Palavras- Chave: Governos Pós-neoliberais; Consenso de Brasília; Onda Rosa.



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A Construção da hegemonia do Consenso de Brasília nos governos pós-neoliberais na América do Sul: a primeira década do século XXI Gabriel Sandino de Castro 1 Resumo O presente trabalho tem como objetivo discutir a ideia do chamado Consenso de Brasília, enquanto conjunto de medidas econômicas, que substitui a hegemonia Consenso de Washington, predominante na América do Sul desde o início da década de 1990. Em outras palavras, esta pesquisa visa examinar a transformação política da América do Sul em um contexto da crise do neoliberalismo ao passo da emergência de governos de centro- esquerda no poder. Com efeito, desenvolveremos o conceito de Onda Rosa, que seria a denominação a estes novos governos, cuja principal característica em comum é a combinação de uma economia de mercado com justiça social. Assim, entenderemos a concepção de governos pós-neoliberais da América do Sul, a definição de Consenso de Brasília e, em que medida, este contribuiu para a realidade sul-americana no início do século XXI. Posteriormente buscaremos expor as perspectivas e desafios destes governos ditos como progressistas. Palavras- Chave: Governos Pós-neoliberais; Consenso de Brasília; Onda Rosa. NEOLIBERALISMO E CONSENSO DE WASHINGTON O fim do século XX foi caracterizado por grandes fenômenos na ordem mundial. O domínio do capitalismo enquanto único sistema econômico em nível global juntamente com a crescente importância das organizações internacionais, levou as grandes instituições financeiras globais a recomendarem um conjunto de medidas para o papel do Estado. A globalização tornou-se o grande fenômeno neste novo período marcado pela competitividade e interdependência. Para a inserção dos Estados no 1 Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia. gabrielsandino@outlook.com 1

mercado internacional e, consequentemente, obtenção de vantagens comparativas no livre comércio, foi estabelecido um novo modelo de desenvolvimento, ou pelo menos, uma atualização do Estado liberal de acordo com a realidade contemporânea. Este modelo, na verdade, é um conjunto de medidas proposto aos países em desenvolvimento com o objetivo de integrá-los no mercado global internacionalizando, assim, as suas economias, facilitando, portanto, o livre comércio. Aquilo que iria ser denominado o Consenso de Washington. Na verdade, o Consenso de Washington decorre das discussões entre os intelectuais liberais europeus no fim da segunda guerra. Estes debates, como alvo o keynesianismo, buscava limitar o papel do Estado apenas no cumprimento de contratos e garantia da ordem e segurança dos indivíduos. Assim, a partir da revisão do liberalismo clássico por intelectuais como Misses, Hayek e Friendman, surge o neoliberalismo. (ANDERSON, 1995) Com efeito, a projeção mundial das ideias neoliberais ocorre no fim dos anos 70 e inicio da década de 80 com a vitória de Margareth Tacther na Inglaterra e Ronald Regan nos EUA. Este receituário de desenvolvimento chega para a América Latina no início dos anos 1990. O consenso de Washington entendia que as causas da crise da América Latina na década de 80, resumiria-se em dois fatores: a) o excessivo protecionismo do Estado, excesso de regulação e elevado número de empresas estatais ineficientes; b) o populismo econômico (BRESSER PEREIRA, 1990). Na América Latina, o Consenso de Washington significou uma alternativa ao papel do Estado que garantiria a saída do subdesenvolvimento. Entretanto, não resultou aquilo que foi esperado. Os países latino-americanos ficaram dependentes do sistema financeiro internacional e subserviente ao capital externo. O Consenso de Washington funcionou como uma espécie de receita para a America Latina alcançar o desenvolvimento dos países ricos. Bresser Pereira (1990, p.6) aponta que o Consenso de Washington pode ser resumido em dez pontos: a) Disciplina fiscal visando eliminar o déficit público; b) mudança das prioridades em relação às despesas públicas, eliminando subsídios e aumentando gastos com saúde e educação; c) reforma tributária, aumentando os impostos se isto for inevitável, mas a base tributária deveria ser ampla e as taxas marginais deveriam ser moderadas ; d) as taxas de juros deveriam ser determinadas pelo mercado e positivas; e) a taxa de câmbio deveria ser também determinada pelo mercado, garantindo-se ao mesmo tempo em que fosse competitiva; f) o comércio deveria ser liberalizado e orientado para o exterior (não se atribui prioridade à liberalização dos fluxos de capitais); g) os 2

investimentos diretos não deveriam sofrer restrições; h) as empresas públicas deveriam ser privatizadas; i) as atividades econômicas deveriam ser desreguladas; j) o direito de propriedade deve ser tornado mais seguro. Com efeito, a globalização neoliberal rompe com as barreiras tarifárias e fragiliza o Estado do ponto de vista da formulação de políticas econômicas. Com a redução do seu papel, transferindo responsabilidades ao mercado mundial, a condição de dependência é agravada. O livre mercado, que privilegia o domínio dos mais fortes, salienta ainda mais a desigualdade entre países centrais e periféricos e, conseqüentemente, a desigualdade social. A adesão ao Consenso de Washington pelos países latinos americanos não acompanhou a globalização enquanto espaço de interdependência e sim, por dependência. Ou seja, apesar da relação histórica de dependência dos países mais pobres com os mais ricos, justamente pela formação de um capitalismo tardio e dependente (FERNANDES, 1973), os governos dos países sulamericanos na época reforçaram ainda mais esta assimetria. No caso do Brasil, esta lógica de Estado rompeu com o nacional desenvolvimentismo deixando o interesse nacional e privilegiando as forças capitalistas transnacionais. (TAVARES, 2000). Apesar do neoliberalismo no Brasil ter iniciado no governo Collor, foi no período FHC que ele promoveu maiores resultados. Adilson Gennari (2001) observa que o capital externo passa a ser elemento central na política econômica do governo FHC. Maria da Conceição Tavares (2000) aponta que, neste período, as autoridades monetárias deixaram entrar, sem controle, montantes crescentes de capitais estrangeiros de todos os tipos. A liberalização comercial e financeira produziu um aumento brutal dos passivos externos do país, que dobraram nos últimos cinco anos, alcançando cerca de US$ 450 bilhões. Em entrevista à Folha de São Paulo, a professora afirmou na época: estamos desnacionalizando a nossa economia e piorando o balanço de pagamentos, o que agrava cada vez mais a vulnerabilidade externa do país. A ONDA ROSA, O PÓS-NEOLIBERALISMO E O CONSENSO DE BRASÍLIA Com o fracasso da adoção ao Consenso de Washington na década de 1990, os países latino-americanos, em especial os da América do Sul, passaram por um novo ciclo de transformações políticas. Isto resultou na acessão dos Partidos de centroesquerda ao poder. Estes Partidos, por sua vez, adotaram um discurso de enfrentamento 3

ao neoliberalimo e a necessidade da participação do Estado para combater a exclusão social e a desigualdade. Emir Sader (2010, p.138) resume que: Os traços que esses governos têm em comum, que permite agrupá-los na mesma categoria, são: a) priorizam as políticas sociais e não o ajuste fiscal; b) priorizam os processos de integração regional e os intercâmbios Sul-Sul e não os tratados de livre-comércio com os Estados unidos;c) priorizam o papel do Estado como indutor do crescimento econômico e da distribuição de renda, em vez do Estado mínimo e da centralidade do mercado. No entanto, Fabrício Pereira da Silva (2010, p.9) aponta que: Trata-se de políticas sociais que não constituem um retorno ao arremedo de Estado de bem-estar social de algumas nações latinoamericanas desmontado nas décadas anteriores. Essas políticas apontam efetivamente para investimentos sociais que não podem ser considerados como promotores de direitos, nem são baseados em concepções universalistas (no máximo, numa semi-universalização ). No entanto, tais investimentos parecem ter tido seu impacto nos indicadores sociais regionais. Com a vitória dos Partidos ditos de esquerda ao poder, a América do Sul passa a viver, no início do século XXI, uma era dos governos pós-neoliberais (SADER, 2010). Na verdade as concepções de pós-neoliberalismo e Onda Rosa são termos para caracterizar este novo momento na história dos países sul- americanos. O primeiro se refere ao modelo de Estado que estes governos entendem ser o mais adequado. 2 No caso da Onda Rosa, este termo refere-se a transformação do cenário político sul-americano tendo em vista um denominador comum, que é a vitória dos Partidos de centroesquerda. É rosa por que estes governos não representam a continuidade da esquerda marxista do século XX ou de regimes totalitários. Elas possuem uma recusa ao caráter neoliberal, porém, não buscam combater o sistema capitalista em sua totalidade. No campo da hegemonia, esta nova configuração política na América do Sul, estabeleceu um novo Consenso que tendeu a substituir o de Washington. Criado no Brasil após o início do governo Lula, este conjunto de medidas viria a ser chamado de Consenso de Brasília. O Consenso de Brasília é um termo formulado pelo economista Michael Shifter, presidente do centro de pesquisas Inter-American Dialogue. Este novo consenso tem 2 É importante destacar que, para o presente autor, o conceito de pós- neoliberalismo não é o termo adequado para caracterizar um país específico, e sim o contexto no qual os Estados sul-americanos são inseridos no início do século XXI. Portanto, a ideia de pós-neoliberalismo ainda é muito vaga, uma vez que, no caso do Brasil, a estrutura neoliberal continua presente. No entanto, para autores como Emir Sader, Marilena Chauí e Pablo Gentili, a denominação pós-neoliberalismo não significa uma superação do modelo neoliberal e sim uma reorientação do papel do Estado, tendo em vista a necessidade de amplas políticas sociais. 4

como finalidade a permanência de uma economia de mercado juntamente com inclusão social. Podemos destacar diversos fatores que fazem parte deste novo conjunto de medidas: concessão de benefícios sociais através de programas de distribuição de renda, expansão do poder de compra e aumentos salariais sólidos, acesso facilitado ao crédito a manutenção de uma economia estável, investimento no campo da educação superior e tecnológica 3. (GUTIERREZ, 2001) O Consenso de Brasília ganhou adesão dos governos da nova esquerda. Ele representa uma ruptura com a crença nas políticas econômicas internacionais para o desenvolvimento e apresenta um olhar latino americano na interpretação da realidade. Em outras palavras são regimes de esquerda moderada, que combinam inclusão social com nacionalismo na exploração de recursos naturais e estabilidade macroeconômica (MELLO, 2011). Assim, o Consenso de Brasília se estabelece como uma contra-hegemonia às propostas de Washington e dos organismos financeiros internacionais 4. Na verdade, para Gramsci (1999) esta ideia de contra-hegemonia não existiria, e sim a existência de uma nova hegemonia na América do Sul. O autor sardo entendia a hegemonia como a capacidade de influenciar uma determinada classe a partir de ideias e valores apresentados como nacionais ou universais e que, no fim das contas, seria apenas uma forma da elite sustentar seu domínio na sociedade através da ideologia. No campo da política internacional, isto se aplica entre Estados. Para Robert Cox (1986), as relações internacionais também podem apresentar o mesmo comportamento que a relação de classes e instituições na esfera nacional. Se Marx afirmava que o Estado era o comitê da classe dominante, Cox assegurava que as organizações internacionais eram um instrumento de perpetuação das assimetrias globais tendo em vista a permanência de poder dos Estados centrais para os periféricos. Portanto, o Consenso de Brasília rompe com esses modelos vindos do centro do sistema e cria espaço para uma nova hegemonia. Isto significa que a reconfiguração política na América do Sul trouxe também novas visões de condução do Estado. No entanto, como aponta Fabrício Pereira 3 Vale lembrar que o Consenso de Brasília não é um novo conjunto de medidas comparado ao Consenso de Washington. O primeiro substitui alguns pontos e incorpora outros. Em suma, o consenso de Brasília seria uma melhoria do Consenso de Washington, enfatizando o caráter social. 4 Apesar da ideia do Consenso de Brasília ter sido criada no governo Lula, é possível dizer, segundo Schipfter, que já no fim do segundo mandato de FHC, o governo brasileiro apresenta características iniciais deste consenso. O responsável pela denominação do Consenso de Brasília enfatiza que o consenso não é algo da esquerda e sim, um conjunto de medidas que visa substituir algumas práticas do conhecido Consenso de Washington. Schifter ainda argumenta que países como Colômbia e Chile ( mesmo no período de Sebastian Piñera) são mais próximos do Consenso de Brasília do que Venezuela e Bolívia por exemplo. 5

da Silva (2010), a nova esquerda latino-americana pode ser dividida em duas formas: as renovadoras e as refundadoras. No caso das primeiras, elas se mostram presente em países como Brasil, Argentina, Uruguai e Peru. Já as segundas, se manifestam em países como Venezuela e Bolívia. As primeiras são caracterizadas por um grau maior de institucionalização, maior integração ao sistema político, aceitação das instituições da democracia representativa na forma realmente existente em seus países e pela crítica moderada ao neoliberalismo. As segundas são caracterizadas por um nível mais baixo de institucionalização, menor integração ao sistema político, pela integração crítica às instituições da democracia representativa e pela crítica radical ao neoliberalismo. As primeiras pretendem renovar a política e o governo de seus países com uma abordagem mais igualitária, estatizante e ética. As segundas propõem refundar suas institucionalidades, seus sistemas partidários e o Estado como um todo, superando mais radicalmente o status quo vigente no momento em que chegaram ao poder, associado a um colapso dos sistemas partidário e institucional. (SILVA, 2010, p.7) 6

Até o presente momento, como aponta Fabrício Pereira da Silva (2014), a Onda Rosa continua hegemônica no que se refere a permanência destes governos no poder. Observando o quadro acima, podemos notar que entre 2010 a 2014, ocorre uma ruptura na política chilena de perpetuação da centro-esquerda no poder. No entanto, nas eleições presidenciais de 2014, Bachelet sai vitoriosa, tornando-se novamente presidente do Chile. A dificuldade de avanços nas políticas sociais e os passos cada vez mais lentos na ascensão social da classe trabalhadora chilena, culminou na vitoria de Piñera em 2010. Entretanto, o então presidente, ao retornar os pilares do neoliberalismo tão rejeitado dos anos 1990, não consegue impor uma nova derrota ao Partido Socialista Chileno. 7

Na política mundial é possível notar uma onda conservadora em ascensão não apenas na América Latina, mas também na Europa. Apesar dos partidos de centroesquerda estarem no poder atualmente na América do Sul, a situação interna é, em vários países como Brasil, Argentina, Chile, Venezuela, uma crise política juntamente com uma alta rejeição a estes partidos, sobretudo por parte da classe média. Se a primeira década do século XXI foi caracterizada pelo fortalecimento dos partidos de centro-esquerda, atualmente estes partidos se enfraquecem por não conseguirem continuar na mesma velocidade as reformas necessárias que vinham fazendo ate então. Assim, é necessário pensar se, de fato, o termo pós-neoliberalismo é o mais adequado. CONSIDERAÇÕES FINAIS: CRISES E PESPECTIVAS Apesar do Consenso de Brasília ser uma alternativa ao modelo neoliberal, ele não conseguiu ser aplicado no restante da América do Sul com a mesma facilidade que se disseminou no Brasil. Na conquista do governo brasileiro, o PT passou por uma transição na qual se afasta da esquerda tradicional e se torna um partido de centroesquerda. Tudo isso, juntamente com o aumento do preço global de commodities e a liderança carismática de Lula. Ao vencer as eleições no Peru, Humalla viu no Brasil, sob a liderança do ex-metalúrgico, a grande referência para o desenvolvimento peruano. Assim, o Consenso de Brasília passa a ser importante referência para o novo governo do Peru. Contudo, no que se refere ao cenário político brasileiro, a vitória de Humalla é bem posterior ao governo Lula e seu partido não tem a força política que o PT tem no Brasil. Os governos anteriores a Humalla (de centro- direita) deixaram um orçamento publico baixíssimo, o que dificulta a implementação de programas sociais em larga escala e o limita na assistência à classe popular. (MORAES, 2011) O Consenso de Brasília não apresenta uma proposta revolucionária em relação ao Consenso de Washington. Não apresenta uma política radical no combate a pobreza semelhante à esquerda bolivariana. Do ponto de vista de Michael Shifter, o centrodireita se aproxima mais do Consenso de Brasília do que o bolivarianismo. Não acredito que o rótulo de centro-esquerda ainda tenha grande significado. Tanto o governo colombiano como o chileno está mais próximo do Consenso de Brasília do que os bolivarianos" (SHIFTER In: GUTIERREZ, 2011). No entanto, como coloca Mauro Azeredo (2010): 8

O país assumiu uma liderança no mundo multipolar de hoje e tornou-se um ator fundamental para o desenvolvimento dessa nova arquitetura global. O Brasil tem um papel cada vez mais ativo nas discussões internacionais de desenvolvimento, bancando com a força de sua economia e estabilidade política uma agenda de desenvolvimento que usa a ótica do mundo emergente. Isto lança uma nova luz sobre questões como o Haiti, a África e as trocas sul-sul em geral. O Consenso de Brasília conseguiu ser hegemônico para as esquerdas renovadoras na América do Sul no sentido de referência, e não de prática. Os governos da esquerda renovadora foram mais receptivos e aceitaram em grandes medidas as recomendações do consenso de Brasília. Em outras palavras, estes governos incorporaram alguns pontos do consenso e rejeitaram outros. O fato do Consenso de Brasília levar em conta a estrutura política do Brasil e também da liderança carismática do ex-presidente Lula faz com que ele não possa ser totalmente aplicado em outros países. Neste sentido, o próprio Consenso de Brasília entra em crise no Brasil no governo Dilma, especialmente no segundo mandato. Isto porque a presidenta não tem o mesmo carisma e liderança pragmática do seu antecessor e a conjuntura econômica nacional e internacional não favorece o Partido dos Trabalhadores. 5 As crises recentes que passam os governos de centro-esquerda na América do Sul levaram o conceito de Pós Neoliberalismo ser ainda mais controverso. Isto porque a crise econômica, a influencia das grandes corporações, empreiteiras, bancos entre tantos outros representantes do capitalismo oligárquico brasileiro, nunca foram tão marcantes no cenário político brasileiro. Nos demais governos de centro esquerdos, a crise política e econômica, apesar das suas especificidades, têm raízes semelhantes. Justamente pela a incapacidade de continuarem importantes reformas no país o termo pósneoliberalismo deve ser substituído por algo como Estado Liberal Social ou neodesenvolvimentismo. Do ponto de vista geopolítico, a Onda Rosa mantém a sua hegemonia na América do Sul, no entanto, pelas crises destes governos, a perspectiva, até o presente momento, é de que ela sofra uma retração. Referências bibliográficas 5 É importante salientar as dificuldades da relação da presidente Dilma com o congresso nacional. Especialmente quando este último foi definido como o congresso mais conservador desde 1964 segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. 9

ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In SADER, Emir & GENTILI, Pablo (orgs.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 9-23. AZEREDO, M: O Consenso de Brasília. blogs.worldbank.org. 17 set. 2010 Disponível em: < http://blogs.worldbank.org/voices/o-consenso-de-bras-lia > Acesso em: 24 mai. 2013 BRESSER PEREIRA, Luis. Carlos. A crise na América Latina: consenso de Washington ou crise fiscal?. Encontro Nacional de Economia da Associação Nacional de Centros de Pós- Graduação em Economia (Anpec). 1990. COX, R. W. 1986. Social forces, States and world order: beyond international relations theory In: KEOHANE, R. (org.) Neorealism and its critics. Nova York: Columbia University Press. FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. 3ª edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores, [1973] 1981. GENNARI, Adilson. Globalização, neoliberalismo e abertura econômica do Brasil nos anos 90. Disponível em: < http://www.sinprodf.org.br/wp-content/uploads/2012/01/texto-5- globaliza%c3%a7%c3%a3o-e-neoliberalismo.pdf > Acesso em: 24 de abril. 2015 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. vol. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. GUTIERRÉZ, E : Consenso de Brasília, modelo para América Latina. Inter Press Service. 4 out. 2012 Disponível em: < http://ips.org/ipsbrasil.net/print.php?idnews=8810 > Acesso em: 24 mai.2013 MELLO, P.C: A Cartilha do Consenso de Brasília. Folha de S. Paulo. 17 jun. 2011 Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/colunas/patriciacamposmello/931215-acartilha-do-consenso-de-brasilia.shtml > Acesso em: 24 mai. 2013 MELLO, P.C: Consenso de Brasília. Interesse Nacional. 14 out. 2011 Disponível em: < http://interessenacional.uol.com.br/2011/10/consenso-de-brasilia/ > Acesso em: 24 mai. 2013 MORAES, MAURÍCIO: Posse de Humala no Peru reforça influência brasileira na América do Sul. BBC News. 28 jul. 2011 Disponível em: < http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/07/110727_brasil_consenso_brasilia_mm.sht ml> Acesso em: 24 mai.2013 SADER, Emir. A construção da hegemonia pós- neoliberal. In SADER,Emir (org.). Lula e Dilma: 10 anos de governos pós neoliberais no Brasil. São Paulo, SP: Boitempo; Rio de Janeiro: FLACSO Brasil 2013. 10

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