Recomendações da Embrapa Pantanal para a Gestão da Pesca na Bacia do Alto Paraguai

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Transcrição:

Recomendações da Embrapa Pantanal para a Gestão da Pesca na Bacia do Alto Paraguai Nesse documento, destacamos a necessidade de uma política de uso plural dos recursos pesqueiros, isto é, o uso sustentável por diferentes setores da sociedade como estratégia para sua conservação na Bacia do Alto Paraguai, onde se encontra o Pantanal. Consideramos a necessidade de se estabelecer uma política de pesca em nível da Bacia do Alto Paraguai, e não em função de divisões políticas, pois os processos ecológicos, os recursos pesqueiros e os fatores externos que incidem sobre ambos estão circunscritos à bacia hidrográfica e assim precisam ser tratados. Consideramos ainda, o papel da pesca em suas diferentes modalidades, os desafios de se operar uma gestão pesqueira harmoniosa e os benefícios oriundos do estabelecimento de parceira e cooperação entre os diferentes atores da pesca. Usuários dos recursos pesqueiros. Os recursos pesqueiros são de grande importância socioeconômica e ambiental no Pantanal e em toda a Bacia do Alto Paraguai, utilizados pela pesca realizada em três modalidades: profissional-artesanal, amadora e de subsistência. Essas modalidades apresentam características e objetivos distintos e geram diferentes produtos para a sociedade. - A pesca profissional tem um caráter artesanal no Pantanal e o principal produto da atividade é o pescado, destinado ao consumo humano; - O peixe constitui o atrativo e não o produto da pesca amadora, pois se destina ao consumo próprio e não pode ser comercializado. O produto da atividade é o turismo pesqueiro que inclui os serviços adquiridos pelos pescadores, tais como transporte, alimentação e hospedagem, entre outros; - A pesca de subsistência cumpre importante papel social, garantindo proteína nobre para o consumo das populações ribeirinhas de baixa renda ou localizadas em regiões isoladas. Uso plural. Os peixes capturados pela pesca são oriundos de populações naturais, isto é, foram produzidos sem o aporte de investimentos por parte da sociedade. Portanto, o uso plural desses recursos, por diferentes setores da sociedade, é legal, ético e interessante para sua conservação.

Gestão pesqueira e conflitos de interesses. Conflitos de interesse sobre a pesca ocorrem, historicamente, em qualquer região onde ela tem importância suficiente para gerar demanda de usos múltiplos. No Brasil, os principais conflitos estão relacionados aos diferentes interesses da pesca amadora e profissional. A gestão pesqueira tem por objetivo assegurar a produção dos estoques pesqueiros ao longo do tempo, através de ações reguladoras para o bem estar dos usuários. Isso implica em utilizar os recursos pesqueiros dentro da capacidade natural de reposição dos estoques, de modo que o esforço de pesca deve ser regulado de modo a compatibilizar o desfrute com a produção. Atender os diferentes interesses dos atores torna a gestão pesqueira uma tarefa complexa, haja vista que eles podem ser excludentes em função de condicionantes biológicas, tais como, por exemplo: manejar a pesca para garantir os exemplares grandes das espécies nobres (como interessa à pesca amadora) implica a adoção de medidas que reduzem a produção em peso (como interessa à pesca profissional) e vice-versa. Assim, uma gestão pesqueira equilibrada deve balancear a distribuição de oportunidades e benefícios, uma vez que os atores têm diferentes níveis de organização, de recursos financeiros e de acesso às esferas do Poder de decisões. Gestão compartilhada. As tendências atuais de manejo de recursos naturais, incluindo os recursos pesqueiros, apontam na direção da gestão compartilhada ou participativa. Isto é, os diversos usuários definem em conjunto os rumos e objetivos da atividade e tornam-se co-responsáveis pelo uso e conservação dos recursos e prontos para colaborarem no cumprimento das normas criadas a partir do debate levado a cabo por eles mesmos. Conceito de estoque pesqueiro. Um estoque pesqueiro pode ser definido como um grupo de peixes da mesma espécie, com as mesmas características fisiológicas e populacionais (por exemplo, taxa de crescimento e de mortalidade), os quais habitam uma mesma área e que já sejam grandes o bastante para serem pescados. Nesse sentido, o estoque pesqueiro corresponde a um subgrupo de uma determinada população biológica. Pesca e monitoramento dos recursos e do ambiente. A pesca realizada dentro dos limites naturais de reposição das populações de peixes corresponde ao desfrute da produção excedente dos estoques, sem custo ambiental. Ao pescar, realiza-se, ao mesmo tempo o monitoramento 3

dessas populações e do próprio ambiente. Esse monitoramento ocorre, tanto de forma direta pela percepção dos pescadores (das diferentes modalidades) sobre a disponibilidade de peixes e as alterações do ambiente, quanto por meio de estudos conduzidos a partir de estatísticas pesqueiras. Além disso, nas pescarias multi-usuários ocorre uma fiscalização mútua de um setor sobre o outro, constituindo-se num mecanismo informal de controle da atividade. Dessa forma, a pesca realiza o importante serviço de conservação - pelo uso - dos recursos pesqueiros para a sociedade. Fatores externos ao manejo. A gestão pesqueira vale-se de ações reguladoras pela definição de tamanhos de captura, petrechos permitidos, períodos de defeso, etc. para atingir os objetivos do manejo. Entretanto, é fundamental reconhecer que a atividade está sujeita a influencia de fatores externos à pesca, que fogem ao controle da gestão. Esses fatores podem ser de origem natural ou antrópica (causados pelo homem). Os fatores naturais geralmente são cíclicos, como a variação da intensidade das cheias anuais, ocasionando períodos mais ou menos favoráveis para as populações de peixes. Por outro lado, os fatores antrópicos geralmente conferem situações menos favoráveis para essas populações. Eles são decorrentes das atividades realizadas na bacia, quer seja na área urbana, rural, industrial ou na mineração. Muitas vezes, os fatores antrópicos são virtualmente irreversíveis como a barragem de um rio pela construção de represa para a produção de energia elétrica. Por meio de diferentes mecanismos, os fatores externos podem reduzir a capacidade suporte do ambiente para a manutenção das populações naturais de peixes e, conseqüentemente, a quantidade de peixes disponíveis para a pesca. De fato, esses fatores externos, quando negativos, podem imitar os efeitos da sobrepesca. Os pulsos de cheias e secas anuais e inter-anuais são os principais fatores que regem o funcionamento ecológico do Pantanal. Portanto, é necessário avaliar os impactos potenciais sobre a ictiofauna e o funcionamento do ecossistema, que podem advir da construção de represas na Bacia. Esta preocupação seguramente pode se aplicar ao conjunto de represas instaladas e previstas para a região. Segundo a ANEEL/EPE, há atualmente 29 barragens em operação na Bacia do Alto Paraguai (7 UHEs, 16 PCHs e 6 CGHs), 10 em construção (PCHs), 29 em projeto básico (em processo de licenciamento, após a Licença Prévia e antes da Licença de Instalação); 29 estudos de inventários (PCHs), 17 estudos de inventários de rios e 1 estudo de viabilidade de uma UHE, num total de 110 projetos atuais e previstos. (Fonte: documento produzido no VIII INTECOL (2008), acessível em http://www.cpap.embrapa.br/pesca/online/pesca2008_intecol2.pdf). 4

Conhecimento ecológico tradicional. Os pescadores profissionais artesanais do Pantanal são os detentores do chamado Conhecimento Ecológico Tradicional, um saber que foi acumulado ao longo de muitas gerações, no entendimento da pesca e da ecologia da região. Em nível mundial, esse conhecimento vem sendo cada vez mais considerado nas formulações de políticas de uso de recursos naturais, devido à sua capacidade em contribuir para a conservação e recuperação ambiental. A esse respeito, a FAO, o órgão das Nações Unidas que trata da pesca, mantém um comitê voltado à preservação da pesca em pequena escala, reconhecendo sua importância cultural e papel chave como parceira na conservação dos recursos pesqueiros. Distribuição do esforço e espécies subutilizadas. Embora ocorram mais de 270 espécies de peixes na Planície do Pantanal, apenas oito foram responsáveis por quase 82% do desembarque total registrado em 2004, pelo SCPESCA /MS Sistema de Controle da Pesca de Mato Grosso do Sul. Portanto, é desejável distribuir melhor o esforço de pesca, e lançar mão de espécies abundantes que estão sub aproveitadas, tais como: curimbatá (Prochilodus lineatus) e espécies das famílias Curimatidae (sairús) e Loricariiidae (cascudos). Agregar valor ao pescado. Todo o pescado capturado pela pesca profissional artesanal no Pantanal é comercializado in natura - fresco ou congelado - e destinado principalmente aos mercados municipal e estadual. Entretanto, pode ser obtido maior rendimento econômico e social por quilograma de peixe, agregando valor a esse pescado por meio de seu processamento. Assim, desenvolvendo-se a cadeia produtiva do pescado - filé de peixe congelado, peixe defumado, óleo, concentrado protéico, farinha, entre outros produtos juntamente com a cadeia produtiva do couro de peixe, incluindo a manufatura de itens de vestuário (como vem sendo realizado pela associação AMORPEIXE em Corumbá). No entanto, este segmento produtivo pode gerar, se bem estruturado, novos empreendimentos, mais postos de trabalho, além de ajudar na preparação e qualificação da mão-de-obra local. Contudo, a escala de produção desses empreendimentos deve ser compatível com a quantidade e a regularidade da oferta de matéria prima, podendo-se utilizar peixes oriundos da pesca e da piscicultura. Certificação de pescado do Pantanal. Uma alternativa muito promissora, que pode ser implementada a médio prazo, é a criação de um programa para certificação do pescado do Pantanal. Para entender melhor o conceito de certificação, veja o exemplo do desenvolvimento da avicultura no País. Os avanços tecnológicos desse setor aumentaram sobremaneira a qualidade e a escala de produção do frango de 5

granja, tornando-o um produto barato e acessível a várias camadas da sociedade, suplantando o consumo da tradicional galinha caipira. Entretanto, num segundo momento, a galinha caipira adquiriu um status especial, pois embora seja produzida em menor escala, apresenta sabor e textura diferenciados, que atendem ao paladar de um tipo específico de consumidor, disposto a pagar um preço mais alto por ela. Por analogia e aplicando o mesmo raciocínio, o peixe de granja corresponde àquele produzido nas pisciculturas e o peixe caipira aquele produzido na natureza e oriundo da pesca. Certificar um produto com características próprias, implica em adotar boas práticas de manejo e agregar um tipo especial de valor a esse produto. Nesse caso, os consumidores dos produtos certificados como pescado do Pantanal (peixe caipira) estarão dispostos a pagar um preço mais alto por este produto, associando a ele conservação ambiental e manutenção dos pescadores profissionais artesanais do Pantanal. Vale lembrar que os consumidores dos produtos certificados não estão restritos nem aos municípios e nem ao estado de Mato Grosso do Sul. Por sua vez, a piscicultura ofereceria o peixe de granja, produzido em escala, com volume expressivamente maior, que seria dirigido para uma faixa mais ampla de consumidores. Assim, a pesca e a piscicultura poderão suprir as demandas pelo pescado, atendendo a nichos distintos de mercado. Modalidade pesque-e-solte: mais uma opção. A partir de 1997, algumas áreas do Pantanal foram destinadas exclusivamente para a modalidade pesque-e-solte. Nesses locais não é permitida a prática da pesca profissional artesanal nem da pesca amadora de abate. Contudo, além de questionamentos relacionados aos aspectos éticos do pesque-e-solte há fortes críticas relacionadas ao aspecto biológico: os peixes devolvidos estão sujeitos a estresse por fadiga, dano físico e barotrauma. Depois de solto o peixe manipulado torna-se uma presa mais fácil e está sujeito à queda de seu desempenho reprodutivo e produtivo, além da diminuição de resistência às doenças. Ainda são desconhecidas as proporções entre o número de peixes capturados e devolvidos, além dos efeitos de predação ou de doença e a extensão das alterações dessa prática sobre o crescimento e a mortalidade das populações de peixes nativas do Pantanal. Portanto, o pesque-e-solte, pode representar mais uma opção de turismo pesqueiro para a região, porém, não deve ser encarado como o único modelo de pesca a ser adotado. É preciso ponderar com cautela sobre os ganhos e perdas em todos os aspectos envolvidos na sua adoção, para então decidir em que áreas e sob quais condições tal opção é recomendável. 6

Concluindo. Para finalizar, consideramos que a sobrevivência, a longo prazo, dos setores que utilizam os recursos pesqueiros e a água na região são dependentes da transformação das atuais relações de conflito e concorrência para relações de parceria e cooperação. É preciso, urgentemente, que todos os atores da pesca, bem como os gestores, se conscientizem que as alterações ambientais em curso no ritmo atual constituem, mais do que ameaças, são fatos concretos que comprometem a conservação do ambiente e, por conseguinte, dos organismos que nele habitam e das atividades que deles dependem. Portanto, se bem trabalhadas, as diferenças e as particularidades desses setores podem ser utilizadas em prol de objetivos maiores e comuns. Esses setores podem atuar em diferentes esferas da sociedade, formando um bloco unido com o propósito de influenciar as políticas públicas (municipais, estaduais e nacionais) no sentido de que sejam feitas escolhas de modelos de desenvolvimento, de ocupação e uso do solo, compatíveis com a manutenção da quantidade e qualidade das águas e, conseqüentemente, com a conservação dos recursos pesqueiros. Corumbá, 25 de agosto de 2009 Equipe de Recursos Pesqueiros da Embrapa Pantanal 7