Locke tenha representado um ponto de mutação de relevância dificilmente comparável na trajetória recente da civilização ocidental, os direitos por ele consagrados possuíam consistência puramente jurídica e de natureza tipicamente negativa, posto consubstanciarem severas limitações à atuação estatal, ensejando o surgimento, no seio da sociedade, de classes dominantes, detentoras dos meios de produção e da riqueza. Em outras palavras, o liberalismo assegurava direitos, mas não concedia condições de vida necessárias ao seu exercício. (2010, p. 16) Com vistas a possibilitar não só a liberdade, mas também o acesso à igualdade material criam-se os chamados direitos fundamentais de segunda dimensão, em que se passa a exigir do Estado a prestação de condutas positivas para garantir a justiça social e possibilitar com que todos tenham condições para uma vida digna. Surge o chamado Estado Social que visa assegurar os direitos econômicos, sociais e culturais. O Estado passa a interferir nas relações econômicas e a ser prestador de serviços mínimos essenciais à garantia de uma vida digna para aqueles que estão em posição de fragilidade. A necessidade da garantia dos direitos de segunda dimensão surge do reconhecimento de que a liberdade, sem possibilitar a garantia de condições básicas de vida, é uma fórmula vazia, a liberdade requer a possibilidade real de agir e de fazer escolhas e para isto é preciso que o sujeito tenha condições intelectuais de fazê-la, que tenha liberdade de escolher e não que esta escolha decorra de uma situação de necessidade para manutenção de sua vida 3. É dessa noção que nasce os chamados direitos sociais que buscam garantir a dignidade material, isto é, visam garantir a igualdade para dar condições àqueles que não poderiam ter certos direitos se tivessem que provê-los por si próprios. Entretanto, após a Segunda Guerra Mundial o mundo ficou perplexo com as atrocidades realizadas e houve a necessidade de se proteger a dignidade da pessoa humana com fundamento na solidariedade em que os direitos não eram vistos de forma individual, mas deveria haver a proteção dos direitos coletivos. Surgem, então, os direitos fundamentais de terceira dimensão que buscam a proteção dos grupos humanos, isto é, possuem titularidade transindividual. São os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação. Deixa-se de exigir uma conduta exclusiva do Estado para gerar uma responsabilidade da própria sociedade e da própria humanidade para sua efetivação. 66

Alguns autores afirmam existir direitos de quarta dimensão que seriam: a) direito à democracia direta, à informação e ao pluralismo que decorrem da globalização política 4 ; b) proteção aos avanços da engenharia genética como forma de proteção ao indivíduo 5. II, Capítulo II da Constituição Federal. A educação faz parte dos chamados direitos fundamentais de segunda geração que nasceram com vistas a proteger o ser humano a partir da garantia da igualdade material. Ante o exposto, pode-se afirmar que os direitos fundamentais evoluíram para abarcar direitos sociais de uma dada sociedade e para garantir os direitos de interesse da própria humanidade, conforme Konrad Hesse: Assim, um mesmo direito fundamental [...] surgem, outras dimensões: direitos sociais, de participação, de prestações para satisfação das necessidades básicas da população; especialmente em Estados de Terceiro Mundo, direitos de grupos e de Estados, como o direito ao desenvolvimento, à paz e à proteção do meio ambiente ou o direito de participar do patrimônio comum da Humanidade; os direitos humanos se veem, assim, coletivizados. (2009, p. 25) No Brasil a Constituição Federal de 1988 é referência mundial por trazer proteção ampla e instrumentalizada dos direitos fundamentais, com vistas a garanti-los e protegê-los de abusos e violações. A este respeito escreve Flávia Piovesan: A educação é responsável pela preparação para a cidadania (que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, previstos no art. 1º), e possibilita a formação de recursos humanos que permitirá garantir o desenvolvimento social construindo uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF). 3. EDUCAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA A palavra cidadania possui várias acepções e os doutrinadores buscam delimitar o seu conceito conforme a finalidade à qual se destina. O conceito de cidadania a ser abordado será mais aberto, não se restringirá na acepção puramente jurídica de que cidadania é a capacidade que o nacional adquire de exercer os direitos políticos de votar e ser votado. Acerca dessa definição leciona José Afonso da Silva: Preliminarmente, cabe considerar que a Carta de 1988, como marco jurídico da transição ao regime democrático, alargou significativamente o campo dos direitos fundamentais, estando dentre as constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito à matéria. (2012, p. 53) Nossa Constituição traz a educação como um direito fundamental, isto pois, está expressamente prevista no Título Cidadania, já vimos, qualifica os participantes da vida do Estado, é atributo das pessoas integradas na sociedade estatal, atributo político decorrente do direito de participar no governo e direito se ser ouvido pela representação política. Cidadão, no direito brasileiro, é o indivíduo que seja titular dos direitos políticos de votar e ser votado e suas consequências (2013, p. 290). 67

Apesar do sentido técnico da palavra cidadania exigir a capacidade de ser titular de direitos políticos, o presente estudo adotará um sentido mais amplo em que cidadania corresponde ao atributo de participar ativamente na sociedade, e possibilitar o controle do poder através da participação ativa dos envolvidos. Assim, o sentido comunitário designa que: a cidadania pode ser descrita como participação numa comunidade ou como qualidade de membro dela (BARBALET, 1989, p. 12). Nesse sentido Jorge Miranda se manifesta: Cidadãos activos (na expressão vinda desde o constitucionalismo) ou opinio jure (retornando a expressão latina) ou ainda cidadãos eleitores (devido a relevância central da eleição) vêm a ser os titulares de direitos políticos, de jus suffragi e jus honorum; os que atingem a plenitude dos direitos atribuídos pela ordem jurídica estatal em grau máximo o status activae civitatis; os que tomam parte na direção dos assuntos políticos do país (art. 21º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e art. 48º da Constituição de 1976), no estabelecimento e no exercício do poder político (art. 60º do antigo Código Penal Português). [...] Cidadãos não activos vêm a ser os que, por qualquer causa, não possuem capacidade de participação política (1998, p. 53). No mesmo sentido se manifesta Márcia Sobrane: Numa visão atual, todos os indivíduos ligados de forma duradoura e efetiva à comunidade política, são cidadãos desde o nascimento e, como tais, titulares de direitos perante o Estado; contudo, no que toca à titularidade de direitos políticos, à sua interferência real no poder, não se estende a todos os cidadãos, mas, condiciona-se ao preenchimento de certos requisitos constitucionais que o dotem de capacidade para tanto, entre nós, por exemplo, idade mínima de 16 anos, ainda que facultativamente ( Constituição Federal, art, 14, 1º, II, c ). (2014, p. 47) A cidadania engloba três grandes direitos que são: o direito político, as liberdades individuais e os direitos sociais. Para que exista a cidadania não é preciso que a pessoa esteja no pleno exercício dos direitos políticos, basta que ela possa interferir na tomada de decisão de alguma forma. A educação é necessária para que se possa exercer a cidadania, pois é através dela que o indivíduo adquire competência participativa e de intervenção social. Nesse sentido se manifesta Konrad Hesse: A democracia tem na cidadania a sua base. O legítimo poder democrático é exercido quando a sociedade é composta por cidadãos ativos, cidadãos que exercem plenamente a sua cidadania, que não deve ser compreendida em um sentido formal e abstrato, mas como um conjunto de fatores que possibilita o controle do poder pela participação ativa dos envolvidos. (1998, p. 161) A educação é uma das bases para garantir o Estado democrático, pois de nada adianta o voto ser universal se a pessoa não tiver condições de compreender quais são as bases das campanhas propostas e qual a finalidade do cargo que aquele candidato irá exercer. 68

Konrad Hesse demonstra a importância da educação para se alcançar a democracia: Em tudo, democracia é, segundo seu princípio fundamental, um assunto de cidadãos emancipados, informados, não de uma massa de ignorantes, apática, dirigida apenas por emoções e desejos irracionais que, por governantes bem intencionados ou mal intencionados, sobre a questão do seu próprio destino, é deixada na base da obscuridade. (1998, p. 133) Assim, cidadania é base da democracia, pois o legítimo poder democrático pressupõe cidadãos que exerçam plenamente a sua cidadania, isto é, que possuam capacidade intelectual de participar ativamente dentro da sociedade a que estão postos e possam controlar o poder por meio da participação ativa de seus membros. Dessa forma, a Constituição garante o direito universal à educação e a primazia do Estado em promovê-la, estabelecendo os três principais objetivos a serem alcançados: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (grifo nosso) A educação tem por finalidade possibilitar o desenvolvimento do indivíduo, dotando-o do instrumental cognitivo necessário ao exercício pleno de sua liberdade, possibilitando-lhe, ademais, a fruição dos benefícios advindos do desenvolvimento tecnológico e cultural da sociedade, assim, podemos afirmar ser pressuposto para a inserção digna do sujeito no mundo do trabalho e sua participação cidadã. A educação é o meio de emancipação de um povo, possibilita que venham a participar ativamente dentro da sociedade e exercer o poder que lhe é delegado pela democracia. Decorre disso que sua garantia está intimamente relacionada ao próprio fundamento de cidadania e igualdade material do Estado Democrático de Direito, sendo meio essencial para o seu exercício. Para Adorno a educação, como pressuposto para o exercício da democracia, não pode ser um mero processo transmissão de conhecimentos, ao contrário, a educação deve emancipar de modo a possibilitar o raciocínio crítico: [...] uma democracia com o dever de não apenas funcionar, mas operar conforme o seu conceito, demanda pessoas emancipadas. Uma democracia efetiva só pode ser imaginada enquanto uma sociedade de quem é emancipado. (1995, p. 141) 4. O DIREITO À EDUCAÇÃO RECONHECIDO COMO CLÁUSULA PÉTREA Cláusula pétrea nada mais é do que a imutabilidade de certos direitos postos pela Constituição, isto é, a norma não é passível de ser alterada através de emenda constitucional. Trazem rigidez material à constituição quanto a possibilidade de sua reforma em razão de as normas rígidas fazerem parte de um núcleo essencial do projeto do poder constituinte (originário). 69

Conforme expressa previsão constitucional os direitos e garantias individuais não são passíveis de serem abolidos através de emendas (artigo 60, 4º, CF). É interessante notar que a rigidez trazida não se refere a todo e qualquer direito tido como fundamental, mas tão somente aos direitos fundamentais de primeira dimensão. Em razão disto surge a seguinte questão: os demais direitos fundamentais poderiam sofrer supressão através de emenda constitucional? A resposta a esta questão é que sim, isto é, todos os direitos que não garantem a individualidade podem sofrer alteração, entretanto deve-se ater que os direitos de primeira dimensão não podem ser vistos como um rol taxativo em que estão todos previstos no artigo 5º da Constituição. As dimensões se completam e passam a ser considerados como direitos individuais todos os demais direitos que são meios de proteção daqueles, isto é, a divisão dos direitos fundamentais em dimensões não tem por finalidade segregá-los como se sua aplicação no ordenamento jurídico fosse autônoma e isolada, pelo contrário, os direitos fundamentais nascem para, em conjunto, virem a garantir o máximo de efetividade às necessidades essenciais do ser humano. dado que órgãos, bens, direitos, deveres, instituições refluem, todos, para um destinatário único, em especial, o ser humano (...) Dentre todos os demais direitos e garantias consagrados pela Constituição e, ainda, os direitos não expressos mas previstos pela abrangência do 2º do art. 5º, quais deles seriam também direitos fundamentais? Todos os direitos e garantias diretamente vinculados a um dos cinco direitos fundamentais básicos constantes do art. 5º, caput. Os demais compõem apenas o quadro dos direitos constitucionais. [...] assim vinculados diretamente ao direito à vida, os direitos sociais constantes do art. 6º (a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados). (2002, p. 115-123) Nessa concepção a educação passa a ser um direito fundamental essencial por estar diretamente vinculada à vida, à liberdade do ser humano e à dignidade. É através da educação que o homem compreende a si mesmo e à sociedade ao seu redor; a educação é necessária para que possa saber zelar por sua saúde e segurança bem como para que possa se desenvolver plenamente e atuar como membro da sociedade a qual pertence. Nesse sentido se manifesta Maria Garcia: Acerca da liberdade pode-se afirmar: [...] o art. 5º, caput, da Constituição especifica cinco direitos fundamentais básicos: vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade, que constituem o fundamento de todos os demais direitos consagrados, quer pelos incisos do art. 5º, quer pelos dispositivos seqüenciais, do mesmo Título II, bem como de toda a Constituição A liberdade do indivíduo só se pode dar numa comunidade livre, e vice versa; essa liberdade pressupõe seres humanos e cidadãos com capacidade e vontade para decidir por si mesmos, sobre seus próprios assuntos e para colaborar responsavelmente na vida da sociedade publicamente constituída como comunidade. 6 70

como um direito fundamental só ocorreu com a criação do Estado Social. A educação é inerente à essência humana, pois permite que o homem compreenda a si mesmo e participe ativamente da sociedade, possibilitando o exercício da cidadania. matéria que está protegida contra a intervenção do poder constituinte derivado. Isto ocorre em razão de estar diretamente ligada à consecução das garantias fundamentais individuais previstas no artigo 5º e por ser meio de se concretizar a dignidade da pessoa humana que é um dos fundamentos do Estado Democrático brasileiro. Dessa forma, o direito à educação, por sua relevância no contexto constitucional, deve ser compreendido como Assim, qualquer privação dos direitos educacionais será reconhecida como grave ofensa à dignidade da pessoa. D Notas 1. A esse respeito Canotilho entende que os direitos fundamentais são como cláusulas abertas em que não se aplica de forma absoluta o princípio da tipicidade, pois juntamente com a compreensão aberta do âmbito normativo das normas concretamente consagradoras de direitos fundamentais, possibilitará uma concretização e desenvolvimento de todo o sistema constitucional. Op. Cit. p. 350. 2. LOEWNSTEIN, Karl. Teoría de la constitución. Barcelona: Ariel, 1979, p. 390 Entre todos os limites impostos ao poder do Estado se considera que o mais eficaz é o reconhecimento jurídico de determinados âmbitos de autoderminação individual os quais o Leviatã não pode interferir. O acesso a estas zonas proibidas estão fechados a todos os detentores do poder, ao governo, ao parlamento e, uma vez que os direitos fundamentais são inalienáveis, também se impões aos eleitores. Estas esferas privadas dentro das quais os destinatários do poder estão livres da intervenção estatal, coincidem com o que se passou a chamar desde a trezentos anos os direitos do homem ou liberdades fundamentais. (tradução livre). 3. MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 46. 4. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 29 ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 571. 5. BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 06. 6. HESSE, Konrad. Temas de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 33. 73