A PRÓXIMA REVOLUÇÃO CONCEDER A CADA CRIANÇA A OPORTUNIDADE DE SOBREVIVER



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A PRÓXIMA REVOLUÇÃO CONCEDER A CADA CRIANÇA A OPORTUNIDADE DE SOBREVIVER

A PRÓXIMA REVOLUÇÃO CONCEDER A CADA CRIANÇA A OPORTUNIDADE DE SOBREVIVER

A Aliança Internacional Save the Children é a principal organização mundial de defesa dos direitos da criança. Tem membros em 29 países e programas operacionais em mais de 100. Lutamos em prol dos direitos da criança e conseguimos melhorias duradouras na vida das crianças de todo o mundo. Publicado em nome de Aliança Internacional Save the Children Save the Children UK 1 St John s Lane Londres EC1M 4AR UK Primeira Publicação 2009 International Save the Children Alliance 2009 Organização de Foro Caritativo nº 1076822 Esta publicação tem direitos de autor mas pode ser reproduzida através de qualquer método sem qualquer pagamento ou autorização prévia, para fins de ensino, mas não para venda. Para quaisquer outros fins, deve ser pedida autorização prévia por escrito e talvez mediante pagamento. Tradução: Mizé Anastácio Revisão: Filomena Oliveira Está relatório está também disponível em Árabe, Inglês, Francês e Castelhano. Capa: Menina de três anos de idade, vive com a sua família numa aldeia da Libéria. Não têm acesso a água potável ou a saneamento seguro, e embora a malária seja uma doença comum, não têm redes mosquiteiras com insecticida. (fotografia: Jane Hahn/Panos) Composição Tipográfica: Grasshopper Design Company

ÍNDICE Agradecimentos iv A História em Números vi Resumo Executivo viii 1 Introdução 1 2 Onde estão a morrer crianças 3 3 Como e porquê estão a morrer crianças 7 4 Sobrevivência da Criança resumo 16 5 Aprendendo com os casos de sucesso 19 6 Desmascarar os mitos 23 7 Plano de sete pontos e apelo para acção 26 Apêndice 1: Diferenças na sobrevivência da criança por quintil de riqueza 31 Apêndice 2: Reduções na mortalidade infantil por quintil de riqueza 33 Notas de fim de documento 35

AGRADECIMENTOS Este relatório foi elaborado por David Mepham, com contribuições de Kitty Arie, Fanwell Bokosi, Nouria Bricki, Margaret Crotty, Leslie Elder, Rica Garde, Michael Klosson, Adrian Lovett, Shireen Miller, Michael O Donnell, David Oot, Sue Rooks, Renu Singh, Anna Taylor, Anne Tinker, Simon Wright e Delphine Vallette. Estamos também agradecidos aos colegas da Save the Children Índia e da Save the Children UK localizados na Etiópia, Libéria, Serra Leoa e Nigéria. Um obrigado especial a Maria Pizzini pela sua ajuda na preparação e edição do relatório e a Tessa Wardlaw e Danzhen You da UNICEF pelo apoio que nos prestaram. Estamos gratos a Terry McKinley, Director do Centro para a Política e Investigação de Desenvolvimento (Centre for Development Policy and Research) e a Hannah Bargawi, Investigadora na Escola de Estudos Orientais e Africanos em Londres da Universidade de Londres, pela sua ajuda com algum dos trabalho de estatística. Muito obrigado a Frances Ellery pela edição do relatório e também à equipa de Comunicações da Save the Children UK e a Mizé Anastácio e Filomena Oliveira pela tradução do texto a partir do original em Inglês. iv

SOMOS GUIADOS PELA NOSSA CONSCIÊNCIA MAS TAMBÉM PELOS NOSSOS INTERESSES COMUNS, POIS CADA VEZ QUE EM ACCRA MORRE UMA CRIANÇA DE UMA DOENÇA EVITÁVEL ENFRAQUECEMOS EM TODO O MUNDO. Barack Obama, Presidente dos Estados Unidos da América, 11 Julho de 2009 1 A NOSSA PREOCUPAÇÃO A LONGO TERMO É COM O FUTURO DAS NOSSAS CRIANÇAS. ELAS PRECISAM DE SER SAUDÁVEIS, BEM INSTRUÍDAS, COM ESPERANÇA NO FUTURO VAMOS FAZER GUERRA CONTRA A DESNUTRIÇÃO INFANTIL, LUTAR CONTRA A MALÁRIA, A TUBERCULOSE, O VIH/SIDA E OUTRAS DOENÇAS Manmohan Singh, Primeiro-ministro da Índia, Agosto de 2006 2 A SOBREVIVÊNCIA DAS CRIANÇAS NA LIBÉRIA É UM PONTO FUNDAMENTAL NA NOSSA AGENDA PARA O DESENVOLVIMENTO, POIS MOLDA A FORMA COMO PROGREDIRMOS COMO NAÇÃO É NECESSÁRIO QUE EXISTA UM MOMENTO DE RENOVAÇÃO SOBRE A QUESTÃO DA SOBREVIVÊNCIA DA CRIANÇA E A LIBÉRIA ESTÁ À FRENTE DESTE APELO ESTRIDENTE. Ellen Johnson Sirleaf, Presidente da Libéria, 2008 3

A HISTÓRIA EM NÚMEROS 6 15 O número de países onde ocorrem mais de metade de todas as mortes infantis Índia, Nigéria, República Democrática do Congo, Etiópia, Paquistão e China a 57 A avaliação da Organização Mundial de Saúde do número de países com falta crucial de técnicos de saúde 36 dos quais são em África b 6 O número de vezes em que há menos probabilidade de uma criança de tenra idade morrer de pneumonia se for exclusivamente alimentada com leite materno durante os primeiros seis meses, em comparação a um bebé em que esse não é o caso d 28% A percentagem de mortes entre as crianças associada à falta de saneamento e de água potável e O número de países da União Africana que atribuem à saúde 15% do seu orçamento apesar de, em 2001, todos os 53 membros terem prometido que o fariam c a UNICEF (2008) A Situação Mundial das Crianças b Organização Mundial da Saúde (2006) Relatório sobre a Saúde Mundial 2006: Trabalhando em Conjunto em Prol da Saúde (World Health Report 2006:Working together for health) p xvii, http://www.who.int/whr/2006/en/ acedido a 3 de Agosto de 2009) c Organização Mundial da Saúde (2009) Estatísticas da Saúde Mundial (World Health Statistics) d R Black et al, Desnutrição Materno Infantil: revelações globais e regionais e as consequências a nível da saúde (Maternal and Child Undernutrition: Global and regional exposures and health consequences) Documento 1, Lancet, Desnutrição Materno-Infantil, Lancet 2008, p 5 e Water Aid (2009) Negligência Fatal: Como os Sistemas de Saúde Estão a Falhar na Procura de Soluções para a Mortalidade Infantil (Fatal Neglect: How health systems are failing to comprehensively address child mortality) vi

22 O século em que seguindo os padrões actuais se vão concretizar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio sobre a água potável f 200.000 400.000 Os possíveis números adicionais de crianças que morrerão todos os anos até 2015 devido à crise financeira global, segundo o Banco Mundial g $36 45 mil milhões As verbas totais adicionais necessárias até 2015 para cumprir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio sobre a mortalidade materno-infantil h menos de metade do que os consumidores gastam globalmente em água engarrafada por ano i 8.8 milhões O número de crianças que morreram em 2008 antes de atingirem os cinco anos de vida j f Water Aid (2009) ver anotação acima g Banco Mundial: Remando contra a maré: Como os países em desenvolvimento estão a lidar com a crise global (Swimming against the tide: How developing countries are coping with the global crisis) h Equipa Especial de Alto Nível sobre Financiamento Internacional Inovador para Sistemas de Saúde (2009) Grupo de Trabalho (2009) 2: Restrições e Custos do Alargamento, versão não publicada: página 10 i E Arnold e J Larsen (2006) Água Engarrafada: Deitando os Recursos pelos Canos Abaixo (Bottled Water: Pouring resources down the drain) Actualizações de Eco-Ecomonia, Instituo de Politicas da Terra (Earth Policy Institute) Segundo este relatório gastam-se por ano US$100 mil milhões em água engarrafada http://www.earth-policy.org/updates/2006/update51.htm acedido a 21 de Agosto de 2009 j Vide D You, T Wardlow, P Salama e G Jones, Níveis e tendências na mortalidade dos menores de 5 anos, 1990 2008 ( Levels and trends in under-5 mortality, 1990 2008 ) The Lancet, publicado online a 10 de Setembro de 2009, D01:10.1016/S0140-6736(09)61601-9 vii

RESUMO EXECUTIVO Cerca de 9 milhões de crianças morrem antes do seu quinto aniversário * quase uma criança a cada trinta segundos. Pouco menos de 4 milhões destas crianças morrem durante o seu primeiro mês de vida, ao qual chamamos período de recém-nascido. Quase três milhões de bebés morrem na primeira semana de vida, incluindo cerca de 2 milhões que morrem no seu primeiro dia de vida. Quase todas 97% estas crianças morrem em países com baixo ou médio rendimentos e de forma desproporcionada dentro das comunidades mais pobres e marginalizadas desses países. 4 No Afeganistão, uma criança em cada cinco morre antes do seu quinto aniversário; 5 na África subsaariana as estatísticas apontam para uma em cada sete. 6 Há trinta anos, Jim Grant, na altura o presidente da UNICEF, encabeçou uma acção global para salvar a vida a milhões de crianças. Defrontado com o facto de que muitas crianças estavam a morrer de causas que podiam ser facilmente evitáveis, deu início a uma campanha para promover sensibilização e apoio monetário e político para a mudança. Os seus esforços e os de muitos outros tornaram-se conhecidos por revolução para a sobrevivência e desenvolvimento da criança. Agora, ao entrarmos na segunda década do novo século, podemos calcular o sucesso dessa revolução. Milhões de crianças sobreviveram, crianças essas que não teriam sobrevivido se não por esses esforços extraordinários. Muitas frequentaram escolas e cresceram de uma forma saudável e prontos para darem a sua própria contribuição às comunidades. São médicos, professores, enfermeiros, homens e mulheres de negócio que estão a mudar o mundo que os rodeia tudo porque houve uma geração que se preocupou e preocupou-se o suficiente para agir. Cada criança independentemente de onde e de quem nasceu tem o mesmo direito e merece a mesma oportunidade de sobreviver. Cada um de nós tem a responsabilidade de agir. Chegou a altura para uma segunda revolução para a sobrevivência da criança e do recém-nascido. Há um consenso geral sobre as acções necessárias para diminuir o nível da mortalidade infantil e neo-natal. O escândalo é que os governos e outras entidades com influência falharam até agora em proporcionar a liderança, recursos e sentido de urgência necessários para que tal aconteça. No ano 2000, os líderes mundiais comprometeram-se com o Objectivo de Desenvolvimento do Milénio 4 (ODM), que pedia a redução da mortalidade dos menores de cinco anos em dois terços, entre 1990 e 2015. Este relatório é publicado de forma a coincidir com o lançamento da nossa campanha global para a * Vide D You, T Wardlow, P Salama e G Jones, Níveis e tendências na mortalidade dos menores de 5 anos, 1990 2008 ( Levels and trends in under-5 mortality, 1990 2008 ) The Lancet, publicado online a 10 de Setembro de 2009, D01:10.1016/S0140-6736(09)61601-9 viii

RESUMO EXECUTIVO sobrevivência da criança e do recém-nascido. O nosso objectivo para esta campanha é obter uma diminuição significativa nas mortes evitáveis das crianças. Enquanto que as crianças são o nosso ponto central de atenção, a saúde, o estatuto de nutrição e o bem-estar em geral da criança estão intrinsecamente ligados ao bem-estar da sua mãe. Por conseguinte, a campanha inclui esforços no sentido de se abordar a saúde e o bem estar das mães e acelerar os progressos em direcção ao ODM 5 a diminuição em três quartos da mortalidade materna até 2015. As elevadas taxas de mortalidade infantil podem ser explicadas em três níveis. 1. Existe uma pequena quantidade de doenças que são a causa directa de mais de 90% das mortes nas crianças com menos de cinco anos. São a pneumonia, o sarampo, a diarreia, o VIH/SIDA e doenças neo-natais que ocorrem durante a gravidez ou imediatamente após o nascimento. Estas últimas são particularmente significativas no que diz respeito à morte dos recém-nascidos. As infecções graves, a asfixia e os nascimentos prematuros são responsáveis por 86% das mortes dos recém-nascidos. 7 Em quase todos os casos, as doenças que são a causa directa da mortalidade infantil são evitáveis e tratadas através de uma intervenção comprovada. Mas estas intervenções continuam indisponíveis ou inacessíveis a muitas das crianças mais pobres do mundo. 2. Existe uma série de factores intermédios que fazem com que algumas crianças sejam mais facilmente vítimas destas doenças e que limitam as suas possibilidades de recuperação. Estes factores incluem: a falta de cuidados de saúde essenciais ou a incapacidade de muitas mães e crianças de terem acesso aos mesmos; os elevados níveis de desnutrição materno-infantil e más práticas de amamentação; a falta de acesso a água potável e a saneamento; o analfabetismo materno e o acesso limitado a métodos anticoncepcionais. 3. A morte das crianças não é causada por razões aleatórias para além do nosso controlo. São, em grande parte, o resultado das opções políticas dos governos. São também influenciadas por factores culturais, económicos, ambientais, políticos e sociais, que os governos, as instituições internacionais, o sector privado e a sociedade civil podiam ajudar a formar. Estas são as causas subjacentes da mortalidade infantil e neo-natal. Destes factores, a pobreza, a desigualdade e a discriminação são particularmente importantes. As mulheres e as raparigas são vítimas de uma discriminação penetrante em muitos países os seus direitos e oportunidades são-lhes negados. Esta é a razão pela qual é absolutamente essencial um compromisso pela justiça e igualdade diminuir a disparidade, concretizar direitos e empoderar as mulheres mais pobres e marginalizadas para a redução das taxas de mortalidade infantil. A má governação, os conflitos violentos e os padrões de enfraquecimento nas condições ambientais, tais como alterações climáticas, são factores subjacentes adicionais que têm um impacto nas probabilidades de sobrevivência das crianças. Oito em cada dez países com as piores taxas a nível da mortalidade infantil experimentaram recentemente conflitos, violência e instabilidade política, 8 e as alterações climáticas estão já a aumentar a frequência de catástrofes que matam as crianças pobres. 9 A oportunidade de sobrevivência das crianças é também influenciada pelas condições económicas a nível global. O Banco Mundial calcula que podem existir 200.000 a 400.000 mais mortes de crianças, por ano, entre 2009 e 2015 como resultado da crise financeira e económica. 10 Novas pandemias globais a nível da saúde, como o vírus H1N1 (gripe A), podem alastrar-se mais rapidamente e mais longe, ou sofrerem mutações e tornarem-se ainda mais violentas, sufocando sistemas de saúde que já são frágeis e aumentando assim as taxas de mortalidade infantil e do recém-nascido. ix

A PRÓXIMA REVOLUÇÃO ENTÃO, O QUE PODEMOS FAZER? A Save the Children acredita que devia existir uma verdadeira iniciativa para alargar a abrangência das intervenções provadas que reduzem a mortalidade materno-infantil e do recém-nascido. Estas incluem: pessoal habilitado para dar apoio às mães durante o parto; cuidados pós-natais; tratamento de prevenção e cura para a pneumonia, a diarreia e a malária; apoio para a nutrição, inclusive a amamentação, os complementos alimentares, a transferência de dinheiro e programas de protecção social mais alargados. Estas intervenções devem ser realizadas através de sistemas mais fortalecidos, para que as famílias mais pobres e marginalizadas possam receber os cuidados de saúde, a nutrição e outros serviços necessários. Estas acções deviam ser combinadas com políticas que resolvam as causas subjacentes da mortalidade infantil. As políticas para diminuir as taxas de mortalidade infantil e do recém-nascido devem ser flexíveis, pois terão de ser aplicadas em estados frágeis e afectados pelo conflito, assim como durante situações de emergências crónicas e situações de catástrofes inesperadas. Dadas as dificuldades económicas e ambientais que o mundo enfrenta, é fácil sermos pessimistas em relação às perspectivas de alcançarmos o ODM 4. No entanto, sabemos que é possível uma diminuição verdadeiramente dramática na quantidade de mortes infantis. Como? Porque todos os países conseguiram já uma redução substancial nos níveis da mortalidade infantil ao longo do século XX. Em 1900, a taxa de mortalidade infantil no RU era de 140 em cada 1000 partos, 11 e nos EUA,100. 12 Estes níveis são piores do que os da Libéria hoje em dia (93 per 1000). 13 Ainda mais importante, sabemo-lo porque muitos dos países com baixos ou médios rendimentos reduziram, durante as últimas décadas, as taxas de mortalidade de forma significativa, e muitos conseguiram-no mais rapidamente do que as economias desenvolvidas de hoje conseguiram no século passado. 14 Embora precisemos de mais progressos, desde 1990 que mais de 60 países reduziram em 50% as suas taxas de mortalidade infantil. 15 Não é necessário um grande avanço tecnológico para resolver este problema. No entanto é necessário: Dar prioridade nas agendas nacionais e internacionais à questão da nutrição das mães e das crianças, criar um maior nível de sensibilização e compreensão relativamente à forma como a morte e as doenças continuam tão espalhadas em muitos países pobres e direccionar um sentimento de ira e indignação resultante em acção decisiva Expor os falsos pressupostos que ainda obscurecem o debate sobre a mortalidade infantil nos países pobres, criando pretextos para a falta de acção e cinismo Defender o que algumas comunidades e países alcançaram, as respostas e intervenções a nível político que provaram dar resultado e demonstrar como este sucesso pode ser replicado noutros locais Acentuar o facto que o mundo perde com os elevados níveis de mortalidade infantil e que todos ganhamos quando se salvam as vidas das crianças. Ligar o radar Ao contrário de outras doenças como o VIH e SIDA, ou de novas questões como as alterações climáticas, a mortalidade infantil e dos recémnascidos nos países pobres não recebe uma atenção significativa a nível político e do público. Os nossos esforços, e o de outras organizações semelhantes precisam de formas inovadoras de se ligarem ao público para que esta questão se torne mais real e importante para este e, assim, comecem a responsabilizar os políticos para agirem. A campanha da Save the Children está elaborada precisamente com este objectivo em mente. Desmascarar os mitos Muitas pessoas são cépticas em relação à possibilidade de se fazer algo relativamente à mortalidade infantil. Algumas pensam que é demasiado caro; outras que reduzir a mortalidade infantil conduziria a um crescimento populacional demasiado rápido num planeta que já se encontra x

RESUMO EXECUTIVO sobrepovoado. Muitos crêem que as tentativas para se melhorar a saúde e a nutrição das crianças levam inevitavelmente à corrupção e desgovernação nos países mais pobres e que há poucos benefícios em manter as crianças vivas se o futuro que as espera é o de uma pobreza desesperada. 16 Estes argumentos são falsos, muitos países pobres reduziram já as suas taxas de mortalidade. Os custos de se alcançar o ODM 4 são reduzidos, em termos globais. As diminuições na taxa de mortalidade infantil estão correlacionadas com a diminuição nos níveis de fertilidade e servem para abrandar e estabilizar o crescimento populacional. Embora a corrupção e a má governação sejam tópicos importantes, não demonstraram ser uma barreira intransponível para a redução dos índices de mortalidade infantil em muitos países. Manter as crianças vivas não é o final da história deve existir um complemento em forma de políticas que permitam que cresçam saudáveis, bem instruídas, devidamente nutridas e em segurança factores que se reforçam mutuamente. Aprendendo com os casos de sucesso Vários países, incluindo o Bangladesh, o Brasil, o Egipto, a Indonésia, a China, o México, o Nepal e as Filipinas, estão no caminho certo para concretizarem o ODM 4, 17 e existem lições concretas a aprender a partir destas experiências. Alguns destes países conseguiram reduzir a mortalidade, apesar de problemas a nível de governos indecisos ou corruptos e num contexto de profunda pobreza. Partilhando os benefícios Todos ficamos reduzidos económica e moralmente quando morrem crianças. A influente Comissão sobre Macroeconómicas e Saúde calcula que o impacto global das mortes das mães e crianças seja de uma perda de produtividade de US$15 mil milhões por ano. 18 Calcula também que 30 a 50% do crescimento económico na Ásia, entre 1965 e 1990, é atribuído a melhorias a nível demográfico e da saúde, incluindo a redução na mortalidade infantil e melhor acesso aos serviços de saúde reprodutiva bem como à redução nas taxas de fertilidade. 19 Investigação mais recente demonstra que as melhorias ao nível do desenvolvimento humano estão correlacionadas com níveis mais elevados de crescimento económico, com uma redução de cinco pontos percentuais nas taxas de mortalidade infantil associada a um aumento de um ponto percentual no crescimento económico na década seguinte. 20 Numa altura em que os governos procuram reanimar as suas economias, existem motivos sólidos para se investir nos primeiros anos da vida das crianças. Apelo para acção O prazo meta para se concretizarem os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, incluindo os ODM 4 e 5, é 2015. Tendo em conta os padrões actuais, estas metas não serão cumpridas. O próximo ano, 2010, é portanto absolutamente crucial para que o mundo esteja no caminho certo para cumprir as promessas feitas às crianças mais pobres do mundo e às suas mães. Este relatório sugere como isto pode ser feito e a razão porque tem que ser feito. A Save the Children, trabalhando de perto em colaboração com outras organizações e utilizando novas provas e novos argumentos, está determinada a pôr um fim à grande injustiça que são os elevados níveis da mortalidade materno-infantil e a defender respostas políticas e programas que visam ajudar o mundo a concretizar os ODM 4 e 5. Precisamos de uma nova revolução para a sobrevivência da criança que complete o trabalho iniciado por Jim Grant e pela UNICEF nos anos 80, e que ajude a conseguir reduções drásticas na mortalidade infantil. O nosso objectivo é que os governos nacionais e os doadores assumam maior responsabilidade no seu desempenho a nível da redução da mortalidade materno-infantil, especialmente entre as crianças mais pobres. Para que isto aconteça são necessárias organizações da sociedade civil que sejam mais fortes a nível internacional, nacional e local e que estejam concentradas nesta questão, pressionado e persuadindo os governos e outras entidades a tomarem as medidas necessárias. xi

A PRÓXIMA REVOLUÇÃO RECOMENDAÇÕES Fazer da sobrevivência materna, infantil e do recém-nascido a fita métrica com que se mede o sucesso Os níveis de mortalidade entre as comunidades mais pobres são um indicador muito mais real dos progressos a nível do desenvolvimento (ou da não existência dos mesmos) que os rendimentos per capita. Os países deviam ser incentivados a medir e a informar quais os progressos a nível da mortalidade infantil e do recém-nascido, especificados por quintil de riqueza e grupo social, e os governos nacionais e doadores deveriam ser responsabilizados perante a sociedade civil pela concretização de melhor resultados. Estamos também a fazer uma série de apelos aos doadores, países em desenvolvimento, organizações internacionais e outros para políticas concretas um plano de 7 pontos que ajudem a salvar a vida das crianças e suas mães. O plano de sete pontos da Save the Children 1. Implementar planos nacionais credíveis. Os países em desenvolvimento precisam de implementar planos nacionais para a redução da mortalidade materna, infantil e do recémnascido. Alguns destes planos existem em papel mas não estão a ser implementados com eficácia. Em outros casos estes planos precisam de ser desenvolvidos ou bastante fortalecidos. Os planos nacionais devem ser sujeitos a uma análise de custo e definir de uma forma clara quais os marcos de medição dos progressos. Os planos devem centrar-se em alcançar uma cobertura universal de intervenções comprovadas que reduzam a mortalidade assim como no fortalecimento de sistemas e mecanismos de cumprimento. Os doadores e as instituições internacionais devem ajudar os países a desenvolver e implementar estes planos, e devem prometer que nenhum país, que tenha um plano credível e um compromisso para com a implementação do mesmo, falhe devido à falta de recursos. Os doadores devem acelerar a entrega de recursos a estes países. 2. Concentração nos recém-nascidos. São necessárias intervenções que acentuem a saúde, a nutrição e o bem-estar das mulheres e que apoiem as mães e os bebés durante e imediatamente após o parto (o período em que a mãe e o recém-nascido se encontram mais vulneráveis). O apoio é prestado de uma forma mais eficaz através de cuidados contínuos ao longo do ciclo de vida, desde a idade reprodutiva até ao nascimento e primeiros anos de vida das crianças, assim como desde cuidados domiciliários até cuidados hospitalares e em outras instalações de saúde. 3. Dar prioridade à igualdade. Deve incluir metas para a diminuição das diferenças na disponibilização de cuidados de saúde maternoinfantil e do recém-nascido, nas intervenções de nutrição, assim como nas taxas de mortalidade entre os ricos e os pobres. Para tal será necessário a eliminação de barreiras aos cuidados, tanto financeiras como não financeiras (como consultas pagas ou outro tipo de pagamento informal) e procurar soluções para as causas subjacentes dos elevados níveis de mortalidade, tais como a desigualdade, a discriminação e a violação dos direitos. 4. Mobilizar recursos adicionais. Calcula-se que, para se cumprirem as metas acordadas relativas à mortalidade materno-infantil nos países mais pobres do mundo, os doadores, governos nacionais e outros, têm que disponibilizar mais do que o dobro do que disponibilizam actualmente em intervenções a nível da saúde e outras, passando de cerca de US$31 mil milhões em 2008 para US$67 76 mil milhões em 2015. Este valor adicional tem que ser proveniente de várias fontes. Dada a escala da necessidade e da urgência de um aumento rápido a nível de recursos, recomendamos que pelo menos metade dos US$36-45 mil milhões adicionais venha de doadores, e que estes xii

RESUMO EXECUTIVO recursos sejam utilizados em actividades que diminuam a mortalidade materno-infantil e do recém-nascido. 5. Dar formação e colocar mais profissionais de saúde. Parte do investimento adicional necessário para se cumprirem os ODM 4 e 5 deve ser atribuído ao recrutamento, formação, equipamento e colocação de mais trabalhadores da saúde. Devem definir-se metas para se aumentar o número de trabalhadores da saúde devidamente formados e equipados em cada país, particularmente para se satisfazerem as necessidades das comunidades mais pobres e marginalizadas. 6. Enfrentar a desnutrição. A nutrição deveria ser uma questão muito mais prioritária e devia prestar-se apoio para intervenções comprovadas, como os suplementos de micro nutrientes, amamentação materna exclusiva, alimentação complementar e fortificantes alimentares, assim como a transferência de dinheiro e programas de protecção social. Os países em desenvolvimento e os doadores deviam prestar informações sobre o seu desempenho em relação aos indicadores de nutrição acordados internacionalmente (parte do ODM 1), o que não acontece actualmente com muitos. 7. Aumentar a preocupação para com as crianças durante as situações de emergência. Nos casos em que os países em desenvolvimento não têm capacidade para lidar com as situações de emergência, os doadores e outros deviam prestar assistência às crianças e suas famílias, durante as situações de emergência e de conflito. Deviam ajudar os países pobres a diminuir os riscos e os custos do conflito e das catástrofes através do desenvolvimento de sistemas mais resistentes e de programas de redução de risco de catástrofe. xiii

1 INTRODUÇÃO Os governos fizeram muitas promessas às pessoas mais pobres do mundo, em forma de acordos de direitos humanos e declarações políticas. A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (UNCRC) contém compromissos claros para salvaguardar a vida dos recém-nascidos e das crianças assim como o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, e o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Por exemplo, o Artigo 6 da UNCRC faz referência ao direito inerente das crianças à vida, sobrevivência e desenvolvimento, enquanto que o Artigo 24 apela aos governos para: tomarem as medidas adequadas para reduzirem a mortalidade entre as crianças de tenra idade e a mortalidade infantil e assegurar a assistência médica e os cuidados de saúde necessários a todas as crianças No entanto, os governos estão a falhar nas suas obrigações legais para com as crianças. Mais recentemente, na Cimeira das Nações Unidas para o Milénio, os líderes mundiais comprometeram-se com oito metas para a redução da pobreza e para o desenvolvimento. Uma delas, o Objectivo para o Desenvolvimento do Milénio (ODM) 4, consiste na promessa de se reduzir as taxas de mortalidade das crianças com menos de 5 anos em dois terços, entre 1990 e 2015. Houve alguns progressos. Em 2006, pela primeira vez desde que se começaram a manter registos, o número de menores de 5 anos que morreram situou-se abaixo dos 10 milhões. Neste momento situa-se em 8.8 milhões. 21 Em 1960 calcula-se que tenham morrido cerca de 20 milhões de crianças com menos de 5 anos. No entanto, os progressos a nível mundial continuam a ser incrivelmente lentos e desnivelados. Existe ainda menos progresso no que diz respeito ao ODM 5 (reduzir em três quartos até 2015 a mortalidade materna). O compromisso assumido para se reduzir a quantidade de crianças com menos de 5 anos que passam fome e que não têm o peso suficiente parte do ODM1 também não tem sido devidamente cumprido. Os progressos alcançados têm sido particularmente pobres no que diz respeito às mortes dos recémnascidos (durante o primeiro mês de vida). Estas representam neste momento 40% das mortes das crianças com idade inferior a 5 anos que ocorrem todos os anos. Em África não houve praticamente quaisquer progressos no que diz respeito à redução da mortalidade dos recém-nascidos, enquanto que no Sul da Ásia os progressos têm sido limitados (com a excepção do Bangladesh e do Nepal). 22 É também importante que recordemos que todos os anos morrem 3.2 milhões de bebés durante o parto ou nas últimas 12 semanas do período de gestação, 23 e que, por cada recém-nascido que morre, há 20 outros que sofrem de doenças ou deficiências adquiridas durante o parto, quer devido a infecções quer a complicações durante partos prematuros. 24 Apesar de tudo isto, não existe um acordo a nível internacional sobre o que é necessário fazer para se solucionar o problema da mortalidade materno-infantil e do recém-nascido. A Contagem Decrescente para 2015 * avaliou a abrangência de * Contagem Decrescente para 2015 é uma iniciativa das principais organizações internacionais incluindo a UNICEF, a OMS, o Fundo Populacional das Nações Unidas (UNFPA), o Banco Mundial, a Fundação Gates, a Save the Children e outras para reduzir a mortalidade materno infantil e dos recém-nascidos. 1

A PRÓXIMA REVOLUÇÃO 25 intervenções em 68 dos países que representam a quase totalidade da mortalidade materno-infantil e do recém-nascido. A implementação destas intervenções de prevenção e cura reduziria em dois terços a mortalidade infantil nestes países. 25 O objectivo deste relatório é estimular um empenho político e do público muito maior, assim como acções decisivas por parte dos governos e de outras entidades, no sentido de ajudar a implementar as intervenções a que aqui nos referimos não apenas para algumas crianças e suas mães, mas para todas as crianças; não apenas a curto prazo, mas através de sistemas e de estruturas sustentáveis. Os capítulos 2 e 3 apontam para os países e comunidades onde estão a morrer largos números de bebés e de crianças, e explica o porquê desta tragédia continuar a acontecer. O capítulo 4 apresenta uma visão geral da história da sobrevivência da criança até aos dias de hoje. O que aconteceu na primeira revolução para a sobrevivência da criança nos anos 80 e 90? Porque motivo se perdeu o entusiasmo? Que lições podemos aprender? O que é preciso fazer de modo diferente na próxima revolução para a sobrevivência da criança? O capítulo 5 realça alguns exemplos de sucesso os países que estão no bom caminho para cumprirem o ODM 4 ou que estão a fazer esforços reais para diminuir a mortalidade infantil. O capítulo 6 desafia os conceitos errados sobre a sobrevivência da criança. O capítulo 7 é o nosso apelo para a acção as reacções políticas que acreditamos serem necessárias e a razão porque são tão urgentes. 2

2 ONDE ESTÃO A MORRER CRIANÇAS 97% de todas as mortes de crianças ocorrem em sessenta e oito países de baixo e médio rendimento. Metade destas mortes 4.7 milhões ocorrem em África, e cerca de 3.8 milhões de recém-nascidos e crianças morrem na Ásia. 26 Os últimos dados disponíveis demonstram que a taxa de mortalidade infantil (mortes de crianças por cada 1000 nascimento) são de 148 em 1000 na África subsaariana e 78 por 1000 no Sul da Ásia, até 25 vezes as taxas dos países industrializados (6 mortes por cada 1000 nascimentos). 27 LUTANDO CONTRA A DESIGUALDADE NA ÍNDIA Na Índia morrem quase 2 milhões de crianças todos os anos mais do que em qualquer outro país. Os seus registos da mortalidade infantil e dos recém-nascidos (72 em cada 1000 nascimentos) é pior do que os dos países vizinhos, o Bangladesh (61 em cada 1000) e Sri Lanka (21 em cada 1000). 28 Representa um quinto de todas as mortes de recém-nascidos. Neste país encontra-se também um terço das crianças desnutridas do mundo. Estas cifras persistem, apesar de quase uma década de crescimento económico que não se traduziu em melhorias nos cuidados de saúde ou nos níveis de nutrição da maioria das crianças. Contudo, existem diferenças imensas entre os estados, entre os diferentes grupos económicos, grupos tribais e castas. Por exemplo, enquanto que em Kerala a taxa de mortalidade dos menores de cinco anos é de 16/1000 e em Goa 20/1000, em Uttar Pradesh é de 96/1000, em Madhya Pradesh 94/1000, e em Rajasthan 85/1000. Em todo o país, a mortalidade dos menores de cinco anos por quintil de riqueza mais baixo é de 92/1000 comparado a 33/1000 no quintil de maior riqueza. 29 Para muitos pais e crianças pobres procurar cuidados médicos é um luxo e os serviços de saúde estão frequentemente demasiado longe. As regras patriarcais, que colocam restrições severas à mobilidade das mulheres, impedem que estas possam buscar auxílio médico. Para se concretizar o ODM 4, a Índia terá que confrontar a pobreza, a desigualdade, a exclusão e a discriminação e adoptar medidas decisivas que fortaleçam os direitos da mulher. O governo federal está já a tomar alguns passos importantes. A sua ambígua Missão Nacional para a Saúde Rural tem o objectivo de reduzir a mortalidade infantil para 30 por cada 1000 nascimentos até 2012. Aumentou os recursos atribuídos ao governo nacional para fins de saúde. Os Serviços Integrados para o Desenvolvimento da Criança o programa nacional de suplementos nutricionais para crianças com menos de cinco anos foi reestruturado para dar maior prioridade às crianças até os três anos de idade O verdadeiro repto será garantir que os compromissos a alto nível são convertidos em melhores resultados para as crianças mais pobres e marginalizadas e suas mães. 3

A PRÓXIMA REVOLUÇÃO FORTALECENDO A CAPACIDADE E A RESPONSABILIDADE NA NIGÉRIA Todos os anos, mais de um milhão de crianças morrem na Nigéria antes de atingirem o seu quinto aniversário. 30 O país tem o maior número de mortes de recém-nascidos em toda a África e o segundo a nível mundial. Quase um terço de todas as crianças tem pouco peso para a sua idade e 43% são raquíticas devido à desnutrição crónica. 31 A situação nos estados do norte é muito pior que a dos estados do sul do país. As taxas de mortalidade para os menores de cinco anos são quase o dobro, o dobro de crianças sofre de raquitismo e os níveis de vacinação são uma fracção dos níveis do sul. 32 Enquanto que 44.6% das crianças no sudeste e 32.5% no sudoeste são vacinadas, no nordeste apenas 6% e no nordeste apenas 3.7%. recebem as vacinas. 33 Em 2006, uma revisão da igualdade na saúde infantil em 16 países africanos realçaram a Nigéria como sendo o país com a maior disparidade entre pobres e ricos. A taxa de mortalidade de recém-nascidos entre o quintil mais ricos era de 23 por 1000 nascimentos comparada com 50 no quintil mais pobre. Se a taxa de mortalidade dos recém-nascidos fosse de 23 por 1000 nascimentos para toda a população, morreriam menos 133.000 bebés todos os anos. 34 A maioria das mortes infantis na Nigéria poderia ser evitada. Apenas 1% das crianças dormem debaixo de uma rede mosquiteira, o que as deixa vulneráveis à malária, que é responsável por quase um quarto das mortes das crianças com idade inferior a 5 anos no país. Apenas 28% das crianças doentes com diarreia recebem uma terapia oral de hidratação adequada e apenas 33% daquelas com suspeitas de pneumonia são transportadas a um prestador de cuidados de saúde adequados. Menos de um quinto das crianças são exclusivamente amamentadas ao peito. 35 O repto é melhorar as provisões de cuidados de saúde acessíveis, nutrição e serviços relacionados para que as crianças mais pobres e marginalizadas possam receber a ajuda necessária. O governo federal tem uma estratégia para a saúde materno-infantil, mas é essencial que este e os governos provinciais se responsabilizem mais pelo seu desempenho no salvamento da vida das crianças. A sociedade civil tem um papel crucial em ajudar a obter estes resultados. Um pequeno número de países de grande densidade populacional representa o maior valor absoluto de número de mortes de recém-nascidos e de crianças. Ligeiramente acima de metade 51% de todas as mortes de menores de cinco anos de idade têm lugar em seis países na Índia, na Nigéria, na República Democrática do Congo (RDC), no Paquistão, na China e na Etiópia (ver Tabela 1). 36 Os países com a pior taxa de mortalidade infantil (o número de mortes por 1000 nascimentos) têm tendência a ser muito pobres e a terem passado por situações de guerra ou de conflitos violentos, como é o caso do Afeganistão, de Angola, do Chade, da RDC, da Libéria e da Serra Leoa. As mortes dos recém-nascidos (durante o primeiro mês de vida) estão concentradas de forma semelhante, com quase todas 98% a ter lugar nos países em desenvolvimento. 37 Um relatório de 2005 publicado por Lancet calculou que mais de dois terços de todas as mortes dos recém-nascidos (2.7 milhões em cada 4 milhões todos os anos) ocorrem em apenas dez países. Quatro dos países com maior densidade populacional Índia, 4

2 ONDE ESTÃO A MORRER AS CRIANÇAS Tabela 1: Países com o maior valor absoluto do número de mortes infantis (2007) País População total Nº anual de partos Nº actual mortes Taxa de (milhares) (milhares) de menores de mortalidade de 2007 5 anos (milhares) menores de 5 anos 2007 (mortes em cada 1000 nascimentos) Índia 1.169.018 27119 1953 72 Nigéria 148.093 5959 1126 189 RDC 62636 3118 502 161 Paquistão 163.902 4446 400 90 China 1.328.630 17374 382 22 Etiópia 83099 3201 381 119 Afeganistão 27145 1314 338 257 Bangladesh 158.665 3998 244 61 Uganda 30884 1445 188 130 Tanzânia 40454 1600 186 116 Fonte: UNICEF (2008) A Situação Mundial da Criança 2009 Tabela 2: Países com as taxas mais elevadas de mortalidade infantil (2007) País População total Nº anual de partos Nº actual mortes Taxa de (milhares) (milhares) de menores de mortalidade de 2007 5 anos (milhares) menores de 5 anos 2007 (mortes em cada 1000 nascimentos) Serra Leoa 5866 268 70 262 Afeganistão 27145 1314 338 257 Chade 10781 492 103 209 Guiné Equatorial 507 20 4 206 Guiné-Bissau 1695 84 17 198 Mali 12337 595 117 196 Burkina-Faso 14784 654 125 191 Nigéria 148.093 5959 1126 189 Ruanda 9725 435 79 181 Burundi 8508 399 72 180 Fonte: UNICEF (2008) A Situação Mundial da Criança 2009 China, Paquistão e Nigéria representam mais de metade. 38 Aproximadamente um quinto das mortes dos recém-nascidos em todo o mundo acontecem em apenas um país a Índia. 39 Tal como demonstram as tabelas do Apêndice 2, existem frequentemente variações nos níveis de mortalidade entre diferentes grupos económicos dentro do mesmo país, mesmo nos países que se encontram no caminho certo para cumprirem o ODM4. O Paquistão, por exemplo, reduziu a média da mortalidade infantil em 23% entre 1990 e 2007, e a quantia por quintil mais pobre é de apenas 3%. Na Tanzânia, houve uma redução de 18% na média 5

A PRÓXIMA REVOLUÇÃO de mortalidade infantil de 1999 a 2004. No entanto, isto representa uma redução de 31% no quintil mais rico comparado com apenas 14% no mais pobre. Na Etiópia houve em média uma diminuição de 30% entre 2000 e 2005. No entanto, enquanto a redução entre os mais ricos foi de 37%, entre os mais pobres foi apenas de 18%. Na Costa do Marfim, as taxas de mortalidade dos menores de cinco anos de idade nas classes sociais mais ricas diminuíram 14% entre 1994 e 1999, enquanto que entre os mais pobres aumentaram cerca de 21%. As provas demonstram, de uma forma muito poderosa, que temos que nos dedicar muito seriamente às necessidades das crianças mais pobres e marginalizadas e a diminuir o fosso entre os ricos e os pobres. Demonstram também que o ODM 4 poderia ser alcançado mais rapidamente se conseguíssemos garantir maior nível de progressos no que diz respeito à redução das taxas de mortalidade entre as crianças das comunidades mais pobres e marginalizadas. (Vide Apêndice 2.) 6

3 COMO E PORQUÊ RAZÃO ESTÃO A MORRER CRIANÇAS As elevadas taxas de mortalidade infantil podem ser explicadas a 3 níveis, separados mas relacionados: 1. causas directas da morte, 2. causas intermediárias e 3. causas subjacentes. CAUSAS DIRECTAS Uma pequena quantidade de doenças é responsáveis por mais de 90% das mortes entre os menores de cinco anos. São a pneumonia, o sarampo, a diarreia, a malária, o VIH/SIDA e uma série de doenças neonatais que ocorrem durante a gravidez e durante e imediatamente após o parto. 40 Infecções graves (como a sepsia, a pneumonia, o tétano e a diarreia), a asfixia e os nascimentos prematuros contabilizam 86% das mortes dos recém-nascidos. 41 Em quase todos os casos, as doenças e outros problemas médicos que estão a matar as crianças são evitáveis e tratáveis. 42 A pneumonia e a diarreia que em conjunto matam 3.5 milhões de crianças todos os anos são os maiores assassinos de menores de cinco anos fora do período pós-natal. 43 1 milhão adicional de crianças morre de infecções graves, incluindo a pneumonia, durante o período neo-natal. 44 Isto acontece apesar da maioria destas doenças Ilustração 1: A mortalidade infantil pode ser explicada a três níveis Causas directas Pneumonia, sarampo, diarreia, malária,vih e SIDA, doenças neonatais RESPONSABILIDADE Causas intermediárias Serviços básicos de saúde; práticas de nutrição e alimentação; água potável e de saneamento seguro; educação materna; acesso e utilização de planeamento familiar VONTADE POLÍTICA Causas subjacentes Pobreza, desigualdade e exclusão; governação, estados frágeis e conflito; alterações climáticas e catástrofes naturais; economia política global 7

A PRÓXIMA REVOLUÇÃO serem evitáveis ou tratáveis com antibióticos e do facto de que uma terapia de hidratação oral de baixo custo pode acelerar a recuperação da diarreia. A incidência, tanto da pneumonia como da diarreia, poderia ser ainda mais reduzida se os bebés fossem criados ao peito e crianças masi velhas fossem vacinadas. 45 A Malária, responsável por 18% das mortes nas crianças na África subsaariana poderia diminuir de uma forma significativa se todas as crianças nos países de alto risco dormissem protegidas por redes mosquiteiras e se as crianças que adoecem recebessem tratamento imediato e adequado. 46 As vacinas contra a difteria, a coqueluche (tosse convulsa), o tétano, a hepatite B, a poliomielite e o sarampo salvam a vida das crianças. As mulheres grávidas que recebem a vacina contra o tétano protegem as suas vidas e as dos seus filhos. De facto, os sucessos a nível da sobrevivência da criança durante a última década podem ser largamente atribuídos a um aumento na vacinação e outras medidas de prevenção. 47 Uma terapia anti-retroviral pode diminuir o risco das mães transmitirem aos bebés o vírus do VIH. Esta terapia é sem dúvida uma intervenção essencial se tivermos em mente que mais de 90% das transmissões do VIH ocorrem durante a gravidez, o parto ou a amamentação. As transmissões do vírus do VIH de mãe para filho representam cerca das 350.000 mortes anuais. 48 Grande parte das crianças com VIH e SIDA morrem de pneumonia ou de diarreia, doenças que podem ser facilmente tratadas. Entre as estratégias provadas de entrega de intervenções salva-vidas das mulheres grávidas e dos recém-nascidos incluem-se os cuidados pré e pós natail. O risco de morte dos recémnascidos e das mães pode ser ainda mais reduzido através de cuidados pré natais eficazes, e do encaminhamento rápido para instalações de saúde seguras e adequadamente equipadas quando surgem complicações durante o parto. A atenção qualificada durante o parto é crucial, assim como uma iniciação imediata da amamentação e os cuidados pós natais. No entanto, apesar destas intervenções comprovadas poderem salvar milhões de crianças todos os anos continuam indisponíveis ou inacessíveis a milhões de mães e seus filhos. CAUSAS INTERMEDIÁRIAS Para além das causas directamente responsáveis pelas mortes infantis, existem um conjunto de factores intermediários que definem a possibilidade de sobrevivência das crianças. Estes são: A acessibilidade e a qualidade dos sistemas básicos de saúde As práticas de nutrição e amamentação A disponibilidade de água potável e de saneamento seguro A educação das raparigas O acesso e uso de contraceptivos e a relação idade gravidez Sistemas de saúde frágeis No mínimo, os sistemas de saúde devem ter equipamento, funcionários e estarem organizados de forma a levar a cabo intervenções comprovadas, com eficácia e igualdade às mães, recém-nascidos e crianças que delas necessitam, sobretudo nas comunidades mais pobres e marginalizadas. Estes sistemas têm que prestar o que chamamos cuidados contínuos. Existem duas dimensões neste tipo de cuidados o tempo e o local. Os serviços devem ser direccionados às mulheres de idade reprodutiva, durante a gravidez, o parto e nos primeiros dias e anos de vida da criança. Deve também existir uma ligação entre os cuidados domiciliários, na comunidade e nos hospitais e outros centros de saúde. 49 No entanto, em muitos países e comunidades pobres, os sistemas de saúde sólidos que prestem cuidados contínuos são simplesmente não existentes. As instalações de saúde são frequentemente muito longe ou demasiado caras. Em muitos casos, as que existem não têm os 8

3 COMO E PORQUÊ RAZÃO ESTÃO A MORRER CRIANÇAS funcionários adequados e falta-lhes medicamentos e equipamento essenciais. Os pobres estão por isso relutantes em investir tempo, esforço e dinheiro que lhes é precioso na procura de cuidados médicos que podem não estar disponíveis ou serem de uma qualidade extremamente deficiente. Outros podem não reconhecer os sintomas de doenças potencialmente graves ou podem virar-se para os curandeiros tradicionais ou para espíritas. As políticas e os sistemas de saúde deveriam, tanto quanto possível, levar os cuidados de saúde às comunidades e agregados familiares onde ocorrem a maior parte das mortes das crianças. A questão do custo do acesso aos cuidados de saúde é também importante. Vários estudos revelaram que quando é preciso pagar a procura das pessoas pobres aos serviços de saúde primários decresce e que quando os serviços são gratuitos essa procura aumenta drasticamente. 50 A questão vai para além do pagamento de consultas. Na maioria dos casos, outras despesas como os transportes, os medicamentos, a alimentação e os rendimentos perdidos são superiores aos custos directos. Embora existam diferentes opiniões sobre os meios mais adequados para se financiar os serviços de saúde, o G8 em 2009 apoiou explicitamente o conceito de que os cuidados de saúde materno-infantil devem ser gratuitos nos casos em que os países os providenciam. 51 A falta de trabalhadores de saúde bem formados e equipados é, em muitos países pobres, o maior obstáculo para a prestação de cuidados de saúde eficazes às mães e crianças. Esta situação é ainda mais agravada pela distribuição desigual dos trabalhadores de saúde existentes nos países pobres. Poucos apreciam postos em condições difíceis, portanto, a falta de técnicos de saúde nas zonas urbanas mais inseguras ou em áreas rurais remotas é frequentemente grave. A Organização Mundial de Saúde (OMS) calcula que são necessários mais 4 milhões de técnicos de saúde 1.5 milhões apenas para África. 52 Em todo o mundo, foram identificados 57 países com défice crítico de técnicos de saúde 36 destes países são em Africa. 53 Este problema tem sido em alguns casos intensificado pela imigração de técnicos de saúde para trabalharem na Europa, na América do Norte e na Austrália, por vezes incentivados pelos governos dos países ricos. Os doadores têm também, em muitos casos, contribuído para o enfraquecimento dos sistemas nacionais de saúde. A nível global, o sector da saúde está a ser atormentado por uma proliferação confusa de fundos e iniciativas, muitas das quais centradas em intervenções dirigidas a doenças específicas. Enquanto que algumas destas iniciativas verticais têm aumentado com sucesso as taxas de abrangência de tratamentos de prevenção e cura para doenças específicas, este sucesso tem sido frequentemente em detrimento do desenvolvimento de sistemas de saúde nacionais e comunitários igualitários e eficazes. Existem mais de 40 doadores bilaterais e 90 iniciativas globais centradas no sector da saúde. Competem pela atenção e por escassos recursos nacionais, sobretudo a nível dos recursos humanos. Criam uma obliquidade a nível das prioridades do país, aumentam os custos das transacções e incentivam soluções fragmentadas aos problemas da prestação de serviços. 54 A qualidade dos sistemas nacionais de saúde e a sua capacidade ao nível das intervenções chave é limitada também pelas restrições severas causadas por uma escassez global de recursos. Os Chefes dos Estados Africanos prometeram em 2001 distribuir pelo menos 15% dos orçamentos governamentais ao sector da saúde. 55 Foram muito poucos os que o cumpriram. O Quénia gasta 9.7% do orçamento governamental na saúde, a Etiópia 9%, a Serra Leoa 7.8%, Angola 5%, o Gana 4.4%, a Eritreia 4.2%, a Nigéria 3.5% e o Burundi apenas 2.4%. 56 Os doadores estão também, a falhar no cumprimento das suas promessas. Os países do G8 estão muito longe de cumprir as promessas de aumento de auxílio que fizeram em 2005 e que reiteraram durante as subsequentes cimeiras. As crianças pobres nos países pobres continuam a morrer porque os governos dos países doadores e em desenvolvimento não cumprem as suas promessas. 9