A RELAÇÃO ENTRE A LÍNGUA INGLESA E O PROCESSO DE COMPOSIÇÃO DE MÚSICAS DE HEAVY METAL NUMA VISÃO CRÍTICA E FUNCIONALISTA DA LINGUAGEM



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A RELAÇÃO ENTRE A LÍNGUA INGLESA E O PROCESSO DE COMPOSIÇÃO DE MÚSICAS DE HEAVY METAL NUMA VISÃO CRÍTICA E FUNCIONALISTA DA LINGUAGEM Pedro Lazaro dos Santos - Universidade Federal do Piauí - UFPI 1 Introdução: pesquisando o inglês no heavy metal O heavy metal pode ser considerado um gênero musical proveniente do rock dos anos 1970 por possui características musicais que são comuns aos dois estilos: riffs de guitarra, virtuosismo, vocal forte, entre outras. Além dessas características em comum, o rock e o heavy metal compartilham uma mesma língua: o inglês. Desde seu surgimento, tanto o rock quanto o heavy metal são cantados em inglês e, mesmo quando foram adotados por jovens de países como Alemanha, Itália, França e Japão, continuaram tendo muita influência dessa língua. O mesmo ocorreu com as bandas brasileiras que iniciaram a cena heavy metal em nosso país, algumas delas gravando inicialmente em português, outras cantando em inglês desde o início, mas depois se consolidando com trabalhos apenas em língua inglesa. O presente trabalho se propõe a pesquisar como se dá o processo de escrita em língua estrangeira de músicas autorais de bandas brasileiras e a influência que a língua inglesa, cujo status é o de língua internacional de comunicação, exerce no processo de composição. Para tanto, primeiramente falarei a respeito da formação do heavy metal nos Estados Unidos e na Inglaterra nos anos 1970, além de sua chegada e consolidação no Brasil no início dos anos 1980, seguidas de uma discussão a respeito da abertura do mercado brasileiro para o mundo e o início das gravações de heavy metal em inglês por selos independentes. Tratarei, então, da teoria que norteará a análise dos dados coletados, baseada na Análise de Discurso Crítica e na Pragmática Cultural, e da metodologia de geração do corpus da pesquisa. Como a pesquisa ainda está em andamento, não tratarei da análise dos dados no presente artigo, mas, ainda 1 plsantos@ymail.com

assim, acredito que contribuirei para outras pesquisas nessa temática através do traçado histórico-teórico-metodológico que me proponho a fazer nas próximas páginas. Além do gosto pelo rock e heavy metal e a experiência que possuo na pesquisa e docência da língua inglesa, o que me motivou a realizar essa pesquisa foi o fato de o inglês estar presente em quase todas as composições de bandas brasileiras de metal que conheço. Bandas brasileiras como Sepultura, Angra, Shaman, Hangar e Dorsal Atlântica parecem preferir a língua inglesa em suas composições em detrimento da língua portuguesa, uma escolha que vai surtir efeitos além da melodia. A produção em língua portuguesa parece ser algo muito estranho no mundo metálico brasileiro, apesar da resistência de bandas como Holocausto e Ratos de Porão. Para justificar a escolha da língua inglesa, ouve-se muito que é influência do mercado musical, da globalização, etc. Concordo com esses fatores e eles também me motivaram a pesquisar sobre o assunto, mas, ao assistir ao documentário Ruído das Minas: a origem do heavy metal em Belo Horizonte (SARTORETO, 2009), me deparo com a seguinte declaração: A língua inglesa pra mim ela funciona como uma espécie de persona, é meio que uma língua que me deixa falar certas coisas que talvez em português elas fossem meio estigmatizadas para falar. Então, é quase que, é usar esse código a serviço da neutralidade do que você vai falar, você não tem nenhum compromisso com o código. [...] Mas sem jamais significar um alinhamento político e ideológico com os Estados unidos e a Inglaterra, muito antes pelo contrário. E é inclusive usando a própria arma do cara pra falar pra ele assim: Oh, bixo, você é escroto e na sua língua eu te falo isso. Você nem sabe a minha língua. Eu seu a sua, a minha e mais umas outras duas ou três. - Paulo Caetano, guitarrista do Witchhammer (SARTORETO, 2009, 52:02 53:11) Vejo, então, que há muito mais a ser refletido sobre o uso da língua inglesa no heavy metal. O pensamento acima exemplifica muito bem que a relação do inglês com o metal brasileiro está além do alcance monetário, de se ganhar dinheiro tocando ou vendendo seus discos no exterior: o inglês pode estar presente nas músicas porque as pessoas querem dizer algo ou realizar atos com essa língua que elas não conseguiriam (ou não quereriam, ou não poderiam) dizer ou fazer em português. É essa hipótese que pretendo defender com minha pesquisa. Antes de iniciar, gostaria de definir alguns termos. Usarei, sempre que possível, o termo heavy metal, mas também escreverei metal para me referir a esse gênero. Por conseguinte, usarei também o adjetivo metálico para designar algo que é pertencente à cena ou ao gênero heavy metal, menos para o sujeito ouvinte de heavy metal, que designarei como

headbanger. É também preciso notar que todas as citações retiradas de livros em inglês foram transcritas em português com minha própria tradução. O surgimento do heavy metal: uma vertente do rock americano Para discorrer sobre um histórico do heavy metal no mundo utilizarei dois trabalhos acadêmicos a respeito desse gênero que, apesar de discordarem em alguns pontos, concordam com a maioria. O primeiro é o livro Heavy Metal: The Music and Its Culture, da professora de sociologia Deena Weinstein (2000), que se preocupa mais com a dimensão social do heavy metal e como artistas, público e mediadores interagem por meio da música, mas sem deixar de lado o surgimento do gênero. O segundo, mas não menos importante, é o trabalho do Prof. Robert Walser (1993), chamado Running with the Devil: power, gender, and madness in heavy metal music. Em seu livro, Walser se preocupa mais com o heavy metal como gênero e como suas características musicais têm base textual e cultural, mas também trata do surgimento do metal nos anos 1970. Discorreremos, a partir de agora, a respeito desse surgimento e como a língua inglesa está presente desde os primórdios do heavy metal. Para Walser (1993, p. 7) o termo "heavy metal" vem sendo usado desde o final dos anos 1960, quando começou a aparecer como um adjetivo na imprensa roqueira. Já no início dos anos 1970, heavy metal se tornou um substantivo e, mais tarde, um gênero. A primeira vez que o termo heavy metal apareceu foi numa música da banda norte-americana Steppenwolf, que depois virou um hino do rock pesado e dos motociclistas: "Born to Be Wild": Get your motor running Head out on the highway Looking for adventure In whatever comes my way Yeah, darling, gonna make it happen Take the world in a love embrace Fire all of your guns at once and Explode into space meu) I like smoke and lightning Heavy metal thunder Racing with the wind And the feeling that I'm under (Born to be Wild, Steppenwolf, 1968, grifo

As histórias sobre as origens do heavy metal deveriam ter o blues afro-americano como referência, mas elas raramente o fazem. Walser argumenta que assim como a história da América se inicia na época da dominação branca, as histórias sobre heavy metal negam ou esquecem a influência dos negros. As bandas britânicas que são consideradas como precursoras do gênero tiveram sua música influenciada por músicos negros, como Chuck Berry e Jimi Hendrix, e é essa mistura que pode definir o heavy metal: bateria e baixo pesados, guitarra virtuosa distorcida e um estilo vocal poderoso que usava gritos e vocal gutural como sinais de transgressão e transcendência (1993, p.9). Para Weinstein (2000), o heavy metal surge do que ela chama de complexo cultural do rock que, por sua vez, derivava do rock and roll dos anos 1950. A autora faz uma divisão entre rock and roll e rock e considera que nenhum dos dois têm uma definição padrão: são muito amplos para serem considerados como gêneros; eles devem ser categorizados como formações dentro de um campo de cultura musical que inclua variedades de gêneros e subformas menos cristalizadas (p12). Em sua definição, Weinstein diz que o rock and roll foi substituído pelo rock nos anos 1960, perdendo um pouco da dose de blues que possuía anteriormente e ganhando elementos diferentes, como a folk music. Para ela, é a partir de Woodstock que começa a identificação de estilos diferentes de rock de acordo com as características do som e das letras. Tal divisão foi influenciada também pela indústria musical como uma estratégia de marketing para absorver públicos novos e especializados. Assim, já nos anos 1960 há bandas cuja música continha os elementos característicos do heavy metal: Os Kinks lançaram o primeiro hit feito com acordes poderosos em 1964, You Really Got Me. Alguns dão crédito a Jimi Hendrix para o primeiro hit heavy metal, a canção virtuosa e altamente distorcida Purple Haze de 1967. Tais bandas são identificadas pela maioria dos estudiosos como pertencentes ao período inicial do heavy metal (WALSER, 1993, p.9). De fato, histórias sobre o surgimento do gênero e do termo heavy metal são inúmeras e incertas, causando debates entre os especialistas, artistas e público. Normalmente, as histórias são influenciadas pelos lugares onde são contadas. Weinstein (2000) verificou que os americanos tendem a dar o crédito de pais do heavy metal à banda Led Zeppelin, enquanto que os britânicos citam o Black Sabbath como precursores do estilo. Entre 1969 e 1972 ocorre o que Weinstein e Walser chamam de fase formativa do heavy metal, que Weinstein define da seguinte maneira:

Primeiramente, o código desse gênero apareceu em canções isoladas. Mais tarde, o trabalho de uma banda ou de um conjunto de bandas passou a exemplificar esse código. Finalmente, as regras para gerar a música tocada por tais grupos de bandas são reconhecidas autoconscientemente e tornamse um código para os outros emularem (2000, p.14). Para Walser, o gênero heavy metal foi definido mais por influência e comportamento dos fãs do que pelo que os críticos escreviam a respeito das músicas. Muitos críticos detestavam o espetáculo visual promovido pelas bandas, pois consideravam esse artifício muito comercial e comprometedor da autenticidade musical. Eles consideravam horríveis, por exemplo, a maquiagem e as fantasias da banda Kiss, os recursos teatrais macabros de Alice Cooper e os fogos de artifício e fumaça utilizados por quase todas as bandas. No entanto, tais recursos eram marcantes na experiência vivida pelos fãs durante os shows, aumentando a popularidade das bandas e quebrando os recordes de público nos shows dos Estados Unidos e Inglaterra, há anos mantidos pelos Beatles. As bandas que mais se destacaram nesse período da fase normativa foram: Deep Purple, Black Sabbath, Led Zeppelin e Blue Öyster Cult (WALSER, 1993, p.10) Nos anos 1980, o metal passou de um gênero da subcultura musical para o gênero dominante da música americana. Esse avanço se deve ao que os estudiosos chamam de New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM), com o surgimento e consolidação de bandas como Def Leppard, Iron Maiden e Saxon. Esse momento foi marcado por: uma onda de renovação para o gênero do heavy metal. Na maior parte, a nova onda de metal apresentava músicas mais curtas e que mais fáceis de cantar, técnicas de produção mais sofisticadas e padrões técnicos mais elevados. Todas essas características ajudaram a pavimentar o caminho em direção ao grande sucesso popular (WALSER, 1993, p. 12). Apesar do nome, esse movimento não se restringiu apenas ao Reino Unido: nos Estados Unidos, bandas como Mötley Crüe e Ratt trazem a androgenia glam ao metal, enquanto bandas como Quiet Riot e W.A.S.P. ganham notoriedade internacional. O sul do estado da Califórnia torna-se o celeiro de bandas como Poison e Guns N Roses, impulsionadas pelo boom do metal no mundo todo. Na metade dos anos 1980, bandas de países falantes de outras línguas que não o inglês, juntaram-se ao movimento e contribuíram para a disseminação mundial do heavy metal. Bandas como a alemã Scorpions, a japonesa Loudness e a sueca Europe alcançaram grande prestígio tanto entre os críticos quanto entre os fãs, principalmente aqueles que tinham gosto pela e conhecimento da língua inglesa. Outro

fato que também marcou os anos 1980 como o ano do boom do heavy metal foi a proliferação de revistas especializadas no público headbanger. Além da Grã-bretanha e Estados Unidos, países como Itália, França e Alemanha experimentam um momento de produção jornalística especializada em heavy metal (WALSER, 1993, p. 12). O final dos anos 1980 foi marcado pelo aparecimento do metal na MTV: programas de TV especializados em divulgar a música surgem a pedido dos fãs. O público do heavy metal está mais maduro, há mais mulheres entre os fãs (talvez pelo apelo romântico das letras de Bom Jovi somado à sonoridade pesada do metal), e há uma certa fragmentação do gênero, dando origem a subgêneros com o auxílio das revistas e da indústria musical: Os gêneros se proliferaram: escritores de revistas e marqueteiros das gravadoras começaram a se referir ao thrash metal, commercial metal, lite metal, power metal, American metal, black (satanic) metal, white (Christian) metal, death metal, speed metal, glare metal, cada um carrega uma relação particular com o termo mais antigo, mais vago e mais prestigioso "heavy metal (WALSER, 1993, P.13) No entanto, ainda continua a fidelidade em relação a bandas como Black Sabbath, Iron Maiden, Deep Purple e Led Zeppelin. Outro fato marcante na história do heavy metal no final dos anos 1980 é em relação ao alcance do público. Nesse período, o metal está nas rádios, mesmo os subgêneros considerados mais violentos e barulhentos, como o thrash metal, atingem o público na programação diária das rádios com maior difusão, além de se manter firme e forte na programação da MTV. Assim, de uma perspectiva histórica, o gênero heavy metal pode ser estratificado em cinco eras: ele surge de 1969 a 1972 e começa a se cristalizar entre 1973 e 1975. O metal tradicional atinge sua época de ouro e sua total cristalização entre 1976 e 1979. Depois disso, entre 1979 e 1983, cresce o número de bandas e de tipos de fãs, levando o metal a uma complexidade enorme e a expansão de suas fronteiras. Os fragmentos e subgêneros finalmente se cristalizam, formando a diversidade que temos até hoje, após 1983. (WEINSTEIN, 2000, p.21). E é justamente o período de expansão e de cristalização de subgêneros que chega ao Brasil. O cenário brasileiro de heavy metal Traçar a história do Heavy Metal no Brasil não é tarefa fácil. Os trabalhos acadêmicos são raros e grande parte das informações a esse respeito é obtida através de blogs e das

publicações especializadas. Revisaremos as idéias e considerações de Janotti Jr. em dois trabalhos: sua dissertação de mestrado (1994) e seu livro Heavy Metal com Dendê (2004), e de Pimentel (2013), a partir da publicação Fúria a história e histórias do heavy metal no Brasil, que propõe a criação de um livro eletrônico colaborativo sobre os caminhos do metal no Brasil. Janotti Jr. (1994, p.71) defende que o início do metal no Brasil se deve a bandas como os Mutantes que, apesar de não ter o rótulo heavy metal (pois naquela época esse termo não era utilizado), contribuiu para o Rock brasileiro durante os anos 1970 e marcou a ruptura com a Jovem Guarda, trazendo o rock que era produzido no exterior, como Jimi Hendrix e Cream. Outra banda a ser lembrada é o Made in Brazil, que o autor considera como a pioneira do heavy metal no Brasil pelo fato de produzir um som mais pesado que o Rock tradicional já no final dos anos 60, apesar de apenas ter lançado seu primeiro LP em 1974. Além dessa, outra banda deve ser considerada ao se pensar no início da cena metal brasileira, o Patrulha do Espaço, que já trabalhava a temática tradicional do heavy metal que se espalhava pelo mundo (JANOTTI JR., 1994, pp.74-75). Pimentel (2013) também concorda com a inclusão do Patrulha no início da história do metal brasileiro, mas argumenta que: Aqui, qual no restante do mundo, a paternidade do Heavy Metal é reivindicada e atribuída a muitos grupos. A maioria dos dedos apontam para a Patrulha do Espaço, grupo criado em 1977 por Arnaldo Batista, recém saído dos Mutantes. Mas vale o mesmo princípio quando da criação do gênero Patrulha era um grupo de rock. Pesado. Mas não possuía cabeça, tronco e membros de metal (PIMENTEL, 2013, Cap. 1) Para ele, os anos 1980 também foram importantes para a cena do heavy metal no Brasil. A difusão do NWOBHM também afetou nossa terra. Janotti Jr. (1994) também defende que não há como se falar de uma cena metal no Brasil antes dos anos 80. Nesse período, surge o primeiro disco de uma banda paraense que era considera como rock pesado chamada Stress, e somente após o lançamento de seu LP homônimo trouxe dos fãs e da crítica a denominação heavy metal para seu trabalho. Roosevelt Bala, líder do Stress, fala em entrevista a Pimentel sobre seu show no Circo Voador em 1982 e sobre o seu pioneirismo: Foi um momento inesquecível pra nós, poucos artistas no Brasil experimentaram uma situação semelhante. Muitos gritavam que éramos o Judas brasileiro e pela primeira vez fomos rotulados de heavy metal, alguém gritou: É a primeira banda de heavy metal do Brasil. O Stress foi uma banda importante para as outras que surgiram naquele momento de

formação do heavy metal no Brasil, mesmo que ainda de maneira independente (PIMENTEL, 2013, Cap. 3). As publicações especializadas também contribuíram para a formação do gênero no Brasil, assim como aconteceu no exterior, mas de maneira mais regionalizada e em menor escala. As publicações eram em formato de fanzine, com ilustrações em preto e branco, resenhas dos discos de bandas internacionais e nacionais e notícias com a colaboração dos fãs. Um dos fanzines mais importantes e que circula como revista até hoje foi a Rock Brigade, lançada em Março de 1982, em São Paulo. A edição de estréia da Rock Brigade era composta por 12 páginas e assinada por Edu Schenker (Eduardo de Souza Bonadia), Roney Gillan (Roney Slemer), Ricardo Di anno (Ricardo Oyama), Roger The Sinner (Roger Slemer) e Tony Moon (Antonio Pirani). As referências nos apelidos são Rudolf e Michael Schenker, guitarristas alemães do Scorpions, o vocalista do Deep Purple, Ian Gillan, o ex-vocalista do Iron Maiden Paul Di anno e Keith Moon, ex-baterista do The Who. Na primeira edição do fanzine, textos sobre Deep Purple, AC/DC, Ozzy Osbourne, Uriah Heep, Motörhead, Def Leppard, além de letras traduzidas Rock Brigade, do Def Leppard, e You Can t Kill Rock n'roll, do Ozzy. Encartado, uma lista de gravações. (PIMENTEL, 2013, Cap. 2) No próximo ano, o heavy metal também estaria na imprensa e na televisão, com a chegada de Van Halen e Kiss para suas turnês brasileiras. Mas foi em janeiro 1985, no entanto, que todos os olhos (e ouvidos) estavam voltados ao movimento do metal com o festival Rock in Rio, na cidade do Rio de Janeiro. De acordo com Janotti Jr. (1994), das 13 atrações do festival, cinco eram importantes bandas no cenário metálico mundial: AC/DC, Iron Maiden, Ozzy Osbourne, Scorpions e Whitesnake. O festival foi muito importante, pois foi a primeira vez que um evento tão grandioso acontecia na América do Sul, fazendo com que fãs de países como Colômbia, Venezuela e Argentina viessem prestigiar suas bandas favoritas. Tal visibilidade também teve influência da mídia brasileira, que divulgou o festival e contribuiu para que o metal chegasse ao grande público. Por outro lado, os fãs de Rock Pesado acabaram sendo estereotipados e a Rede Globo se encarrega de cunhar o termo metaleiro, que foi severamente criticado e evitado pelo grupo de fãs de metal: Desde o Rock in Rio, o termo "metaleiro" ficou proibido dentro do grupo de fãs do Heavy Metal, as publicações especializadas e a comunicação tribal adotaram o termo americano headbanger, como forma de preservar a identidade grupal. Mas, se por um lado, a Tv Globo

Estereotipou os fãs de Rock Pesado, é inegável que o Rock in Rio foi fundamental na divulgação do estilo por todo país, o que contribuiu para a criação de inúmeras bandas e para um aumento considerável do público metálico (JANOTTI JR., 1994, p.78). Assim, a cena metal estava formada (e até mesmo estigmatizada) e a caminho de sua consolidação. As grandes gravadoras se interessam pela produção das músicas de bandas que até então só conseguiam gravar independentemente e aumenta o número de locais onde se podia ouvir e tocar heavy metal. A segunda metade dos anos 80 é marcada, então, por bandas como Dorsal Atlântica, Overdose e Sepultura, além de outras bandas nacionais que já tinham uma identidade mais metálica (JANOTTI JR., 1994, p.79). O Sepultura vem a se destacar no cenário ao lançar cinco músicas cantadas em inglês num álbum compartilhado com o Overdose e que vendeu oito mil cópias em um ano, o que era inédito na cena independente (JANOTTI JR., 2004, p.40). A banda lança mais um LP em 1986, assina com a gravadora internacional Roadrunner e parte para a turnê do terceiro trabalho, Beneath the Remains, nos Estados Unidos e na Europa, vendendo mais de 600 mil cópias no mercado internacional. A banda mineira passava a ser referência internacional no cenário metal mundial (p.42). Inspirando outras bandas a seguirem os caminhos do exterior, o Sepultura virou referência também no cenário nacional. Inicialmente como uma banda de Thrash metal, ele foi modificando seu estilo, influenciando até mesmo bandas de death metal. Bandas como Korzus e Viper também experimentaram sucesso no exterior, mas de maneira não tão grandiosa quanto o Sepultura. Mesmo assim, o sonho de se viver de heavy metal começa a se tornar realidade para diversas bandas por inspiração da carreira da banda (JANOTTI JR., 2004, p. 44). Os anos 1990 trazem uma abertura muito grande ao mercado musical brasileiro e os fãs começam a ter acesso a bandas de outros países e a estilos variados. A partir de então, há uma nova configuração da cena heavy metal, com menos produtos importados, mais consumo de bandas nacionais e shows internacionais ocorrendo com frequência. Tais fatores ajudaram a garantir o espaço do público brasileiro no comércio internacional, sendo, então, considerado um grande consumidor de rock pesado até a atualidade (JANOTTI JR., 2004, p.45). A língua inglesa presente nas composições de bandas brasileiras A língua inglesa é a música do Rock and Roll e, consequentemente, do Heavy Metal. Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos passam a vender o estilo de vida ideal,

no qual a liberdade é a lei. A juventude mundial compra esse estilo principalmente através do cinema e da música. O rock é um produto do consumo de massa que surge naquele momento e a língua inglesa o acompanhará por todo o globo. Ao contrário da música clássica, o rock simboliza o novo, o rebelde, a quebra do conservadorismo. A respeito da França, Giblin (2005) diz que Em termos musicais, o rock n roll representará para a juventude uma ruptura, por meio da língua e do estilo, que a nova música francesa não oferece. E a música dos outros países também não oferecia, o que favoreceu também a popularidade tanto do rock quanto da língua inglesa. Para Giblin, foi Elvis Presley nos anos 50 quem popularizou o rock em todas as esferas da sociedade, pois Presley era branco mas dançava e cantava como os negros. Inspirados em Elvis, vários grupos se formaram e os jovens passaram a dublar as músicas cantadas em inglês: Do inglês macarrônico (inglês fonético e quase sempre cômico), os iêiê-iês passaram a traduzir as frases, bem antes de começar a escrevê-las eles mesmos. Foi desse modo que o inglês se tornou a língua dos jovens e sua música, o rock n roll, o seu emblema (GIBLIN, 2005, p. 129). Esse fenômeno linguístico ocorreu concomitantemente em vários países, como no Brasil. No entanto, a importância do conteúdo das letras se inicia nos anos 1970, a época de ouro do rock e surgimento do heavy metal. Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan, Beach Boys, The Doors, entre outros, foram os grupos e cantores que mais se destacaram pelo conteúdo de suas músicas, variando entre o amor, a viagem psicodélica e as letras de protesto. Os jovens começam a aprender inglês por meio da música e vão além das melodias, descobrindo os textos brilhantes de protesto de Bob Dylan; a poesia de rua de Lou Reed; as letras fascinantes, cultas e incômodas de Jim Morrison; e as crônicas ácidas da sociedade presente nas composições de Mick Jagger e dos Kinks (GIBLIN, 2005, p. 130-1). Os anos 70 deixam o rock mais maduro, como já vimos anteriormente, contribuindo para o surgimento do heavy metal. No Brasil, o movimento de associação da língua inglesa ao heavy metal se deu em vários aspectos: no nome das bandas, dos álbuns, das músicas e, finalmente, nas letras. A banda Stress, precursora do heavy metal, apesar de ter gravado seu primeiro LP em português, adotou um nome em inglês, o que já mostra uma tendência a alinhar-se à tendência mundial de uso da língua inglesa no Rock Pesado. Para Janotti Jr. (2004, p.37), esse fato mostra que apesar de inicialmente ser cantado em português, o rock pesado brasileiro procurava uma linguagem que fosse análoga aos grupos estrangeiros. Em 1983, então, a banda Karisma lança Revenge, o primeiro álbum brasileiro gravado com músicas em inglês. É nesse ponto da

história que vemos a ruptura a qual menciona Giblin (2005), não só com os valores conservadores, mas também com a língua e através dela. Um exemplo de como se deu essa ruptura é a banda Dorsal Atlântica, primeira banda brasileira a ter reconhecimento internacional, que lança em 1988 o álbum Dividir e Conquistar com músicas em português juntamente com uma versão de músicas cantadas em inglês, com o nome de Divide & Conquer, direcionada ao mercado internacional (JANOTTI JR., 2004, p.39). Outro exemplo é a banda Overdose, que gravou a música Mensageiros da Morte em português e sua versão Messengers of Death em inglês (SARTORETO, 2009). Para Janotti Jr. (2004, p.39), alguns headbangers mais radicais, mesmo antes de 1988, já acreditavam que o heavy metal era uma música de caráter global e, como tal, deveria ser cantada em inglês. O Rock in Rio I (e posteriormente a segunda edição) não só abriram as portas do Brasil para bandas internacionais como também aumentou a visibilidade das bandas nacionais. A chance de conseguir assinar com uma gravadora internacional dependia do talento e das letras em língua inglesa. Um pouco de teoria sobre linguagem Após o pano de fundo histórico, acredito que posso tratar da teoria que embasará minha pesquisa. Assim, nesta seção, tratarei dos pressupostos teóricos que nortearão a análise dos dados de minha pesquisa. Acredito que ao observar as bandas de metal modificarem o código (do português, língua materna, para o inglês, língua internacional) em suas músicas para atingir o mercado fonográfico internacional, deve-se pensar em dois aspectos da linguagem: seu aspecto funcionalista, que entende a linguagem como um recurso de que as pessoas lançam mão em suas vidas diárias para interagir e se relacionar, para representar aspectos do mundo assim como para ser, para identificar a si e aos outros. Assim, a linguagem é consequência desse uso social. Concebendo o discurso como modo de interagir e de se relacionar, de representar e de identificar-se em práticas sociais, é possível a investigação das ações materializadas nos textos (RAMALHO E RESENDE, 2011, p. 22). Fairclough (2003) utiliza esse modelo, baseado na teoria funcionalista de Halliday, para uma articulação entre essas funções e os conceitos de gênero, discurso e estilo, definindo três tipos de significados: o acional, que focaliza o texto como modo de (inter)ação em eventos sociais, correspondendo aos gêneros; o representacional, que enfatiza a representação de aspectos físicos, mentais e sociais nos

textos, correspondendo aos discursos; e o identificacional, que se refere à negociação e construção de identidades no texto, correspondendo a estilos (RESENDE E RAMALHO, 2009, p.60). Nesse trabalho, utilizarei a articulação de Fairclough (2003) para analisar o processo de composição das músicas de heavy metal em inglês por bandas brasileiras. O outro aspecto da linguagem que guiará minha análise é o caráter performativo da linguagem estabelecido por Austin (1962) e rediscutido por Mey (2001) e Rajagopalan (2010). Na obra How to do Things with Words, Austin sugere que falar uma língua é realizar uma série de atos, de ações, através de seus pensamentos sobre enunciados performativos. De acordo com Mey, a relevância dessa teoria para os estudos da e sobre a linguagem está no caráter modificador do ato de fala: os atos de fala são ações verbais que acontecem no mundo. Proferindo um ato de fala, eu faço algo com minhas palavras: eu performatizo uma atividade que (pelo menos intencionalmente) traz uma mudança no estado das coisas (daí o rótulo sentenças performativas, que originalmente foi atrelado aos atos de fala) (MEY, 2001, p.95). Esses pensamentos foram fundamentais para o desenvolvimento da pragmática enquanto ramo da linguística, porém tradicionalmente a pragmática é considerada como o estudo da linguagem em uso, ou melhor, da relação entre a estrutura da linguagem e seu uso (FIORIN, 2010, p. 166). No entanto, a nova orientação da pragmática traz para a análise a sociedade, analisando de que maneira o nosso uso da linguagem cimenta os interesses dominantes de nossa sociedade, ajudando a oprimir um grande segmento da população (MEY, 1985, p.16 apud RAJAGOPALAN, 2010, p.40). Assim, Mey e Rajagopalan defendem a necessidade da sociedade para os estudos da linguagem e que a questão social não deve ser um complemento do estudo feito pelo núcleo duro da linguística, fazendo com que a pesquisa em pragmática possa repensar o papel da sociedade ao moldar e manter a linguagem. Dessa forma, como base para a análise crítico-discursiva e pragmática que proponho para o processo de composição das músicas em língua inglesa, considerarei o heavy metal como um evento social, com uma dimensão que engloba três segmentos: artistas, público e mediadores. Essa divisão (que apenas segmenta, mas não separa) é fruto da concepção de Weinstein (2000) da dimensão social que o heavy metal possui e que participação no processo de composição e autoria das músicas. Também considerarei o heavy metal como gênero musical e como prática discursiva, conforme Walser (1993). O autor considera o heavy metal como um sistema social significante, e não apenas um conjunto de características, que considera os detalhes da música, como unidades gestuais e sintáticas organizadas pela

narrativa e outras convenções formais, e que constituem um sistema para a produção social de significado (WALSER, 1993, p.xiv). Metodologia para a análise de composições de heavy metal O corpus de minha pesquisa será composto por entrevistas com dois compositores de músicas que foram gravadas por bandas de heavy metal no Brasil. As entrevistas foram colhidas por meio de gravador digital, armazenadas em arquivos de áudio e os trechos mais relevantes para a pesquisa foram transcritos. A escolha desses participantes se deu pelo fato de as bandas nas quais atuam não terem o reconhecimento internacional que certas bandas brasileiras já possuem, pois atuam apenas localmente. Também analisarei as letras de músicas em inglês compostas por eles. Além disso, farei uso de um documentário em vídeo intitulado Ruídos das Minas: a origem do heavy metal em Belo Horizonte (SARTORETO, 2009), produzido e dirigido por Felipe Sartoreto, com entrevistas com músicos de bandas que iniciaram a cena heavy metal de minas Gerais. Trechos do documentário serão transcritos e poderão ser utilizadas as letras das músicas veiculadas. Organizaremos nosso corpus utilizando as categorias analíticas conforme definição de Ramalho e Resende para a análise crítico-discursiva de textos. As autoras defendem que, por meio de tais categorias, podemos analisar textos buscando mapear conexões entre o discursivo e o não discursivo, tendo em vista seus efeitos sociais (2011, p. 112-3). As categorias trazem os aspectos discursivos que se quer investigar juntamente com perguntas sobre o texto em análise, podendo ter seu número dependente do objetivo da análise e da natureza da pesquisa. De qualquer forma, as categorias sempre estarão ligas aos aspectos que se quer exploração em conjunto com os significados acional, representacional e identificacional que descrevemos anteriormente. Considerações parciais Como propus no início deste artigo, discorri de maneira breve sobre o surgimento do heavy metal e sua influência e chegada ao Brasil. Posteriormente, tratei da influência da língua inglesa nas músicas de bandas brasileiras, tratando da primeira banda a gravar em inglês e como o cenário heavy metal estava aberto internacionalmente. Também tratei da teoria que utilizarei em minha pesquisa e a metodologia para a geração dos dados. Como o

projeto de pesquisa está em andamento, no momento da escrita deste artigo eu estava tratando os dados para sua posterior análise, o que me impediu de abordá-los neste artigo. De toda forma, pode-se já perceber que há muita influência do caráter internacional que a língua inglesa possui nas composições de bandas de heavy metal brasileiras através dos fatos descritos e abordados em outros trabalhos. Vimos que a abertura do mercado internacional no final dos anos 1980 fez com que as bandas nacionais começassem a compor em inglês visando à promoção de seus trabalhos no exterior. Assim, podemos concluir que há na relação entre a língua inglesa e o metal brasileiro uma caráter dual: ao mesmo tempo em que representa o gênero, dado o seu surgimento em países anglofônicos, a língua inglesa usada na cena metálica brasileira também suscita a questão de que, ao usá-la, as bandas querem alcançar um objetivo e realizar um ato. Portanto, a escolha dos autores tratados na seção de pressupostos teóricos foi feliz na medida em que traz à minha pesquisa a concepção funcionalista e performativa da linguagem. Desejo, ao final da análise, publicar seus resultados e tirar conclusões mais sólidas e baseadas nas teorias que usamos e nos dados gerados para a pesquisa. Espero que esse delineamento histórico, teórico e metodológico ajude outras pesquisas que se propõe a estudar a articulação entre o heavy metal e a linguagem. Referências AUSTIN, John L. How to do Things with Words. Oxford University Press, 1962. FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: textual analysis for social research. London: Routledge, 2003. FIORIN, José Luiz. Introdução à linguística: I. objetos teóricos. São Paulo: Contexto, 2010. GIBLIN, Rémi. O inglês por meio da música. In: LACOSTE, Yves (org.); RAJAGOPALAN, Kanavillil. A Geopolítica do Inglês. São Paulo: Parábola, 2005. JANOTTI JR., Jeder. Heavy metal : o universo tribal e o espaço dos sonhos. Dissertação de mestrado. Inédita. IA/UNICAMP, 1994.. Heavy metal com dendê: rock pesado e mídia em tempos de globalização. Rio de Janeiro: E-Papers, 2004. MEY, Jacob. Pragmatics: an introduction. 2ª. ed. Blackwell Publishing, 2001.

PIMENTEL, Luiz Cesar. Fúria: a história e as histórias do heavy metal no Brasil. Prefácio, Cap. 1, Cap. 2 e Cap. 3. Disponível em: <http://wikimetal.uol.com.br/site/furia-a-historia-eas-historias-do-heavy-metal-no-brasil/>. Acesso em: 31 de janeiro de 2013. RAJAGOPALAN, Kanavillil. Nova Pragmática: fases e feições de um fazer. São Paulo: Parábola, 2010. RAMALHO, Viviane; RESENDE, Viviane. Análise de discurso (para a) crítica: o texto como material de pesquisa. Campinas: Pontes, 2011. RESENDE, Viviane; RAMALHO, Viviane. Análise de discurso crítica. São Paulo: Contexto, 2009. SARTORETO, Filipe. Ruído das Minas: a origem do heavy metal em Belo Horizonte. Documentário. DVD. 83min. Belo Horizonte, 2009. WALSER, Robert. Running With the Devil : Power, Gender, and Madness in Heavy Metal Music. Londres: Wesleyan University Press, 1993. WEINSTEIN, Deena. Heavy Metal: The Music and Its Culture. Da Capo Press, 2000.