OBTENÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEL A PARTIR DO PROCESSO DE TORREFAÇÃO DE BIOMASSA PARA FINS ENERGÉTICOS Érica Leonor Romão 1, Ivo Alves Dias 1, Rosa Ana Conte 2, Daltro Garcia Pinatti 2 1 Escola de Engenharia de Lorena, EEL USP, Estrada Municipal do Campinho, s/nº; 2 Escola de Engenharia de Lorena, EEL USP, Pólo-Urbo Industrial, Gleba AI-6,s/nº; Caixa Postal 116, 12602-810 - Lorena SP. (ericaromao@usp.br) Resumo Frente à demanda por fontes alternativas de energia, vários desenvolvimentos vêm sendo realizados visando à utilização de diversos tipos de combustíveis e processos de conversão energética. A energia de biomassa - uma energia renovável - poderia ser uma boa candidata para complementação dos combustíveis fósseis. Dentre os processos termoquímicos, a torrefação vem emergindo como método de pré-tratamento térmico que elimina muitas das limitações associadas à biomassa bruta - in natura. A torrefação não é um processo de secagem e sim uma pirólise parcial da biomassa, que é realizada sob pressão atmosférica na faixa de temperatura de 200-300 C, em ambiente inerte, produzindo um rico produto sólido de carbono. No trabalho realizado avaliou-se o processo de torrefação nas temperaturas de 240 C, 260 C e 280 C com tempo de residência de 30 minutos utilizando como biomassa o Eucalyptus spp da região do Vale do Paraíba com teor de umidade da ordem de 15%m/m. O poder calorífico superior da biomassa torrificada apresentou um aumento em cerca de 1,5 vezes em relação à biomassa bruta, apresentando um rendimento gravimétrico de biomassa torrificada na ordem de 75%m/m, dentro do esperado no processo de torrefação de 70%m/m. Outra vantagem da torrefação é a padronização do processo, o que permite seu uso em condições mais exigentes quanto à estabilidade, em processo para fins energéticos, como a gaseificação. Palavras-chave: Torrefação, biomassa torrificada, biocombustível, energia.
Abstract The demand for alternative energy sources, various developments have been made for various types of fuels and energy conversion processes. Biomass energy could be a good candidate for complementation of fossil fuels. Among thermochemical processes, roasting is emerging as a method of heat pretreatment that eliminates many of the limitations associated with raw biomass humidity. The torrefaction is not a drying process but a partial pyrolysis of biomass, which is performed under atmospheric pressure in the temperature range of 200-300 C in an inert atmosphere to produce a carbon-rich solid product. The study evaluated the torrefaction process temperatures of 240 C, 260 C and 280 C with residence time of 30 minutes using as biomass Eucalyptus spp, of Vale do Paraíba region. The high heating calorific value increased by 1.5 times compared to raw biomass, with a gravimetric yield of torrefied biomass in order of 75%m/m as expected in the torrefaction process, 70% m/m. The torrefied biomass presented advantages over calorific value and emission of volatile. Another advantage of torrefaction process of standardization that allows its use in the most demanding conditions for stability of processes for energy purposes, such as gasification. Keywords: Torrefaction, biomass, biofuel and energy. 1. INTRODUÇÃO A demanda mundial anual de energia primária, relatada como 505 quatrilhões de BTU em 2008, (530,25 trilhões de MJ = 147,3 bilhões de MWh t ) é esperada ter um aumento de 53% em 2035. Grande parte deste crescimento terá origem na China e Índia, de acordo com números divulgados pela Administração de Informação de Energia dos EUA (Energy Information Administration - EIA). A segurança energética e sustentabilidade ambiental são as principais questões emergentes do mundo que só podem ser abordadas através da diversificação dos recursos energéticos e combustíveis limpos (EIA, 2011). A energia de biomassa - uma energia renovável - poderia ser uma boa candidata para complementação dos combustíveis fósseis (NHUCHHEN_2014). A biomassa pode ser obtida de vegetais não-lenhosos, de vegetais lenhosos, como é o caso da madeira e seus
resíduos, e também de resíduos orgânicos, nos quais se encontram os resíduos agrícolas, urbanos e industriais (BEN, 2014). Existem diversas tecnologias para aproveitamento da bioenergia. Dentre os processos termoquímicos, a torrefação vem emergindo como método de pré-tratamento térmico que elimina muitas das limitações associadas à biomassa bruta - in natura. A torrefação produz um rico produto sólido de carbono. A torrefação não é um processo de secagem e sim uma pirólise parcial da biomassa, que é realizada sob pressão atmosférica na faixa de temperatura de 200-300 C, em ambiente inerte (MEDIC et al., 2011). No processo de torrefação ocorre a alteração e transformação dos três constituintes poliméricos. Por exemplo, a hemicelulose componente altamente reativo - sofre decomposição e desvolatilização e contribui para a maior perda de massa no processo de torrefação. Portanto, os materiais de biomassa com um elevado teor de hemicelulose têm um menor rendimento de produto sólido em comparação à biomassa com baixa concentração de hemicelulose. O ácido acético e o metanol são os principais constituintes da gases voláteis liberados durante a degradação térmica da hemicelulose. Embora, apenas uma pequena porção da celulose se degrade dentro do faixa de temperatura de torrefação (200-300 C), o vapor de água e os ácidos liberados da hemicelulose podem também aumentar a degradação da celulose. A lignina, que tem mais carbono do que os outros dois constituintes poliméricos da biomassa, é termicamente mais estável e tem uma maior participação no produto sólido final. A degração na torrefação começa somente acima de 200 C (PRINS et al., 2006). A torrefação é geralmente realizada a uma baixa velocidade de aquecimento, o que dá um maior rendimento de produto sólido (DENG et al., 2009). Ao contrário de pirólise, a maior motivação de torrefação é a maximização do rendimento de sólido. Cientificamente, o processo de pirólise é acima de 500 C. Processos em temperaturas inferiores, entre os quais se inclui uma faixa da torrefação, são denominados Conversão em Baixa Temperatura CBT (BAYER, 1988). O principal motivo da torrefação é melhorar a qualidade do combustível de biomassa para torná-lo mais adequado para o processo de conversão termoquímica em relação à biomassa bruta. A biomassa torrificada pode ser utilizada em briquetagem, peletização, gaseificação e plantas de co-combustão para geração de energia térmica (BRIDGEMAN et al, 2010). A torrefação de biomassa destrói a tenacidade e a estrutura fibrosa da biomassa, produz
produtos sólidos hidrofóbicos, livres de umidade (ACHARJEE et al., 2011), reduz o consumo de energia durante a moagem, aumenta a densidade energética, aumenta a densidade do produto e simplifica o sistema de armazenamento e transporte. A biomassa torrificada também tem uma melhoria na distribuição do tamanho de partícula (PHANPHANICH, 2011), levando a uma combustão com menos fumaça. Esse trabalho propõe avaliar o processo de torrefação em diferentes faixas de temperaturas e tempo de residência, em reator de laboratório, avaliando os efeitos da torrefação, a fim de obter uma biomassa torrificada para fins energéticos. 2. METODOLOGIA O Eucalytpus spp tem sido apontado como uma das melhores opções para a produção de energia devido, principalmente, ao grande número de espécies (CORTEZ; LORA; GOMES, 2008) e também pelo fato de que a madeira responde atualmente por 8,7% da matriz energética mundial e 13,9% da brasileira (BEN, 2014). No estado de São Paulo, as espécies mais difundidas para a produção de carvão vegetal são o E. grandis, E. saligna, E. citriodora e o E. urophylla. A opção pelo E. grandis no Brasil está relacionada à excelente resposta silvicultural da espécie, boa forma e rápido crescimento. A biomassa utilizada foi o Eucalytpus spp, picada em cavacos de 10 x 20 mm 2, proveniente da região do Vale do Paraíba, foi homogeneizada, quarteada, seca e utilizada nos ensaios de torrefação. Os ensaios foram realizados em reator de laboratório, por processo batelada. O processo de torrefação produz três principais produtos: um sólido de cor escura, denominada biomassa torrificada (BT) - objeto de estudo nesse trabalho, uma solução aquosa ácida de cor amarelada e gases não condensados. Foram usadas três faixas de temperaturas, 240 C, 260 e 280 C, a fim de avaliar o rendimento gravimétrico de produção, o teor de carbono fixo e poder calorífico superior. Calcularam-se os respectivos fatores de rendimento gravimétrico para cada tratamento, os quais indicam em qual temperatura se tem a maior quantidade de carbono fixo na biomassa torrificada produzida.
2.1. Processo de torrefação As amostras de Eucalytpus spp, como recebidas, com cerca de 15%m/m de umidade foram secas em estufa a 105 C e porções de 300 g foram utilizadas em cada batelada do processo de torrefação. O teor de umidade após secagem fica com cerca de 2%m/m. As reações de torrefação apresentam três etapas: aquecimento até a temperatura em avaliação, manutenção da amostra no patamar por 30 minutos e resfriamento. Após a reação foi realizado o balanço de massa dos três produtos obtidos: biomassa torrificada (BT), água de reação e gases não condensáveis, sendo este último calculado por diferença. 2.2. Caracterizações realizadas nas biomassas bruta e torrificada A determinação do teor de umidade e cinzas, na biomassa bruta e torrificada, foi realizada conforme (BROWNING, 1967); a análise do teor de matéria volátil e carbono fixo foram realizadas conforme ASTM D 3175. O teor de carbono fixo foi calculado de conformidade com a equação 1, sendo: teor de carbono fixo (CF % m/m); teor de umidade (U %m/m); teor de material volátil (MV %m/m); e teor de cinzas (CZ %m/m). %CF = 100 - (%U + %MV + %CZ) (1) Essas análises foram realizadas no Departamento de Engenharia de Materiais DEMAR EEL- USP e a análise de poder calorífico da biomassa torrificada foi realizada no Laboratório Associado de Combustão e Propulsão (LCP)/ Laboratório de Aplicações em Combustão e Gaseificação (LACG) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE de Cachoeira Paulista, SP. Os resultados das análises obtidas fornecem dados importantes para avaliar o processo de torrefação e posterior utilização da biomassa torrificada como combustível energético. 3. RESULTADOS PARCIAIS O perfil das reações de torrefação avaliado nas três faixas de temperatura, 240, 260 e 280 C em função do tempo é apresentado na Figura 1. O tempo antes da simbologia - início de reação - é a etapa de aquecimento; entre as simbologias, indica o tempo da reação e a simbologia - fim da reação significa a redução da temperatura. As reações são identificadas com códigos, além da temperatura, para melhor controle das amostras.
(% m/m) Temperatura ( C) AGRENER GD 2015 300 275 250 225 200 175 150 125 100 75 50 25 Perfil das Reações de Torrefação 125; 288 95; 278 70; 243 110; 260 115; 240 145; 261 0 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 Tempo (min) Início da Reação Fim da Reação BT 170815 (240 C) BT 240815 (260 C) BT 310815 (280 C) Figura 1 Perfil das reações de torrefação nas temperaturas de 240 C, 260 C e 280 C Observa-se que a etapa de aquecimento dos perfis das reações até 240 C foram similares, exceto na reação de 260 C que apresentou uma queda brusca de temperatura em 200 C e depois retornou a ter um perfil semelhante ao das outras temperaturas até 240ºC. Não se sabe ao certo o que ocasionou esta variação. A Figura 2 apresenta o balanço de massa dos produtos obtidos após a reação de torrefação nas faixas de temperaturas desse trabalho. 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 BT 170815 (240 C) BT 240815 (260 C) BT 310815 (280 C) Biomassa Torrificada (BT) Água de Reação Gases Não Condensáveis (GNC) Figura 2 Balanço de massa das reações de torrefação
Percebe-se que o rendimento gravimétrico da biomassa torrificada se comporta de maneira inversamente proporcional à temperatura submetida nos ensaios. Isto se deve ao fato de que há perda de substâncias químicas de maneira gradativa quando a biomassa bruta é submetida ao aquecimento, em temperaturas mais altas conforme relatado por PRINS et al, 2006 e, consequentemente, há um aumento dos outros produtos da torrefação. A Tabela 1 apresenta os valores obtidos na caracterização da biomassa torrificada: carbono fixo, volátil, teor de cinzas e poder calorífico superior para as diferentes temperaturas. O teor de cinzas da madeira bruta é da ordem de 1,26%m/m e o poder calorífico superior é de 17,42 MJ/kg. O teor de carbono volátil diminui à medida que a temperatura de torrefação aumenta. Temperatura de processo Tabela 1. Caracterização da biomassa torrificada Carbono Carbono Poder Calorífico volátil fixo Superior (% m/m) (% m/m) (MJ/kg) Teor de Cinzas (% m/m) 240 C 76,19 18,39 20,54 1,72 260 C 73,85 20,60 20,84 1,83 280 C 70,74 23,92 25,61 1,60 Os valores obtidos de carbono fixo são compatíveis com o processo de torrefação, diferentemente do que ocorre quando o tratamento é feito entre 300 C e 600 C havendo formação de alcatrão, metano, compostos fenólicos devido à quebra da hemicelulose e lignina e redução de produção do material sólido, sendo este o processo de conversão em baixa temperatura (BAYER, 1988), que não é o escopo de estudo desse trabalho. Se compararmos o poder calorífico superior da biomassa bruta e aqueles obtidos nas biomassas torrificadas, conforme Figura 3, nota-se um aumento de cerca de 1,5 vezes para o tratamento a 280 C. Embora não tenha havido alterações expressivas no poder calorífico superior da biomassa torrifica a 240 C e 260 C, há vantagem de se trabalhar em temperaturas mais baixas, pois isso minimiza o custo operacional para produção da biomassa torrificada.
100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 88,46 83,33 70,00 25,61 17,42 20,54 20,84 Biomassa Bruta T 240 C T 260 C T 280 C PCS (MJ/kg) Biomassa Torrificada (% m/m) Figura 3 Relação do poder calorífico superior e da biomassa torrificada nas três faixas de temperatura 4. Conclusões Parciais Nos ensaios realizados até o momento pode-se verificar que é possível obter uma biomassa torrificada do Eucalyptus spp da região do Vale do Paraíba empregando temperaturas na faixa de 240 C a 280 C, com tempo de permanência da ordem de 30 minutos. Para temperaturas mais altas, o poder calorífico superior apresentou um aumento para cerca de 1,5 vezes em relação à biomassa bruta. Os rendimentos gravimétricos de biomassa torrificada foram da ordem de 75 %m/m, ficando próximo do esperado no processo de torrefação (70% m/m). Etapas futuras desse trabalho pretendem avaliar por meio de ensaios moagem e granulometria a friabilidade da biomassa torrificada nas diferentes faixas de temperatura. A biomassa torrificada tem vantagens quando comparada com a biomassa bruta, aumento no seu poder calorífico e a redução de sua emissão de voláteis quando a biomassa torrificada é usada como combustível. Outra vantagem da torrefação é a padronização do processo que permite seu uso em condições mais exigentes quanto à estabilidade, por exemplo, para sua gaseificação. Agradecimentos Agradecemos ao CNPq pela bolsa concedida ao aluno de IC e ao LCP/ LACG do INPE, Cachoeira Paulista, SP pelas análises de poder calorífico.
X. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACHARJEE, T. C.; CORONELLA, C. J.; VASQUEZ, R. V. Effect of thermal pretreatment on equilibrium moisture content of lignocellulosic biomass. Bioresource Technology 102, 4849 4854, 2011. BALANÇO ENERGÉTICO NACIONAL BEN 2014. Disponível em: <http://www.ben.epe.gov.br>. Acesso em: 18 jan. 2015. BAYER, E.; KUTUBUDDIN, M.; Thermocatalytic conversion of lipid-rich biomass to oleochenicals and fuel, pp 518-530. Research in Thermochemical Biomass Conversion Hardcover, edited by A.V. Bridgwater, J.L. Kuester, December 31, 1988. BRIDGEMAN, T.G.; JONES, J.M.; WILLIAMS, A.; WALDRON, D.J.; An investigation of the grindability of two torrefied energy crops. Fuel 89, 3911 3918, 2010. BROWNING, B.L. Methods of Wood Chemistry. New York: Interscience Publishers, 1967. CORTEZ, L. A. B.; LORA, E. O.; GOMES E. O. Biomassa para energia. Campinas: Editora Unicamp, 2008. EIA, Energy Information Administration, 2011. Disponível em: <http://www.eia.gov/pressroom/releases/press368.cfm>. Acessado em 18 jan. 2015. DENG, J.; WANG, G. J.; KUANG, J.- H., ZHANG, Y. L.; LUO, Y.- H. Pretreatment of agriculture residues for co-gasification via torrefaction. Journal of Analytical and Applied Pyrolysis, 86 (2) 331-337, 2009. EIA, Energy Information Administration, 2011. Disponível em: <http://www.eia.gov/pressroom/releases/press368.cfm>. Acessado em 18 jan. 2015. MEDIC, D.; DARR, M.; SHAH, A.; POTTER, B.; ZIMMERMAN, J. Effects of torrefaction process parameters on biomass feedstock upgrading. Fuel, 91 (1) 147-154, 2011. NHUCHHEN, D. R.; BASU, P.; ARCHARYA, B. A comprehensive review on biomass torrefaction. International Journal of Renewable Energy & Biofuels, v. 2014, 2014. PHANPHANICH, M.; MANI, S. Impact of torrefaction on the grindability and fuel characteristics of forest biomass. Bioresource Technology 102, 1246-1253, 2011. PRINS, M. J.; PTASINSKI, K. J., JANSSEN, F. J.J.G.; Torrefaction of wood Part 1. Weight loss kinetics. Journal of Analytical and Applied Pyrolysis 77, 28-34, 2006.