ACV DO PROCESSO DE PRODUÇÃO DA CERVEJA Michael Walter Trommer (UNIMEP ) michaeltrommer@terra.com.br Aparecido dos Reis Coutinho (UNIMEP ) arcoutin@unimep.br Resumo A busca pelo desenvolvimento sustentável é um dos maiores desafios para a sobrevivência da humanidade, de modo que para alcançar a sustentabilidade várias ferramentas estão sendo criadas e aperfeiçoadas, destacando-se entre elas a Annálise do Ciclo de Vida (ACV) que consiste na quantificação e avaliação das entradas, saídas e dos potenciais impactos ambientais de um sistema produtivo durante todo o seu processo. No campo voltado a indústria de alimentos, o estudo da ACV do processo de produção deve incluir principalmente o balanço de massa das matérias primas, o balanço de energia e seus efeitos sobre o meio ambiente. No presente trabalho são apresentados os resultados da ACV do processo de produção de cerveja, em uma unidade piloto com capacidade de produzir 72 L por batelada. Palavras-chaves: ACV, Análise do Ciclo de Vida, Sustentabilidade, Cerveja.
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1 Introdução A busca constante pelo desenvolvimento sustentável é um dos maiores desafios para a sobrevivência da humanidade, de modo que a sustentabilidade vem se tornando com o passar dos anos, uma combinação de fatores com o intuito de desenvolver metodologias e processos para de manter o sistema produtivo atual, sintonizando-o de forma benéfica com o meio ambiente. Sustentabilidade pode, portanto, ser considerada como a integração de critérios ambientais, sociais e econômicos, mantendo um justo equilíbrio entre esses três aspectos com o objetivo de fornecer suporte a uma organização, em termos de competitividade em longo prazo, tal que as mudanças em prol do meio ambiente beneficiem também a corporação e não sejam vistas apenas como prejuízos (CARTER, 2008). Assim, em busca da sustentabilidade, várias ferramentas estão sendo criadas e aperfeiçoadas, destacando-se entre elas a Análise do Ciclo de Vida (ACV) que consiste na quantificação e avaliação das entradas, saídas e dos potenciais impactantes ambientais de um sistema produtivo durante todo o seu processo. O termo ciclo de vida refere-se à fabricação, a utilização, a manutenção e disposição final de um produto, incluindo a matéria-prima necessária para a sua fabricação, além dos contaminantes emitidos durante e após o processo de produção. Ou seja, a ACV de um produto, ou serviço, abrange desde a extração dos recursos naturais para sua produção até o descarte final, podendo-se dizer do berço ao túmulo na vida de um produto (CARTER, 2008; CURRAN, 1999). A análise do ciclo de vida, sob o ponto de vista ambiental, foi desenvolvida com base na idéia de avaliação ambiental abrangente de produtos, que foi inicialmente concebido na Europa e nos Estados Unidos na década de 1960 e início de 1970 (HUNT,1996; JAYARAMAN,2006). Segundo a norma ISO 14040 (ISO, 2006a), que define seus princípios e conceitos, a ACV é uma ferramenta com o intuito de avaliar os aspectos e impactos ambientais associados a um produto, além dos recursos utilizados ao longo de todo o seu ciclo de vida, ou seja, desde a aquisição de matéria prima, passando pelas fases da produção e o conseqüente consumo do produto, até a gestão dos resíduos gerados, englobando nesta fase as etapas de eliminação, reciclagem, tratamento e disposição final dos resíduos (ISO, 2006a). 1.1 ACV na produção de cerveja A cerveja tem como base de produção o uso de grãos, tornando-se produto alimentício de origem agrícola. Assim, a produção de alimentos e os sistemas de consumo necessitam de energia e de recursos naturais como fontes de matérias primas, de modo que o estudo da ACV
do processo de produção da cerveja deve incluir o balanço de massa das matérias primas envolvidas, o balanço de energia e seus efeitos sobre o meio ambiente (CORDELLA; 2008). A cerveja foi um dos primeiros produtos alimentícios produzidos em escala industrial. Consiste em uma solução diluída de etanol, desenvolvendo seu aroma característico a partir da adição do malte na água, que é a principal fonte de hidrocarbonetos fermentáveis e de outros nutrientes oriundos da cevada. Os mais importantes estágios da fabricação da cerveja são a produção do mosto e a fermentação. A partir do malte se produz o mosto, que é um extrato aquoso da cevada malteada. No processo de fermentação, são adicionadas leveduras ao mosto, onde as células de fermento convertem os nutrientes do mosto predominantemente em etanol e dióxido de carbono. Após a retirada do fermento obtém se a cerveja (KORONEOS; 2005). Estudos completos sobre a ACV das cervejas são feitos com base em levantamento de dados, partindo-se da produção da matéria prima, que envolve as etapas (CORDELLA, 2008; HORVATH ; 2001): - Cultivo da cevada: irrigação, fertilização, colheita, etc.; - O beneficiamento da matéria prima: malte, lúpulo, produtos químicos, produção de energia; - A produção da cerveja: preparo do mosto, fermentação, maturação, fitração, pasteurização, estocagem do gás carbonico; - O envase: seleção de garrafas e latas de alumínio, engarrafamento, empacotamento, colocação nos pallets, limpeza das caixas, distribuição; - O tratamento da água usada no processo produtivo, assim como o seu descarte e reuso; - A produção de energia envolvida nas diversas etapas do processo produtivo, assim como na destinação (transporte, etc); - A produção de materiais auxiliares, como detergentes, tampas, colas, etiquetas, material de impressão, fitas plásticas, filme plástico, tratamento de água, produção de energia; - A destinação dos resíduos de produção, vidro, alumínio, embalagens e outros. 4
O presente trabalho consiste no estudo inicial da ACV do processo de fabricação das cervejas, feito por meio de levantamento de dados do processo produtivo, de modo que não foram consideradas a produção da matéria prima, assim como seu envase e transporte, por se tratar de uma unidade piloto. 2 Objetivo O objetivo do presente trabalho é de estudar os aspectos ligados à ACV do processo de produção da cerveja em uma unidade piloto, usada para testar novas matérias primas e/ou novos processos de produção da cerveja. 3 Metodologia O estudo da ACV foi desenvolvido em uma planta piloto de produção de cerveja, onde foram realizados testes com base no processo de produção de uma cerveja convencional do tipo Pilsen. O estudo foi feito considerando o instante em que a matéria prima (a cevada malteada) entra na planta piloto, até a etapa em que se obtém a cerveja pronta, armazenada no tanque de pressão. A figura 1 mostra o diagrama simplificado do processo empregado na planta piloto. Neste estudo de caso não foram inclusas as etapas de obtenção das matérias primas, assim como o transporte e a comercialização da cerveja; tendo-se em vista que estas etapas não fazem parte das atividades de pesquisa da planta piloto. Portanto, o presente estudo da ACV do processo de produção da cerveja consiste na execução do balanço de massa e de energia, referente às etapas de moagem, brassagem, fermentação, maturação, filtração e envase. Como principais componentes usados no processo produtivo, destacam-se: cevada malteada, high maltose, água, lúpulo, oxigênio, levedura e terra diatomácea. No final do processo de produção, estão relacionados os resíduos: o bagaço proveniente das cascas da cevada malteada; o trub, que consiste em uma massa pastosa proteica que contém resíduos de mosto; a levedura e a terra diatomácea. Figura 1. Diagrama simplificado do processo de produção de cerveja na unidade piloto Malte 5
Moagem Bagaço de malte + Mosto Mostura Filtração Água Água de Percolação Trub quente + Mosto Fervura Lúpulo + high maltose Resfriamento do Mosto pronto O 2 Levedura + Cerveja Fermentação Levedura Levedura + Cerveja Maturação Terra diatomácea + cerveja e levedura Filtração da cerveja turva Terra diatomácea Cerveja pronta Envase e comercialização 3.1 Etapa 1 Preparo do mosto cervejeiro A etapa 1 corresponde a produção do mosto cervejeiro, com capacidade de 90 litros por batelada. O preparo do mosto é constituído de moagem, mosturação, filtração do mosto, fervura e resfriamento. A matéria prima de entrada, consiste no grão de cevada malteada que apresenta em torno de 78% de amido, sendo que 68% deste amido é convertido em açúcares no processo do preparo do mosto, e posteriormente enviado para o fermentador. A cevada malteada que chega à planta piloto é armazenada e submetida à moagem. O conteúdo moído é transportado até o tanque de mostura. A cevada malteada moída é previamente misturada com água, com à finalidade de promover o processo enzimático do próprio malte, que consiste na quebra dos carboidratos em açúcares que fornecem à levedura os elementos necessários para a produção de gás carbônico e álcool. A parte proteica do grão, é transformada nesta etapa em aminoácidos e peptídios. Os aminoacidos são importantes para 6
a propagação da levedura e os peptideos para a formação da espuma e corpo da cerveja (processo bioquímico). Este processo ocorre em um tanque de mostura, que é aquecido. Em seguida a mostura é transferida para o tanque de clarificação. Após a etapa de mosturação, a mistura é enviada ao tanque de clarificação do mosto, em que é separado o mosto cervejeiro da parte solúvel; onde também é separada a parte insolúvel, o bagaço da cevada malteada, que é composto das cascas provenientes da cevada malteada moída, com um teor de umidade residual. Assim que o mosto é extraído do bagaço, este é submetido ao processo de fervura. Nesta etapa ocorre a evaporação de água do mosto para a extração de elementos ricos em enxofre que são provenientes da cevada malteada. Ocorre também a coagulação proteica do excesso de proteina existente na cevada malteada, assim como a adição do lúpulo para promover o amargor e aroma da cerveja pronta. No final desta etapa é adicionado um xarope de milho com 82% de sólido de high maltose. Ao término do processo de fervura, ocorre a etapa de aumento dos grumos proteicos, que é feita por meio de agitação dentro do tanque de fervura. No final do processo de aumento dos grumos, ocorre a precipitação dos flóculos proteicos para o fundo do tanque, em forma de decantação. Estes grumos proteicos são denominados de trub quente no processo. Após a decantação, o mosto é resfriado e enviado para fermentação, onde recebe gás O 2 e levedura pastosa. 3.2 Etapa 2 Transformação do mosto cervejeiro em cerveja A etapa 2 consiste no processo de produção de cerveja a partir do mosto. O mosto com levedura é fermentado, até se transformar em cerveja verde (cerveja em processamento). Após o término da fermentação, a cerveja é resfriada para temperatura de maturação e o fermento é retirado e reaproveitado para outra batelada de mosto. A etapa da maturação ocorre no mesmo tanque da fermentação, onde acontece o amadurecimento da cerveja verde. Após a maturação, a cerveja verde é submetida ao processo de filtração, por meio da adição de terra diatomácea. Assim que finaliza o processo de filtração, a cerveja pronta é envasada em garrafas e em barris para testes e análises. 7
4 Resultados A seguir são apresentados os balanços de massa e de energia do processo de produção de cerveja. A Planta Piloto possui capacidade de produção de 90 litros de mosto cervejeiro por batelada. Devido as perdas que ocorrem no processo produtivo, a produção reduz para 72L de cerveja pronta. 4.1 Consumo de água na planta piloto Neste processo de produção por batelada a quantidade de água total consumida é de 97,24 L para obtenção de 72 L de cerveja pronta, como mostra a tabela 1. Além disso, é usado o volume de 400L de água para limpeza e desinfecção da planta piloto, como mostra a tabela 2. Tabela 1: Consumo de água na produção da cerveja. Aplicação Litros Água para mostura 38,60 Água para filtração do mosto 56,38 Água para acerto do Brix 2,26 Total 97,24 Tabela 2 : Consumo de água para limpeza, desinfecção e esterilização Aplicação Litros Limpeza da brassagem 90 Tanque de fermentação e maturação 80 Tanque de pressão 80 Filtro de terra diatomácea 120 Lavagem de vazilhames para envase 20 Limpeza do ambiente 10 Total 400 8
% XXXIII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO 4.2 Consumo de energia elétrica na planta piloto A energia empregada na unidade piloto é suprida em sua totalidade na forma de energia elétrica. O consumo total de energia utilizado para produção de 72 litros de cerveja por batelada corresponde ao total de 82 KWh, sendo 31,7% (26KWh) na forma de energia elétrica usada para acionamento dos equipamentos e acessórios, juntamente com 20,7% (17 KWh) usada para aquecimento, e 47,6% (39KWh) de energia usada para resfriamento, conforme mostra a figura 2. Figura 2. Consumo de energia elétrica 60 50 40 30 Consumo de energia elétrica na planta piloto 20 10 0 Energia para frio Energia para acionamento de equipamentos Energia para calor. 4.3 Balanço de materias primas empregadas na unidade piloto A figura 4 mostra o diagrama simplificado do processo de produção de cerveja na unidade piloto, com os descartes de resíduos sólidos (Rs) e líquidos (Rl) ocorridos em cada etapa. Figura 4. Balanço de materiais do processo de produção de cerveja, em uma unidade piloto Malte (6,72L) Moagem 9
Mosturação (45,3L) Água (38,6L) Perdas: Rs=2,2% Rl=8,8% Bagaço de malte + Água Filtração (104L) Água (56,38L) Água (2,26L) Perdas: Rl=8,9% Evaporação Fervura 92,5L Lúpulo 19g Maltose 5,94L Perdas: Rl=10,6% Rs=4,3% Trub quente + Mosto Resfriamento do mosto pronto (90,2L) Levedura 44g (Pó) Levedura + Cerveja Reaproveitamento em outra batelada 0,90L (Solido 0,50L + Líquido 0,4L) Fermentação (76,8L) Rl=0,68% Levedura + Cerveja Maturação 76,8L Perdas : Rl=0,48% Terra diatomácea + cerveja Filtração da cerveja turva (76,3L) Terra diatomácea 0,25Kg) Volume de entrada M.P. = 109,9L Volume final = 71,6L Perdas % = 34,8% Rendimento = 65,2% Cerveja pronta (71,6L) 5. Conclusão Os resultados obtidos no processo de produção da cerveja, nesta unidade piloto, indicam a possibilidade de aplicação do ACV nas cervejarias, por meio da quantificação dos produtos de entrada e de saída, juntamente com a quantificação dos resíduos sólidos e líquidos passíveis de reuso e de descarte. 10
O consumo de energia na unidade piloto foi de 82 KWh para 71,6L de cerveja pronta, que representa 1,1 KWh/L de cerveja. Este valor é superior ao consumo de uma unidade industrial, que é da ordem de 0,9 KWh/L de cerveja. Com relação ao balanço de massa, a unidade piloto apresentou rendimento em cerveja pronta de 65,2%, cujo valor é inferior ao de uma unidade comercial de grande porte, cujo rendimento é da ordem de 70% à 79%. Estas diferenças são justificadas em função da capacidade e da própria finalidade da unidade piloto, que é de servir como um laboratório dinâmico de desenvolvimento de novos produtos/processos para a produção de cerveja. Finalmente, destaca-se que a unidade piloto atua como um laboratório dinâmico e versátil. Permite efetuar modificações no processo produtivo como um todo, de modo que possibilita efetuar testes de novas matérias primas, novas formulações, assim como de promover alterações nas condições de processo; tudo isto, como inovações em busca de um novo produto com valor agregado e comecialmente atrativo. Os resultados apresentados, obtidos na unidade piloto, serão testados em unidade de maior porte. Assim, a ACV da cerveja poderá ser complementada por meio do mapeamento de todo o processo, que abrange a obteção das matérias primas, seu beneficiamento, o processo produtivo, seguido de transporte e uso pelo consumidor. 6. Referências 11
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