CONFORMAÇÕES DO CICLOEXANO: um modelo de estudo no PCMODEL Anderson Hollerbach Klier 1 RESUMO: O estudo molecular conformacional ainda é visto como um dos entraves para o entendimento de estabilidade molecular principalmente pelos estudantes de graduação que cursam disciplinas na área química. O software PcModel pode ser uma ferramenta bastante útil, quando aplicado na previsão e estimativa do cálculo de energia envolvendo as conformações mais e menos estáveis do cicloexano substituído, podendo ser aplicado em aulas práticas de química. PALAVRAS-CHAVE: conformação, estabilidade, interação 1,3-diaxial INTRODUÇÃO A análise conformacional ou o estudo da estabilidade de moléculas, normalmente é visto como conteúdo complicado e de difícil compreensão principalmente pelo público discente, em virtude de requerer uma visão ampla e espacial que envolve o conhecimento pregresso referente a geometria espacial (MAR- TINS, 2009). Com o intuito de desmitificar e facilitar o entendimento do assunto, a disciplina de Química Farmacêutica do curso de Farmácia do Centro Universitário Newton Paiva, inclui em seu programa simulações no software PcModel. Estas simulações permitem que os alunos comprovem que certos valores teóricos de energia para alguns tipos de interações químicas podem ser estimados e visualizados com uma certa facilidade dentro das matrizes de cálculo no ambiente virtual. Como molécula modelo para as simulações, o cicloexano, um hidrocarboneto da classe dos cicloalcanos, se mostra bastante adequado por possuir estrutura tridimensional como forma mais estável, além de três padrões de substituição, com duas configurações para cada padrão de substituição e duas conformações para cada configuração (SOLOMONS, 1996). Estruturalmente o cicloexano possui fórmula molecular C 6 H 12, com conformação mais estável do tipo cadeira, que segundo o padrão de substituição dos átomos de hidrogênio por substituintes mais volumosos, pode apresentar interações conhecidas como interações 1,3-diaxiais. Estas são interações oriundas principalmente de repulsões eletrônicas, que podem estabilizar uma determinada conformação, quando seu valor é baixo, ou desestabilizar outra conformação quando seu valor for mais elevado, (figura 1). Como parâmetro de estabilidade as interações 1,3-diaxiais sempre existem entre substituintes em posição axial ligados em carbonos do cicloexano que reservam entre si, um padrão de posicionamento do tipo-1,3. Se considerarmos dois substituintes aleatórios A e B substituindo hidrogênios no cicloexano, estes podem estar ligados nas posições 1 e 2, 1 e 3 ou 1 e 4. Cada um destes padrões de substituição pode assumir duas configurações, cis ou trans, e cada uma destas configurações podem assumir duas conformações distintas, que serão mais ou menos estáveis de acordo com o número de interações 1,3-diaxiais presentes, conforme representado na figura 2. Dentre as possibilidades, as conformações com dois substituintes (A e B) em equatorial serão mais estáveis que conformações com um dos substituintes (A ou B) em axial, e estas mais estáveis que conformações com os dois substituintes (A e B) em axial. PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785 l 233
As conformações características dos padrões de substituição estrutural do cicloexano, possuem importância específica principalmente em moléculas bioativas (BARREIRO, 2008). Estas moléculas quando possuem receptores biológicos são chamadas Fármacos específicos, e para tanto irão apresentar interações químicas fármaco-receptor, que para fármacos que possuam cicloexano ou análogos em sua estrutura, dependerão da conformação do cicloexano ou de seus análogos (BARREIRO, 2008). Como exemplos de fármacos que apresentam tal peculiaridade, podem ser citados; meperidina (1), fentanil (2), ciclofosfamida (3), gatifloxacino (4) e vardenafil (5), representados estruturalmente na figura 3 (BARREI- RO, 2008; FOYE, 1995; LEDNICER, 1998; LEDNICER, 2008). 234 PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785
Objetivos Em função das peculiaridades estruturais já decritas, bem como as implicações destas em possíveis atividades biológicas, o presente trabalho objetivou simular a energia de diferentes substituintes no cicloexano, a fim de prever valores para possíveis interações 1,3-diaxiais existentes em conformações de uma configuração específica do mesmo. Material e Métodos Como ferramenta virtual facilitadora do entendimento de estrutura conformacional, utilizamos o software PcModel 7.2 Serena software, nos laboratórios de informática do Campus Silva Lobo do Centro Universitário Newton Paiva. Foram feitas simulações das energias totais do cicloexano não substituído e do cicloexano mono e dissubstituido, a fim de compararmos os valores das possíveis interações 1,3-diaxiais existente em possíveis substituintes nas posições axiais. As comparações foram feitas entre os valores obtidos nas simulações computacionais e os valores reais descritos na literatura (SOLOMONS, 1996; CLAYDEN, 2001). Resultados e discussão Como protótipo minimizamos a energia do cicloexano não substituído a fim de obtermos a energia total da molécula, conforme figura 4. O valor de energia total do cicloexano não substituído foi de 6,551 Kcal/mol. Em termos estruturais, este valor corresponde a todas as seis ligações C-C, doze ligações C-H e seis interações repulsivas hidrogênio-hidrogênio, três acima do plano e três abaixo do plano. Estas são consideradas de muito baixa energia, pois são os menores substituintes possíveis para qualquer cadeia carbônica. Quando consideramos o cicloexano monossubstituído, como metilcicloexano, podemos otimizar sua energia conformacional, (figura 5). PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785 l 235
Aqui percebemos uma energia de 8,670 Kcal/mol para o metilcicloexano em sua conformação menos estável, ou seja, o substituinte metil em posição axial com duas interações repulsivas 1,3-diaxiais com os hidrogênios vizinhos também em axial. Já quando procedemos o cálculo para o mesmo metilcicloexano em sua conformação mais estável, ou seja, o substituinte metil em equatorial, onde inexistem interações do tipo 1,3-diaxiais, podemos um valor de energia de 6,890 Kcal/mol, como é mostrado na figura 6. Considerando que em relação ao cicloexano não substituído o metilcicloexano já conta com uma ligação C-C e duas ligações C-H a mais em sua energia total, e considerando como desprezível os valores de energia das repulsões entre hidrogênios axiais, podemos estimar os valores das interações 1,3-diaxiais entre grupos metil e hidrogênios na conformação de maior energia do metilcicloexano. Para tanto basta subtrairmos da energia da conformação menos estável (8,670 Kcal/mol) a energia da conformação mais estável (6,890 Kcal/mol), o que resulta numa diferença de energia de 1,78 Kcal/mol, que dividido pelo número de interações metil-hidrogênio, duas, nos fornece um valor de 0,89 Kcal/mol de energia para a interação 1,3-diaxial metil-hi- 236 PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785
drogênio. Tal valor obviamente é bastante próximo do valor real descrito na literatura, que é de 0,90 Kcal/mol, pois os softwares de simulação computacional são abastecidos com valores de referência da literatura, entretanto, o que se chama atenção aqui é a utilização prática destes softwares para comprovação de dados literários em experimentos que desmitifiquem o conteúdo químico, especialmente no campo da estereoquímica que tem se mostrado bastante árido para a grande maioria dos alunos de graduação. A tabela 1, mostra alguns substituintes comuns e suas simulações de energia para interações 1,3-diaxiais com o hidrogênio, obtidas no PcModel de modo análogo ao relatado para o metilcicloexano. A partir destes resultados, extrapolamos o cálculo para derivados do cicloexano dissubstituídos, a fim de caracterizarmos outras interações 1,3-diaxiais entre outros substituintes diferentes do hidrogênio. Para tanto, iniciamos com interação entre dois grupos metila em configuração cis, em suas conformações mais estáveis equatorial-equatorial e menos estável, axial-axial, como representado abaixo. Após as simulações de energia no PcModel foram obtidos 12,545 Kcal/mol para o conformero diaxial e 7,208 Kcal/mol para o conformero diequatorial. Considerando que na conformação de maior energia e menor estabilidade, diaxial, existem duas interações 1,3-diaxiais metil-hidrogênio e uma interação 1,3-diaxial metil-metil, temos a seguinte representação: A fim de calcularmos o valor da interação A-B, metilametila, subtraímos da energia da conformação diaxial, 12,545 Kcal/mol, o valor da energia da conformação diequatorial 7,208 Kcal/mol, obtendo uma diferença de 5,337 Kcal/mol. Como esta diferença inclui a interação desejada A-B e duas interações metila-hidrogênio, A-C e B-C, subtraímos desta diferença 1,78 Kcal/mol (0,89 Kcal/mol por interação previamente determinado), o que resulta num valor de 3,557 Kcal/ mol para a interação A-B, metila-metila. As simulações de energia para a conformação mais estável diequatorial e menos estável diaxial para o 1,3-dimetilcicloexano, são apresentadas nas figuras 7 e 8. PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785 l 237
Conclusão Após as simulações com o software PcModel foi possível observar que as mesmas são bastante próximas dos valores reais em termos de energia, permitindo uma previsão bastante útil para valores energéticos de interações 1,3-diaxiais em substituintes no cicloexano. Interações estas que podem ser simuladas tanto para interações com o átomo de hidrogênio quanto interações com grupamentos mais volumosos. Além das simulações de energia, como ferramenta virtual o software facilita o entendimento das diferenças estruturais pertinentes a definição de configuração e conformação, o que o torna útil especialmente no ensino dos conteúdos químicos envolvendo estereoquímica. Referências BARREIRO, E.J.; FRAGA, C.A.M. Química Medicinal: As bases Moleculares da Ação dos Fármacos. Porto Alegre: Artmed, 2008. 536p. CLAYDEN, J. GREEVES, N., WARREN, S., WOTHERS, P. Organic Chemistry. Oxford: Oxford University Press, 2001. 1512p. FOYE, W.O.; LEMKE, T.L.; WILLIAMS, D.A. Principles of Medicinal Chemistry. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins, 1995. 995p. LEDNICER, D. Strategies for Organic Drug Synthesis and Design. New 238 PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785
York: John Wiley & Sons, 1998. 502p. LEDNICER, D. The Organic Chemistry of Drug Synthesis. New Jersey: John Wiley & Sons, 2008, Vol. 07. 272p. MARTINS, A.S., LEMOS, R.C., REZENDE, J.V., KLIER, A.H., OLIVEIRA, C.T.B., ANDRADE, R.J. Uma Nova Ferramenta virtual útil para o ensino de Geometria molecular e Momento Dipolar. Revista de Iniciação Científica Newton Paiva, 116-129, 2008-2009. SOLOMONS, T.W.G. Organic Chemistry. New York: John Wiley & Sons, 1996.1218p. NOTAS DE RODAPÉ 1 Docente dos cursos de Farmácia e Ciências Biológicas do Centro Universitário Newton Paiva PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785 l 239