Estabelecimento do ponto de corte da Troponina I como marcador de infarto do miocárdio em cirurgia de revascularização miocárdica



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ARTIGO ORIGINAL Estabelecimento do ponto de corte da Troponina I como marcador de infarto do miocárdio em cirurgia de revascularização miocárdica Serum concentrations of Troponin I in the detection of acute myocardial infarction in coronary artery bypass grafting RAFAEL B. NASCENTE* JOÃO C. V. C. GUARAGNA** FRANCA S. A. SPIANDORELLO*** RAQUEL MELCHIOR* GUSTAVO WERUTSKI*** EDUARDO AZEVEDO*** JOÃO B. PETRACCO**** LUIS C. BODANESE***** RESUMO Objetivo: Estabelecer o ponto de corte da troponina I como marcador de infarto miocárdico perioperatório de CRM. Material e métodos: Foram analisados 147 pacientes submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) de janeiro a dezembro de 2002 Hospital São Lucas da PUCRS. A dosagem de troponina I (valor de referência < 0,5 ng/ml) foi realizada por quimioluminiscência no pré-operatório, 6, 12 e 24 horas após admissão na unidade de cuidados pósoperatório. Consideramos como infarto o surgimento de nova onda Q ou bloqueio de ramo esquerdo no ECG com aumento de CK = MB superior a 3 vezes o limite de referência ou aumento superior a 8 vezes sem alteração eletrocardiográfica. ABSTRACT Background: Despite modern intraoperative myocardial protection, 5 to 15 percent of patients undergoing coronary artery bypass grafting (CABG) undergo to a perioperative myocardial infarction (MI). The diagnosis of MI after cardiac surgery is difficult because of the nonspecific ST-T wave abnormalities on EKG and the usual elevation of creatine kinase (CK) levels postoperatively. Also, experience with troponin I (TnI), a more sensitive serum marker of cardiac injury, is limited in this clinical set. This study assessed the threshold levels of trponin I (TnI) for diagnosis of perioperative MI in CABG. Methods: TnI was analyzed in blood samples obtained preoperatively and 6, 12 and 24 hours postoperatively, in 147 consecutive patients undergoing to CABG, using standardized operative procedures and myocardial * Médicos cardiologistas pela Sociedade Brasileira de Cardiologia. ** Professor da Faculdade de Medicina da PUCRS, chefe da Unidade de Pós-operatório em Cirurgia Cardíaca do Hospital São Lucas da PUCRS. *** Médicos. **** Chefe do Serviço de Cirurgia Cardiovascular do Hospital São Lucas da PUCRS. ***** Chefe do Serviço de Cardiologia do Hospital São Lucas da PUCRS. 142 Scientia Medica, Porto Alegre: PUCRS, v. 15, n. 3, jul./set. 2005

Resultados: Nesta amostra, 18 pacientes tiveram infarto (12,24%). A média do nível de troponina I no pós-operatório nos pacientes com infarto foi 12,7 ± 13,7; 57,2 ± 31,7 e 45 ± 32,8 ng/ml na 6ª, 12ª e 24ª horas, respectivamente, comparado a 7,6 ± 11,4; 12,0 ± 18,7 e 8,4 ± 19,9 ng/ml nos demais pacientes. Houve diferença estatisticamente significativa entre os valores de troponina I nos pacientes com e sem infarto na 12ª e 24ª h. Como os valores de troponina I não apresentavam uma distribuição normal confeccionou-se uma curva ROC para determinação do melhor nível de sensibilidade e especificidade para os valores encontrados. Nos pacientes que apresentaram os critérios para IAM os valores de troponina I com maior sensibilidade e especificidade encontravam-se na 12ª hora, como determinado pela curva ROC, tendo uma acurácia de 89%. Utilizando-se a dosagem da 12ª hora o nível de troponina I que apresentou o melhor perfil de sensibilidade e especificidade foi de 9,15 ng/ml (OR36, IC 95% = 4,7-283; p < 0,0001), com valores de 94,4 e 68,2% respectivamente. Conclusão: A determinação da troponina I na 12ª hora após o desclampeamento da aorta com valores de 9,15 ng/ml obteve, em nosso estudo, a melhor relação sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de IAM. Entretanto se faz necessário a realização de outros estudos que confirmem ou validem os pontos de corte para a troponina I para sua aplicabilidade clínica. UNITERMOS: TROPONINA I; INFARTO DO MIOCÁRDIO; PONTE DE ARTÉRIA CORONARIANA; REVASCULARIZAÇÃO MIOCÁRDICA. protection. The serum concentration of TnI was determined technique (upper normal level < 0.5 ng/ml). Patients were eligible for enrollment if they had one of the following criteria: new Q-wave or left bundle-branch block and a more than three times elevation of creatine kinase MB (CK-MB); non EKG changes and more than eight times elevation of CK-MB. Results: Eighteen (12%) patients had perioperative MI. The mean (± Standart Deviation) Tnl levels at 6, 12 and 24 hours were, respectively, 13 (±14) ng/ml, 57 (±32) ng/ml, 45 (±33) ng/ml, in MI group and 8 (±11) ng/ml, 12 (±19) ng/ml, 8 (±20) ng/ml, in non MI group. Tnl values were statistically different at 12 and 24 hours. Also, tnl levels were significantly elevated above their threshold level within 12 hours after CABG (ROC curve: 0.89). Sensitivity and specificity of Tnl, at fixed cut-off level of > 9.15 ng/ml (Odds Ratio: 36, confidence interval: 5-283; p < 0.001), in diagnosing perioperative MI were 94% and 68%, respectively. Conclusions: TnI is, at least, as good as CK-MB for early diagnosis of myocardial damage. In our study. TnI levels grater than 9.15 ng/ml, within 12 hours after CABG, shows the highest values for both diagnosis efficacy and ROC curve analysis. KEY WORDS: TROPONIN I; MYOCARDIAL INFARCTION; CORONARY ARTERY BYPASS; MYOCARDIAL REVASCULARI- ZATION. INTRODUÇÃO Isquemia miocárdica, tanto transitória quanto irreversível, levando a infarto agudo do miocárdio (IAM), pode ocorrer durante ou após a cirurgia cardíaca. Essa complicação está mais freqüentemente associada a cirurgias de revascularização miocárdica (CRM). De fato, em torno de 40% das CRM apresentam algum grau de isquemia miocárdica, sendo que isso ocorre, principalmente, dentro das primeiras seis horas após o seu término (1,2). A incidência de infarto perioperatório em CRM varia de 5 a 15% (3-6), sendo que essa variação pode ser explicada pela inexistência de exame padrão ouro na situação específica de infarto após revascularização miocárdica. Apesar disso, utiliza-se como método diagnóstico o eletrocardiograma e os níveis de Creatinokinase (CK) e sua isoforma MB (CK-MB) conforme estabelecido pela literatura mundial. Entretanto, podem ocorrer alterações eletrocardiográficas e elevação de enzimas cardíacas, no período pós-operatório, mesmo naqueles pacientes que não apresentaram isquemia miocárdica (3). Devido a isso, e como já estabelecido na situação clínica (7-8), a troponina I passou a ser correlacionada com lesão miocárdica após CRM (9,10). A troponina I faz parte de um complexo ternário intracelular, cálcio-sensível, responsável pela interação entre a actina e a miosina, sendo esta última responsável direta pela contração muscular. Vários estudos avaliaram a relação entre a elevação dos níveis plasmáticos de troponina I e a ocorrência de infarto perioperatório (11-13). Apesar de maior sensibilidade e especificidade houve grande discrepância entre os valores encontrado. O presente estudo tem como objetivo tentar estabelecer o nível de troponina I que determine a ocorrência de infarto do miocárdio após cirurgia de revascularização miocárdica, em nossa instituição. Scientia Medica, Porto Alegre: PUCRS, v. 15, n. 3, jul./set. 2005 143

MATERIAL E MÉTODO População Foram incluídos nesse estudo 147 pacientes consecutivos submetidos apenas a cirurgia de revascularização miocárdica, com circulação extracorpórea, no serviço de Cirurgia Cardiovascular do Hospital São Lucas da PUCRS no período de janeiro a dezembro de 2002. Todos pacientes realizaram o pós-operatório mínimo de 48 horas na unidade de tratamento intensivo. Os critérios de exclusão eram os seguintes: insuficiência renal crônica (definida como creatinina superior a 2,5 mg/dl por pelo menos 30 dias) em programa de diálise ou não, rabdomiólise, miopatias crônicas, cirrose hepática, insuficiência cardíaca, uso de medicamento intramuscular prévio à cirurgia, realização de outro procedimento cirúrgico 30 dias antes, embolia pulmonar, miocardite ou pericardite, realização de cardioversão elétrica, realização de angioplastia coronariana e ocorrência de infarto agudo do miocárdio 30 dias antes da CRM. Análise laboratorial Foram coletadas amostras sangüíneas para dosagem de CK, CK-MB e troponina I no momento da baixa hospitalar, na 6ª,12ª e 24ª horas após a retirada da pinça aórtica. Para determinação da troponina I utilizou-se o método de quimioluminescência. Eletrocardiograma Foram realizados eletrocardiogramas (ECG) na baixa hospitalar, no pós-operatório imediato e diariamente conforme rotina até a alta da unidade de pós-operatório. Critérios para diagnóstico de Infarto Agudo do Miocárdio Foram utilizados critérios internacionais para o diagnóstico de IAM pós cirurgia cardíaca: Nova onda Q e nível de CK-MB > 30 U/L (ou >3 valor referência); Bloqueio de ramo esquerdo novo e nível CK-MB > 30 U/L (ou > 3 valor de referência); Nível sérico de CK-MB > 80 U/L(ou > 8 valor de referência), mesmo na ausência de nova onda Q. Análise estatística Neste estudo, para as variáveis qualitativas utilizou-se o teste do qui-quadrado ou teste exato de Fisher, já para as variáveis quantitativas utilizou-se o teste t Student. Para variáveis com distribuição não normal utilizou-se o teste de Mann-Whitney. Como os valores obtidos de troponina I não apresentavam uma distribuição normal, realizouse a confecção de curvas ROC para a determinação do ponto máximo de sensibilidade e especificidade. Utilizou-se intervalo de confiança de 95%. Para análise estatística utilizou-se o aplicativo SPSS v.10.0. RESULTADOS Dos 147 pacientes estudados, 18 apresentaram IAM perioperatório definido pelos critérios anteriormente comentados, totalizando 12% da nossa amostra. A média de idade dos pacientes que apresentaram infarto era de 61,6 anos e 57,7 anos para aqueles que não apresentaram. Entre os pacientes com infarto perioperatório, 64,3% eram do sexo masculino e 78,6% realizaram implante de artéria torácica interna esquerda. O tempo médio de circulação extracorpórea entre os pacientes com infarto e sem foi, respectivamente, de 106,7 min e 73 min. A média do nível de troponina I no período pós-operatório, nos pacientes com IAM, foi 12,7; 57,2 e 45 ng/ml na 6ª, 12ª e 24ª horas, respectivamente, comparado a 7,6; 12 e 8,4 ng/ml nos demais pacientes (Figura 1). Existiam diferenças estatísticas significativas (p < 0,05) entre os valores de troponina I nos pacientes com e sem infarto em todos os momentos avaliados. Foram confeccionadas curvas ROC para os valores de troponina I, já que esses não apresentavam uma distribuição normal, para cada momento de coleta, para determinação do melhor nível de sensibilidade e especificidade para os valores encontrados (Figuras 2, 3 e 4). Nos pacientes que apresentaram os critérios para IAM os valores de troponina I com maior sensibilidade e especificidade encontravam-se na 2ª medida, como determinado pela curva ROC, tendo uma acurácia de 89% (Figura 3). Utilizando-se a dosagem da 2ª medida o nível de troponina I que apresentou o melhor perfil de sensibilidade e especificidade foi de 9,15 ng/ml (OR36, IC 95% = 4,7-283,6; p < 0,0001), com valores de 94,4 e 68,2% respectivamente. 144 Scientia Medica, Porto Alegre: PUCRS, v. 15, n. 3, jul./set. 2005

60 50 40 30 20 10 0 6ª h 12ª h 24ª h IAM NIAM Figura 1 Correlação dos níveis de troponina entre os grupos de pacientes. TABELA 1 Características basais. IAM SEM IAM p Idade (dp) 61,6 (6,8) 57,7 (14,7) 0,5 Sexo masc (%) 64,3 68,5 0,5 ATIE (%) 78,6 40,8 < 0,001 T. CEC-min (dp) 106,7 (33,2) 73 (41,4) < 0,001 T. pinçamento-min (dp) 64,3 (32,7) 52,6 (22,8) 0,09 DISCUSSÃO Sensibilidade A = 0,642 1 - Especificidade Figura 2 Curva ROC da 1ª amostra de troponina I. Sensibilidade A = 0,896 1 - Especificidade Figura 3 Curva ROC da 2ª amostra de troponina I. Sensibilidade A = 0,884 1 - Especificidade Figura 4 Curva ROC da 3ª amostra de troponina I. O diagnóstico de IAM perioperatório em cirurgia de revascularização miocárdica ainda apresenta muita divergência na literatura, já que existe grande dificuldade em se encontrar exame diagnóstico dito padrão ouro. Em nossa instituição utilizamos a combinação de eletrocardiograma e níveis séricos de CK e CK-MB com os valores e características previamente especificadas. Apesar de extensamente utilizados o ECG e CK-MB apresentam na literatura sensibilidade e especificidade, para o diagnóstico de IAM perioperatório, de 100 e 78% e 54 e 20%, respectivamente (14). Vários autores relataram diferentes pontos de corte e diferentes níveis de sensibilidade e especificidade para valores de troponina como diagnósticos de IAM perioperatório. Utilizando o mesmo método enzimático Martinez et al. (12) encontraram um ponto de corte diagnóstico de troponina I em valores de > 12 ng/ml 10 h após a retirada da pinça aórtica; Bonnefoy et al. (15) valores de > 10 ng/ml; Alyanakian et al. (16) cifras de > 15 ng/ml; Gensini et al. (17) > 9,2 ng/ml após 12 h e Sadony et al. (13) > 11,6 ng/ml após 24 h de retirada da pinça aórtica. Neste estudo, observa-se que os valores de troponina I atingem, durante as primeiras 24 h de pós-operatório, valores significativamente maiores, em qualquer ponto de sua determinação, para aqueles pacientes em que se realizou posteriormente o diagnóstico de infarto perioperatório. Apesar disso, não obtivemos valores de especificidade considerados adequados para determinação de infarto após cirurgia de revascularização miocárdica. A repercussão hemodinâmica do infarto está relacionada com a mortalidade imediata e tardia, assim como a fração de ejeção menor que 40%, após o infarto. Não é conhecido, entretanto, o ponto de corte da troponina que é associado com uma pior evolução clínica (4,18,19). Entende-se, por meio desses resultados, que a troponina I tradu- Scientia Medica, Porto Alegre: PUCRS, v. 15, n. 3, jul./set. 2005 145

za com mais fidedignidade injúria miocárdica, em seu mais amplo sentido, do que infarto agudo, especificamente no período pós-operatório (20,21,22). Talvez, o mais importante seja determinar o impacto na evolução imediata e tardia após CRM, relacionados aos valores de troponina I com maior sensibilidade e especificidade. É válido salientar, também, que não existe correlação entre potência das pontes implantadas e infarto do miocárdio. Como demonstrou Holmvang em seu trabalho, apenas 30% dos pacientes que apresentavam critérios eletrocardiográficos para infarto perioperatório exibiam oclusão das pontes e da maneira inversa, apenas 25% dos pacientes que apresentavam oclusão das pontes tinham o diagnóstico de IAM confirmado pelo eletrocardiograma (23,24,25). CONCLUSÃO A troponina I é um marcador ao menos tão específico e sensível quanto a CK-MB para o diagnóstico de IAM no pós-operatório de cirurgias de revascularização miocárdica. A determinação da troponina I na 12ª hora após a retirada da pinça aórtica com valores de 9,15 ng/ml obteve, em nosso estudo, a melhor relação sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de IAM. Entretanto, faz-se necessária a realização de outros estudos que confirmem ou validem os pontos de corte para a troponina I para sua aplicabilidade clínica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Vlahakes GJ. Postoperative complications involving the heart and lungs. In: Vlahakes GJ, Lemmer Jr. JH, Behrendt DM, et al, editors. Handbook of patient care in cardiac surgery. 5 th ed. Boston: Little Brown; 1994. p.138-40. 2. Baumgartner WA. Postoperative hemodynamics. In: Baumgartner WA, Owens SG, Cameron DE, et al, editors. The Johns Hopkins manual of cardiac surgical care. Saint Louis: Mosby-Year Book; 1994. p.142-51. 3. Adam DH, Filsoufi F, Antmann EM. Medical management of the patient undergoing cardiac surgery. In: Braunwald E, editor. Heart disease: a textbook of cardivascular medicine. 7 th ed. 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