PROPOSTA ESPECÍFICA E DIFERENCIADA: MATERIAIS PEDAGÓGICOS E LÍNGUA MATERNA NA ESCOLA JUPORIJUP

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Transcrição:

PROPOSTA ESPECÍFICA E DIFERENCIADA: MATERIAIS PEDAGÓGICOS E LÍNGUA MATERNA NA ESCOLA JUPORIJUP OLIVEIRA, Reginaldo de 1 reginaldo_xx@hotmail.com FERREIRA, Waldinéia Antunes de Alcântara 2 Resumo O presente artigo relata parte da pesquisa de Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) de Pedagogia. A pesquisa foi realizada na aldeia Tatuí junto ao povo indígena Kayabi, no município de Juara, na Terra Indígena Apiaká Kayabi. Este artigo tem como objetivo abordar os significados da língua materna na escola, considerando a percepção dos/das professores/as. Na primeira parte do artigo destacamos a conquista pela educação específica e diferenciada, na segunda parte nos referimos às percepções de professores/as sobre a língua materna na escola e a compreensões da mesma por parte dos educadores na sua função social e cultural. Já na terceira parte, apresentamos materiais didáticos da língua materna e bilíngue existentes e que são trabalhados no contexto escolar. O instrumento técnico de pesquisa utilizado para esta construção foi a entrevista aberta e os sujeitos da pesquisa foram 03 professores da comunidade escolar que trabalham com a disciplina de língua materna da Escola Estadual Indígena de Educação Básica Juporijup. Os principais autores que fundamentaram esse artigo foram Gersem (2006) e RCMI (1998). Palavras-chaves: Educação Diferenciada, Língua Materna na Escola, Cultura. Introdução O presente artigo apresenta parte de uma discussão tecida durante a pesquisa que foi realizada na aldeia Tatuí, do povo indígena Kayabi no município de Juara/MT, Terra Indígena Apiaká Kayabi, com professores/as da Escola Estadual Indígena de Educação Básica Juporijup, intitulada: Língua Materna na escola: percepções de professores/as e estudantes indígenas. A referida pesquisa teve como objetivo principal discutir as percepções de professores/as da aldeia indígena Tatuí sobre a introdução da língua materna nos conteúdos 1 Licenciado em Pedagogia na UNEMAT Campus Universitário de Juara. 2 Professora Doutora do curso de Pedagogia da UNEMAT Campus Universitário de Juara/MT RCC, Juara/MT/Brasil, v. 2, n. 1, p. 63-70, jul./dez. 2017 63

ministrados na escola. Nasce da inquietação iniciada a partir de uma experiência que tivemos como professor nessa comunidade indígena. Observamos, no período desta vivência, que o espaço da educação escolarizada continha na estrutura do calendário escolar a instituição de uma área do conhecimento destinado à língua materna. Observamos ainda que, na oralidade, a língua materna é falada cotidianamente mais pelos anciões, porém há também os interpretadores da língua, aqueles que ouvem, entendem, mas não falam e há um terceiro grupo e neste se encontram os mais jovens, aqueles que não são falantes, pouco entendem a língua materna e participam em grande grau da língua portuguesa, então questionamos: Quais os significados da língua materna na escola para os professores indígenas? Os caminhos metodológicos da pesquisa apoiam-se em Minayo (1994), considerando significados, valores e atitudes que são empreendidos no caminhar deste trabalho, que tem como elemento fundamental a produção de memórias e de observações acerca dos processos de criação das aulas de língua materna. Portanto, a finalidade deste artigo é a produção de uma reflexão acerca do sentido, da importância da língua materna para o povo Kayabi. O instrumento técnico de pesquisa utilizado para esta construção foi a entrevista aberta com 03 professores da comunidade. Na primeira parte do artigo, apresentamos a conquista pela educação específica e diferenciada e, em seguida, o entendimento da língua materna, sua função social e cultural. Posteriormente, são apresentados os materiais da língua materna e bilíngue existentes e que são trabalhados no contexto escolar e, finalmente, as considerações finais. Contexto histórico: O Direito a uma educação específica Apresentamos, de modo geral, uma linha histórica dos povos indígenas, pontuando a forma com que foram tratados e os ideais do Estado em fazê-los perder o jeito peculiar de cada povo, ou seja, integrá-los, assimilá-los. Na sequência, são evidenciadas as conquistas desses povos, entre elas o direito a educação específica. O Brasil é um país multilíngue, pois se sabe que há neste território várias línguas e estas são existentes desde antes da chegada dos portugueses, ou seja, são as línguas originárias e/ou indígenas. Havia aproximadamente 1200 línguas na época do RCC, Juara/MT/Brasil, v. 2, n. 1, p. 63-70, jul./dez. 2017 64

descobrimento do Brasil em 1500 e atualmente elas se resumem em 180 línguas apenas (GASPAR, 2011), sendo que uma delas é a língua do povo Kayabi. Os primeiros marcos sobre os povos indígenas no país e no Estado de Mato Grosso foram destacados pela escravização destes pelos chamados colonizadores. No entanto, Ângelo (2009) relata que mesmo que havendo um esforço desse grupo de colonizadores que queriam a todo custo tomar posse dos indígenas, é histórico que houve lutas e resistências que resultou em mortes e dizimação de muitos povos. Os indígenas sofreram, historicamente, vários tipos de massacre e um deles é o massacre linguístico, em alguns casos ocorreu a morte da língua. No estado de Mato Grosso, como em todo o Brasil, houve uma ação dos colonizadores em fazer com que os indígenas aprendessem outra língua que não a deles. No estado de Mato Grosso, esse movimento foi feito principalmente com a ajuda do governador da capitania Antônio Rolim de Moura, que em 1751, trouxe os primeiros jesuítas para este estado. Os mesmos tinham a missão de civilizar e converter a religião, portanto o ensino da Companhia de Jesus era centrado na religião, na imposição cultural e na língua portuguesa com resultados do genocídio cultural (ÂNGELO, 2009). Conforme Troquez (2012), o Brasil desde o seu período colonial até os a década de 80 teve uma educação escolar para o povo indígena com intenção de integrá-los a sociedade nacional. Essa postura social desconsiderou a cultura, as diferenças étnicas, linguísticas dos povos indígenas. Diz ainda que: A partir da emergência do direito à educação diferenciada para indígenas no contexto mundial consubstanciado na ideia de inclusão da diferença na escola para todos e na garantia de direitos indígenas internacionais, especialmente, a partir do final dos anos 1970 aos anos 1980, houve intensa mobilização no campo indigenista brasileiro em favor da garantia de processos de escolarização diferenciada. As discussões travadas no movimento por/sobre escolas diferenciadas incluíam a reivindicação por currículos e materiais didáticos específicos e diferenciados, o que trazia para as escolas e seus professores novos desafios e muitas inquietações (TROQUEZ, 2012, p. 2). Essa conquista do direito à educação específica e inclusive de materiais próprios para cada povo indígena é legitima, sendo uma prerrogativa legal presente na Constituição Federal de 1988 como direito. RCC, Juara/MT/Brasil, v. 2, n. 1, p. 63-70, jul./dez. 2017 65

Conforme as orientações do RCNEI, a educação escolar indígena específica e diferenciada é um direito que deve estar assegurado por uma nova política pública a ser construída, atenta, frente ao patrimônio linguístico, cultural e intelectual dos povos indígenas, possibilitando a estes o direito do exercício da cidadania. Para que essa nova educação específica e diferenciada possa ser concretizada é preciso que haja a participação direta dos principais interessados, os povos indígenas através de suas comunidades educativas. Essa participação efetiva precisa acontecer em todos os momentos no processo pedagógico, não apenas num detalhe técnico e formal, mas na garantia de sua realização, nesse sentido, a comunidade tem o papel fundamental no desenvolvimento e definições dos objetivos dos conteúdos curriculares e no desenvolvimento das práticas metodológicas e dessa forma assumir de fato o papel necessário para efetividade de uma educação escolar espeífica e diferenciada. Percepções de professores/as compreensões da língua materna: função social e cultural Em diálogo com professores da Escola Indígena de Educação Básica Juporijup, estes afirmam que não possuem nenhuma formação escolar linguística no idioma materno. Todos os conhecimentos adquiridos e aplicados em sala de aula resultam de experiências vivenciadas na comunidade, com a participação dos anciões. Conforme as orientações do Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI, 1998), a participação da comunidade no processo pedagógico da escola, fundamentalmente na definição dos objetivos, dos conteúdos curriculares e no exercício das práticas metodológicas, assume papel necessário para a efetividade de uma educação específica e diferenciada. Essa forma geracional utilizada para passar aos mais jovens, a importância da cultura de seu povo é uma ação tradicional de diferentes povos do Brasil. Identifica-se que a língua resulta da convivência. No que se refere à escola, não há nenhum projeto específico que venha proporcionar aos professores uma formação na língua materna, para que não haja um maior afastamento dos alunos acerca do seu próprio idioma. Os professores utilizam recursos da própria etnia, ou seja, as histórias contadas pelos anciãos. Há um trabalho direcionado ao RCC, Juara/MT/Brasil, v. 2, n. 1, p. 63-70, jul./dez. 2017 66

próprio cotidiano, dentro desta metodologia tem-se uma maior compreensão por parte dos sujeitos envolvidos. Conforme Gersem (2006), a língua materna indígena é carregada de sentimentos e valores, repleto de características próprias de cada povo, é adequada à expressão comunicativa, de acordo com a realidade vivenciada por seus falantes através da oralidade e tem a função de transmitir e manter viva a cultura linguística de cada comunidade indígena, proporcionando a cada indivíduo a oportunidade de adquirir novos conceitos e hábitos acerca de sua própria língua, uma vez que falada dentro de suas comunidades possibilitará uma aprendizagem significativa a seus ouvintes. A língua materna, como qualquer outra língua é um instrumento de produção, reprodução e transmissão de conhecimentos próprios. Embora a língua não seja o principal elemento que identifica um povo indígena, ela é um fator importante de reprodução e produção dos conhecimentos tradicionais e de incorporação, de forma apropriada, dos novos conhecimentos do mundo externo ao grupo (GERSEM, 2006, p.120). Nesse sentido, podemos dizer que a língua simboliza parte fundamental no desenvolvimento de uma sociedade, pois possibilita a comunicação entre os sujeitos envolvidos, uma vez que falada ou escrita ela se torna um instrumento poderoso para liberdade e autoestima de um grupo, seja ela produzida individual ou coletiva. Com isso, ela se torna parte fundamental de uma sociedade e tem a missão de organizar as culturas dos povos e as diversidades humanas existentes no mundo, nas relações do homem entre si e perante a natureza. Materiais da língua materna e bilíngue existente e que são trabalhados no contexto escolar Acerca dos materiais pedagógicos existentes e utilizados nas aulas de língua materna na escola, os professores ressaltaram que existem alguns exemplares no idioma materno, entre eles a cartilha de alfabetização, livros contendo nomes de animais, plantas e artesanatos, que são trabalhados com os alunos. Disseram ainda que esses materiais não são suficientes para suprir a demanda e a necessidade da escola na formação de alunos no contexto materno, pois RCC, Juara/MT/Brasil, v. 2, n. 1, p. 63-70, jul./dez. 2017 67

para o fortalecimento de suas culturas entre ela a língua materna deveria ter mais materiais no idioma que possibilitassem melhor desenvolvimento da aprendizagem de seus alunos. Eles também questionaram a escassez de exemplares na escola sobre a língua materna, mas a escola, juntamente com seus profissionais, estão buscando meios para que possam desenvolver e aperfeiçoar materiais que possibilitem um aprendizado mais amplo sobre o idioma materno de seu povo, tanto na escola quanto na comunidade, assim fortalecendo cada vez mais o vínculo cultural e social da comunidade Tatuí. Conforme orientações do Referencial Curricular Nacional para a Educação Indígena - RCNEI (1998), a construção de materiais didáticos deve ser realizada a partir de pesquisas na comunidade, especialmente junto aos mais velhos, considerados detentores dos saberes e histórias tradicionais dos grupos e de experiências vividas em sala de aula, em diálogo com as disciplinas escolares. Os espaços privilegiados para a construção dos materiais específicos são os cursos específicos de formação de professores indígenas 3. Essa participação efetiva pode acontecer em todos os momentos no processo pedagógico, não apenas num detalhe técnico e formal, mas na garantia de sua realização. Nesse sentido, a comunidade tem um papel fundamental no desenvolvimento e definições dos objetivos dos conteúdos curriculares e no desenvolvimento das práticas metodológicas, dessa forma assumir de fato o papel necessário para efetividade de uma educação escolar específica e diferenciada. Para os profissionais da educação, o principal material utilizado na escola para a alfabetização de seus alunos acerca do idioma materno é a comunicação oral, que é constituída por relatos e memórias trazidas pelos anciãos, que são trabalhados pelos professores em sala de aula, na busca do fortalecimento cultural de seu povo. A memória oral como promotora de enraizamento possibilita a problematização sobre questões relativas às continuidades (consciência da historicidade) e transformações (novas possibilidades de ação). Articulando experiências múltiplas e diversificadas de tempo e espaço, buscou-se ir além das dicotomias entre indivíduo/sociedade e passado/presente 3 O programa PIBID diversidade da Universidade do Estado de Mato Grosso está com dois materiais no prelo, ou seja, aguardando publicação de mitos do povo Kayabi, em língua portuguesa e língua Materna, são eles: História da Peneira, de Dionisio Maraiup e saberes culturais das mulheres Kayabi/Kawayweté. Há também a produção de um livro intitulado Interculturalizando Talentos: Articulações entre linguagem, História Étnico Cultural e Educação Ambiental em escolas indígenas da Terra Indígena Apiaká Kayabi, em que um capítulo foi escrito em língua portuguesa e língua materna, pelo povo Kayabi. RCC, Juara/MT/Brasil, v. 2, n. 1, p. 63-70, jul./dez. 2017 68

(Santos, 2003), valorizando a leveza de reter o necessário para a geração do novo e a preservação da memória. É através da memória subjetiva e coletiva que os relatos orais criam uma espécie de cartografia mental, na qual o espaço, mais que o tempo, fornece os marcadores significativos e simbólicos da cultura local dos participantes. Considerações finais A pesquisa realizada com professores/as sobre a importância da língua materna na escola apresenta, de forma sucinta, o valor que ela significa para os povos indígenas, que, em suas falas, retratam a importância da valorização e manutenção da língua no ambiente escola. Uma forma de manter vivas as tradições e cultura de seu povo, uma vez que trabalhada no espaço escolar possibilitará aos mais jovens um aprendizado mais amplo, possibilitando um fortalecimento cultural e social das comunidades indígenas. Nesse sentido, a Escola Estadual Indígena de Educação Básica Jupurijup precisa de mais materiais específicos no idioma materno do seu povo para melhorar o desenvolvimento da aprendizagem de seus alunos. Para tanto, faz-se necessário que a comunidade, juntamente com a escola e seus profissionais trabalhem juntos na elaboração desses materiais. Portanto, para que haja realmente uma educação escolar indígena diferenciada, tem que partir dos próprios indígenas o anseio e o desejo para que isso realmente aconteça, a comunidade precisa participar de todo o processo pedagógico da escola e dessa forma caminhar juntos, projetando uma nova educação voltada de fato à interculturalidade de seu povo no processo de ensino aprendizagem da língua materna. Conforme as orientações do Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI) (1998), a participação da comunidade no trabalho desenvolvido no âmbito escolar tem como principal objetivo o fortalecimento de uma educação escolar diferenciada, que atenda de fato o anseio da comunidade onde se encontra inserida, assim definindo os conteúdos curriculares que farão parte do trabalho desenvolvido na escola, no aprendizado de seus alunos. RCC, Juara/MT/Brasil, v. 2, n. 1, p. 63-70, jul./dez. 2017 69

A interculturalidade é um processo de diálogo e intercâmbio entre as culturas, nesse sentido, é fundamental que se trabalhe isso com os alunos para que os mesmos possam de fato conhecer mais sobre sua cultura e também a sociedade que está inserida. Referências Bibliográficas ANGELO, Francisca Navantino Pinto de. Educação escolar e protagonismo indígena. SECCHI, Darci e MENDONÇA, Terezinha Furtado de (Orgs). Coletânea Educação Escolar Indígena. Cuiabá: EdUFMT, 2009. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Brasília, DF: MEC/SEF, 1998. GASPAR, Lúcia. Línguas Indígenas no Brasil Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em:<hpp: pesquisaescolar@fundaj.gov.br> Acesso em: 12 julho. 2014. GERSEM, do Santo Luciano Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006. MINAYO, Maria Cecilia de Souza. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Rio de Janeiro: Vozes, 1994. SANTOS, M S. Memória coletiva & Teoria Social. São Paulo: Annablume, 2003. TROQUEZ Marta Coelho Castro. XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 RCC, Juara/MT/Brasil, v. 2, n. 1, p. 63-70, jul./dez. 2017 70