Programa do Curso. Bruno Pelletier Sequeira Entrevista de Sandra Vieira Jürgens *



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Transcrição:

Bruno Pelletier Sequeira Entrevista de Sandra Vieira Jürgens * Como é que define a sua actividade? Fotógrafo? Professor? Ambas as coisas? Considero-me tanto fotógrafo como professor, embora actualmente a actividade docente ocupe a maior parte do tempo. Mas entendo que o meu trabalho de autor valoriza a minha actividade como professor e vice versa. O facto de fazer fotografia de autor permite-me orientar os alunos de uma certa maneira, especialmente em cursos de projecto. Por outro lado a minha actividade como professor é muitíssimo importante para o meu trabalho enquanto fotógrafo. Como é que surgiu o interesse pela educação? Desde cedo a fotografia foi uma actividade importante na minha vida. Montei o meu primeiro laboratório preto-e-branco aos 17 anos. Depois de concluir uma licenciatura em engenharia comecei a trabalhar na indústria, mas ao fim de alguns meses decidi largar a carreira de engenheiro e comecei a procurar trabalho na área da fotografia. Em 1991, a convite da Associação de Estudantes, realizei um curso de fotografia na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa. Foi uma experiência muito boa e uma descoberta, que me fez ter vontade de continuar a trabalhar como professor. Gostei muito da experiência e a partir daí o ensino esteve sempre presente na minha vida profissional. Em relação ao ensino nunca senti um esgotamento em termos pessoais, era uma actividade sustentável, ou seja, o tempo que eu despendia, a energia que eu gastava, era um processo compensador. Fazia-me sentir pleno. Durante o seu próprio processo de aprendizagem o que é que terá sido essencial e que referências guardou que pudessem servir de exemplo? O período entre 1993 e 1997 em que estive nos Maumaus. Nessa época acumulei várias actividades: fui coordenador dos laboratórios a preto-e-branco, aluno do curso avançado e professor de vários outros cursos. A simultaneidade entre dar e receber aulas e estar também envolvido na organização foi muito marcante e decisivo para a criação do Atelier de Lisboa. Também foi importante o período em que dei aulas no Ar.Co - Centro de Arte e Comunicação Visual e os oito anos em que fui professor na António Arroio, onde também fui coordenador do departamento de audiovisuais. Neste caso foi importante o contacto com o ensino oficial e com uma instituição pública. De outra maneira não estaria em condições de compreender o que se passa no ensino público em Portugal. Na verdade, a síntese das várias experiências foi o mais importante. Na minha actividade interessa-me sempre realizar essa síntese, pois a integração, a adição e a soma de várias experiências acaba por ser aquilo que é mais importante. Procuro sempre encontrar aspectos positivos em tudo. Nem sempre é possível, pois obviamente, existem experiências negativas, mas também se aprende pela negativa, e para a aprendizagem isso é importante, pois ensina-nos a evitar essas situações. No processo de formação de um artista o erro é essencial. A experiência do erro e a falha são elementos fundamentais da aprendizagem e servem o propósito superior de desenvolvimento do trabalho e da obra de um artista. Depois das falhas, dos erros, as certezas tornam-se mais fortes. Pág 1 de 5

E qual foi a característica mais marcante do ensino da Maumaus? Por um lado, o nível das discussões que existiam nas aulas de projecto do curso avançado, eram muito desafiadoras e estimulantes para o desenvolvimento individual. Por outro lado, existia a dimensão humana, o ambiente era muito amistoso e isso condicionava positivamente a forma como nos relacionávamos uns com os outros. Fale-me também dessa vontade de reunir as várias experiências de ensino na criação de algo novo. Como é que surgiu o Atelier de Lisboa? O desejo de criar uma escola esteve presente desde a época em que estive nos Maumaus. Seguiu-se depois um período em que só dei aulas na António Arroio, mas em que a burocracia e os aspectos associados a uma instituição pública, me fizeram ansiar por ter um espaço em que fosse totalmente autónomo e responsável. A experiência como professor, e em alguns momentos como coordenador, permitiu-me conhecer a realidade de várias escolas e as suas qualidades particulares. Permitiu-me também conhecer os problemas ou fragilidades que podem boicotar o bom funcionamento de uma escola de artes. As aulas no Atelier de Lisboa começaram em Outubro de 2006. Os dois anos anteriores a essa data foram dedicados à definição do que iria ser a futura escola. Comecei por realizar a síntese das diferentes experiências de ensino com que contactei, em seguida procurei idealizar a melhor escola possível. Incontáveis conversas e discussões com outros professores, e alguns integram agora o corpo docente do Atelier, serviram para questionar e afinar o projecto da futura escola. A partir de Outubro de 2005 comecei a convidar professores, a definir programas, e a articular os vários cursos. O Atelier de Lisboa contém em si o contributo de muitas pessoas, que foram decisivas para o projecto da escola, para o seu crescimento e para a forma que tem actualmente. Temos uma estrutura muito dinâmica, que está em crescimento acelerado, estamos constantemente a gerar novos cursos, a convidar novos docentes e a atrair cada vez mais alunos. Uma das nossas principais características é a vontade de evolução permanente. Quais são os vossos principais valores? Um deles é excelência do nosso corpo docente. Interessa-nos contratar, convidar e colaborar com os melhores professores que existam em Portugal, e em Lisboa, em particular. Estamos muito contentes com o trabalho realizado e temos muito orgulho no nosso corpo docente. Existe uma quantidade muito grande de excelentes professores a trabalhar e a viver em Lisboa. Sinto que neste momento é um privilégio ser coordenador de uma escola de fotografia dedicada ao ensino artístico a funcionar em Portugal. A flexibilidade é outra das características da nossa actividade, pois temos noção que o século XXI é um século de uma turbulência muito grande e que se avizinham muitos desafios, constantes processos de adaptação e evolução. E o Atelier de Lisboa é de facto uma estrutura altamente flexível. Considero que o mais importante para uma escola ser bem sucedida é ter a capacidade de criar um ambiente propício, em que são fornecidas aos alunos as condições técnicas, culturais e intelectuais para o seu desenvolvimento. Que objectivos têm? Por agora interessa-nos participar activamente no processo de desenvolvimento da fotografia enquanto prática artística em Portugal. Interessa-nos fazer a formação de alunos que queiram ser artistas, que pretendam expor e ser representados por uma galeria... Pág 2 de 5

Neste ano lectivo, 2010-2011, estreámos uma pós-graduação, Fotografia, Projecto e Arte Contemporânea, realizada em parceria com o IPA Instituto Superior Autónomo de Estudos Politécnicos em que sou coordenador juntamente com Ana Janeiro. Neste curso participam 21 docentes de enorme qualidade e consideramos mesmo que é um corpo docente extraordinário. E em termos de estrutura dos cursos, quais são as vossas linhas de ensino? No Atelier de Lisboa o ensino está organizado em torno de três linhas directrizes. A primeira está associada à formação técnica, em que temos um conjunto de cursos que podem existir agrupados ou individualmente, e que interessam ao público em geral. Essa formação técnica tem objectivo de promover o conhecimento do dispositivo fotográfico para qualquer uso. Depois temos uma outra linha, um conjunto de cursos teóricos, e que tanto podem servir como parte da formação de alunos que queiram desenvolver trabalho de autor, bem como a pessoas que estão interessadas em saber mais sobre fotografia de um ponto de vista cultural. Por último, temos uma série de cursos de projecto em que os alunos entram em contacto com diferentes tipos de práticas e com diferentes professores e que acabam por desenvolver trabalho que pode ou não ser exposto. O culminar deste curso de projecto é, neste momento, a realização de exposições colectivas à semelhança do Projecto Alvito, um trabalho colectivo que inaugurámos em Junho de 2009 e que teve a participação de sete alunos do Atelier. Este projecto resultou de um convite de Jorge Gaspar, coleccionador de arte e presidente dos Estudos Gerais de Alvito, para a produção de um trabalho e realização de uma exposição num novo centro de artes, Ateliers do Matadouro, na vila de Alvito. Tratou-se de um projecto site-specific que foi realizado pelo grupo de alunos do Curso de Projecto durante um ano lectivo e foi produzido antes das obras de recuperação e reconversão do antigo matadouro. Claro que, para além destas exposições colectivas, interessa-nos que os alunos venham a desenvolver trabalho individualmente, e que possam evoluir autonomamente. Como avalia a actual situação do ensino de arte em Portugal? Prefiro falar da situação do ensino da fotografia enquanto prática artística. Nas últimas décadas tem crescido significativamente, a quantidade e a qualidade do trabalho produzido em Portugal. Tem também crescido o número de artistas. Isto sugere que colectivamente os agentes envolvidos no ensino da fotografia em Portugal estão a realizar um bom trabalho. O aparecimento de novas escolas nos últimos anos e a restruturação de escolas já existentes criou um ambiente mais dinâmico. Se considerarmos a zona de Lisboa e cidades próximas (Caldas da Rainha, Évora, Tomar) verificamos que existe uma grande diversidade de escolas com diferentes modos de trabalhar e diferentes objectivos. Por si só esta diversidade constitui uma mais valia. Cada candidato pode escolher a escola que melhor serve as suas intenções. Claro que existem problemas, em algumas escolas, mas prefiro não falar sobre isso... O excessivo apreço pela estabilidade e um afastamento da experimentação e do risco são na minha opinião um dos principais problemas que uma escola nesta área pode enfrentar... No nosso caso concreto, aquilo que pretendemos fazer no Atelier de Lisboa é contribuir para o desenvolvimento da fotografia em Portugal e muito concretamente para a fotografia enquanto prática artística. Poderá haver mais tarde uma expansão para outras áreas, mas por agora, dedicamo-nos essencialmente à fotografia. Se essa expansão vier a acontecer será a uma cadência muito particular que não desvirtue o essencial do Atelier. Pág 3 de 5

Qual é a marca distintiva do Atelier em termos de ensino, em relação a outras escolas dedicadas à fotografia? Se eu tivesse de definir uma característica, uma só, eu diria excelência. Mas temos outro sinal distintivo importante, temos uma vontade muito grande de provocar a capacidade das pessoas pensarem por si próprias. Ao longo dos vários cursos que são propostos, a autonomia intelectual, ou seja, a capacidade de estar perante um determinado desafio e ser capaz de responder de uma forma nova, original e singular, é talvez um dos aspectos que nos interessa verdadeiramente. É fundamental que as pessoas, num mundo cheio de desafios como aquele que se afigura nas próximas décadas, tenham autonomia para serem capazes de ajuizar em cada momento aquilo que pretendem fazer. Nós procuramos diferentes professores, com diferentes formas de pensar, diferentes capacidades e competências, que dêem aos alunos uma visão multi-ocular, no sentido de permitir a aquisição de conhecimentos, de competências e de processos de trabalho que promovam uma capacidade muito grande de criar. Não nos interessa repetir ou mimetizar o que está a ser feito actualmente, interessa-nos projectar, pensar em novas possibilidades. Uma coisa que às vezes surpreende as pessoas é a forma liberal como exerço a coordenação do Atelier. Nessa função poderia escolher entre duas hipóteses: poderia definir um determinado rumo, determinar um plano de estudos de uma forma rígida e procurar professores capazes de se encaixar nesse modelo, defendendo essa forma como sendo a certa. Creio que, de um modo geral, essa é a prática mais comum na coordenação. A coordenação como eu a penso é um processo de construção, que resulta do diálogo e da negociação que se estabelece entre o professor e o coordenador, entre aquilo que a escola pretende e aquilo que o professor tem para oferecer. As pessoas que são convidadas a dar aulas no Atelier fazem-no como prolongamento daquilo em que trabalham no dia-a-dia. Por exemplo, nos cursos de projecto, os professores são artistas que tem o hábito de produzir trabalho e sabem bem a situação em que os alunos estão. E o que acontece é que, supondo, que interessa ao Atelier expandir a sua actividade a uma certa área, eu enquanto coordenador, em vez de definir tudo muito bem e contratar um professor que encaixe perfeitamente no plano, procuro antes saber quem é a melhor pessoa nessa área, contacto-a e desafio-a a fazer uma proposta singular e exclusiva para o Atelier de Lisboa. Penso sempre em qual será o contributo que essa pessoa pode dar ao Atelier no seu conjunto e qual a forma como pode participar no nosso processo de construir uma escola excelente. Inclusivamente, os programas dos cursos são feitos pelos professores, que os vão dar e são assinados pelos próprios. Sinto que o meu trabalho como coordenador é em certa medida parecido com o de um curador: estabeleço uma relação de trabalho com um professor e procuro a forma como a proposta desse professor pode ser integrada de uma forma construtiva para o conjunto de toda a escola. Às vezes acontece haver professores que estranham esta forma de trabalhar porque estavam à espera de algo mais definido. Normalmente procuro a área de trabalho, a área particular e exclusiva em que cada um é verdadeiramente especial. Procuro e provoco isso, quero que as pessoas procurem essa parcela de conhecimento que detém e que faz parte da vida delas. Qual é o serviço que podem prestar ao Atelier, aos alunos e à arte? Qual é o contributo que podem dar ao processo de construir qualquer coisa de significativo no ensino e que depois terá consequências na produção do trabalho? A ideia é essa, a minha intenção é ter o melhor professor para cada área particular de ensino. Pág 4 de 5

Entre alunos qual é o ambiente criado no Atelier? É fantástico! Isso deve-se ao sistema de aprendizagem, aos métodos? Sim, a nossa escolha por formar grupos pequenos, em que o diálogo entre professores e alunos é estimulado, favorece esse bom ambiente entre alunos. Mas eu creio que o elemento principal será o nosso enorme cuidado com a forma como tratamos as pessoas. Convém lembrar que vivemos num mundo crescentemente mecanizado em que a maioria dos intercâmbios entre pessoas acontece mediado por uma máquina. Há um lado de cooperação muito forte no Atelier, de estímulo, de cooperação em vez de competição. É claro que os alunos, sobretudo no projecto, querem fazer o melhor trabalho possível mas é uma competição saudável, há uma entreajuda e uma cumplicidade entre os vários alunos que é muitíssimo importante. É claro que também existem as condições propícias, que uma escola oferece, para que isso aconteça. Mas claro, em última análise, os alunos têm de aderir. Existe outro elemento que é importante que são as reuniões e festas organizadas para além das aulas, estimulando assim a aproximação entre alunos. Temos tido uma sorte muito grande com os alunos que temos no Atelier, a qualidade e o número já é significativo bem como o trabalho produzido. Estamos no início do quinto ano lectivo e temos razões de sobra para estarmos orgulhosos do que fizemos até agora. O desafio do momento e a realização da primeira edição da pós-graduação Fotografia, Projecto e Arte Contemporânea é entusiasmante... * Publicação original: Sandra Vieira Jürgens, «Bruno Pellettier Sequeira: Atelier de Lisboa Escola de Fotografia e Centro de Artes Visuais», arq./a: Arquitectura e Arte, n. 88/89, Janeiro/Fevereiro 2011, pp. 86-89. Pág 5 de 5