Análise de Situação: Apropriação de Conceitos Científicos

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Transcrição:

VIII ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS - VIII ENPEC 2011 Análise de Situação: Apropriação de Conceitos Científicos Analysis of Situations: Appropriation of Scientific Concepts Vanessa Vale Oliveira 1, Roberto de Souza Teodoro Júnior 2, Luiz Gustavo Silva 3, Gabriel Dias de Carvalho Júnior 4 1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais Campus Congonhas, vanessavale16@gmail.com 2 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais Campus Congonhas, robertoteo@gmail.com 3 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais Campus Congonhas, luizgustavo1304@yahoo.com.br 4 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais Campus Congonhas e Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Educação, gabriel.carvalho@ifmg.edu.br Resumo Este artigo apresenta a utilização da Teoria dos Campos Conceituais como referencial teórico para a análise de situações em que uma estudante de ensino médio revela alguma dificuldade na apropriação dos conceitos científicos de calor e temperatura. A pesquisa empírica é focada em um episódio em que os alunos estão em debate teórico com o professor acerca dos conceitos iniciais da Física Térmica. Procuramos, a partir da análise dos turnos de fala desta estudante, identificar os conceitos-em-ação e teoremas-em-ação utilizados por ela para dar sentido às situações que já haviam sido vivenciadas em atividades práticas e às relações destas com os conceitos científicos. Com isso, chegamos a identificar o que entendemos ser um esquema utilizado pela estudante para abordar as situações. Palavras-chave: campos conceituais, conceitos científicos, conceitos-em-ação, teoremas-emação, esquemas Abstract This paper presents the use of the Conceptual Fields Theory as a theoretical reference for the analysis of situations where high school student reveals some difficulty in the appropriation of scientific concepts of heat and temperature. The empirical research is focused on an episode which the students are in the theoretical debate with the teacher about the initial concepts of thermal physics. We searched from the analysis shifts of the student speech, identify the concepts-in-action and theorems-in-action used by it to make sense of situations that had been experienced in practical activities and their relations with the scientific concepts. This brought us to identify what we believe is a scheme used by the student to address the situations.

Keywords: conceptual fields, scientific concepts, concepts-in-action, theorems-in-action, schema Introdução Muito se tem discutido acerca dos processos de construção de conceitos científicos na escola básica brasileira. Percebe-se, nessa área, uma intensa publicação onde os autores utilizam referenciais teóricos os mais diversos. Em especial, trabalhos ligados à identificação e ao estudo de conceitos físicos são de importante realização, pois permitem, por um lado, maior conhecimento das formas de pensar dos indivíduos e dos fatores que influenciam na construção dos conceitos científicos e, por outro, iluminam a área da didática em física na construção de sequências didáticas. Nesse contexto, há, historicamente, uma série de tentativas de compreender o processo de conceitualização, que vão desde formulações ligadas à mudança conceitual até as tradições da psicologia sociocultural. Neste trabalho discutimos, à luz da teoria dos campos conceituais de Vergnaud, um episódio ocorrido durante a aplicação de uma sequência de ensino de um dos autores. Nesse episódio, onde eram sistematizados os conceitos básicos de física térmica, a participação de uma estudante chamou-nos a atenção pela forma como utilizava seus conhecimentos-em-ação com vista à construção de um todo conceitual coerente sobre os fenômenos térmicos. Fundamentação Teórica Gérard Vergnaud é um psicólogo francês que procura investigar o sujeito do conhecimento durante o desenvolvimento de situações de ensino. O autor procura redirecionar o foco piagetiano do sujeito epistêmico para o do sujeito-em-situação. Esse deslocamento de objeto de análise procura responder à pergunta central de como o sujeito aprende em situação. Em sua Teoria dos Campos Conceituais, Vergnaud (VERGNAUD, 1990, 1991, 1993, 1996 e 2007) afirma ser o ponto-chave da atividade de cognição a conceitualização do real, uma atividade interna ao sujeito que se dá por meio de rupturas e permanências, e que, por isso, exige que se estenda por longo período de tempo. Nesse sentido, os conceitos são, para Vergnaud (1991), formados por uma trinca indissolúvel, contendo o conjunto das situações, dos invariantes operatórios e das representações simbólicas, sendo: (1) Situações (S): uma situação é uma tarefa complexa ou uma combinação de tarefas mais elementares que um dado sujeito é colocado para resolver; para conseguir enfrentar a situação, o sujeito necessita dispor dos conhecimentos já construídos e dos que estão em construção, das ferramentas e dos símbolos mediacionais disponibilizados pela cultura, pelo auxílio de pares e dos procedimentos; dos conceitos mobilizados, dos procedimentos utilizados para o enfrentamento das situações. (2) Invariantes operatórios (I): são os teoremas-em-ação e os conceitos-em-ação que, na maioria das vezes, permanecem implícitos durante o processo, mas que podem ser inferidos a partir das respostas apresentadas às tarefas que o sujeito deve resolver. (3) Representações simbólicas (R): são o referente do conceito e englobam as formas semióticas que permitem evocar o conceito em situação, as maneiras gráficas de identificar o conceito, as formulações matemáticas e as definições. 2

Na representação a seguir, o vértice superior refere-se ao domínio S, o vértice da direita associa-se com o domínio R e o da esquerda refere-se aos invariantes operatórios I. As situações para as quais a utilização do conceito é necessária Os conhecimentos disponíveis, que podem ser mobilizados no sentido de tornar o conceito operacional Os elementos semióticos que permitem evocar o conceito e operar com ele: - linguagem verbal - linguagem escrita As definições, as regras, os algoritmos, etc que são explicitáveis em um conceito Figura 01: Domínios nos quais se pode analisar um conceito Os conceitos-em-ação e os teoremas-em-ação são, segundo a formulação de Vergnaud, o que permite a um dado sujeito agir em situação. É por meio deles que é possível a um sujeito reconhecer um problema como tal e propor soluções. A primeira distinção a ser feita é que conceitos-em-ação não são conceitos verdadeiros, visto que não são necessariamente explicitáveis e não possuem uma estrutura lógica e ancorada no interior de uma teoria. Pelo contrário, são construtos pessoais, orientados para uma dada classe de situações, que podem ser pertinentes ou não pertinentes para a abordagem de uma dada situação. Evidentemente, certo conceito-em-ação pode compartilhar alguns aspectos de um conceito científico e é por isso que afirmamos que tal compartilhamento provê um campo frutífero de análise para o processo da cognição. A articulação entre os conceitos-em-ação é feita por intermédio dos teoremas-em-ação, proposições sobre a realidade que são, também, implícitas nos sujeitos. Os teoremas-em-ação podem ser verdadeiros ou falsos, mas contem certa base conceitual para tornar o pensamento, operatório (VERGNAUD, 1998).... os conceitos-em-ação permitem retirar do meio as informações pertinentes e selecionar os teoremas-em-ação necessários ao cálculo, ao mesmo tempo, dos objetivos e subobjetivos suscetíveis de serem formados, e de regras em ação, de tomada de informação e de controle permitindo atingi-los. (VERGNAUD, 2009b, P. 22) Tendo estabelecido esses pontos, podemos, então, definir que um campo conceitual é, ao mesmo tempo, um conjunto de situações e um conjunto de conceitos: o conjunto de situações cujo domínio progressivo pede uma variedade de conceitos, de esquemas e de representações simbólicas em estreita conexão; o conjunto de conceitos que contribuem com o domínio dessas situações. (VERGNAUD, 2009b. P. 29) 3

No âmbito da Teoria dos Campos Conceituais, a marca piagetiana é visível na ideia central de que o sujeito trabalha internamente para construir relações lógicas entre objetos (físicos e psicológicos) e isso provê uma base para o seu desenvolvimento, além do empréstimo à Piaget dos termos esquema e invariante operatório que indica claramente que ele é o primeiro inspirador desta teoria (VERGNAUD, 2009b, p. 24). Por outro lado, as representações semióticas e a ênfase nas situações remonta às formulações vigotskianas acerca da influência do outro e da cultura no processo de formação das funções psicológicas superiores (VIGOTSKI, 2005). Um ponto central da TCC é a noção de esquema que, segundo Vergnaud, foi uma das maiores contribuições deixadas por Piaget. Podemos compreender o esquema como uma organização invariante do comportamento para uma dada classe de situações. É por meio dos esquemas de ação que um sujeito consegue utilizar metas e antecipações, regras de ação do tipo se (...) então e construir inferências. O conhecimento contido nos esquemas pessoais são os invariantes operatórios, ou seja, os teoremas-em-ação e os conceitos-em-ação. Os invariantes operatórios são componentes essenciais dos esquemas (VERGNAUD, 1998, p.167), nem sempre são explicitáveis na abordagem de certa situação e promovem o elo entre os esquemas e processo de apropriação dos conceitos. Esse elo é fundamental porque une elementos internos ao sujeito, como as representações e as crenças aos elementos externos ligados aos objetos presentes nas situações. Dessa forma, é a partir da análise dos conceitos-em-ação e dos teoremas-em-ação que os pesquisadores da área de Ensino de Ciências podem avaliar o desenvolvimento conceitual de um determinado sujeito. Sobre essa situação, Vergnaud afirma que conceitos-em-ação e teoremas-em-ação podem progressivamente se tornar conceitos e teoremas científicos reais (VERGNAUD, 1998. p. 175). Frente a determinada situação, um sujeito necessita organizar seus esquemas, selecionar os conceitos pertinentes, planejar sua ação e propor respostas. Esse processo é complexo uma vez que exige a articulação entre diversos recursos presentes no repertório cognitivo do sujeito. Quando age em situação, o sujeito desenvolve e utiliza formas provisórias de representação do mundo físico que guiam sua forma de abordar e propor soluções para os problemas encontrados. Essas formas não são necessariamente verbalizáveis, visto que não são ainda os conceitos científicos, tampouco representam algo estruturado no sistema cognitivo do sujeito. Contextos da pesquisa A sequência de ensino que deu suporte à sua pesquisa de mestrado (CARVALHO JÚNIOR, 2005), aplicada em uma turma de ensino médio em um colégio da rede particular da capital mineira, foi organizada para um total de 16 aulas de 50 minutos cada. O objetivo geral da pesquisa era acompanhar a trajetória de aprendizagem de estudantes em Física Térmica quando da distinção entre os conceitos de calor e temperatura. Para isso, foram planejadas atividades diversificadas como experimentos em grupo, leituras de textos, discussões coletivas, resolução individual de problemas abertos, pesquisas em páginas eletrônicas, visualização de simulações e realizações de experimentos de pensamento. A primeira parte da sequência de ensino era destinada a um grupo de experimentos 4

organizados com a intenção de mostrar a inoperância de alguns conceitos cotidianos de calor e temperatura para abordar e explicar situações científicas. O episódio a ser analisado aconteceu após a aplicação dessa primeira etapa da sequência de ensino. Nesse momento, o professor julgou ser importante um momento para a sistematização dos conceitos já estudados, visto que havia uma fala recorrente por parte dos estudantes que indicava certa insatisfação por não haver um momento em que os conceitos físicos fossem organizados. Em uma aula de 50 minutos, com a turma de 36 alunos disposta em círculo, o professor retoma os experimentos realizados para, em debate com a turma, sistematizar os conceitos científicos de calor, temperatura e equilíbrio térmico. Durante essa aula, a estudante Júlia se destaca pela forma como conduz suas perguntas na tentativa de dar sentido às suas formulações. A seguir, mostraremos alguns turnos da fala da estudante citada e analisaremos seus possíveis significados à luz da teoria dos campos conceituais. Para isso, verificaremos alguns conhecimentos-em-ação utilizados por Júlia para tentar inferir o esquema central de resolução de problemas que ela mobiliza em situação. Episódio Professor: (...) é possível fornecer calor para um objeto e mesmo assim a temperatura não variar, é possível você fazer a temperatura variar sem que haja fornecimento de calor como no caso do microondas. É possível você fornecer a mesma quantidade de calor pra água e pra óleo, não sei se vocês se lembram da prática, e mesmo assim a variação de temperatura ser diferente. Bom, resumindo, os conceitos de calor e temperatura não podem ser iguais; eu não posso dizer que calor e temperatura sejam sinônimos, porque se eu falo, por exemplo que a temperatura vai medir o tanto de calor que tem no objeto sou obrigado a afirmar que só tem variação de temperatura quando tem calor e a história do microondas que vimos na última aula desmente essa história. Então que...(o professor é interrompido) Júlia (3 00 ): Só tem uma coisa que eu não entendi, quando você tem calor <<faz um gesto negativo, recusando a palavra calor >> energia, você transfere calor/energia, mas o que você tá esquentando não muda de temperatura, por que que não muda de temperatura? Professor: Chega um determinado momento pra cada substância em que a energia que ela recebe já não vai mais aumentar a vibração, essa energia vai romper essa ligação, o texto chama esse negócio de calor latente. (...) quando você tem um calor recebido sendo utilizado para aumentar a vibração, você tem calor aumentando a temperatura. Júlia (6 15 ): Quando você fala que o calor ele tá influenciando eu não sei o que ele tá influenciando. Professor: Naquele momento não é a questão da conservação de energia. Olha só, se você está ligado a alguém: imagina você está no meio aqui e está cheio de gente em torno de você, ligados aqui, ali, aqui, ali. Bom, pra você romper isso há gasto de energia então eu canalizo essa energia pra quebrar ligação. Naquele momento a sua energia cinética vai continuar a mesma e depois que quebrou ligação, beleza, a energia cinética pode variar. Imagina: você tem um grupo de átomos. Se ela for canalizada pra quebrar ligação ela não poderá ser canalizada para aumentar a vibração e vice-versa, tá certo? Então, associado à energia cinética a gente tem a temperatura. Mudou a energia cinética a temperatura mudou. Associado ao estado físico, a forma do cara, o volume, ao jeitão dele, nós temos a energia potencial. Júlia (9 11 ): Me dá um exemplo em que você dá calor e a temperatura não varia. 5

Professor: Por exemplo, aquela prática que a gente fez do gelo sendo fundido. Ela não dá um resultado muito bacana porque você tem uma massa de água que já se fundiu e uma outra de gelo que ainda não se fundiu. Se a gente pudesse medir a temperatura só no gelo, o gelo continuaria a zero grau o tempo todo, aí é aquilo que eu perguntei a vocês, enquanto eu tiver o gelo que estava se fundindo, está a zero grau e continua a zero grau. Mas, agora, e a água que já se fundiu? A água aumenta a temperatura. Vocês mediram o aumento, teve gente que chegou a 18, 19, 22, beleza? Por isso que a gente fala que o objeto que está mudando de estado físico mantém a temperatura constante, porque o calor chama calor latente, que vai agir lá na energia potencial. Análise Tomando como referência os questionamentos e argumentos utilizados pela estudante, uma possível interpretação é que, de fato, ela distingue calor de temperatura. A aluna reconhece calor como um processo de transferência de energia. Isso pode ser evidenciado pelo cuidado que ela tem em se referir ao calor em sua primeira fala. Apesar de já apresentar uma boa conceitualização para o calor, a estudante ainda permanece com a ideia que se há calor, há variação de temperatura. Sendo assim, o teorema-em-ação utilizado indica que a Energia Interna é influenciada única e exclusivamente pelo calor (U = Q), ou seja, o calor é o único agente que faz a energia interna de um sistema variar, portanto, produz, sempre, variação de temperatura. O professor, no intuito de sanar as dúvidas da mesma, utiliza como argumento o modelo de partículas, ao qual enfatiza o papel da energia potencial e energia cinética das partículas em um corpo. Dessa maneira, busca demonstrar que a energia recebida pode ser canalizada para agitar as partículas (aumentando a temperatura) ou na quebra de ligações (mudança de fase). Percebemos que Júlia utiliza o conceito-em-ação de calor, no sentido de energia em trânsito. No entanto o teorema-em-ação citado anteriormente indica esse calor como causa única para a variação de temperatura. Esse teorema-em-ação parece ser utilizado por ela para abordar as situações de aquecimento e resfriamento dos corpos. Entendemos que a utilização desses invariantes operatórios está ligada a um esquema de resolução de problemas que atribui a cada conseqüência uma única causa. Com esse esquema, Júlia conduz toda a sua forma de abordar as situações que foram propostas. Em sua concepção, o calor deve ser a causa única para a conseqüência que deveria ser observada (a variação de temperatura). As situações apresentadas pelo professor que se chocavam com essa forma normal da estudante de gerar explicações, de fazer previsões e de resolver problemas eram, a princípio, rechaçadas por Júlia. Havia, portanto, ainda, um distanciamento entre a forma operatória do conhecimento (aquele que Júlia utiliza em ação) e a forma predicativa do conhecimento (aquele enunciado como um conceito científico). Essa aproximação, a nosso ver, só se daria a partir do momento em que o esquema identificado fosse modificado, no sentido de abarcar outras possibilidades de relação entre os conceitos. Considerações Finais A proposta desse trabalho foi destacar a influência dos esquemas na abordagem e solução das situações escolares apresentadas. É possível que, nesse processo, haja a construção de 6

relações conceituais nem sempre adequadas. A identificação destes esquemas, a partir da verificação dos conhecimentos-em-ação utilizados pelos estudantes, é importante para que o educador possa propor situações que favoreçam a construção de uma relação conceitual mais coerente por parte do estudante. Vale ressaltar que a análise feita neste ainda não havia sido proposta pelo pesquisador, o que mostra o quão vasto é o campo de pesquisa na área de ensino. Quer-se, com a apresentação do instrumento, uma discussão com outros pesquisadores no sentido de se apontar possibilidades de aplicação em outras áreas do conhecimento e não o restringindo somente ao ensino em Física. Desta maneira, será possível conduzir à construção de mais formas de abordagem desse fenômeno complexo e de difícil visualização que é a conceitualização. Referências CARVALHO JR., G. D. Trajetória de aprendizagem de estudantes de ensino médio: produção de significados em um curso introdutório de Física Térmica. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Educação, UFMG, Belo Horizonte. 2005 CARVALHO JR., G. D. e AGUIAR JR, O. G. Os campos conceituais de Vergnaud como ferramenta para o planejamento didático. Caderno Brasileiro de Ensino de Física. v. 25, n. 2: p. 207-227, ago. 2008 CASTORINA, J. A. O debate Piaget-Vygotsky: A busca de um critério para sua avaliação. In: CASTORINA, José Antônio et all. Piaget-Vygotosky: Novas contribuições para o debate. São Paulo: Ática. 2008. CLEMENT, J. Model based learning as a key research area for science education. International Journal of Science Education, v. 22, n. 9, p. 1041-1053. 2000. COSTA, S. e MOREIRA, M. A. Knowledge-in-action: an example with rigid body motion. Research in Science & Technological Education, v. 23, Issue 1, May, 2005. P. 99-122. CUDMANI, L. C. e PESÁ, M. A. La evolución de los significados de los Conceptos científicos en relación con la estructura cognitiva de los Estudiantes. In: Ciência & Educação, v. 14, n. 3, p. 365-80, 2008 DOLZ, Joaquim. e OLLAGNIER, Edmée. O Enigma da Competência em Educação. Porto Alegre: Artmed, 2004. ESCUDERO e JAIME. Conocimientos-en-acción: un estudio acerca de la integración de las fuerzas y la energía en cuerpo rígido. Investigações em Ensino de Ciências. V. 14(1). pp. 115-133. 2009 FANARO, M. A., OTERO, M. R. e MOREIRA, M. A. Theorems-in-action and conceptsin-action in two situations regarding the notion of quantum system. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências. Vol. 9 No 3, 2009. GARCIA, R. O Conhecimento em Construção: Das formulações de Jean Piaget à teoria de sistemas complexos. Porto Alegre: Artmed. 2002. HESTENES, D. Modeling methodology for physics teachers. In: Proceedings of the International Conference on Undergraduate Physics Education, College Park, August 1996. 7

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