IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA HISTÓRIA: SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS. 29 de Julho a 1 de Agosto de Vitória da Conquista - BA.

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Transcrição:

IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA HISTÓRIA: SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS. 29 de Julho a 1 de Agosto de 2008. Vitória da Conquista - BA. A UNIDADE DE CONSERVAÇÃO ARQUEOLÓGICA E NATU RAL DA SERRA DE MONTE ALTO BAHIA Joaquim Perfeito da Silva Professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) Doutor em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) E-mail: jsilva@uesb.br Palavras-chave: Arqueologia. Patrimônio cultural. Turismo. Gestão. 1 O patrimônio arqueológico A Serra de Monte Alto, localizada na região sul -sudoeste da Bahia, é cercada por 17 comunidades de tradição rural de cinco municípios que administrativamente dividem a Serra: Palmas de Monte Alto, Sebastião Laranjeiras, Pindaí, Candiba e Guanambi. São 90.000 h a que comportam 148 nascentes que através dos rios do Espinho, Verde Pequeno e Verde Grande, são formadoras do Rio São Francisco. Possui uma vegetação variada de caatinga, caatinga arbórea, cerrado, campos rupestes e matas de galeria que abrigam uma diversidade de fauna na qual incluem -se algumas espécies em extinção. A geomorfologia arenítica entrecortada de riachos e cachoeiras formam a paisagem com vários sítios arqueológicos, pré - históricos e históricos. No trabalho de campo que teve como objetivo identificar, registrar e proceder escavações em alguns sítios arqueológicos, constatou -se a existência de inúmeros sítios de arte rupestre localizados em abrigos e grutas nas áreas mais altas da Serra. Também foram identificados sítios à céu aberto em cuja superf ície se observou diversos tipos de ferramentas líticas (ferramentas confeccionadas a partir de pedras lascadas e polidas), cerâmica e urnas funerárias. Foram localizados dois sítios arqueoastronômicos, um alinhamento de menires retilíneos, descrito pela primeira vez pelo engenheiro Teodoro Sampaio em 1879, e outro alinhamento circular, denominado cromlech, ainda não descrito na bibliografia arqueológica. Somando -se a esse complexo megalítico, foram registradas três estruturas retangulares de pedra que a comunidade local denomina de currais de pedra e uma estrutura habitação conhecida como casa de pedra. Esse conjunto de sítios se constitui em um complexo que com pesquisas futuras possivelmente poderemos evidenciar várias ocupações pré -históricas em diversos períodos com interesses distintos, além da permanência em um local que fornecesse as condições ideais de exploração econômica e de reprodução de seus mitos e ritos.

2 Figura 1 Ferramentas confeccionadas em rocha. No alto: machados e instrumento cortante. Em baixo: ponta de projetil e furador. Material encontrado por moradores de Palmas de Monte Alto. Figura 2 Ferramentas polidas encontradas na Serra por moradores de Pindaí. As escavações realizadas até o momento, pouco puderam contribuir para uma análise mais geral das ocupações pré -históricas e históricas da Serra.

3 No sítio com pinturas rupestres do riacho comp rido, apenas algumas lascas de arenito silicificado foram encontradas em profundidades que variaram de 0 a 20 cm. Alguns blocos com evidências de lascamento foram encontrados na superfície. É bastante provável que o carvão que aparece entre a superfície e 10 cm de profundidade não pertença às atividades do índio e/ou pré -histórico, pois a região há séculos vem sendo freqüentada por caçadores que queimaram lenha em suas peregrinações. Incêndios espontâneos ou propositais são freqüentes, mesmo assim foram col etados para posterior análise de C14. Somente um caco de cerâmica foi encontrado na superfície, o que também não nos leva a nenhuma conclusão. Isto apenas pode demonstrar que a ocupação não se deu nos abrigos com pinturas. Possivelmente esses abrigos foram utilizados para rituais e as representações ali presentes, compunham a cena com as preocupações do mundo material e imaterial do grupo. Foi identificado um sítio aldeamento na base da Serra, no distrito de Mutâs, porém bastante destruído pelo arado que du rante anos veio danificando o material. Em uma depressão formada pela água, onde o arado não alcançou, pode -se recuperar uma urna funerária a 30 cm da superfície do solo, mas também completamente remexida por moradores locais, curiosos em saber o que exist ia em seu interior. Pode -se recuperar apenas alguns fragmentos de ossos humanos e a urna, que com a criação do Parque, irá para o museu que se pretende que seja construído na região. No sítio Curral de Pedra do Riacho das Pontas foram feitas várias prospec ções e nenhum material arqueológico foi encontrado.

4 Figura 3 Mapa com a localização dos sítios. O limite da Serra foi ressaltado em vermelho na cota 750 mnm. Este limite é uma proposta para a área da Unidade de Conservação. 1.1 As pinturas rupestres As pinturas encontradas nas paredes das grutas e abrigos rochosos inserem -se no contexto arqueológico como um tipo particular de vestígio. Apresentam -se como um sistema de idéias de natureza sociocultural, visíveis em sua estr utura outrora compartilhada dentro do grupo pré-histórico. São signos de conteúdo simbólico, e podem exprimir o cotidiano desses grupos através de representações isoladas ou agrupadas de cenas de caça, luta, dança, entre

5 outras atividades, ou de maneira ap arentemente estática com representações antropomórficas, zoomórficas, fitomórficas ou geométricos simples ou complexos. São representações mentais construídas e públicas. Admite -se que o conteúdo explícito nos painéis rupestres da Serra de Monte Alto traz em si espectros da vida social e cultural dos povos que os produziram, visões de experiências e conhecimentos acumulados, e que não somente expressa a vontade de transmissão desses conhecimentos, mas também para ser interpretado e assimilado. São represent ações das representações dos saberes e devem obedecer a uma estrutura qualquer que torne inteligíveis as informações referentes a objetos e/ou situações. Na Serra de Monte Alto, observou -se que as representações pertencem ao grupo da Tradição Nordeste, sal vo alguns pequenos sítios (Tapuios e Sambaíba), com suas especificidades regionais e até locacionais, o que posteriormente precisariam ser classificados dentro de uma variável estilística (fácies). Em princípio podemos observar que alguns painéis rupestres encontrados na Serra possuem uma tipologia estilística semelhante ao conjunto de pinturas do Complexo Montalvânia no vale do Cochá, norte de Minas Gerais (RIBEIRO; ISNARDIS, 1996/1997). Dos seis sítios identificados, em apenas dois constatou -se a possibilidade de escavações em área abrigada sem interferência aparente de passa gem de enxurradas que carrearia o material cultural para fora. São de tamanhos reduzidos que poderiam ser ocupados por no máximo três a quatro pessoas. Em um desses abrigos, do sítio R iacho Comprido, foram encontradas apenas evidências de lascamentos. Em todos os outros sítios os p isos são compostos blocos de arenitos superpostos, tanto na área abrigada quanto em seus arredores, o que anula a possibilidade de escavações nesses abrigos. Até o momento não foi encontrada nenhuma evidência nos arredores, dando margem a hipótese de que as estruturas de assentamento desses grupos de pintores possam ser encon tradas nas planícies contíguas a Serra, mais abrigados do frio de altitude. As pinturas se constituem em um total aproximado de 99% monocrômicas em vermelho. Alguns tons mais alaranjados poderiam ter sido dados pela própria variação da matéria prima que produzia o vermelho, ou pela excessiva exposição ao sol que proporcionou a descoloração. Destoando dos tons de vermelho, apenas podemos observar algumas pinturas em amarelo simples ou combinado com o vermelho. Apenas no sítio Toca dos Tapuios e no sítio Breti Coqueiro verificou -se uma pintura em preto em cada um dos sítios.

6 A obtenção da tint a vermelha, já bastante descrita na bibliografia arqueológica brasileira, deu-se através da trituração de minerais compostos de óxidos de ferro. No caso da Serra de Monte Alto, é abundante a existência de crostas e pequenos seixos rolados de hematita. Do manganês, também existente na Serra, se pode obter a tinta preta, mas nos sítios pouco se pode observar pintura nesta cor, como já dito. Arqueólogos europeus falam da adição de compostos orgânicos como aglutinantes à mistura de óxido de ferro diluído em águ a. No Brasil ainda não se pode comprovar tal técnica, mas também experiências em pintar rochas com o corante somente diluído em água, não foi aprovado. A tinta d epois de seca pulveriza-se e solta da rocha. A melhor experiência que já se fez foi com adição de água carbonatada ao corante. No entanto, análises realizadas com pigmentos de pinturas rupestres do sí tio Santana do Riacho, MG, não comprovaram a existência de CaCO3 na composição da tinta (MALTA, 1991, p. 312). No que se refere à datação da pintura ru pestre, tem sido unânime a preocupação quanto a eficácia do método do C14. pois se o pigmento for encontrado soterrado há o perigo de contaminação pelo solo orgânico, se exposto ao ar livre, sofre contaminação do carbono proveniente de queimadas, raízes et c. Pode-se fazer uma previsão mínima do tempo em que as pinturas foram executadas pelo método indireto, datando -se a ocupação do nível estratigráfico concomitante as pinturas. Na Serra de Monte Alto não foi observada possibilidade de se aplicar esta técni ca, pois as pinturas encontram -se sempre em níveis superiores ao solo. A superposição quando se dá com estilos diferentes pode sugerir momentos distintos de pintura, ou seja, um grupo cultural que em período mais recente chegou ao lugar e pintou sobre as representações que um grupo anterior havia deixado. Mas isso também não proporciona nenhuma análise diacrônica relevante ou no mínimo confiável, como querem alguns arqueólogos, pois o último grupo pode ter chegado ao local no mês seguinte, centenas ou milhares de anos depois do abrigo ter sido abandonado. Na Serra de Monte Alto, porém, essa questão é irrelevante, pois as superposições quando ocorrem (e é raro), é realizada com o mesmo estilo. A técnica de pintura com os dedos, traços gro ssos ou preenchimento s, foi a que mais ocorreu na Serra de Monte Alto. A técnica de produção de traços finos utilizando -se o uso de pincéis vem em segundo lugar, principalmente quando se pretendeu desenhar os dedos das mãos e dos pés dos antropomorfos e zoomorfos.

7 Quanto aos motivos podemos observar os naturalistas, realistas e estilizados, sendo que os realistas sobressaem aos estilizados. São freqüentes a representação de cenas transmitindo a idéia de inter -relações no conjunto. Cenas de caça, sexo, caça, movimentos e cirandas podem ser observadas com bastante freqüência, principalmente no sítio Riacho Comprido. Dentro do conjunto de motivos naturalistas preponderam os motivos antropomorfos, seguido dos zoomorfos. Com menos freqüência integram o conjunto os fitomorfos, os astronômicos e os artefactuais. Os motivos abstratos, geométri cos simples e complexos, característicos da Tradição Nordeste, dividem os espaços nos painéis com os motivos naturalistas, sendo num sítio este mais freqüente e noutro sobressaindo os naturalistas. Os sítios com pinturas rupestres localizados na Serra de Monte Alto foram plotados nas coordenadas em UTM 0711368 e 8411350 o sítio Riacho Comprido; 0699022 e 8415260 o abrigo da Sambaíba; 0722541 e 8400744 as pinturas da Fazenda Andes; 0719971 e 8404602 abrigos do Breti Coqueiro; 0726855 e 8896432 a Toca dos Tapuios; 0723316 e 8893522 as pinturas do riacho da Mandiroba. Além desses sítios com pinturas na Serra, foram registrados mais dois sítios no entorno: as pinturas do abrigo da Fazenda Bela Vista em 1 4º05.60 S e 42º58.001 N e o sítio no afloramento calcáreo do Espinho nas coordenadas em UTM 0694997 e 8431270, ambos sem nenhuma relação estilística com os anteriores. 2 Patrimônio arqueológico e gestão O patrimônio arqueológico brasileiro não raramente tem sido destruído face à especulação econômica não racional ou pela falta de uma educação patrimonial da sociedade próxima. Na falta desta educação o que se vê são milhares de sítios históricos e pré -históricos sendo pichados de todas as formas ou danifi cados (no caso dos sítios com pinturas rupestres) pela fuligem das fogueiras feitas por caçadores -coletores que buscam abrigo para passarem a noite em temporadas de caça e coleta de frutos e outros produtos. Possati (2006) assinala que a grande maioria das pessoas desconhece a importância do patrimônio que possui em seus municípios, principalmente pela falta dos meios que permitam que a comunidade tenha acesso a essas informações. O patrimônio arqueológico, embora possa estar distante de sua história coloni al, não deixa de ser um ícone de identidade e singularidade do lugar. Desta forma, nas palavras de Possati ( 2006), [...] quando a

8 comunidade local não conhece a sua própria história, não há como se reconhecer enquanto parte do processo de criação da ident idade local. Nesse sentido, a educação patrimonial tem a missão de criar condições para o bem estar da comunidade, não apenas para que se torne um lugar viável ao turismo, mas também para que desperte o sentimento de pertencimento ao lugar, e a pesquisa e ntão fornece os elementos necessários para que se construa no currículo de educação patrimonial, essa relação identidade e desenvolvimento, tomada de decisões e planejamento estratégico. A criação de Unidades de Conservação Sustentáveis em áreas de especi al interesse ambiental e cultural, e o sítio arqueológico é de especial interesse, tem sido no momento a única alternativa de salvaguardar esse patrimônio e preencher a lacuna da Educação Patrimonial, uma vez que as Unidades de Conservação não só possuem sistemas de vigilância, como também permitem a visitação e a disseminação da informação científica, que contribui para a consciência pela preservação da memória e da natureza, vetores fundamentais de discussão na contemporaneidade como reflexão de cultura e bem estar das sociedades. Por outro lado, o patrimônio arqueológico e natural pode contribuir para o desenvolvimento das comunidades diretamente ligadas a essas áreas. Podem beneficiar -se diretamente tanto dos recursos naturais de forma sustentável, com o das informações oriundas dos estudos sistematizados da pré -história local e do ambiente natural tais como: confecção e produção de artesanatos, cartões postais, vídeos, cd, preparação de alimentos com ingredientes e receitas regionais entre outros produt os, tudo de inspiração local e o turismo como principal fonte de consumo dessas informações e da produção alternativa. O turismo é sem dúvida um grande propulsor para o desenvolvimento, é uma ferramenta para a preservação do patrimônio, seja natural ou cul tural. Para Cuellar (1977, p. 224) a contribuição do patrimônio cultural e natural para a promoção do turismo tem se tornado latente, e o patrimônio que tem fornecido forças para o turismo se torna um bem a serviço do desenvolvimento regional. A pesquisa como meio de tornar transparente a informação latente do conteúdo cultural arqueológico é imprescindível para que a idéia de criação da Unidade de Conservação se concretize, uma vez que o sítio arqueológico não fala por si, e é natural que o turista que está investindo, queira retorno de seu investimento, isto é, a informação científica deve ser transformada em produto rentável para ambas as partes, para quem oferece e para quem compra.

9 No sentido prático dessa proposta, o patrimônio arqueológico da Serra d e Monte Alto, devidamente estudado e interpretado, deverá alcançar objetivos que estão entre arqueologia, cultura e sociedade. Gu smán (1989, p. 194) ao analisar o Parque Arqueológico pela ótica social e projetar o Parque como serviço público enumera al gumas situações: O modelo endomuseu que se distingue do museu tradicional não só pelo seu conteúdo material, mas pela sua concepção funcional, onde a experiência cultural é capaz de provocar no visitante um estado de recreação; O Parque Arqueológico conce bido como complexo emblemático é uma forma de valorização da origem por meio dos recursos arqueológicos. Através do Parque Arqueológico é possível desvendar o passado e recuperar o tempo perdido em virtude de uma perspectiva histórica. Cada objeto retido num Parque Arqueológico não reflete apenas alguma coisa, e sim uma situação. Para Gusmán (1989, p. 201) público e patrimônio arqueológico implica formação de opinião com garantias de preservação e cultura, e vai além quando diz que Parque Arqueológico é: Uma instituição capaz de gerar uma rentabilidade social de ordem das expectativas educativas, criativas, artísticas, tecnológicas, científicas ou de qualquer outra ordem que está relacionado com as estruturas e desenvolvim ento da história da humanidade. A criação da Unidade de Conservação da Serra de Monte Alto, adota todas as idéias expostas acima com o objetivo de que o intercâmbio entre os visitados e visitantes seja frutuoso. A pesquisa científica é crucial nesse processo empreendedor, pois as tr ocas serão permanentes e positivas na medida em que ganhos são simultâneos e se configuram numa interessante forma de aprendizagem e de troca de conhecimentos e experiências, subsidiando e estimulando a adoção de mecanismos e estratégias de uso racional e sustentável. O Parque Nacional da Serra da Capivara com seus sítios de arte rupestre hoje é exemplo prático dessa proposta. Junto com o turismo cultural, as comunidades desenvolvem projetos de artesanato, produção de mel, doces, cerâmica e aprenderam a viv erem de forma racional. Com os inúmeros pesquisadores que ao longo dos anos fazem estadias de pesquisas no local (arqueólogos, ecologistas, biólogos, antropólogos, historiadores entre outros), a comunidade aprende a desenvolver estratégias de sobrevivência para driblar o ambiente que às vezes se torna bastante inóspito á natureza humana. De destruidores inconscientes do patrimônio cultural e natural, hoje são conservadores e defensores do lugar que ocupam. Desenvolvimento regional e turismo deste modo camin ham juntos.

10 A pesquisa que vem sendo realizada deverá desta maneira promover a articulação entre geração de conhecimento e a sua aplicabilidade para o bem estar da comunidade local além de estimular a inclusão de estratégias sustentáveis e conservacionista s na gestão pública. 3 Histórico da gestão na Serra de Monte Alto Algumas avaliações preliminares apontam a necessidade de infra -estrutura de acesso aos sítios arqueológicos e às cachoeiras, atrativos localizados em pontos que podem colocar em risco o visitante pela falta de trilhas adequadas. Algumas cachoeiras que já recebem turistas apresentam escadas insatisfatórias e não são tomados cuidados com a coleta de lixo. No entanto, após os trabalhos de conscientização que vem sendo desenvolvidos nos municípios, essa realidade vem se configurando no sentido da pre servação. Atualmente existem placas elucidativas colocadas em pontos estratégicos como LEVE SEU LIXO PARA CASA. Iniciativa da própria comunidade que freqüenta esses locais. É importante ressaltar que a Serra de Monte Alto está localizada em um vazio de unidades de conservação do território baiano na área da Bacia do Rio São Francisco; isso vem somar à necessidade de se adequar ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que prevê um mínimo de áreas de preservação e conservação que o Estado deve ter. Neste sentido a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF) vem apoiando as atividades de gestão para a criação da Unidade de Conservação da Serra de Monte Alto, cump rindo sua agenda no programa de revitalização do São Francisco junto a agenda social do Governo Federal, que é fomentar ações de promoção do uso sustentável dos recursos naturais e a melhoria das condições sócio -ambientais da bacia para garantir o crescime nto de regiões com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em sintonia com a redução das desigualdades sociais no país. O Projeto da Unidade de Conservação da Serra de Monte Alto, sob a denominação de Parque Arqueológico e Natural da Serra de Monte Al to, vem cumprindo algumas etapas de exigências legais e outras de gestão junto a comunidade e órgãos civis, para sua efetiva criação junto aos órgãos do Estado. No momento o Projeto encontra -se na sua fase final de gestão para a criação da Unidade de Con servação (UC). Está agendado com o Governo do Estado Audiências Públicas nos cinco municípios que circundam a Serra para início de outubro, após as eleições, para daí ser encaminhado relatório final ao Exmo. Sr. Governador do Estado para que publique Decreto de criação da UC.

11 A partir do Decreto inicia -se a segunda etapa de gestão, que é a elaboração do plano de manejo e criação das unidades gestoras do Parque que serão formadas pelas comunidades dos cinco municípios e representantes de entidades civis e go vernamentais, sob a coordenação geral da Secretaria de Meio Ambiente do Estado da Bahia. As Unidades Gestoras deverão supervisionar e aprovar as atividades de infra -estrutura que deverá estar de acordo com o plano de manejo, onde deverá haver previsão de i mpactos, ocupação do solo, áreas não permitidas à recreação, áreas permitidas somente a pesquisa cientí fica, entre outras deliberações. Em um breve resumo das atividades de gestão, pode -se dizer que foi realizado um levantamento e diagnóstico do potencial arqueológico e natural e sua relevância como justificativa para a preservação e conservação da Serra de Monte Alto o que demandou diversas pesquisas de campo de arqueologia, b iodiversidade e geologia (SILVA ; SANCHES; SOARES FILHO, 2007). Este relatório foi encaminhado à Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia (SEMARH), e gerou uma reunião convocada pelo Secretário do Meio Ambiente, com a participação dos prefeitos dos municípios diretamente ligados a Serra, do Secretário de Recurs os Hídricos, do Superintendente de Florestas, Recursos Hídricos e Unidade de Conservação, de representantes da Agência Nacional de Águas, do Comitê da Bacia do Rio Verde Grande, de organizações da sociedade civil que atuam na região e da equipe de pesquisa s.

12 No cumprimento dos encaminhamentos foram realizados seminários nos municípios do entorno da Serra com a participação efetiva de aproximadamente 1.500 pessoas da comunidade, e contou com o apoio da ONG PRISMA, CODEVASF, SRH e Prefeituras locais. Nesses seminários ficou clara a preocupação da comunidade com a Serra de Monte Alto que se manifestou em prol da preservação dos mananciais de águas e dos empreendimentos de turismo cultural e ecológico como fonte de geração de renda. Diversas exposições públicas e outros produtos sobre a Serra foram realizados em várias oportunidades nos municípios e em outras capitais (Feira das Cidades - Guanambi, datas comemorativas dos municípios, edição de vídeodocumentário, apresentação de trabalhos em congre ssos (XIV Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira Florianópolis; Conferência da Terra João Pessoa; Congresso da ANPUH UESB). A discussão da criação da UC também foi levada à 8ª Reunião do Comitê da Bacia do Rio Verde Grande - Malhada, Seminá rio de Órgãos Públicos em Guanambi (IBAMA, MP, SRH, SEMARH, ANA), Mostra de Cinema 2008 Vitória da Conquista, cavalgada ecológica e excursões à Serra envolvendo alunos e professores da região, entre outras oportunidades. 4 Considerações finais No trabalho de campo que se consubstanciou no levantamento do patrimônio arqueológico da Serra de Monte Alto e escavações, foram registrados seis sítios com pinturas rupestres, três estruturas de pedra denominadas localmente como Curral de Pedra, um sítio arqueoastronômico na forma de alinhamento de menires e uma estrutura habitação de pedra denominada Casa de Pedra. Todos os sítios, do ponto de vista arqueológico, são peculiares ao avanço da pesquisa científica, principalmente os que se constituem do que chamam os de complexo megalítico (alinhamento, curral de pedra e casa de pedra), uma vez que no Brasil, tais evidências, além de raríssimas, foram pouco estudadas, e hão de ter muito que revelar para o delineamento da pré-história e história brasileira. Desta forma, para que esse conteúdo cultural estudado e transformado em produto de conhecimento e renda através de empreendimentos turísticos que se pretende, é necessário que se formalize o processo de criação da Unidade de Conservação Arqueológica e Natural da Serra de Monte Alto, dentro das características previstas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) Lei nº 9.985, de 18/07/2000; Decreto nº 4.340, de 22/08/2002).

13 Qualquer outro parecer que não priorize a preservação e conservaç ão do patrimônio arqueológico da Serra de Monte Alto vai à contramão dos interesses do desenvolvimento da ciência e de uma humanidade solidária e com qualidade de vida. 5 Referências CUELLAR, J. P. Nossa diversidade criadora. Brasília: Papirus, 1997. GUSMÁN, C. M. de. MINISTÉRIO DE CULTURA. Seminário de Parques Arqueológicos, dias 13, 14 y 15 de Diciembre, 1989. Madrid: Instituto de Conservacion y Restauracion de Bienes Culturales, 1993. MALTA, I. M. Análise macroscópica dos pigmentos das escavações de Santana do Riacho. Arquivos do Museu de História Natural, Belo Horizonte, v. 12, p. 304-312, 1991. POSSATI, J. A. Turismo e educação patrimonial. Disponível em: <http://www.educacaopatrimonial.com.br/turismo.htm >. Acesso em: 14 nov. 2006. RIBEIRO, L.; ISNARDIS, A. Os conjuntos gráficos do Alto -Médio São Francisco e Montalvânia. Arquivos do Museu de História Natural,Belo Horizonte, v. 17-18, p. 243-285, 1996/1997. SILVA, J. P. da; SANCHES, A.; SOARES FILHO, A. de O. Levantamento e diagn óstico da Serra de Monte Alto: subsídios para a criação da Unidade de Conservação Arqueológica e Natural da Serra de Monte Alto. Relatório de Pesquisas. Palmas de Monte Alto/Sebastião Laranjeiras/Pindaí/Candiba/Guanambi. Bahia, 2007.