TÍTULO: IRREVOGABILIDADE DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA CATEGORIA: CONCLUÍDO ÁREA: CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS INSTITUIÇÃO: FACULDADE DIADEMA

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Transcrição:

16 TÍTULO: IRREVOGABILIDADE DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA CATEGORIA: CONCLUÍDO ÁREA: CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS SUBÁREA: DIREITO INSTITUIÇÃO: FACULDADE DIADEMA AUTOR(ES): VALMIR FILIPUS ORIENTADOR(ES): FABIANA VICENTE DE MORAES

1. RESUMO: O presente trabalho aborda o tema irrevogabilidade da paternidade socioafetiva, com a análise da ordem jurídica brasileira, bem como os entendimentos doutrinários e algumas decisões judicias que envolvem o tema. Esta modalidade de paternidade tem sido cada vez mais reconhecida pelos tribunais pátrios, na medida em que surgiram novas espécies de famílias no Brasil, que são aquelas pautadas no afeto nas relações pessoais, solidificadas pela convivência familiar, ou seja, não são necessariamente baseadas no elo sanguíneo. Será demonstrado aqui a finalidade da irrevogabilidade da referida paternidade, ressaltando que hoje não se pode mais admitir quaisquer formas de discriminações entre os filhos, conforme dispõe o artigo 227, 6º, da Constituição Federal de 1988. Palavras-chave: Paternidade Socioafetiva Irrevogabilidade. 2. INTRODUÇÃO: Esta pesquisa tem como objetivo esclarecer a finalidade da irrevogabilidade da paternidade socioafetiva, analisando todo o ordenamento jurídico brasileiro, as posições doutrinaria e alguns julgados sobre o tema, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, que não permite o tratamento discriminatório com os filhos, independente da origem. Na hipótese de conflito entre a filiação biológica e socioafetiva, a última deve prevalece, na medida em que surgiram os novos modelos de famílias no Brasil, que tem o afeto como base, o que torna mais complexo identificar e atribuir a paternidade à determinada pessoa. Inexiste no ordenamento jurídico brasileiro legislação que trata expressamente da paternidade socioafetiva, no entanto, esta espécie de paternidade tem sido ratificada pelos Tribunais pátrios, salvo quando houver vícios de consentimento, como dolo, fraude, simulação e erro. Não se mostra razoável a revogação da paternidade socioafetiva, em função do princípio da dignidade da pessoa humana e do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. A presente pesquisa originária foi organizada em três Capítulos, além da introdução, a conclusão e a referências bibliográficas.

Nesse sentido, o capítulo I discorreu sobre a filiação, trazendo além do conceito, a posse do estado de filiação, presunções legais de concepção de filhos e o reconhecimento voluntário e judicial da filiação; o capítulo II analisou-se a paternidade socioafetiva, pelas suas características, ressaltando a importância do afeto nas relações familiares, assim como os efeitos jurídicos da paternidade afetiva; o capítulo III tratou sobre a irrevogabilidade da paternidade socioafetiva, sendo reforçada pelo ato jurídico perfeito e pelo princípio nemo potest venire contra factum proprium. 3. OBJETIVO: Analisar no contexto jurídico brasileiro a possibilidade ou não da irrevogabilidade da paternidade socioafetiva. 4. METODOLOGIA: Utilizou-se da pesquisa qualitativa, tendo em vista as características do objeto estudado, isso porque, esse método permite uma interação dinâmica, particular, contextual e temporal entre o pesquisador e o objeto (MICHEL,2009). Como técnica de coleta de dados a pesquisa valeu-se da análise documental, tendo em vista a necessidade de consultas, tanto a literatura especializada como em julgamentos judiciais, a fim de se obter subsídios legislativos, técnicos e teóricos sobre o objeto estudado. 5. DESENVOLVIMENTO: A pesquisa se debruçou no aprofundamento teórico sobre o conceito filiação, que representou o eixo central das discussões. Nesse sentido, verificou-se que A filiação é uma qualidade de parentesco atribuída a alguém, representando uma relação natural ou civil existente entre o filho e seus pais, da qual se originam efeitos e consequências jurídicas por compreender diversos direitos e deveres recíprocos. Essa relação de parentesco pode ser estabelecida por um critério natural (biológico - existência de vínculo sanguíneo) ou civil (registro de nascimento ou decisão judicial), esses critérios não diferenciam a condição relativa a filiação e, portanto, todos os envolvidos nessa relação, sejam filhos ou pais, são titulares de

direitos e obrigações. Assim, o filho é titular do estado de filiação, o pai e a mãe são titulares dos estados de paternidade e de maternidade respectivamente. Dos conceitos que a doutrina brasileira oferece no que tange a filiação, o doutrinador Paulo Lôbo 1 nos apresenta um conceito simples e direto: Filiação é conceito relacional; é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais nascida da outra, ou adotada, ou vinculada mediante posse de estado de filiação ou por concepção derivada de inseminação artificial heteróloga. Quando a relação é considerada em face de pai, chame-se paternidade, quando em face de mãe, maternidade. Em outras palavras, filiação é a relação de parentalidade entre duas pessoas, sendo uma nascida da outra, ou sendo adotada, ou mantém vínculo perante posse de estado de filiação, ou por inseminação heteróloga. Como já dito, sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro, a filiação pode derivar de vínculo biológico e não biológico. Por outro lado, os vínculos oriundos do convívio familiar, não tem sua derivação proveniente de relações jurídicas, apenas é composto de afetividade, isso, resultado de uma dinâmica cultural, que encontra no direito brasileiro proteção que a considera como um fenômeno socioafetivo, não fazendo distinções das suas derivações, ainda que a afetividade oriunda das relações biológicas, tenham por muito tempo total exclusividade na proteção legal. Essa situação fica clara, com o advento da carta constitucional de 1988, que veda expressamente a discriminação entre filiação legítima e filiação ilegítima, o que indica que todos os filhos são iguais, independentemente da origem que resultou a filiação. Assim, pode-se afirmar que no Brasil, a filiação é conceito uno, não se admitindo quaisquer tipos de discriminações, estando de acordo com o artigo 5º, caput e artigo 227, 6º, ambos da Constituição Federal. Nesse sentido, a norma constitucional visa preservar a verdade relacionada à procriação, aos vínculos biológicos e o nascimento da pessoa, bem como, no caso de adoção, a realçar a importância dos laços de afeto que acabam por estabelecer relação jurídica de filiação entre uma pessoa e 1 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.p. 216.

outra, prescindo do parentesco de sangue. Preserva a igualdade jurídica de tratamento de todos os filhos, quaisquer que sejam as causas determinantes da filiação, sendo matéria que respeita o estado de filiação e não subordina a fatores temporais às situações anteriores à Constituição Federal. A prova legal do estado de filho, é a certidão de nascimento extraída pelo oficial de registro civil, instrumento público e faz prova do estado individual e familiar da pessoa. Por outro lado, hoje, não há em que se falar em ilegalidade dos filhos, pois, conforme o artigo 1596 do Código Civil, todos os filhos são iguais, sendo dotados de direitos e deveres, não mais importando sua origem. No entanto, Maria Berenice Dias adverte 2 : Ainda que por vedação constitucional não mais seja possível qualquer tratamento discriminatório com relação aos filhos, o Código Civil trata em capítulos diferentes os filhos havidos da relação de casamento e os havidos fora do casamento. O capítulo intitulado "Da filiação" (CC 1.596 a 1.606) cuida dos filhos nascidos na constância do matrimônio, enquanto os filhos havidos fora do casamento estão no capítulo "Do reconhecimento dos filhos" (CC 1.607 a 1.617). A diferenciação advém do fato de o legislador, absurdamente, ainda fazer uso de presunções de paternidade. Tal tendência decorre da visão sacralizada da família e da necessidade de sua preservação a qualquer preço, nem que para isso tenha de atribuir filhos a alguém, não por serem pai ou mãe, mas simplesmente para a mantença da estrutura familiar. Maria Berenice, nos leva a refletir sobre o posicionamento, ainda no sentido da família tradicional, aquela idealizada, no século passado. Veja que a autora chama a atenção para a forma que o legislador tratou o tema e, mais, acrescentamos a falta de vontade legislativa, em reconhecer novas possibilidades de concepção de família, que estão para além do casamento, vg. casamento e uniões homoafetivas, que estão a mercê de regulamentação, a partir de atos administrativos, emanados pela decisão do Supremo Tribunal Federa (STF), no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, 178 (ADPF), cuja relatoria foi do então, Ministros Ayres Brito. A presunção pater is est quem nuptia demonstrant 3, em vigor no atual ordenamento jurídico, conforme disposto no artigo 1597 do Código Civil, atribuindo 2 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2015, p. 386.

ao marido a paternidade do filho, que tenha nascido durante o casamento. Não se pode ignorar o fato de que a ciência, consegue com precisão, identificar a paternidade/filiação biológica, no entanto, além de vínculo genético, imprescindível é o afeto na relação entre pai e filho, tendo como destaque a paternidade sócio afetiva. Dessa maneira, infere-se que os elementos caracterizadores da posse do estado de filho são: o nome, o trato e a fama. E, como o observa Luiz Edson Fachin 4 É a reunião dos três elementos clássicos (nomen 5, tractus 6, fama) que começa a se formar a conjunção suficiente de fatos para indicar a real existência de relações familiares, em especial entre pais e filhos. Com efeito, o estado de filiação pode ser comprovado pelo, [...] uso do nome paterno, tratamento afetivo e a reputação ou notoriedade de serem tidos como pais e filho, fatos que estabelecem a posse de estado, podem ser considerados fortes presunções resultantes de fatos já certos a determinar a filiação. Fatos tais como possuir o nome do pretenso pai (nomen), ser por este tratado como filho (tractus) e ser conhecido como filho de tal pessoa (fama) constituem veementes presunções da relação de filiação entre duas pessoas. 7 Embora não seja uma exigência legal, a posse destes três status 8 sociais (nome, trato e fama) são de inegável importância para a caracterização do elo socioafetivo, pois normalmente sugerem a posse de estado de filho. Assim, o nome sugere a utilização do nome de família, apesar da sua falta não descaracterizar o estado de filiação. A fama é a exteriorização da realidade para o público. LEITÃO e TOMASZEWSKI entendem que diante de atitudes do hipotético pai para com o hipotético filho, levando terceiros a acreditar que exista uma relação paterno-filial entre eles 9, já o trato é o tratamento dispensado pelo suposto pai ao suposto filho, amando-o, criando-o e educando-o como tal. 3 Em tradução livre: pai é aquele que as núpcias demonstram. 4 FACHIN, Luiz Edson. Da patenidade: relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 126. 5 Em tradução livre: nome. 6 Em tradução livre: trado. 7 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos. Teoria e Prática. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 20/21. 8 Em tradução livre: estado. 9 LEITÃO, Manuela Nishida; TOMASZEWSKI, Adauto de Almeida. Filiação Socioafetiva: A Posse de Estado de Filho Como Critério Indicador da Relação Paterno-Filial e o Direito à Origem Genética. Disponível em: http://web.unifil.br/docs/juridica/03/revista%20juridica_03-1.pdf.p.15.

O estado de filiação representa forte vínculo entre os indivíduos, de maneira que, regra geral, nem mesmo a verdade biológica prevalecerá. O Conselho da Justiça Federal editou o Enunciado 256 da III Jornada de Direito Civil: Art. 1.593. A posse de estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil, igualando juridicamente ao parentesco biológico. Entende-se por reconhecimento voluntário da filiação quando alguém por iniciativa própria reconhece e declara a filiação. A declaração pode ser por registro de nascimento, escritura pública ou particular, por testamento ou por manifestação expressa e direta perante o juiz, conforme os incisos do artigo 1609 do Código Civil brasileiro. O ato jurídico de reconhecimento espontâneo tem forma solene, pública e irrevogável e sua eficácia é erga omnes 10, uma vez reconhecido, é irretratável e indisponível, não admitindo arrependimento posterior, gerando assim o estado de filiação, é o tipo de reconhecimento que independe da prova de origem genética, exceto se houver erro ou falsidade do registro por impugnação. Vale dizer que o Conselho Nacional de Justiça, por meio do Provimento de nº 16, estabeleceu um conjunto de regras e procedimentos a fim de facilitar o reconhecimento da paternidade no Brasil. Segundo este Provimento, o pedido de reconhecimento de paternidade poderá ser formulado em qualquer cartório de registro civil do país tanto pelo filho quanto pelo pai, o qual será encaminhado ao juiz competente que determinará a notificação do suposto pai ou filho para se manifestar em juízo. Havendo a confirmação do vínculo paterno, o juiz oficiará ao respectivo cartório para incluir o nome do pai na certidão de nascimento do filho. Na hipótese de não comparecimento do intimado ou de manifestação negando a paternidade, o caso será encaminhado à Defensoria Pública do Estado ou ao Ministério Público, com o fim de tomar as providências cabíveis, isto é, o ingresso de demanda judicial. Verifica-se que o Conselho Nacional de Justiça não estabeleceu a necessidade de apurar a existência de vínculo sanguíneo para que haja o reconhecimento da paternidade, o que indica a possibilidade de reconhecimento da paternidade socioafetiva, ou seja, existindo a confirmação do vínculo paterno independente da relação biológica a paternidade será reconhecida junto ao cartório 10 Em tradução livre: para todos.

de registro civil. Já o reconhecimento judicial que se dá através da investigação de paternidade, pode ser solicitada pelo próprio filho e que causa efeitos jurídicos na sua decretação e seu caráter é pessoal. Essa ação quando julgada procedente, isto é, haver o reconhecimento da paternidade, há alteração nos interesses particulares e patrimoniais dos filhos, como por exemplo, tornam-se herdeiros necessários daquele que figurou no polo passivo da demanda. Pela sentença proferida na referida ação, além de ser declarado o reconhecimento da paternidade, poderá, ainda, ser fixada pensão alimentícia definitiva em favor do filho menor, a fim de que o genitor reconhecido passe a colaborar para com o seu sustento. Isso se explica ante a necessidade de um reconhecimento compulsório da paternidade, sendo que o genitor reconhecido normalmente não possui a guarda do filho, tendo apenas o direito de visitá-lo, nos limites estabelecidos pela decisão judicial. Contudo, o reconhecimento da paternidade, deverá ser averbado no registro de nascimento, passando a ter direitos pessoais, patrimoniais e sucessórios deste reconhecimento, mas que, caso este filho tenha bens, não será de usufruto e administração de quem o reconheceu, mas daquele que tem sua guarda. Como se viu, com o advento da Constituição Federal de 1988, surgiu um novo padrão para as relações familiares, deixando de existir mais um conceito fechado de família, mas, um conceito socioafetivo, pautado pela afetividade e pela de felicidade de cada um. Desta maneira, a nova postura acolhida pela família se liberta do vínculo puramente biológico, passando-se para as relações de afeição, de amor e de respeito. Acerca do tema, Luiz Edson Fachin 11 anota: Pai também é aquele que se revela no comportamento cotidiano, de formas sólidas e duradouras, capazes de estreitar os laços da paternidade numa relação psico-afetiva, aquele enfim que, além de poder lhe emprestar seu nome de família, o trata como sendo seu filho perante o ambiente social. 11 FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade: relação biológica e afetiva. Belo Horizonte, MG: Del Rey, 1996. p. 163.

É nessa perspectiva que surge a paternidade socioafetiva, mediante a qual uma pessoa, mesmo sem nenhum laço genético, passa à condição de pai, em decorrência do afeto. No ordenamento jurídico atual, o artigo 1593 do Código Civil, quando faz menção às formas de parentesco, além do natural e civil, traz ainda de outra origem, englobando este parentesco ao socioafetivo, em que dispõe: O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. Neste cenário, a hermenêutica extensiva e teleológica do dispositivo legal supramencionado é no sentido de que o parentesco pode decorrer-se do laço sanguíneo, do vínculo adotivo ou de outra origem, como por exemplo a relação socioafetiva. Em outras palavras, esta outra origem, abrange o reconhecimento de filhos de qualquer natureza, inclusive aqueles que não tenham vínculo sanguíneo, baseando-se pelo afeto. 6. RESULTADOS: A paternidade socioafetiva aparece então como sendo aquela resultante da construção afetiva, decorrendo da convivência familiar duradoura, bem como do carinho e cuidados indispensáveis à pessoa humana, emergindo dentro do conceito de família mais atual, isto é, de família sociológica, unida pelo amor, onde se procura a felicidade de seus membros, o que indica o afeto é fator primordial para a caracterização da paternidade socioafetiva, a qual pode decorrer de vínculo sanguíneo ou não. O afeto é o elemento capaz de identificar os elos familiares, desatando-se do vínculo genético, como principal fator determinante de atribuir a paternidade a alguém, tendo em vista a convivência familiar. O reconhecimento tem eficácia declaratória tanto na forma espontânea quanto na judicial, trazendo efeitos ex tunc, que retroage até a data de nascimento, podendo ser até antes do nascimento, mas não condicionada a sobrevivência do nascituro, e caso o filho nasça sem vida, o reconhecimento existiu e com isso é valido e existente, devendo se proceder ao registro do nascimento. A irrevogabilidade da paternidade socioafetiva é reconhecida pela jurisprudência pátria, com fundamento no reconhecimento da verdade sociológica e na valorização da afeição em matéria de filiação, ao passo que quando resta

comprovada a inexistência dos vícios de consentimento supramencionados, bem como a solidificação da posse do estado de filiação, isto é, a existência de afeto entre as partes, os tribunais pátrios têm decidido pela impossibilidade de anulação do registro civil. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Das pesquisas fica evidente que a revogação da paternidade socioafetiva não harmoniza com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, quando já houver sido solidificado a posse do estado de filiação. Diante de todo o exposto, a irrevogabilidade da paternidade socioafetiva é medida que assegura os interesses e os direitos dos filhos, sendo, portanto, inadmissível sua revogação/desconstituição, quando esta estiver solidificada, salvo nos casos em que houver vício de consentimento. 8. FONTES CONSULTADAS: ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto de. Aspectos da paternidade no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva 2004. BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade: posse de estado de filho. Paternidade socioafetiva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2015. FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao novo Código Civil: do direito de família; do direito pessoal; das relações de parentesco, v.18. 1. ed. Coordenador Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2003. FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade: relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. LEITÃO, Manuela Nishida; TOMASZEWSKI, Adauto de Almeida. Filiação Socioafetiva: A Posse de Estado de Filho Como Critério Indicador da Relação Paterno-Filial e o Direito à Origem Genética. Disponível em: http://web.unifil.br/docs/juridica/03/revista%20juridica_03-1.pdf. LOBÔ, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos. Teoria e Prática. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. v. 6. 4. ed. São Paulo; Atlas, 2004. VILLELA, João Batista. O modelo constitucional da filiação: verdades e superstições, apud WELTER, Belmiro Pedro. Coisa julgada na investigação de paternidade. 2. ed. Porto Alegre: Síntese, 2002.