COLONIALIDADE, GÊNERO E IMAGEM. Angela Donini Departamento de Filosofia - UNIRIO

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Transcrição:

COLONIALIDADE, GÊNERO E IMAGEM Angela Donini Departamento de Filosofia - UNIRIO

CONVITE PARA Concentrarmos esforços para a compreensão dos dispositivos de gênero e suas variações visíveis e invisíveis como eixos estruturantes da colonização e dos modos como a colonialidade se atualiza nos modos de agenciar a vida Considerarmos que há processos de resistência e de criação de outros repertórios imagéticos a partir dos conhecimentos e das experiências feministas latino-americanas e da diversidade de trajetórias brasileiras

PROPOSIÇÃO NOS APROPRIARMOS DA METODOLOGIA DA DESCOLONIALIDADE PARA LER O SOCIAL A PARTIR DE MULTIPLAS COSMOLOGIAS ao invés da leitura gendrada que subjazem e constituem a percepção, a motilidade, a incorporação e a relação (LUGONES, 2014)

PROPOSIÇÃO SUBSTITUIRMOS AS METÁFORAS QUE NOS LEVAM A ESTADOS EXTENUANTES, NOS REBAIXAM E NOS VIOLAM por outras que acreditemos consciente e inconscientemente e que venham desde nossa própria experiência e das experiências do nosso povo (ANZALDÚA, 2009)

PROPOSIÇÃO AFIRMARMOS EPISTEMOLOGIAS PAUTADAS EM NOSSAS TRAJETÓRIAS PARA CONFRONTAR O SISTEMÁTICO EPISTEMICÍDIO QUE SE FIRMA como fenômeno de rebaixamento da autoestima e opera pelo racismo e pela discriminação (CARNEIRO, 2005)

PROPOSIÇÃO PRODUZIRMOS OUTRAS IMAGENS, QUE SEJAM CONSTITUÍDAS PELOS DESEJOS, PELAS VIDAS, PELAS SINGULARIDADES, PELAS TRAJETÓRIAS das pessoas implicadas

GÊNERO E COLONIALIDADE inseparabilidade da racialização e da exploração capitalista como constitutiva do sistema de poder que se ancorou na colonização das Américas (QUIJANO, 2010) processo de redução ativa das pessoas, a desumanização que as torna aptas para a classificação - investida na transformacao da/do colonizado/da menores que seres humanos (LUGONES, 2014)

GÊNERO E COLONIALIDADE Na colonização das Américas e do Caribe, uma distinção dicotômica, hierárquica entre humano e não humano foi imposta sobre os/as colonizados/as a serviço do homem ocidental. Ela veio acompanhada por outras distinções hierárquicas dicotômicas, incluindo aquela entre homens e mulheres. Essa distinção tornou-se a marca do humano e a marca da civilização (LUGONES, 2014)

GÊNERO E COLONIALIDADE Tornar os/as colonizados/as em seres humanos não era uma meta colonial. A dificuldade de imaginar isso como meta pode ser vista nitidamente quando percebemos que a transformação dos/as colonizados/as em homens e mulheres teria sido uma transformação não em identidade, mas em natureza (LUGONES, 2014)

GÊNERO E COLONIALIDADE A confissão cristã, o pecado e a divisão maniqueísta entre o bem e o mal serviam para marcar a sexualidade feminina como maligna, uma vez que as mulheres colonizadas eram figuradas em relação a Satanás, às vezes como possuídas por Satanás. (LUGONES, 2014)

EXEMPLO CAÇA AS BRUXAS Caça as bruxas -- ao longo da historia tivemos uma constante ridicularização das figuras das bruxas, foram convertidas em personagem de folclore AO MESMO TEMPO EM QUE SE COLONIZA AMERICA TAMBEM SE PERSEGUE AS MULHERES (FEDERICI, 2013)

QUEM ERAM AS BRUXAS? 1- mulheres muito pobres/mulheres solteiras/mulheres velhas que pediam nas ruas Se observamos esse fenômeno vamos notar que ha uma nova mentalidade que se opõe a ética comunitária (as primeiras vitimas são mulheres mais velhas isso provoca uma ruptura com a tradição comunitária, e se constrói o mito da maldição pois elas não são ajudadas (FEDERICI, 2013)

QUEM ERAM AS BRUXAS? 2- Mulheres que eram parteiras Serão acusadas de constituir seitas infanticidas que se opunham a concepção Com o desenvolvimento do capitalismo começa uma nova agencia, um mecanismo de controle sobre os corpos das mulheres Ate então a riqueza era a terra, o trabalho humano e a fonte da riqueza no capitalismo (FEDERICI, 2013)

INSTAURAÇÃO DE UM NOVO REGIME DE PODER A lógica desse regime tem a ver com a quantidade de pessoas que se tem, quanto mais pessoas mais poder, portanto quem detém o poder sobre a decisão do nascimento terá seu corpo diretamente afetado Vamos ver que esse regime opera pela necessidade de controlar a reprodução: quem, quando e onde se pode reproduzir Poder do Estado sob os corpos em contraposição ao poder social das mulheres

INSTAURAÇÃO DE UM NOVO REGIME DE PODER Normatização dos espaços e dos corpos Criminalização das mulheres (parteiras/prostitutas/moradoras de rua) Patologização da homossexualidade Histerização do corpo feminino Pedagogia do sexo das crianças Psiquiatrização dos prazeres

GÊNERO E COLONIALIDADE A transformação civilizatória justificava a colonização da memória e, consequentemente, das noções de si das pessoas, da relação intersubjetiva, da sua relação com o mundo espiritual, com a terra, com o próprio tecido de sua concepção de realidade, identidade e organização social, ecológica e cosmológica. (LUGONES, 2014)

TECNOLOGIAS DE GENERO PROBLEMATIZARMOS OS PROCESSOS DE CRIAÇÃO E APRESENTAÇÃO DE IMAGENS como maquinas de representação somática, de onde texto, imagem e corporalidade fluem do interior dos circuitos sociais. Aqui, a partir da interpretação semiótica e politica de Teresa de Lauretis o gênero seria o efeito de um sistema de significação, de modos de produção e decodificação de signos visuais e textuais politicamente regulados (LAURETIS, 2008)

PORQUE DESCOLONIZAR? O sistema de poder global, capitalista, moderno colonial, em vigor até hoje, encontrou-se não com um mundo a ser estabelecido, um mundo de mentes vazias e animais em evolução Ao contrário, encontrou-se com seres culturais, política, econômica e religiosamente complexos (LUGONES, 2014)

entes em relações complexas com o cosmo, com outros entes, com a geração, com a terra, com os seres vivos, com o inorgânico, em produção; entes cuja expressividade erótica, estética e linguística, cujos saberes, noções de espaço, expectativas, práticas, instituições e formas de governo não eram para ser simplesmente substituídas, mas sim encontradas, entendidas e adentradas em entrecruzamentos, diálogos e negociações tensos, violentos e arriscados que nunca aconteceram.