PARA UMA ABORDAGEM FEMINISTA DAS CIÊNCIAS: A PARTICIPAÇÃO DE HOMENS NO SERVIÇO SOCIAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO 1 Henrique da Costa Silva 2 Ester de Albuquerque Monteiro 3 Vívian Matias dos Santos 4 Resumo: O presente artigo trata de uma pesquisa, em andamento, que vem se debruçando sobre investigações preliminares acerca da inserção masculina, especificamente no contexto de uma universidade pública federal nordestina, em uma área de conhecimento/atuação profissional historicamente feminilizada: o Serviço Social. Tomando como referência empírica os cursos de graduação e pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco, e como sujeitos os estudantes destes cursos que se auto-identificam como homens, utilizou-se da pesquisa bibliográfica e documental, bem como da aplicação de questionário quantitativo e da realização de observações diretas nestes espaços de formação acadêmico-profissional. Sabendo que no Nordeste os códigos de gênero são naturalizados discursivamente de forma específica e, neles, a masculinidade é, desde cedo, definida pela competição (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2003, p. 243), é interessante investigar: Como se dá o processo de inserção de homens em formações feminilizadas? Estes sujeitos sentemse questionados quanto as suas masculinidades? O que significa ser homem, nordestino, em formação no Serviço Social? Palavras-chave: Serviço Social; Gênero; Conhecimentos científicos; Masculinidades. 1 Trabalho vinculado ao projeto de pesquisa em andamento "O masculino marginalizado? Uma visão parcial sobre ser homem e nordestino em formação no Serviço Social" financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq mediante aprovação no Edital MCTI/CNPq/MEC/CAPES Nº 43/2013. 2 Graduando em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco. Bolsista de Iniciação Científica (UFPE/CNPq 2014-2015) vinculado ao HYPATIA - Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Gêneros, Ciências e Culturas. Email: henriquesilva2114@hotmail.com 3 Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco. Bolsista de Iniciação Científica (UFPE/CNPq 2014-2015) vinculado ao HYPATIA - Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Gêneros, Ciências e Culturas. Email: esteralbuquerquemonteiro@hotmail.com 4 Doutora em Sociologia. Coordenadora do HYPATIA - Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Gêneros, Ciências e Culturas. Docente do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco. Email :vivianmsa@yahoo.com.br
1. INTRODUÇÃO: O presente artigo trata de uma pesquisa, em andamento, que vem se debruçando sobre investigações preliminares acerca da inserção masculina, especificamente no contexto de uma universidade pública federal nordestina, em uma área de conhecimento/atuação profissional historicamente feminilizada: o Serviço Social. Desde o surgimento das primeiras escolas de Serviço Social na América Latina, a partir da década de 1920, a profissão tem sido demarcada por uma condição de subalternidade técnica e social (NETTO, 2007). Dentre os elementos que compõem a subalternidade técnica e social do Serviço Social destaca-se, como aspecto primordial, a sua institucionalização como profissão feminina : entendida como extensão das atividades domésticas por alicerçar-se, inicialmente, no paradigma do cuidado, e também por ser compreendida pela via da filantropia, esta formação profissional é construída discursivamente como suposta atribuição essencial e naturalmente feminina. Para o presente estudo consideram-se os cursos de Serviço Social não somente como espaços de formação profissional voltados para as demandas do mercado de trabalho, mas como campo produtor de conhecimento científico. Assim, partindo do pressuposto de que todo e qualquer conhecimento científico deve ser compreendido como uma construção social sabe-se, portanto, que é permeado pelas relações de poder. Nesta proposta de investigação defende-se como necessário um olhar sobre o cotidiano de homens em formação em cursos de graduação e pós-graduação tradicionalmente femininos, especificamente, situados na Universidade Federal de Pernambuco, uma universidade pública federal situada na região Nordeste do Brasil. Neste âmbito, torna-se relevante considerar que ser homem e nordestino carrega em si peculiaridades: no Nordeste os códigos de gênero são naturalizados discursivamente de forma específica e, neles, a masculinidade é, desde cedo, definida pela competição, pela disputa [...] (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2003, p. 243) numa peculiar simbiose entre virilidade e violência. No contexto do Serviço Social na região Nordeste, como meio de problematizá-lo, é elementar considerar que ainda há uma maioria esmagadora feminina na categoria de
discentes e também docentes, na Universidade Federal de Pernambuco: na graduação 5, no segundo semestre de 2014, os homens representavam apenas 12% do corpo discente, enquanto que as mulheres 88% de mulheres. Ao perceber que as mulheres são maioria quantitativa neste espaço de formação, corre-se o risco de inferir que estes homens possivelmente podem sofrer discriminação de gênero, visto que mulheres inseridas em formações acadêmicas predominantemente ocupadas por homens passam por experiências discriminatórias. Todavia, percebe-se que embora esses homens estejam em minoria quantitativa, aparentemente, não há maiores dificuldades vivenciadas por estes homens decorrentes de seu sexo/identidade de gênero: eles tendem a participar ativamente dos espaços onde são desenvolvidas atividades não somente de ensino, mas de pesquisa e extensão; estes sujeitos também se destacam como lideranças no seio dos movimentos sociais/políticos na universidade ou fora da instituição. É relevante explicitar, contudo, que mesmo percebendo estes traços gerais, não se tem aqui intenção de trabalhar a categoria homem como algo genérico, ou seja, o trabalho não caminhará a partir de uma ideia essencialista que advoga que todo homem vivencia as mesmas experiências e/ou tem os mesmos privilégios, assume-se aqui a responsabilidade de desenvolver uma análise crítica balizada pelos diversos outros marcadores sociais, em muitos casos, marcadores de discriminação, defendendo uma abordagem com caráter interseccional, que perpasse e reflita sobre outros marcadores, tais como: raça, orientação sexual, classe e geração. A partir desse contexto, também se faz necessário construir um olhar crítico e apurado acerca de como os homens que não são maioria nem no campo de produção de conhecimento nem na prática profissional no Serviço Social ocupam esses espaços tidos como nichos femininos. Qual ou quais são as áreas de preferência para a atuação profissional e prática de pesquisa? Como a masculinidade é performatizada nesse campo? Para ensaiar respostas a estas questões, a intenção é partir da perspectiva feminista, por meio de uma abordagem parcial (HARAWAY, 1995), situada em um tempo e um espaço específico: o curso de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 5 Estatísticas elaboradas por meio de listagem de alunos e alunas matriculados/as no curso de graduação em Serviço Social da UFPE fornecida pela secretaria do referido curso no segundo semestre de 2014.
2. CONHECIMENTO SITUADO: historiando e problematizando no Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco/UFPE A partir da criação da primeira Escola de Serviço Social no Brasil, no ano de 1936, em São Paulo, foi se lançando uma nova profissão no país. No estado de Pernambuco, em especial no Recife, a primeira Escola de Serviço Social foi criada a partir de uma vontade do juiz de menores, dr. Rodolfo Aureliano, em 1940. Em primeiro instante a direção e o ensino ficaram sob-responsabilidade de juristas, médicos e padres, ligados ao Juizado de Menores e ao Círculo Operário do Recife (VIEIRA, 2008). A turma que iniciou era composta por 15 alunas, entretanto, embora a graduação tivesse um tempo médio de três anos, a primeira formada, Maria da Glória de Andrade Lima, só concluiu no ano de 1946, o que era bastante recorrente entre as graduandas, a demora nas formações se dava por conta da exigência de um trabalho de conclusão de curso, na modalidade de monografia, individual. Em geral, as estudantes concluíam as disciplinas, mas atrasavam a entrega do trabalho, em especial porque ingressavam no mercado de trabalho antes da conclusão do curso. Analisando o currículo, percebe-se que a primeira disciplina especifica do Serviço Social, Assistência Social, não era ministrada por uma Assistente Social, a disciplina era facilitada por um prestigiado antropólogo, Dr. René Ribeiro. Outra figura emblemática na história do Serviço Social de Pernambuco, foi a presença do renomado escritor e professor, Paulo Freire, que em 1953 ministrava as disciplinas Pedagogia e Relações Humanas e Doutrina Social. Esses dois sujeitos nos mostra que mesmo quando não se tinha homens na graduação de Serviço Social a figura masculina se fez presente com grande destaque. Diante das insuficiências financeiras para manutenção da estrutura da Escola de Serviço Social de Pernambuco e dos vários outros complicadores, em 1969 foi aprovada com unanimidade, a proposta de integração da Escola de Serviço Social de Pernambuco à Universidade do Recife, que posteriormente viraria a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Vale ressaltar que o processo de criação do Departamento de Serviço Social na UFPE levou cerca de um ano para se concretizar. Em março de 1971
após a realização do vestibular para Serviço Social na UFPE, foi criado o Departamento de Serviço Social, extinguindo a antiga Escola de Serviço Social de Pernambuco (VIEIRA, 2008). Com a mudança houve um crescente aumento no que se refere ao quantitativo de ingressos/as, levando a um aumento de 217% no número de alunos/as. Considerando que a integração da Escola de Serviço Social à UFPE alterou qualitativamente a estruturação do curso, houve também uma maior ampliação no perfil do/as estudantes que agora buscavam a formação. Estava se desprendendo, à duras penas, a imagem caritativista que o Serviço Social por anos carregou/a. Desse modo, percebe-se uma, ainda tímida, maior inserção masculina na graduação e no Departamento de Serviço Social, embora a presença masculina já se fizesse presente. Apesar não de não se ter dados precisos quanto à inserção masculina no Serviço Social de Pernambuco, o que se pode afirmar, assumindo o risco de equívocos, é que embora quantitativamente sejam minoria no Departamento, esses sujeitos não são alheios ao reconhecimento nem tampouco se apresentam como atores invisibilizados. Analisando a entrada desses homens no curso de Serviço Social da UFPE percebe-se que desde a entrada, através do ingresso pela via do vestibular, esses sujeitos ganham destaques por sua classificação. Verificando e refletindo sobre a maneira que se dá a inserção desses homens, constata-se que entre os anos de 2007 e o ingresso de 2014, não são raras as vezes em que homens ganham destaques no vestibular classificados em 1º lugar - para o acesso a uma graduação ainda feminilizada. Nesse período de tempo, por quatro vezes quase consecutivas (anos de 2007, 2009, 2010, 2011) os homens aparecem sendo portadores do maior argumento de classificação. Embora seja considerado o contexto de inserção desses homens e o período analisado, não é privilégio exclusivo da graduação ter homens como destaque em processos seletivos, por exemplo, constata-se que na última seleção para o Programa de Pós Graduação em Serviço Social da UFPE, seleção de 2015, o primeiro lugar, para a vaga do doutorado, também foi ocupado por uma figura masculina. Se analisada de maneira superficial não existe nenhuma problemática nessas informações, mas não podemos desconsiderar que as trajetórias de vida dos indivíduos é um objeto bastante interessante a ser conhecido, sendo determinada pela frequência dos acontecimentos, pela duração e localização dessas existências ao longo de uma vida (BORN,2001).
Por isso, suscitam-se questionamentos do tipo: O que acontece na vida dessas mulheres que ao se inserirem num campo majoritariamente feminino não conseguem obter destaques em processos seletivos? ; Quais são os vários marcadores sociais que influenciam em um processo objetivo de seleção? ; Nesses processos são consideradas as diferentes atribuições designadas para homens e mulheres ao longo da vida? ; Quem são esses homens que estão se destacando no Serviço Social da UFPE?. Esses questionamentos são bastante provocativos e quando lançados aos homens da graduação e pós-graduação em Serviço Social, através da aplicação do questionário, a maioria considera que o fato de ser homem e inserido num campo constituído hegemonicamente como feminino, não lhe impõe ou impôs alguma vantagem e/ou facilidade no âmbito de sua formação - cerca de 80% (Dados obtidos pela aplicação de questionário quantitativo). Porém ao se fazer uma análise para além do ingresso, percebe-se que embora os homens sejam minoria, quantitativamente, tanto na graduação quanto na pós-graduação, se mostram bastante visíveis e articulados em espaços representativos. Verificando a ata de presença de uma reunião, organizada pela coordenação da Graduação com intuito de dialogar com os/as representantes de turmas, também da graduação, 7 dos/as 14 estudantes presentes eram homens, ou seja, 50 % do total de representantes da graduação são homens, valendo ressaltar o número de homens na graduação não ultrapassa o numero de 12%. Percebe-se ainda, a partir de observação direta, que mesmo quando houve uma paridade de gênero entre representantes, ou seja um homem e uma mulher, eram os homens que mais obtinham o tempo de fala e as tomadas de decisões, repercutindo, aparentemente, as formas de socialização, delegação de atribuições e educação direcionadas a estas mulheres, sendo possível problematizar se essa educação é voltada para a tomada de posições ou para as reforçar a postura passiva que, hegemonicamente, a sociedade espera de uma mulher. Quanto ao tempo de permanência na graduação, desde o ingresso até a colação de grau, percebe-se, de acordo com dados fornecidos pela Coordenação da Graduação em Serviço Social, que há pouca variância entre o tempo médio de formação de homens e mulheres: em geral, não destona muito do tempo esperado para graduação, 4 anos. Entretanto, por termos trabalhado, nesse levantamento de dados, com números estritamente quantitativos não conseguimos descrever com precisão se os mesmos
complicadores que interferem no tempo de formação das mulheres são consonantes e semelhantes ao dos homens. 3. NOTAS CONCLUSIVAS: Muito embora a pesquisa ainda esteja em andamento, em fase de coleta e sistematização de dados, é possível fazer algumas reflexões, que servirão de trilho para futuras conclusões, sobre alguns aspectos coletados e analisados até o presente momento. De maneira lúcida os dados sejam número sejam estatísticos, históricos ou oriundos de observações direta em campo apontam uma consonância com nossa hipótese que advoga haver uma assimetria na visibilidade e inserção de homens e mulheres nesse departamento. De modo parcial podemos perceber que o fato de os homens se apresentarem como minoria quantitativa no Departamento, seja na graduação, seja pós-graduação ou na docência, esse fator não se materializa como um real impedimento para a sua inserção e visibilidade nos espaços representativos e de grande prestígio dentro do campo acadêmico. Todavia, como não se tem uma essência masculina, é importante destacar que esses homens, em sua maioria, que obtém grande visibilidade a ascensão dentro do departamento, são sujeitos brancos e heterossexuais, em sua maioria. Esta tendência contrasta-se com o perfil geral dos alunos: no curso de graduação em Serviço Social da UFPE, em 2014, os heterossexuais não ultrapassavam 50% dos alunos e, os que se autodeclararam brancos representavam apenas 19% do total. Nos cursos de mestrado e doutorado dos 8 alunos que responderam ao questionário, 7 declararam-se heterossexuais e apenas 1 autodeclarou-se negro. Assim, estabelece-se neste âmbito a nossa defesa de que não existe uma única masculinidade e que tampouco é possível falar em formas binárias que supõem a divisão entre formas hegemônicas e subordinadas (MEDRADO & LYRA, 2012, p. 824). Assim sendo, fazemos coro ao não-essencialismo do gênero e a uma apreciação mais ampliada, balizada pela interseccionalidade entre distintos marcadores de discriminações que incidem sobre os sujeitos lidos como masculinos. Dessa maneira, as observações e dados obtidos até então nos permite fazer uma avaliação sobre a correlação de forças estabelecida em um espaço específico de
formação e construção de conhecimentos científicos e como esta repercute na trajetória de vida e nas possibilidades acadêmicas dos sujeitos. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS: BORN, Claudia. Gênero, trajetória de vida e biografia: desafios metodológicos e resultados empíricos. Sociologias. N. 5, ano 3, Porto Alegre, jan./jun. 2001. (240-265p.) (disponível em < http://www.scielo.br/pdf/soc/n5/n5a11.pdf> ) HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu (5) 1995. (p. 07-41). MEDRADO, Benedito; LYRA, Jorge. Por uma matriz feminista de gênero para os estudos sobre homens e masculinidades. Estudos Feministas, Florianópolis, 16(3), setembro-dezembro, 2008 (809-840p). Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/ref/v16n3/05>. Acesso em 03 nov. 2012. NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e Serviço Social. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2007. NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social no Brasil pós-64. 12 ed. São Paulo: Cortez, 2008. VIEIRA, Ana Cristina S. Serviço Social em Pernambuco: particularidades da formação e inserção profissional dos anos 1940 aos 1980. Serviço Social e Sociedade, v. 95, 2008 (p. 77-96).