COMPORTAMENTO TÁTICO EM PEQUENOS JOGOS NO FUTEBOL: INFLUÊNCIA DO CONHECIMENTO TÁTICO E DA SUPERIORIDADE NUMÉRICA

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DOI: 10.4025/jphyseduc.v27i1.2736 Artigo Original COMPORTAMENTO TÁTICO EM PEQUENOS JOGOS NO FUTEBOL: INFLUÊNCIA DO CONHECIMENTO TÁTICO E DA SUPERIORIDADE NUMÉRICA TACTICAL BEHAVIOR IN SOCCER SMALL-SIDED GAMES: INFLUENCE OF TACTICAL KNOWLEDGE AND NUMERICAL SUPERIORITY Gibson Moreira Praça 1, Cicero Luciano Alves Costa 2, Frederico Falconi Costa 2, André Gustavo Pereira de Andrade 2, Mauro Heleno Chagas 2 e Pablo Juan Greco 2 1 Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina-MG, Brasil. 2 Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil. RESUMO Este estudo investigou a influência do conhecimento tático processual (CTP) e da superioridade numérica no comportamento tático de jogadores de futebol durante pequenos jogos. Dezoito atletas de futebol do sexo masculino configuraram seis equipes de três jogadores cada, três delas compostas pelos atletas com maior desempenho no teste de CTP e as outras três equipes constituídas pelos jogadores com menor desempenho. Realizaram-se seis dias de coleta, totalizando 24 séries de jogos de 4 minutos de pequenos jogos. Utilizou-se ANOVA Two-way (grupo x jogo) para análise dos dados. Resultados apontaram ausência de interação entre fatores grupo e jogo, sendo estes analisados isoladamente. No fator grupo observou-se diferença significativa no parâmetro espaço sem bola, realizado com maior frequência no grupo com menor conhecimento tático. No fator jogo, a configuração 3vs.3 apresentou maior incidência de penetrações, enquanto a configuração 4vs.3 apresentou maior incidência de unidade (ofensiva e defensiva), cobertura defensiva e equilíbrio de recuperação. Conclui-se haver diferenças nas configurações de jogo, cabendo às comissões técnicas adequá-las à intencionalidade da sessão de treino. Palavras-chave: Futebol. Pequenos Jogos. Avaliação tática. FUT-SAT. ABSTRACT This study investigated the influence of the procedural tactical knowledge (PTK) level and numerical superiority on the tactical behavior of soccer players during small-sided games. Eighteen male soccer players were divided into six teams, in which three presented a higher PTK and three presented a lower PTK. Data collection lasted six days, in which two sets of 4 minutes of Small-sided games were held by group. Tactical behavior was evaluated through FUT-SAT. Two-way ANOVA (group x game) was used to the data analysis. In the group factor, only the width and length principle showed difference, more frequent on the lower PTK group. In the game factor, 3vs.3 SSG presented a higher incidence of penetration, while in the 4vs.3 SSG players performed more actions of unity (offensive and defensive), defensive coverage and balance. It was concluded that the PTK level had a lower influence on the tactical behavior than the game situation. Keywords: Soccer. Small-sided games. Tactical performance. FUT-SAT. Introdução O futebol é um jogo esportivo coletivo (JEC) de invasão, praticado em espaço comum e com ações simultâneas entre ataque e defesa 1. Assim como outros esportes de invasão, o futebol possui características marcantes como a variabilidade e imprevisibilidade das situações de jogo 2. Isso possibilita que as situações-problemas apresentadas sejam resolvidas recorrendo-se a diferentes soluções. Esta diversidade de ações acontece de uma forma não linear, fora de uma lógica sequencial, portanto, uma ação eficiente depende não apenas do domínio da técnica, mas concomitante solicita o domínio de princípios táticos, pois sem a aplicação destes princípios a técnica perde o significado 3. Desta forma, entende-se que o nível de conhecimento tático influencia diretamente o comportamento tático dos jogadores, pois no jogo, o fluxo de informação se mantém em constante mudança, o que solicita, para além de se executar bem as ações do jogo, a capacidade de decidir bem sobre as mesmas 4. Assim, um jogador só consegue executar determinado comportamento de forma eficaz recorrendo ao

Página 2 de 12 Praça et al. conhecimento que detém do jogo 5. Esta informação fundamenta-se em estudos prévios, que demonstram uma maior capacidade de prever com precisão as ações do oponente em determinada situação pelos jogadores experientes 6,7. Na literatura, o nível de conhecimento tático pode ser mensurado com base em dois construtos: conhecimento declarativo e processual 8, que manifestam no esporte como o saber o que fazer, conhecimento tático declarativo (CTD), e o saber como fazer, conhecimento tático processual (CTP) 9. No ensino dos JEC, os pequenos jogos aparecem como um meio capaz de aproximar o conteúdo do treinamento às condições reais de jogo 10. Neste contexto, estudos realizados com jogadores de futebol investigaram os pequenos jogos e o comportamento de variáveis técnicas 11, fisiológicas 12 e de comportamento tático 13, Modificações na estrutura do jogo, entendidas como restrições da tarefa 14, devem ser impostas levando em consideração os níveis de rendimento individuais (i.e. experiência e nível de conhecimento tático) 15 e os objetivos (técnicos, táticos e/ou de condicionamento físico) que se pretende atingir. Contudo, nos desenhos experimentais da maioria dos estudos a manipulação das restrições da tarefa não considera diferenças individuais relativas ao CTP. Considerando que o nível de CTP pode ter uma influência na resposta do comportamento tático, a possibilidade de extrapolação dos resultados de alguns estudos é limitada. Desta forma, o desconhecimento acerca da influência do nível de CTP dos atletas nas manipulações em pequenos jogos representa uma lacuna metodológica, uma vez que o conhecimento específico do jogo é considerado um aspecto básico para a tomada de decisão 16 através do ciclo percepção-ação 17, orientando assim o comportamento durante o jogo. No que diz respeito especificamente aos aspectos táticos, os pequenos jogos possibilitam uma diversidade de situações de jogo que solicitam do participante constantes tomadas de decisões, determinadas pelos objetivos táticos do jogo em cada situação específica, ocorrendo frequentemente sob condição de pressão e limitação de tempo 6,18. Costa et al 13 investigaram a influência das dimensões do campo de jogo nas ações táticas de jogadores da categoria sub-15 de acordo com 10 princípios táticos fundamentais do jogo de futebol e apontaram maiores diferenças nos aspectos defensivos a favor da configuração de campo com menor dimensão. Estudos prévios investigaram os pequenos jogos envolvendo configurações com igualdade numérica 13. Contudo, nestes jogos a equipe em ataque procura manter a posse de bola e paralelamente criar situações de superioridade numérica que contribuam para o alcance da meta adversária e da definição da ação. Esta criação de superioridade numérica é uma situação comum no contexto do jogo e geralmente exerce influência no resultado dos jogos 19. Embora a superioridade numérica seja uma condição frequente no contexto do jogo 20, poucos dados estão disponíveis acerca da sua influência no comportamento dos jogadores em pequenos jogos no futebol. O impacto da superioridade numérica na resposta do comportamento tático considerando diferentes níveis de CTP das equipes pode fornecer informações para um maior entendimento da prescrição dos pequenos jogos, assim como, para um melhor planejamento do treinamento por meio da melhor organização das atividades e das possíveis respostas esperadas nas diferentes situações de treinamento. Portanto, o presente estudo objetiva investigar a influência do nível de conhecimento tático e da presença de superioridade numérica no comportamento tático de jovens jogadores de futebol. Métodos Amostra Participaram 18 atletas jovens (6 defensores, 6 meio-campistas e 6 atacantes 16,4 ± 0.7 anos) de uma equipe de futebol da cidade de Belo Horizonte que participa de competições

Comportamento tático em pequenos jogos no futebol: influência do conhecimento tático... Página 3 de 12 a nível nacional e realizam em média sete sessões de treino semanais. Tanto os atletas quanto os responsáveis legais foram notificados acerca dos procedimentos de pesquisa e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, registrado sob o número 29215814.8.0000.5149. Procedimentos Inicialmente foram realizados os procedimentos referentes à divisão dos atletas em dois grupos, um com maior conhecimento tático processual (G1) e outro com menor conhecimento (G2). Para isso, foi utilizado o Teste de Conhecimento Tático Processual (TCTP) 21. Nesse processo de estratificação a partir do TCTP, os 18 atletas foram divididos em 3 grupos de 6 atletas de mesmo estatuto posicional, i.e. 6 zagueiros, 6 meio-campistas e 6 atacantes. Em cada grupo foram formadas duas equipes com 3 atletas de mesmo estatuto posicional, sendo que cada atleta foi alocado em uma das duas equipes por meio de sorteio. Assim, essas duas equipes realizaram dois jogos entre si, que foram filmados com câmera digital JVC HD Everio GZ-HD520 para posterior análise do CTP. A partir dos resultados do TCTP foi realizado um ranking de desempenho dos atletas dentro de cada estatuto posicional. Com isso, foi possível dividir a amostra em dois grupos: Grupo 1 G1; composto pelos três atletas com maior desempenho no TCTP de cada estatuto posicional, N=9; Grupo 2 G2; composto pelos três atletas com menor desempenho no TCTP de cada estatuto posicional, N=9. Na sequência, cada grupo foi dividido em 3 equipes (A, B e C) de 3 atletas, sendo que cada equipe foi constituída por um defensor, um meio-campista e um atacante. Por fim, outro critério adotado para a composição de cada equipe foi que uma determinada equipe não poderia ter dois atletas com o mesmo nível no ranking de desempenho com o intuito de manter as equipes equilibradas. Os critérios relatados acima determinaram a alocação dos atletas dentro de uma equipe. O quadro 1 mostra de maneira esquemática a composição das equipes. Os atletas do grupo 1 (G1) apresentaram número significativamente superior de ações táticas durante o TCTP (χ²=3,64 p=0,05) em relação aos atletas do grupo 2 (G2). Grupo 1 (G1) Equipe A1 D¹ * M³ A² Equipe B1 D² M¹ A³ Equipe C1 D³ M² A¹ Grupo 2 (G2) Equipe A2 D 4 M 6 A 5 Equipe B2 D 5 M 4 A 6 Equipe C2 D 6 M 5 A 4 Quadro 1. Sistematização adotada para a composição das equipes considerando o nível de desempenho no TCTP e no estatuto posicional. Legenda: G1 - Atletas com melhor desempenho no TCTP; G2 - Atletas com pior desempenho no TCTP; D - Defensor; M - Meio-campo; A - Atacante. * O número sobrescrito indica o ranking de desempenho no TCTP sendo 1 o melhor e 6 o pior no ranking em cada estatuto posicional Fonte: Os autores Após a composição das equipes, procedeu-se a avaliação do comportamento tático a partir do protocolo do Sistema de Avaliação Tática no Futebol - FUT-SAT 3. Para a aplicação do FUT-SAT definiu-se que as equipes do G1 não enfrentariam as equipes do G2, objetivando reduzir a influência do nível do adversário nos comportamentos observados. O

Página 4 de 12 Praça et al. FUT-SAT foi utilizado para avaliação em duas configurações de jogo: 3vs.3 (goleiro mais três jogadores de linha para cada equipe igualdade numérica) e 4vs.3 (goleiro mais três jogadores de linha em cada time e um jogador adicional, jogando para a equipe em ataque superioridade numérica). Nesta configuração de superioridade numérica, o jogador adicional, destacado com camisa de cor diferente das demais, participou apenas do processo ofensivo das equipes. A este jogador foi permitida a realização de todas as ações do processo ofensivo, incluindo a finalização e excetuando-se a marcação de tiros livres e a reposição de bola nos laterais e escanteios. Após a perda da bola por uma equipe, o jogador adicional automaticamente transferia-se para a outra equipe em posse de bola, e realizava as ações ofensivas para a nova equipe. As sessões de coleta de dados envolvendo os pequenos jogos foram balanceadas de forma que todas as equipes de um mesmo grupo realizassem o mesmo número de jogos entre si nas configurações propostas. Todos os jogos foram realizados em um mesmo horário do dia para padronizar as influências do ciclo circadiano. A área de jogo utilizada foi de 36 x 27 metros por representar uma área relativa por atleta próxima à realidade do jogo formal e foram utilizados gols de tamanho 6 x 2 metros 3. Quatro bolas auxiliares foram colocadas nas laterais do campo de jogo. Foram utilizadas todas as regras do jogo de futebol formal, inclusive a regra do impedimento. Dois treinadores se posicionaram nas laterais do campo e forneceram permanente encorajamento externo 22. A familiarização com os pequenos jogos ocorreu em duas sessões consecutivas separadas por 48 horas. Cada sessão de familiarização teve a duração de 30 minutos, na qual os jogadores foram submetidos às duas configurações propostas (3vs.3 e 4vs.3). No início de cada sessão de coleta de dados foi realizada uma atividade preparatória padronizada com duração de 10 minutos. Nas sessões de coleta de dados, utilizou-se o protocolo de 2 séries de 4 minutos de duração duração suficiente para que os princípios táticos do jogo de futebol se manifestem de acordo com 3 e 4 minutos de recuperação passiva entre as séries 23-25. Com o objetivo de evitar o efeito da fadiga no comportamento observado, as duas sessões de coleta de dados para cada equipe (i.e., Equipe A1 vs. B1 e A1 vs. C1) foram realizadas em dias alternados com o mínimo de 48 horas entre as sessões. Instrumentos Teste de Conhecimento Tático Processual (TCTP) O TCTP consiste em um jogo entre duas equipes na configuração três contra três (3vs.3) em uma área de jogo de 9 x 9 metros, em que o objetivo da equipe que mantém a posse de bola (equipe de ataque) é trocar a maior quantidade possível de passes durante os quatro (4) minutos do teste 21. No presente estudo, o TCTP foi realizado 3 vezes, ou seja, 3 jogos entre equipes compostas por atletas de mesmo estatuto posicional (i.e., 3 atacantes contra 3 atacantes). Um intervalo de quatro minutos foi realizado entre cada jogo. Todos os jogos foram gravados com filmadora JVC HD Everio GZ-HD520 posicionada diagonalmente em relação ao campo de jogo em um tripé de 5 metros acima do plano do jogo. Dois avaliadores peritos no TCTP classificaram os atletas em níveis de conhecimento tático processual com base na frequência de realização de cinco ações: 1. Movimenta-se procurando receber a bola (Jogador sem bola no ataque), 2. Passa ao colega sem marcação e posiciona-se para receber (Jogador com bola no ataque), relacionados a situações de ataque, 3. Apoia os colegas na defesa (cobertura) quando são superados pelo adversário (Marcador do jogador sem bola), 4. Apoia o colega na defesa quando o jogador com bola tem dificuldade para dominá-la (Marcador do jogador sem bola) e 5. Pressiona o adversário levando-o para os cantos do campo de jogo (Marcador do jogador com bola). Foi calculado o coeficiente Kappa de Cohen, que apresentou valores de concordância intra-avaliador de 0,844

Comportamento tático em pequenos jogos no futebol: influência do conhecimento tático... Página 5 de 12 e interavaliador de 0,806, indicando confiabilidade satisfatória das observações. Para o cálculo do coeficiente Kappa de Cohen foram reavaliados 21,2% dos atletas 26, com intervalo de 21 dias entre as observações 27. O estudo de Greco et al. (2014) fornece maiores detalhes sobre o TCTP. Sistema de Avaliação Tática no Futebol (FUT-SAT) A avaliação do comportamento tático foi realizada a partir do FUT-SAT 3. Neste protocolo, o comportamento tático dos atletas é avaliado a partir de dez princípios táticos, sendo cinco relacionados à fase ofensiva penetração, cobertura ofensiva, espaço (com bola e sem bola), mobilidade e unidade ofensiva e cinco à fase defensiva contenção, cobertura defensiva, equilíbrio (defensivo e de recuperação), concentração e unidade defensiva, conforme representado na figura 1. Além disso, considera-se o local de realização da ação no campo de jogo e o resultado da ação a partir da filmagem das situações de Pequenos Jogos planejadas (ver figura 1). Maiores detalhes acerca os princípios táticos fundamentais podem ser observados em estudos na literatura 28, 29. Figura 1. Organização estrutura do Sistema de Observação, Análise e Avaliação do Desempenho Tático no Futebol 3. Fonte: Costa et al.³ A avaliação dos itens que compõem a Macro-Categoria Observação do FUT-SAT (princípios táticos ofensivos e defensivos, local de realização da ação no campo de jogo e resultado da ação) é realizada a partir da análise das filmagens obtidas com filmadora digital JVC HD Everio GZ-HD520 e com recurso ao software Soccer Analyser, que permite a inserção do campograma sobre o vídeo e o estabelecimento do centro de jogo e a linha da bola, referências adotadas para os princípios táticos. Todos os dados foram organizados e tabulados com recurso do software Microsoft Excel 2010. No presente estudo, foi verificada a confiabilidade intra e interavaliador da mensuração das variáveis relacionadas ao comportamento tático individual, obtidas a partir do protocolo do FUT-SAT. Neste sentido, dos 24 jogos registrados nas sessões de coleta de dados, quatro (16,7%) foram reavaliados conforme recomendado na literatura 26. A segunda análise dos jogos ocorreu após 21 dias,

Página 6 de 12 Praça et al. minimizando a familiaridade dos avaliadores com as cenas avaliadas 27. Calculou-se o coeficiente Kappa de Cohen, medida de concordância, e o erro padrão, utilizado para estimar o intervalo de confiança das observações, para as variáveis: princípios táticos, local da ação no campo de jogo e resultado da ação (ver TAB. 1). Os resultados indicaram uma confiabilidade satisfatória tanto para a análise intra quanto interavaliador. Tabela 1. Cálculo da confiabilidade intra e interavaliador utilizando o FUT-SAT. Intra-avaliador Interavaliador Kappa Erro padrão Kappa Erro padrão Princípios Táticos 0,934 0,006 0,977 0,004 Local da Ação 0,998 0,001 0,997 0,002 Resultado da Ação 1 0 0,998 0,001 Fonte: Os autores Análise estatística Os dados referentes ao comportamento tático individual, obtidos por meio do FUT- SAT, foram analisados inicialmente com base na estatística descritiva. A análise inferencial foi realizada com o teste de análise de variância (ANOVA) two-way (Fator Grupo: G1 e G2 e Fator Configuração: 3vs.3 e 4vs.3) com medidas repetidas nesse segundo fator. No caso de diferenças significativas, utilizou-se o post hoc da diferença mínima significativa (LSD) para identificação das diferenças. Por fim calculou-se o tamanho do efeito (η 2 parcial), que reflete a magnitude das diferenças entre os tratamentos (pequeno = 0,01; médio = 0,06; e grande = 0,14) 30. Todos os cálculos foram realizados no pacote estatístico SAS 9.0. O nível de significância adotado foi de 0,05. Resultados Na tabela 2 estão demonstradas as médias e desvios padrão da frequência dos princípios táticos realizados nas configurações 3vs.3 e 4vs.3 para os grupos G1 e G2 e os resultados da análise de variância. A ANOVA two way não demonstrou efeito de interação significante entre os fatores Grupo x Configuração na maioria dos princípios táticos, exceto para o princípio Espaço sem bola (F = 5,397; p = 0,023; η 2 = 0,17) (TAB. 2). O teste post hoc apontou que diferentemente do grupo de menor conhecimento tático (G2), o grupo de maior conhecimento tático (G1) apresentou maior incidência de ações de Espaço sem bola no jogo em superioridade numérica do que no jogo em igualdade numérica (p = 0,044). Os resultados referentes ao efeito principal Grupo (G1 e G2) demonstram uma similaridade do comportamento tático dos dois grupos na maioria dos princípios táticos avaliados no FUT- SAT. A ANOVA apontou um efeito principal do fator Grupo apenas no princípio tático Concentração (F = 7,837 p = 0,006 η 2 = 0,34) (ver TAB. 2), sendo que o grupo de menor conhecimento tático (G2) obteve uma média mais elevada (4,1 ± 2,1; média agrupada) que o grupo com maior conhecimento tático (G1) (2,8 ± 1,8; média agrupada) nesse princípio (p=0,006).

Comportamento tático em pequenos jogos no futebol: influência do conhecimento tático... Página 7 de 12 Tabela 2. Médias e desvios padrão da frequência dos princípios táticos nas configurações 3vs.3 e 4vs.3 para G1 e G2. Efeito Efeito Efeito de principal principal Grupo 1 Grupo 2 interação Grupo Configuração (p) (p) (p) 3vs.3 4vs.3 3vs.3 4vs.3 Ofensivo Penetração 8,0+2,6 6,4+1,3 7,3+2,3 6,1+ 2,5 0,697 0,294 0,006* Cobertura Ofensiva 6,1+2,6 6,5+4,6 6,6+4,1 6,7+2,8 0,836 0,678 0,782 Espaço sem bola 10,8+4,0 13,7+5,1 13,4+4,6 11,0+5,0 0,023* 0,941 0,826 Espaço com bola 2,6+1,3 2,0+1,5 2,0+1,6 1,7+1,5 0,637 0,159 0,210 Mobilidade 1,8+1,4 3,4+2,8 2,7+2,1 3,2+2,8 0,346 0,585 0,069 Unidade Ofensiva 10,7+3,8 12,6+4,2 10,3+4,5 14,7+6,6 0,193 0,389 0,002* Defensivo Contenção 5,2+3,1 4,6+2,2 4,6+1,8 3,72+2,6 0,815 0,21 0,179 Cobertura Defensiva Equilíbrio Defensivo Equilíbrio de recuperação 7,0+4,0 8,4+4,6 6,5+3,5 9,6+5,1 0,308 0,633 0,006* 6,8+3,3 7,7+4,2 8,7+4,4 7,6+3,2 0,277 0,335 0,925 1,3+1,5 2,5+1,9 1,6+2,0 2,4+2,3 0,718 0,809 0,044* Concentração 2,7+1,9 2,8+1,7 4,1+2,1 4,0+2,1 0,808 0,006* 0,903 Unidade Defensiva 11,9+4,8 15,6+4,5 13,3+5,0 14,6+3,8 0,288 0,862 0,030* * Diferenças significantes (p<0,05); G1 - Atletas com melhor desempenho no TCTP; G2 - Atletas com pior desempenho no TCTP. Fonte: Os autores No que diz respeito à comparação dos princípios táticos nas configurações 3vs.3 e 4vs.3, a análise de variância detectou diferenças significantes em 5 das 12 variáveis analisadas. Nos princípios táticos ofensivos, os comportamentos táticos dos participantes se diferenciaram na penetração e na unidade ofensiva, sendo que na penetração a configuração 3vs.3 apresentou uma média mais elevada que o 4vs.3 (F = 8,037; p = 0,006; η 2 = 0,30). Por outro lado, a configuração 4vs.3 permitiu maior frequência de ações táticas de unidade ofensiva que a configuração com igualdade numérica (3vs.3) (F = 9,987; p = 0,002; η 2 = 0,31). Nos princípios táticos defensivos, a análise de variância apontou diferenças significantes nos princípios táticos de cobertura defensiva (F = 7,885; p = 0,006; η 2 = 0,26), equilíbrio de recuperação (F = 4,219 p = 0,044 η 2 = 0,26) e unidade defensiva (F =

Página 8 de 12 Praça et al. 4,908; p = 0,030; η 2 = 0,27), sendo que em todos os casos observaram-se frequências médias mais elevadas para a configuração com superioridade numérica. Discussão Este estudo objetivou investigar se o conhecimento tático processual e a superioridade numérica alteram o comportamento tático ofensivo e defensivo de jogadores de futebol durante pequenos jogos. De uma forma geral, os resultados do presente estudo mostraram que a configuração 4vs.3 (superioridade numérica) em um pequeno jogo altera o comportamento tático ofensivo e defensivo dos atletas e que o nível de conhecimento tático desses atletas não modifica esta resposta. No presente estudo foi observado que a configuração 4vs.3 alterou o comportamento tático dos jogadores em 5 dos 12 princípios táticos analisados em comparação a configuração 3vs.3 (igualdade numérica). As diferenças foram verificadas entre as configurações (3vs.3 e 4vs.3) nos princípios ofensivos: Penetração e Unidade ofensiva e nos princípios defensivos: Coberta defensiva, Equilíbrio de recuperação e Unidade defensiva. A frequência de ações do princípio tático ofensivo Penetração foi maior para a configuração 3vs.3 comparado com a configuração 4vs.3. Uma possível explicação para este resultado está relacionada com a expectativa de que na configuração 3vs.3 é demandado um aumento nas ações de 1x1 para progressão da bola no terreno de jogo, enquanto o jogo em superioridade numérica ofensiva permite ao ataque a constante presença de um jogador livre, facilitando a progressão no terreno de jogo e a manutenção de bola prioritariamente por meio de passes 31. Essa diferença na dinâmica possível de jogo justificaria o resultado encontrado. Além disso, a configuração 4vs.3 apresentou uma média mais elevada nas ações táticas que levam em conta o princípio de Unidade ofensiva. O fato de haver um jogador a mais em uma das equipes para apoiar o ataque propicia um maior avanço da última linha ofensiva em resposta ao recuo da linha defensiva da equipe em inferioridade numérica. Segundo Travassos et al 20, o padrão de coordenação interpessoal entre jogadores de futebol é alterado com a presença de superioridade numérica durante pequenos jogos. Os autores observaram a redução do espaço entre os atletas e a ocupação do espaço mais próximo ao gol recuo da linha defensiva como resposta à superioridade numérica ofensiva. Tais apontamentos reforçam a explicação para o resultado verificado em relação ao princípio de Unidade ofensiva. Além disso, como na configuração 4vs.3 se possui um jogador a mais no ataque, o posicionamento ocorre de forma mais compacta com uma maior aproximação para a troca de passes. Já em relação aos princípios táticos defensivos, observou-se maior incidência do princípio da Cobertura defensiva no pequeno jogo com superioridade numérica. Esta resposta se justifica pelo fato de que a defesa está em desvantagem numérica na configuração 4vs.3, o que leva a uma maior exigência defensiva, principalmente no que diz respeito ao posicionamento com objetivo de obstruir as linhas de passes do adversário. Este raciocínio é reforçado pelos resultados do estudo de Evangelos et al. 19, que comparou ações técnicotáticas em jogos de igualdade e superioridade numérica e verificou uma maior quantidade de passes a favor da configuração de jogo 4vs.3 em comparação a 3vs.3. Na defesa, diante da impossibilidade do acompanhamento individual 1x1 para impedimento da progressão do ataque em virtude da superioridade numérica ofensiva, situações de cobertura defensiva apresentam-se como úteis à criação de igualdade numérica em regiões mais perigosas à própria baliza, nomeadamente o centro de jogo. Em relação aos princípios táticos Equilíbrio de recuperação e Unidade defensiva a configuração 4vs.3 também apresentou uma maior frequência de ações em comparação a 3vs.3. Neste caso, os jogadores na configuração 4vs.3

Comportamento tático em pequenos jogos no futebol: influência do conhecimento tático... Página 9 de 12 estão em desvantagem na defesa e são mais exigidos pela presença do quarto jogador, de forma que tendem a se organizar mais rapidamente para proteger zonas que possibilitem gols. Além disso, após a perda da posse os atletas precisam se reposicionar na defesa também de uma forma mais dinâmica do que a situação de igualdade numérica. Estas diferenças anteriormente relatadas na resposta dos princípios táticos investigados no presente estudo demonstram que as diferentes configurações do jogo influenciam diretamente o comportamento tático dos jogadores, corroborando com outros estudos que demonstram a influência da manipulação de características da tarefa como uma estratégia efetiva para propiciar determinados comportamentos de jogo 15,32. No presente estudo foi esperado que o nível de conhecimento tático dos atletas apresentasse uma influência no comportamento tático. Esta expectativa foi baseada em uma característica inerente do jogo que é a mudança constante do fluxo de informação, que requer além de executar bem as ações do jogo, uma capacidade de decidir adequadamente sobre as mesmas 4. Considerando esse contexto, um jogador consegue executar determinado comportamento de forma eficaz recorrendo ao conhecimento que detém do jogo 5. Além disso, no esporte, a concepção da bidirecionalidade entre percepção e ação 17, considera a simultaneidade entre os processos bottom up e top down durante a tomada de decisão 33. A tomada de decisão, por sua vez, resulta da interação de processos de atenção e antecipação heurísticos 34, com base em processos amparados no conhecimento específico da modalidade, ou seja, no conhecimento tático. Neste contexto, estudos apontam que indivíduos experts são capazes de gerar mais opções 6,18 e de melhor aplicá-las no contexto do jogo 35. Contudo, contrariamente a esta expectativa, os resultados indicaram um efeito de interação significante entre nível de conhecimento tático (fator grupo) e diferentes configurações de jogo (Fator Configuração) em apenas 1 ( Espaço sem bola ) dos 12 princípios táticos analisados. Além disso, quando o fator grupo foi analisado, os grupos G1 e G2 apresentaram diferença também em apenas 1 ( Concentração ) dos 12 princípios táticos. Esses resultados mostram que o nível de conhecimento tático exerceu pouco efeito no comportamento tático dos atletas, independente da configuração de jogo (3vs.3 ou 4vs.3). Uma possível explicação para esse resultado não esperado está relacionada com a medida de desempenho no TCTP. Nele, a incidência de determinados princípios táticos é a medida que permite diferenciar o nível de conhecimento tático processual dos atletas. Apesar da capacidade de geração de opções ser um aspecto relevante no contexto do jogo, é possível que esta medida não seja suficiente para diferenciar jogadores com características homogêneas, como no presente estudo. Os atletas investigados apresentam uma participação, ao longo de alguns anos, em processos de ensino-aprendizagem-treinamento semelhantes, uma mesma faixa etária e um mesmo nível de competição, fatores que interferem no desenvolvimento da expertise 36. É possível que diferenças na qualidade das ações táticas representem um aspecto adicional a ser considerado à questão da quantidade das ações na caracterização do nível de desempenho relacionado ao comportamento tático processual. Contudo, esta argumentação apresenta-se apenas como uma especulação e sua confirmação demanda investigações adicionais. Uma limitação do estudo refere-se ao uso de uma amostra composta por jovens jogadores de futebol com características específicas (nível de competição, faixa etária). Esta característica limita as possibilidades de extrapolar os resultados para outras populações como jogadores de futebol adultos profissionais, jovens jogadores de outras faixas etárias e jovens jogadores da mesma faixa etária, porém pertencentes a outros clubes de mesmo nível competitivo, as quais podem responder diferentemente às condições do presente experimento.

Página 10 de 12 Praça et al. Conclusão O comportamento tático ofensivo e defensivo é influenciado pela configuração de jogo com superioridade numérica. Diferentemente da manipulação da configuração do jogo, o nível de conhecimento tático processual exerceu pouca alteração no comportamento tático, apenas em um dos doze princípios analisados. Os resultados dessa investigação permitem a treinadores e preparadores físicos o ajuste dos conteúdos do treino por meio da adequação de pequenos jogos às intencionalidades da construção do modelo de jogo para a equipe. Se por um lado, configuração de jogo em igualdade numérica favorece o aparecimento de confrontos, sendo potencialmente úteis à vivência de conteúdos associados ao drible e condução de bola, configurações em superioridade numérica representam uma importante ferramenta para construção de modelos de jogo baseados no ataque organizado e no desenvolvimento de princípios relacionados à construção ofensiva. Agradecimentos À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo suporte financeiro. Aos profissionais e atletas do Clube Atlético Mineiro pelo apoio na realização da coleta e aos bolsistas do Centro de Estudos em Cognição e Ação pelo suporte operacional e técnico. Referências 1. Garganta J. Trends of tactical performance analysis in team sports: bridging the gap between research, training and competition. Rev Port Cien Desp 2009;9(1):81-89. 2. Giacomini DS, Greco PJ. Comparação do conhecimento tático processual em jogadores de diferentes categorias e posições. Rev Port Cien Desp 2008;8(1):126-136. 3. Costa IT, Garganta JM, Greco PJ, Mesquita I, Maia J. System of tactical assessment in Soccer (FUT-SAT): Development and preliminary validation. Motri 2011;7(1):69-83. 4. Williams AM, Ward P, Smeeton NJ. Perceptual and cognitive expertise in sport: implications for skill acquisition and performance enhancement. In: Williams AM, Hodges NJ, editors. Skill Acquisition in Sport: Research, Theory and Practice. Londres: Routledge; 2004. 5. Costa IT, Garganta JM, Fonseca A, Botelho M. Inteligência e conhecimento específico em jovens futebolistas de diferentes níveis competitivos. Rev Port Cien Desp 2002;2(4):7-20. 6. Raab M, Johnson J. Option-generation and resulting choices. J Exp PsycholAppl 2007;13:158-170. 7. Roca A, Ford PR, McRobert AP, Mark Williams A. Identifying the processes underpinning anticipation and decision-making in a dynamic time-constrained task. Cogn Process 2011;12(3):301-310. 8. Anderson JR, Bothell D, Byrne MD. An integrated theory of the mind. Psychol Rev 2004;111(4):1036-1060. 9. Sternberg RJ. Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artmed; 2000. 10. Aguiar M, Botelho GM, Goncalves BS, Sampaio JE. Physiological responses and activity profiles of football small-sided games. J Strength Cond Res 2013;27(5):1287-1294. 11. Abrantes CI, Nunes MI, Macãs VM, Leite NM, Sampaio JE. Effects of the number of players and game type constraints on heart rate, rating of perceived exertion, and technical actions of small-sided soccer games. J Strength Cond Res 2012;26(4):976-981.

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