INDICADORES DA QUALIDADE DO SOLO EM AGROECOSSISTEMAS

Documentos relacionados
Qualidade do Solo. Fabiane Machado Vezzani

Recuperação de áreas degradadas. Iane Barroncas Gomes Engenheira Florestal Professora Assistente CESIT-UEA

Agroecologia e Sistemas Agroflorestais

Água. A evolução do consumo consciente pelo setor de árvores plantadas

Bioindicadores de Qualidade do Solo. Simone Cristina Braga Bertini

SISEMA. Sistema Estadual de Meio Ambiente. POLÍCIA MILITAR D E M I N A S G E R A I S Nossa profissão, sua vida.

SECRETARIA DE AGRICULTURA E PECUÁRIA SUPERINTENDÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Manejo de solos para piscicultura

CAPACIDADE DE USO DAS TERRAS NA SUB-BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO PEDRA BRANCA

PROGRAMAS DE RESTAURAÇÃO E CONSERVAÇÃO DE MATAS CILIARES E DE RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS

Experiências Agroflorestais na Comunidade de Boqueirão. Renato Ribeiro Mendes Eng. Florestal, Msc

Solo. Solo=f (rocha matriz, clima, relevo, biosfera e tempo)

TECNOLOGIAS DE BAIXO CARBONO RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS - RAD COM PASTAGEM OU FLORESTAS

Agentes causadores. Mecanização agrícola. Compactação sob as rodas dos veículos distribuição de pressão no solo.

Agronomia PADRÃO DE RESPOSTA

CURSO DE AGRONOMIA FERTILIDADE DO SOLO

Programa Conservação e produção rural sustentável: uma parceria para a vida" no Nordeste de Minas Gerais

O PAPEL DA MATÉRIA ORGÂNICA NA FERTILIDADE E CONSERVAÇÃO DOS SOLOS. LUSOFLORA SUSTENTABILIDADE E INOVAÇÃO 23 Fevereiro

Preparo convencional e Preparo reduzido do solo. Prof. Dr. Amauri N. Beutler

NBR Recursos naturais e ambientais Sérgio Antão Paiva Clube de Engenharia 30 MAI 2017

Escolha da área para plantio Talhonamento Construção de aceiros e estradas

Estudos dos impactos da agricultura na quantidade e qualidade da água no solo e nos rios

Solo características gerais. Definição: solo = f(rocha+ clima + relevo+biota)

TECNOLOGIAS DE BAIXO CARBONO

APRESENTAÇÃO: FERTILIZANTE TERRAPLANT

Ciclo Hidrológico AUGUSTO HEINE

Manejo Integrado de Bacias Hidrográficas. Novembro de 2008

DESFLORESTAMENTO DA MATA ATLÂNTICA

Bases conceituais úteis a fertilidade do solo. Prof. Dr. Gustavo Brunetto DS-UFSM

Iane Barroncas Gomes Engenheira Florestal Mestre em Ciências de Florestas Tropicais Professora Assistente CESIT - UEA. Gênese e Morfologia do Solo

Definição de qualidade do solo. Qualidade do solo para que?

ATIVIDADE DE HIDROLASES EM SOLOS DE CULTIVO ANUAL E PERENE NO ESTADO DE GOIÁS

MANEJO CONSERVACIONISTA DA ADUBAÇÃO POTÁSSICA JOÃO MIELNICZUK

LEVANTAMENTO DE ÁREAS AGRÍCOLAS DEGRADADAS NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Programa de Gestão Ambiental (PGA) SF 2017/18 e SF 2018/19. Unidade Barra Grande

Sumário. Apresentação dos Autores... Introdução...

Impacto Ambiental do Uso Agrícola do Lodo de Esgoto: Descrição do Estudo

O meio aquático I. Bacia Hidrográfica 23/03/2017. Aula 3. Prof. Dr. Joaquin Bonnecarrère Garcia. Zona de erosão. Zona de deposição.

Julgamento do Código Florestal no STF

Iane Barroncas Gomes Engenheira Florestal Mestre em Ciências de Florestas Tropicais Professora Assistente CESIT - UEA. Gênese e Morfologia do Solo

Bioindicadores de qualidade de solo

Alguns processos erosivos que contribuem para o empobrecimento do solo

Agenda de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Cerrados

Resolução do COMITÊ Macaé e das Ostras nº 48, de 19 de novembro de 2013.

FICHA DE DISCIPLINA CH TOTAL TEÓRICA: 30 OBJETIVOS

Ciclos Biogeoquímicos. A trajetória dos nutrientes nos ecossistemas

Introdução. Introdução. Uso do Solo 21/09/2017. Manejo do Solo Tipos de Erosão e Estratégias de Mitigação. Patrimônio natural

SEMINÁRIO MINEIRO DE REUSO DE ÁGUA E EFLUENTE REUSO DA ÁGUA NO CONTEXTO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Minerais & Rochas. são substâncias sólidas de composição. química bem definida, presentes na crosta. terrestre. Podem ser.

Tipos e classificação FORMAÇÃO DOS SOLOS

Álvaro V. Resende Embrapa Milho e Sorgo

RECUPERAÇÃO DE SOLOS DEGRADADOS PELA AGRICULTURA *

Capítulo 1 Conceitos básicos em Hidrologia Florestal. Introdução a Hidrologia de Florestas

PROGRAMA PRODUTOR DE ÁGUA NO GUARIROBA

AGINDO NO BOSQUE O QUÊ É O BOSQUE. Causas da imagem atual do Bosque: Você sabia?

Síntese do Projeto Pedagógico Curso: Gestão Ambiental (Tecnológico) Campus Centro I Presidente Vargas

O meio aquático I. Aula 3 Prof. Dr. Arisvaldo Méllo Prof. Dr. Joaquin B. Garcia

Marina Andrada Maria Pesquisadora em Tecnologia, DSc

IMPORTÂNCIA E PAPEL DO ESPAÇO RURAL NA DISPONIBILIZAÇÃO DE ÁGUA

AGRICULTURA TROPICAL E SUSTENTABILIDADE

CONSTRUINDO O PLANO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE

BIOLOGIA - 2 o ANO MÓDULO 27 SUCESSÃO ECOLÓGICA

Tipos e classificação FORMAÇÃO DOS SOLOS

Importância do Manejo de Solos

DEFINIÇÃO DAS REDES DE MONITORIZAÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS NA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

Cadeia Produtiva da Silvicultura

SEMINÁRIO INTERNACIONAL: Recuperação de Solos Degradados para a Agricultura e Saneamento Básico e Manejo de Água

GESTÃO DA ARBORIZAÇÃO URBANA. Eng.Ambiental. Bruna de Souza Otoni Prefeitura Municipal de Araçuaí -MG

USO DO SOLO NA INTEGRAÇÃO LAVOURA PECUÁRIA. Palavras chaves: Biota do solo, aumento da produtividade, qualidade do solo.

PROGRAMA DE DISCIPLINA. Disciplina: Manejo e Conservação do Solo e da Água Código da Disciplina: AGR256

O CARBONO NOS SOLOS ESTABILIDADE, QUANTIDADE E VARIABILIDADE. Manuel A. V. Madeira

AGRICULTURA FAMILIAR NO MUNICÍPIO DE JAGUARARI, BAHIA: conservação de nascentes e expansão das ações ambientais

Restauração Ecológica

PROGRAMA SOJA PLUS Programa de Gestão Ambiental e Social da Soja Brasileira

PRIORIZAÇÃO DE ÁREAS DE RESTAURAÇÃO PARA SEGURANÇA HÍDRICA. Edenise Garcia, Eileen Acosta, Marília Borgo, Ricardo Galeno The Nature Conservancy

MÓDULO 03 GEOGRAFIA II

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL DA MICROBACIA DO RIO SÃO PEDRO.

MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO (MOS) Fertilidade do Solo Prof. Josinaldo

SUMÁRIO CONSTITUIÇÃO FEDERAL

CALAGEM COMPACTA O SOLO? FATOS E HIPÓTESES

Ademar Barros da Silva Antônio Raimundo de Sousa Luciano José de Oliveira Accioly

A ACTIVIDADE BIOLÓGICA NO SOLO: INTERESSE E MÉTODOS DE AVALIAÇÃO

ANEXO I PLANO PLURIANUAL DE APLICAÇÃO PPA DOS COMITÊS DA BACIA HIDROGRÁFICA DOS AFLUENTES MINEIROS DOS RIOS POMBA E MURIAÉ

DISCIPLINA CÓDIGO EMENTA

D/P 03 D/P D/PEO - Educação/ D/P 05 /Formação/ /Treinamento D/P 06. (continua) (continua) D/P 07

Melhoria sustentável das condições biológicas, químicas e físicas do solos dos Cerrados

Conceitos sobre Manejo de Bacias Hidrográficas e Recuperação de Nascentes

INDICADORES DE QUALIDADE EM PLINTOSSOLO SOB DIFERENTES TIPOS DE CULTIVOS NO ECÓTONO CERRADO- AMAZÔNIA

MANEJO DE BACIAS HIDROGRÁFICAS PARA PRODUÇÃO DE ÁGUA. Profª Celme Torres F da Costa

Metodologia Participativa para avaliação da qualidade do Sistema Plantio Direto Índice de Qualidade Participativo do Sistema Plantio Direto - IQP

DESENVOLVIMENTO SOCIOAMBIENTAL DA REGIÃO HIDROGRÁFICA DO GUAÍBA

PROTEÇÃO DE NASCENTES. Pensando no amanhã

Ciências do Ambiente

Programa de Revitalização de Bacias Hidrográficas. Penedo, dezembro de 2016

PROGRAMA PRODUTOR DE ÁGUA. Adaptado de Devanir Garcia dos Santos Agência Nacional de Águas Gerência de Uso Sustentável de Água e Solo

Manual para Elaboração dos Planos Municipais para a Mata Atlântica

PROJETO: SETH REFLORESTA

OFÍCIO CIRCULAR 07/2017/CBH RIO DAS VELHAS Belo Horizonte, 07 de fevereiro de 2017.

Transcrição:

INDICADORES DA QUALIDADE DO SOLO EM AGROECOSSISTEMAS Marx L.N. Silva Apesar da atuação progressiva e contínua dos agentes de formação do solo sobre os mais variados materiais de origens presentes na crosta terrestres, o solo é classificado como um recurso natural não renovável na escala de tempo humana, o que sustenta uma justificativa bastante razoável para se evitar a degradação do solo com perda de sua qualidade. Encontra-se na literatura várias definições sobre qualidade do solo. Larson & Pierce (1996) a definem como a capacidade do solo funcionar dentro dos limites do ecossistema e interagir positivamente com o ambiente externo ao mesmo. Para esses autores, a qualidade do solo varia consideravelmente tanto em pequena quanto em grande escala, apresentando caráter dinâmico, podendo ser diminuída, mantida ou aumentada, e expressa tanto atributos inerentes ao solo como a habilidade do solo em interagir com estímulos aplicados. Algum rumo para a pesquisa em regiões tropicais de países em desenvolvimento foi apontado recentemente por Lal (2000), e incluem práticas de manejo do solo para garantir a produção de alimentos com o mínimo de riscos para o ambiente. O quadro mundial atual apresentado pelo autor é preocupante, uma vez que indica redução das áreas produtivas per capita, severa escassez do recurso água e elevados riscos de degradação do solo, seja através da erosão hídrica ou poluição química, aliados à descapitalização do produtor e fraco apoio institucional. O interesse por parte da comunidade científica em conhecer como os solos variam naturalmente em qualidade, a extensão na qual problema de qualidade do solo pode ser mitigado e como a qualidade do solo está mudando em resposta a práticas de manejo do solo é destacado por Larson & Pierce (1996). A conseqüência imediata da degradação dos atributos do solo é a o estabelecimento acelerado da erosão do solo constitui a principal ameaça a

sustentabilidade dos sistemas agrícolas, afetando o solo, o seu potencial produtivo e o meio ambiente. Estes autores citam que os solos apresentam variabilidade de recuperação, existindo carência de dados para estimar o grau e o tipo de impacto causado nos diferentes sistemas de manejo do solo. Assim neste tópico vamos discutir alguns atributos de solo que apresentam potencial de indicadores da qualidade do solo em relação a erosão hídrica, produtividade e o meio ambiente. Para ser utilizado na prática os indicadores da qualidade do solo devem atender aos seguintes critérios (Doran & Parkin, 1994): a). contemplar propriedades e processos físicos, químicos e biológicos do solo; b). ser acessível a muitos usuários, fácil medição e reprodutibilidade metodológica; c). ser aplicáveis em condições de campo e apresentar alta correlação com medidas de laboratório; d). possuir critérios definidos de quantificação e interpretação dos valores; e). ser sensíveis às variações de manejo e de clima; f). permitir avaliações de curto, médio e longo prazo; g). constar em bancos de dados já existentes. Os atributos considerados indicadores de mudanças na qualidade do solo devem ter a capacidade de serem sensíveis ao manejo numa escala de tempo que permita a verificação de suas alterações, assim são classificados em efêmeros, intermediários e permanentes e os indicadores de mudanças devem ser sensíveis ao manejo, de modo que as alterações sejam detectadas em tempo adequado, ou seja, é desejável que esteja numa posição intermediária entre aqueles considerados como permanentes (mineralogia e textura) e efêmeros (temperatura, ph e conteúdo de água). Na Tabela 1 são apresentados vários indicadores físicos, químicos e biológicos sugeridos por diversos autores que podem ser utilizados para avaliação da qualidade do solo em sistemas de manejo. A degradação da qualidade do solo, da água e da floresta é um problema ambiental muito crítico que o Brasil está enfrentando atualmente, refletindo-se

diretamente nos segmentos da segurança, do econômico, do social e do político. As soluções destes problemas, como vêm sendo demonstradas, são tecnicamente possíveis, mas os efeitos destas degradações muitas vezes persistem ou se estabelecem novamente devido à falta de consciência e educação ambiental. Assim, o primeiro passo seria a aplicação de um diagnóstico participativo, seguido da implantação de um programa de conscientização e educação ambiental, cujo tema central poderia ser o controle e estabilização da erosão, e a partir deste tema construir uma consciência dos danos causados pela degradação do solo, água e floresta. Como a implantação desse programa possui caráter permanente, a continuidade das ações, seria conduzida pelas organizações locais que forem capacitadas e articuladas para esse fim com apoio técnico das instituições parceiras. Os resultados produzidos deveriam ser divulgados numa tentativa de extensão do programa de conscientização e valorização do solo, água e floresta.

TABELA 1. Indicadores físicos, químicos e biológicos da qualidade do solo em agroecossistemas. Indicadores FÍSICOS MORFOLÓGICOS QUÍMICOS BIOLÓGICOS Atributos Textura do solo, profundidade do solo, profundidade de raízes, densidade do solo, porosidade do solo, encrostamento superficial, compactação do solo, permeabilidade do solo à água, capacidade de retenção de água no solo, temperatura do solo, módulo de ruptura, limites de consistência, índice de agregação, estabilidade de agregados, estrutura do solo e resistência do solo à penetração. Observações de campo da estrutura, porosidade do solo, atividade da fauna e flora no solo e cor do solo, cheiro do solo e observações em laminas micromorfológicas. Carbono orgânico total (COT), nitrogênio orgânico total, ph, PCZ, condutividade elétrica, disponibilidade de nutrientes, nitrogênio mineral (NH + 4, NO - 3 ), fósforo, potássio, capacidade de troca de cátions, saturação de bases, saturação por alumínio, presença de metais pesados, presença de elementos radioativos e presença de defensivos. Carbono da biomassa microbiana (COBM), nitrogênio e outros nutrientes da biomassa microbiana, nitrogênio potencialmente mineralizáveis, respiração do solo (RS), relação entre COT/COBM, relação RS/COBM, taxa de decomposição de resíduos biológicos, enzimas e população microbiana (fungos, micorrizas e outros). A partir desta conscientização outras medidas deveriam ser implementadas. Entre estas destacam-se a recuperação das matas ciliares, matas de galeria, topos de morros, várzeas e veredas; fomento e implementação de práticas de conservação dos solos plantio em nível,

terraceamento e bacias de captação; adoção do plantio direto; manejo sustentado das pastagens e introdução de sistemas agrosilvipastoris e agroflorestal nos entornos de ecossistemas frágeis; monitoramento da qualidade do solo em sistemas de manejo; obrigatoriedade de recomposição de reserva florestal legal para as classes de solos de uso inferiores; estímulo e subsídios à recuperação das áreas degradadas; conservação de nascentes; análise crítica da legislação agrícola em suas interfaces com a questão ambiental, tendo em vista o aprimoramento, a revisão e a compatibilização dos instrumentos legais vigentes e seu mais amplo conhecimento; criação de comissão com ampla participação de todos os segmentos da sociedade para aperfeiçoamento e adaptação segundo os interesses regionais das leis ambientais; criação de parques em bacias hidrográficas municipais com função exclusiva de captação de água, proteção ambiental e lazer; e adoção das bacias hidrográficas, através dos comitês de bacias, e como unidades de planejamento e gestão ambiental (Silva & Curi, 2001).