CONFERÊNCIAS MUSEU DE LAMEGO / CITCEM - 2014



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Transcrição:

Geraldo Coelho Dias

ATAS das 2 as CONFERÊNCIAS MUSEU DE LAMEGO / CITCEM - 2014 Quintas do Douro: História, Património e Desenvolvimento Disponível online em www.museudelamego.pt ABREVIATURAS AMVR Arquivo Municipal de Vila Real ASCR CQ - Amigos do Solar dos Condes de Resende Confraria Queirosiana ASRAVD Associação de Desenvolvimento da Rede de Aldeias Vinhateiras do Douro CITCEM Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória CNRS Centre National de la Recherche Sciéntifique, Lyon DL Diocese de Lamego DRCN Direção Regional de Cultura do Norte FCSH UNL Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa FLUP Faculdade de Letras da Universidade do Porto GHAP - Gabinete de História, Arqueologia e Património MD Museu do Douro ML Museu de Lamego

ORGANIZAÇÃO ML DRCN / CITCEM FLUP CONCEPÇÃO E COMPOSIÇÃO GRÁFICA Pe. Hermínio Lopes (DL) COMISSÃO ORGANIZADORA Alexandra Braga (ML DRCN) Gaspar Martins Pereira (FLUP CITCEM) Luís Sebastian (ML DRCN) Paula Montes Leal (FLUP CITCEM) COORDENAÇÃO EDITORIAL Alexandra Braga Luís Sebastian CONFERENCISTAS António Martinho (ADRAVD) Carlota Cabral (FCSH-UNL) Celeste Pereira (Greengrape) Gaspar Martins Pereira (CITCEM) Gonçalves Guimarães (GHAP ASCR-CQ) Luís Ramos (UTAD) Manuel Carvalho (Jornal «Público») Natália Fauvrelle (MD/CITCEM) Nuno Magalhães (UTAD) Nuno Resende (CITCEM) Otília Lage (CITCEM) Paula Montes Leal (CITCEM) Paulo Amaral (DRCN) Pedro Peixoto (AMVR) Pedro Pereira (CITCEM/CNRS) IMAGEM DE CAPA Pedro Martins. Direção Regional de Cultura do Norte EDIÇÃO Museu de Lamego Direção Regional de Cultura do Norte DATA DE EDIÇÃO Outubro de 2014 e-isbn 978-989-98657-7-8 O conteúdo dos textos, direitos de imagem e opção ortográfica são da responsabilidade dos autores. DESIGN DE COMUNICAÇÃO Luís Sebastian COMUNICAÇÃO Patrícia Brás (ML - DRCN) SECRETARIADO Paula Duarte (ML DRCN) Patrícia Brás (ML DRCN) Teresa Sequeira (ML DRCN) LOGÍSTICA Paula Pinto (ML DRCN) APOIOS: Liga dos Amigos do Museu de Lamego Município de Lamego Diocese de Lamego Hotel Lamego Solta Giga Casa de Santo António de Britiande ESTGL Lamego Escola de Hotelaria e Turismo do Douro Lamego Quinta de Mosteirô

Índice Conferência de Abertura Gaspar Martins Pereira (FLUP/CITCEM) Quintas do Douro: História, Património e Desenvolvimento... 09 Mesa-redonda QUINTAS DO DOURO: MEMÓRIA E RECURSO António Martinho (Membro da Direção da Douro Generation Associação de Desenvolvimento) A História e o património das quintas do Douro como valor de recurso para o Turismo...21 Celeste Pereira (Greengrape - consultoria) A importância do vinho do Porto na valorização do enoturismo e do território Douro...29 Painel 1 O PATRIMÓNIO DAS QUINTAS DO DOURO Natália Fauvrelle (Museu do Douro Coordenadora dos Serviços de Museologia (em licença). Bolseira de doutoramento FCT/MD: Investigadora CITCEM) As quintas vinhateiras na construção do património paisagístico do Douro... 35 Carlota Cabral (Mestre FCSH-UNL) Quinta do Paço de Monsul: um património singular... 53 Nuno Resende (DCTP- FLUP) Santos da casa: capelas, devoção e poderes a sul do Douro no memorialismo paroquial...61 J,A, Gonçalves Guimarães (arqueólogo; coordenador do Gabinete de História, Arqueologia e Património ASCR-CQ) Da intervenção arqueológica ao museu de sítio: a experiência da Quinta de Ervamoira...81

6 Painel 2 QUINTAS DO DOURO: PATRIMÓNIO VITIVINÍCOLA, ENOTURISMO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL Nuno Magalhães (UTAD) O papel e importância das quintas na investigação e desenvolvimento da vitivinicultura duriense... 105 Painel 3 QUINTAS DO DOURO: DOS ARQUIVOS À HISTÓRIA Paula Montes Leal (CITCEM) Arquivos de quintas do Douro: os casos de Santa Júlia e da Pacheca... 117 Pedro Peixoto (diretor do Arquivo Municipal de Vila Real) Os arquivos das quintas do Douro: que estratégias de salvaguarda?... 125 Otília Lage (CITCEM) Dos arquivos patrticulares, património a preservar, à história da Quinta da Alegria de Cima (Carrazeda de Ansiães, 1890-2014)... 129 Painel 4 ARQUEOLOGIA DAS QUINTAS DO DOURO Pedro Pereira (CITCEM; UMR 5138 Archéométrie et Arqchéologie ULLII/CNRS) A importância da Arqueologia para a história da vinha e do vinho na região do Douro... 143

Conferência de abertura Gaspar Martins Pereira (FLUP/CITCEM)

9 Quintas do Douro: História, Património e Desenvolvimento texto: Gaspar Martins Pereira Nota biográfica: Gaspar Martins Pereira Professor catedrático do Departamento de História e de Estudos Políticos e Internacionais da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Investigador do CITCEM Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço & Memória». Tem desenvolvido investigação nas áreas de História Urbana, História Social, História Empresarial e História da Vinha e do Vinho. É autor de diversas obras, de que se destacam, entre as publicações mais recentes, Uma vida pela liberdade: Artur Santos Silva, 1910-2010 (Porto, 2010), Crise e Reconstrução. O Douro e o Vinho do Porto no século XIX (coord., Porto, 2010), Roriz. História de uma Quinta no Coração do Douro (Porto, 2011), Alves Redol e o Douro. Correspondência para Francisco Tavares Teles (org., Porto, 2013). Resumo: As quintas do Douro assumem, desde há séculos, uma posição estratégica na sociedade, na economia e na cultura da região vinhateira. Partimos do reconhecimento da importância das quintas, enquanto unidades de povoamento, de exploração agrícola e de poder territorial e social na longa história da região do Douro, de que decorre, em grande parte, um riquíssimo e plural legado patrimonial, tanto material como imaterial, o que as torna, hoje, componentes centrais do território classificado como Património da Humanidade, quer como valor de memória colectiva quer como valor de recurso insubstituível para a definição, liderança e promoção do desenvolvimento regional. Nessa tripla perspectiva, pretende-se suscitar o debate em torno da história e do património das quintas, enquanto vectores de desenvolvimento da região do Douro. Palavras-chave: Douro, Quintas, História, Património, Desenvolvimento. Abstract: For centuries the Douro quintas have played a strategic part in the society, economy and culture of the wine-making region. Recognizing the value of these quintas as settlement units, places of farming, territorial and social power in the long history of the Douro region is paramount. The rich and plural patrimonial legacy of these structures, both material and immaterial, makes them, today, a central component of the territory classified as World Heritage. The place they hold on the collective memory but also as an irreplaceable resource for the definition, leadership and promotion of regional development is undeniable. From this triple perspective, we intend to raise the debate on the history and heritage of these quintas, while vectors of development of the Douro region. Keywords: Douro, Quintas, History, Cultural Heritage, Development

10 INTRODUÇÃO Cabe-me a responsabilidade de apresentar o tema geral deste Encontro, «Quintas do Douro: História, Património e Desenvolvimento». Antes disso, creio que vale a pena evocar o espírito destas Conferências, que se iniciaram em 2013 e que resultam de uma parceria entre o Museu de Lamego e o CITCEM - Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Pretende-se, essencialmente, atingir três objectivos: i) constituir um espaço de encontro e de debate científico, com periodicidade anual, reunindo investigadores das áreas de História e Património, com trabalhos realizados ou em curso sobre a Região do Douro; ii) estimular o diálogo interdisciplinar com outras áreas do saber; iii) abrir o debate à comunidade regional, assumindo não só a missão de partilhar o conhecimento que se vem produzindo na Universidade mas também de o discutir com todos os interessados na valorização do património histórico-cultural na região duriense. Ou seja, na sociedade do conhecimento em que vivemos, o saber académico não pode isolar-se no círculo estreito das universidades e centros de investigação. Sem ceder um milímetro ao utilitarismo esterilizador destes tempos neo-liberais e sem perda da liberdade de pensamento, base essencial do espírito de criação e de crítica, o conhecimento académico, na área das Humanidades, e em particular na História e no Património, pode e deve apostar na eficácia social da cultura, no seu auto-questionamento e na partilha e troca solidárias de saberes, como contributos para o desenvolvimento. Isso mesmo quisemos reflectir na primeira edição destas Conferências, subordinadas ao tema «História e Património no/do Douro: Investigação e Desenvolvimento». Na tripla perspectiva que referimos, a escolha do tema geral desta segunda edição das Conferências também não foi casual. Partimos do reconhecimento da importância das quintas, enquanto unidades de povoamento, de exploração agrícola e de poder territorial e social na longa história da região do Douro, de que decorre, em grande parte, um riquíssimo legado patrimonial, tanto material como imaterial, e que as torna, hoje, componentes centrais do território classificado como Património da Humanidade, quer como valor de memória colectiva quer como valor de recurso insubstituível para a promoção do desenvolvimento regional. Unidades vinhateiras típicas do Alto Douro, as quintas correspondem, no entanto, a uma realidade territorial relativamente excepcional. De facto, entre as cerca de quarenta mil explorações vitícolas do Douro, as quintas representam apenas uma pequeníssima parte, da ordem das centenas. Mas a sua estrutura, como unidades de exploração vitícola integrada (reunindo vinhas, centros de vinificação e armazenagem de vinhos, casa de proprietário e/ou caseiro e trabalhadores; por vezes, também, azenha de azeite, capela, etc.), a dimensão frequentemente média ou grande (em alguns casos, centenas de hectares, como nas quintas dos Frades, Carvalhas, Ventozelo, Vesúvio, Vale Meão, etc.) e a vocação de comercialização dos respectivos vinhos conferem às quintas um lugar socioeconómico estratégico na viticultura duriense. Além disso, muitas quintas do Douro aliam a produção vitivinícola a iniciativas de enoturismo de excelência, revelando uma notável capacidade para conjugar tradição e modernidade. Independentemente dessa aposta económica, as quintas desempenham a dupla missão de guardiãs do património cultural e ambiental do Douro e de centros de irradiação eficaz quer desses valores de memória e identidade quer de dinamismo e de aperfeiçoamento tecnológico, ou seja, de conhecimento, no sentido mais abrangente e plural da palavra. Relativamente à cultura da vinha e do vinho, essa missão foi particularmente bem-sucedida ao longo da história e continua a sê-lo na actualidade. Porém, no plano do desenvolvimento regional, estamos longe de poder falar de sucesso. Por muitas razões, que vão desde a forma como se exerceu a intervenção do Estado na regulação da região demarcada até à estruturação da sociedade e dos poderes regionais, passando pelas relações que as grandes quintas mantiveram com a sociedade envolvente. Nesta perspectiva, o desafio de transformar uma região pobre e deprimida num espaço de desenvolvimento socialmente inclusivo implica que as quintas do Douro assumam uma maior integração regional, com capacidade para contagiar as comunidades vizinhas e para gerar novos dinamismos económicos, sociais e culturais.

11 2. ORIGENS E EVOLUÇÃO DAS QUINTAS DO DOURO: UMA LONGA HISTÓRIA Talvez valha a pena começar pelas origens. Como nasceram as quintas do Douro e como evoluíram, de modo a tornarem-se unidades estratégicas de povoamento, exploração e organização do território nesta região? Estas questões remetem-nos para o período longínquo que vai do fim do Império Romano ao final da Idade Média, primeiro, de desorganização e, depois, de «reorganização social do espaço». Há muito que estas questões vêm merecendo a atenção de historiadores, filólogos, arqueólogos e etnógrafos, mas, no caso do Douro, estamos ainda longe de dispor de estudos históricos aprofundados sobre a «organização social do espaço», ao nível dos que têm sido realizados para o lado espanhol 1 e mesmo para outras zonas do território português 2. A perda irreparável da maior parte dos cartórios dos mosteiros de Salzedas, Tarouca e S. Pedro das Águias no incêndio que deflagrou, em 1841, no Seminário de Viseu, para onde tinham sido levados, privou os medievalistas de fontes valiosas, mas, como provam os estudos de Almeida Fernandes 3 e de outros autores 4, subsiste ainda muita documentação medieval que poderá trazer informações importantes para o conhecimento da história do Douro neste período. Na Alta Idade Média, a quintana (que evoluiu, foneticamente, para quintã e, a partir do século XV, para quinta) teria resultado da desagregação da villa, unidade de domínio e exploração agrária da época romana e visigótica, que se manteve, com esse significado, a par de outros (aldeia e vila), até bem tarde 5. Nesses tempos conturbados que antecederam e enquadraram a formação da nacionalidade portuguesa e sobretudo a partir da implantação da ordem feudal, a quinta teria 1 Entre muitos outros, destaquem-se os de GARCÍA DE CORTÁZAR, 1996 e 1999. 2 Entre outros: SAMPAIO, 1923; DURAND, 1982; COELHO, 1983; AMARAL, 2007; MARQUES, 2006 e 2012. 3 Da vasta produção do autor, destaquem-se, por exemplo, FERNAN- DES, 1973-1976 e 1984-1985. 4 Veja-se, por exemplo, sobre o papel dos cistercienses no Douro, DIAS; DUARTE (coord.), 1999; para as propriedades de Salzedas, MARREI- ROS, 1997 e ALBUQUERQUE, 2012; para Santa Maria de Aguiar, VI- CENTE, 1996 e RODRIGUES, 2004. 5 Sobre a villa romana como «antepassada das quintas do Douro», veja- -se ALMEIDA, 2006; PEREIRA, 2008 e 2014. assumido um crescente estatuto de domínio senhorial, integrando a residência ou paço (a pars urbana da villa romana), por vezes com carácter defensivo e de protecção das populações vizinhas 6, a par de outras instalações de apoio à exploração agrária (a pars rustica e a pars fructuaria romanas) e das terras de cultivo circundantes. Mas a evolução, tal como aconteceu com outras sub-unidades das villae, em especial os casales, esteve longe de ser linear, como têm destacado diversos estudos 7. Esse carácter senhorial das quintas terá sido o principal factor de distinção relativamente a outras formas de propriedade rural, como o casal, associado a estratos sociais mais baixos 8. Algumas quintas derivaram de «granjas» estabelecidas por mosteiros cistercienses, que, a partir de meados do século XII, vieram imprimir um forte dinamismo nas zonas rurais em que se implantaram. Por essa altura, segundo nos ensina Almeida Fernandes, essas granjas assemelhavam-se às «quintãs» dos ricos-homens ou cavaleiros, como domínios senhoriais 9. Tal sinonímia evidencia-se, entre outros casos, para Mosteirô e Paço de Monsul, importantes «granjas» dos mosteiros de S. João de Tarouca e de Santa Maria de Salzedas, desde a segunda metade do século XII 10 e, provavelmente, até ao século XIV. No início do século XVI, na célebre descrição de Lamego, de Rui Fernandes, de 1531-1532, já aparecem designadas por quintas ou quintãs (e a designação deverá ser bastante anterior) e como grandes explorações vitícolas 11. Em finais da Idade Média e no início da Época Moderna, as quintas do Douro parecem ter reforçado o seu papel de centros de exploração agrária de matriz senhorial, combinando-se com o dinamismo dos casais e com formas de domínio indirecto da terra, através da enfiteuse. Desde finais do século XVII, com a rápida expansão da viticultura duriense, estimulada pelo crescimento das exportações dos vinhos da região, as quintas já existentes, pelas suas características e dimensão, assumiram um papel liderante da resposta à procura externa, num duplo sentido. Por um lado, como unidades 6 BARROCA, 1989: 29. 7 SAMPAIO, 1923: 72-73; MARQUES, 2012: 439-442. 8 GONÇALVES, 1981: 60 72. 9 FERNANDES, 1973: 27. 10 FERNANDES, 1975: 22-31. 11 FERNANDES, 2012: 79-80.

12 produtivas maiores e com capacidade de concentração das produções locais e, por outro, como principais representantes dos interesses locais face aos negociantes A par do reforço da vocação vinhateira das quintas e da expressão mercantil e exportadora dos vinhos do Douro, verificou-se um crescente investimento na criação de novas quintas e, sempre que possível, na respectiva nobilitação, através da instituição de vínculos e capelas. Em meados do século XVIII, por altura da instituição da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, uma representação enviada ao rei pelo cônsul inglês no Porto, Robert Jackson, referia a formação recente da maior parte das quintas do Douro, resultantes da apropriação de terras dos camponeses pobres e dos baldios por parte da fidalguia rural: Se para a Feitoria houvessem de servir vinhos tão- -somente de quintas grandes, incluídas em um território demarcado, nenhuma dificuldade haveria em que os seus possuidores poderosos, e abonados se unissem em um preço exorbitante, e os pobres lavradores seriam obrigados a lhes entregar os seus frutos por aquilo que os ricos quisessem, que depois de recolhidos nas suas adegas venderiam aos ingleses com a mesma exorbitância; vindo a ser por esses caminhos árbitros absolutos do negócio, e dominantes sobre o miserável povo das suas vizinhanças; que é ideia em que trabalham, dourada de aparentes conveniências, e firmada de argumentos enganosos. / A maior parte das quintas do Douro são de poucos anos, compostas de pedaços de terra que possuíam outros tais lavradores, como estes a quem os supraditos com inumanidade pretendem excluir; são algumas fabricadas em maninhos que de novo se romperam, estendidas por ribeiras de pão que se trocaram em bacelos, e quase todas espalhadas: e se o vinho dessas quintas serve para negócio, por que não servirá o mais que se cria junto delas, que os poderosos querem condenar sem mais culpa que ser vinho de gente pobre, / O vinho mais fino da Feitoria é o desses lavradores que como faltos de cabedal para comprar outros, e para materiais, e confeições, são obrigados a fazê-lo puro, e a vendê-lo sem mistura; e sendo por esse respeito o mais procurado, e de melhor aceitação, por isso é que os ricos industriosamente o condenam para depois o haverem a si, e com ele acreditarem as suas adegas, e cobrirem os vinhos baixos que nas mesmas introduzem [...] 12. Poderá argumentar-se que a opinião do cônsul 12 Cit. em FONSECA, 1949: 35-36. inglês era suspeita, por representar os interesses dos negociantes. Mas, para o que nos interessa, evidencia três aspectos importantes, facilmente detectáveis em outros documentos da época: i) a expansão da viticultura, com a plantação de novas vinhas, inclusive em zonas baixas e em terras «de pão«; ii) a multiplicação de novas quintas, muitas delas resultantes de emparcelamentos ou de ocupação de terras maninhas ou incultas; iii) o papel das grandes quintas na concentração de produções locais de pequenos produtores. Não é difícil perceber na documentação da segunda metade do século XVIII, desde a demarcação pombalina da região do Douro, o papel estratégico desempenhado pelas quintas, como principais centros de exploração vitícola. Esse papel liderante não deixará de se manifestar em outros momentos cruciais da história da região, sob múltiplos aspectos, desde a introdução de novidades técnicas e sua difusão (como nas crises do oídio e da filoxera ou, mais recentemente, na reconversão vitícola das últimas três décadas) à defesa do produto regional e dos mecanismos reguladores da denominação de origem. A importância das quintas na história longa do Douro justificaria um maior investimento da historiografia em investigações monográficas Porém, neste ponto, apesar de alguns trabalhos realizados 13, estamos quase a zero. Os trabalhos pioneiros do Visconde de Vila Maior 14 e de Manuel Monteiro 15, bem como o mais recente de Alex Liddell e Janet Price 16, baseados sobretudo em informações locais e sem o recurso a documentação histórica substancial, continuam a ser utilíssimos para alguns casos, mas contêm bastantes imprecisões e não permitem, geralmente, uma leitura de longa duração. Embora mais rigoroso e com maior suporte documental, o trabalho coordenado por Eduardo Gonçalves e Aurélio de Oliveira 17 fica-se também, na sua maior parte, por generalidades, pouco esclarecendo sobre a história das quintas do Douro, na perspectiva de longa duração. São igualmente escassos os estudos sobre quintas do Douro na perspectiva dos investimentos vinhatei- 13 Veja-se FAUVRELLE, 2001; AMARAL, 2011; CA- BRAL, 2011; PEREIRA, 2011. 14 VILA MAIOR, 1876. 15 MONTEIRO, 1911. 16 LIDDELL; PRICE, 1995. 17 GONÇALVES; OLIVEIRA, 2012.

13 ros e das práticas vitivinícolas, que seriam utilíssimos para compreendermos períodos de maior transformação, como o que rodeou a formação da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro 18 ou o da devastação filoxérica e da reconstrução posterior 19. Uma análise histórica mais aprofundada das quintas do Douro permitiria perceber melhor as relações sociais na região (entre proprietários, frequentemente absentistas, administradores, caseiros e jornaleiros), bem como as relações entre as quintas e os casais e as aldeias vizinhas, as estratégias de investimento e as práticas vitivinícolas, etc.. Ao longo da história, tal como ainda hoje, a centralidade que as quintas ocupam no sistema vitícola do Douro, quer como espaços de poder social e económico quer como espaços de inovação técnica, contrasta com a sua relativa marginalidade na sociedade duriense. Em muitos casos, as quintas aparecem como realidades destacadas e autónomas do tecido social e económico envolvente, com o qual têm relações mais frágeis do que com a economia-mundo, a que se ligaram desde muito cedo, adoptando um elevado grau de especialização e destinando a sua produção quase totalmente ao mercado. Ao contrário dos pequenos e médios casais, em que o proprietário e os membros da família assumem directamente a gestão e a realização de grande parte dos trabalhos vitícolas, a quinta recorre com maior frequência ao trabalho assalariado. A par de algum pessoal permanente, utiliza um grande número de trabalhadores à jorna ou em regime de empreitada nos grandes trabalhos agrícolas das surribas, das plantações, das podas, das cavas e das vindimas, ou na construção e reparação de paredes dos socalcos. No passado, algumas grandes quintas chegavam a contar com centenas de trabalhadores diários. Porém, o mais vulgar era e continua a ser, em alguns casos o recurso a trabalhadores à jorna das aldeias vizinhas, o que constituía uma oportunidade de rendimentos ocasionais para alguns membros das famílias de pequenos lavradores. A par da oferta de trabalho, na viticultura tradicional duriense, as quintas absorviam também parte da produção dos pequenos e médios lavradores vizinhos, introduziam e difundiam as novidades 18 Veja-se PEREIRA, 1984 e 1998. Para períodos anteriores, o vazio historiográfico é ainda maior; havendo apenas um ou outro apontamento, como o que foi publicado sobre a Quinta da Vacaria por MARTINS, 1997. 19 Para as quintas de D. Antónia Adelaide Ferreira, veja-se PEREIRA; OLAZÁBAL, 1996. técnicas na cultura da vinha e na vinificação, fixavam preços e salários, definiam práticas e calendários que acabavam por ser seguidos pelos pequenos e médios viticultores das redondezas. A data da vindima, por exemplo, era marcada tradicionalmente pelas grandes quintas. Pode dizer-se que, no sistema do vinho do Porto, a grande quinta constituiu sempre um lugar de confluência de poderes, reais e simbólicos, da elite vinhateira regional. 3. UM PATRIMÓNIO PLURAL Pela sua história e pelas suas características, as quintas do Douro concentram, no seu conjunto, um vasto património material e imaterial, que importa inventariar, estudar e divulgar, quer como valor de memória e de identidade quer como valor de recurso, essencial para o desenvolvimento das actividades económicas, a começar pela viticultura e pelo enoturismo. O mais evidente património das quintas reside nas arquitecturas, eruditas ou vernaculares, das casas, capelas, centros de vinificação, mas também das arquitecturas da paisagem, socalcos, caminhos, cais, muros apiários, fornos, laranjais e outras estruturas construídas, por vezes seculares. Será sobre esse património que incidirá a comunicação da Dr.ª Natália Fauvrelle, autora de importantes estudos neste domínio 20. É conhecida a espessura histórica de diversas quintas, remontando as suas origens a finais do período medieval, como acontece com as dos Frades, Mosteirô, Tourais, Pacheca, Ventozelo, Paço de Monsul (de que nos falará a Dr.ª Carlota Cabral) e outras, pertencentes aos mosteiros cistercienses de Santa Maria de Salzedas, S. João de Tarouca e S. Pedro das Águias. Em algumas quintas subsistem ainda vestígios de ocupação mais antiga, nomeadamente da época romana. É verdade que a intensidade da exploração vitícola e sucessivas remodelações apagaram muitos vestígios, mas creio que a arqueologia pode desvendar, em certos casos, alguns traços das ocupações mais antigas, como, certamente, evocarão aqui os arqueólogos Dr. Gonçalves Guimarães, Dr. Paulo Amaral e Doutor Pedro Pereira. Porém, como tive oportunidade de referir, a maior parte das quintas data da época áurea de expansão vitícola no século XVIII. No Douro Superior, a cronologia é diferente. As quintas mais célebres, como as do Silho, 20 Em especial, FAUVRELLE, 2001.

14 do Vesúvio, de Vale Meão, de Santiago, da Terrincha, etc., são todas do século XIX. Por outro lado, não devem desprezar-se os elementos do património natural, desde as espécies vitícolas ao conjunto da flora autóctone, com algumas espécies raras, por vezes concentradas em bosquetes e matas de vegetação primitiva, a que se associam diversas espécies da fauna local, algumas com valor cinegético. Na perspectiva que aqui nos reúne, importa talvez realçar outros tipos de patrimónios associados a muitas das mais antigas quintas do Douro. Em certos casos, a condição de propriedades vinculadas, ligadas a famílias fidalgas, bem como a instituição de capelas, fez com que se transmitissem de geração em geração, pelo menos até à abolição dos vínculos, em 1863, reunindo, por vezes, importantes acervos documentais. Mesmo com posteriores transferências da propriedade, algumas quintas conservam antigos arquivos familiares, com cronologias que chegam a remontar à Idade Média (como acontece com as quintas de Paço de Monsul 21 e da Pacheca 22 ). Além destes exemplos, poder-se-iam referir muitas outras quintas que conservam um maior ou menor acervo de documentação antiga, embora só excepcionalmente tenha sido objecto de inventariação, mesmo que sumária, como aconteceu com o Arquivo da Quinta de Santa Júlia de Loureiro 23. Em diversos casos, os processos de herança ou de transferência de propriedade fizeram dispersar esses fundos documentais, o que não quer dizer que se tenham perdido. Por exemplo, importante documentação relacionada com a Quinta de Ventozelo, no concelho de S. João da Pesqueira, que esteve aforada desde o século XVI pela Casa do Poço de Lamego ao Mosteiro de S. Pedro das Águias, encontra-se no Paço de Gominhães, em Caldas de Vizela 24. Muitos documentos da Quinta do Vesúvio foram integrados no Arquivo do Grupo Symington, que comprou essa quinta à família Ferreira em 1987. E o mesmo aconteceu, mais recentemente, com documentação da Quinta de Roriz, adquirida em 2009, embora parte da documentação familiar tenha continuado nas mãos da família van Zeller. Tratando-se de uma das mais importantes regiões vitícolas do mundo, quer pela antiguidade do investimento vinhateiro quer pelas características que sin- 21 CABRAL, 2011: 30-31. 22 BARROS; LEAL, 2001. 23 FAUVRELLE; LEAL, 1997: 377-385. 24 PEREIRA, 2002. gularizam a sua produção, a Região Demarcada do Douro, reconhecida pela UNESCO como Património Mundial, desde 2001, merece a atenção dos organismos responsáveis relativamente ao seu património documental, em particular o que se relaciona mais directamente com a produção vitivinícola. Disperso, desorganizado, na sua maior parte vedado aos investigadores e, em certos casos, em risco, a importância desse património justifica medidas urgentes de preservação e valorização, quer através do seu tratamento especializado quer através do seu estudo. A meu ver, deve, no entanto, promover-se, sempre que possível, a sua conservação nas casas ou quintas que os produziram, já que a sua descontextualização pode representar perdas de significado e de função. Em relação a estas colecções privadas, sejam familiares ou de empresas, penso que seria de todo o interesse promover acções de cooperação entre os respectivos proprietários, os organismos responsáveis pelo património arquivístico, centros de investigação e universidades, com vista a mobilizar recursos técnicos e humanos qualificados para a preservação, estudo e divulgação desses acervos. Foi isso que defendi, há uma boa dúzia de anos, no Museu do Douro, enfrentando a incompreensão de alguns museólogos. A meu ver, era (e é) evidente que o Museu do Douro, no âmbito das suas competências e de acordo com a Lei da sua criação, deveria tornar- -se um parceiro activo nesse trabalho de preservação e valorização do património arquivístico da região, através do respectivo núcleo de Arquivo Histórico 25. Mas sobre os arquivos das quintas do Douro teremos oportunidade de ouvir aqui alguns conferencistas, nomeadamente a Dr.ª Paula Montes Leal, o Dr. Pedro Peixoto e a Doutora Otília Lage. Outros importantes patrimónios das quintas do Douro merecem a atenção especializada dos investigadores: por exemplo, a arte sacra, que será abordada pelo Doutor Nuno Resende. Poderia referir ainda as riquíssimas colecções de baixela e outros objectos de prata, algumas delas hoje dispersas pelo país, como nos revela o notável trabalho que o Doutor Gonçalo Vasconcelos e Sousa realizou, em colaboração com a Dr.ª Alexandra Braga, para a Bienal da Prata 26. Seria impossível abordar, no tempo limitado desta edição das Conferências, todos os aspectos do património das quintas do Douro. Além dos diversos 25 PEREIRA, 2003: 139-143. 26 SOUSA, 2001.

15 tipos de património material, não podemos desprezar a importância do património imaterial, tradições, crenças e memórias específicas, que necessitam do mesmo trabalho de inventariação, estudo e divulgação, para não se perderem, dado que, na maior parte dos casos, se conservam apenas na memória dos mais velhos. Acrescentaria as representações literárias, algumas bem conhecidas, como a da Quinta da Cavadinha, celebrizada no romance de Miguel Torga, Vindima, publicado em 1945, ou o mais recente Vale Abraão (1991), de Agustina Bessa-Luís, que Manoel de Oliveira estendeu ao registo cinematográfico. Muitas outras obras da literatura duriense oferecem representações mais ou menos pormenorizadas da vida das quintas em diversas épocas. Vejam-se, por exemplo, os romances de Sousa Costa, Ressurreição dos mortos (cenas da vida do Douro) e As filhas do pecado. Na Terra do Vinho, publicados, respectivamente, em 1917 e 1946. Ou Ervamoïra, de Suzanne Chantal, publicado em Paris em 1982, só recentemente traduzido para português (Civilização, 2011). E muitos mais. Ainda em Janeiro deste ano, Artur Vaz publicou o seu livro Vintage para uma Vida, que cruza a história de uma quinta de Santa Marta de Penaguião com os percursos de vida dos seus proprietários, desde a época da filoxera até à crise actual. 4. AS QUINTAS DO DOURO COMO VECTO- RES DE DESENVOLVIMENTO Em grande parte dos casos, pela sua posição estratégica, a sua dimensão espacial e económica, a sua estrutura integrada, por vezes com importantes núcleos arquitectónicos, as quintas aparecem, hoje, dotadas quer de maiores condições de sustentabilidade económica, quer de maior relevo do ponto de vista do património histórico-cultural. Mais ainda quando, na lógica do desenvolvimento regional, se afirma a tendência crescente de articulação entre a vitivinicultura e o enoturismo e o turismo cultural. Nesse sentido, o sucesso de algumas experiências de turismo de habitação e de turismo em espaço rural, a par de um ou outro exemplo de musealização, reforça o papel central das quintas, como agentes de desenvolvimento regional. É certo que, apesar dos investimentos realizados, há ainda muito a fazer, sobretudo numa melhor articulação e funcionamento das rotas turísticas temáticas (Rota do Vinho do Porto, Rota das Vinhas de Cister), bem como de programação atraente e de qualidade, apoiada em bons instrumentos de divulgação. A meu ver, podemos aprender com experiências de sucesso de outras regiões vitícolas históricas, mas devemos fugir de modelos estereotipados e sofisticados, apostando na simplicidade, identidade e autenticidade, sem deixar de visar a excelência. Neste domínio, as experiências do Dr. António Martinho e da Dr.ª Celeste Pereira poderão ser extremamente úteis para uma reflexão mais fundamentada. O desenvolvimento do enoturismo não pode deixar de se fazer em estreita articulação com o sistema socioeconómico dos vinhos do Porto e Douro e com a sociedade duriense em geral. A região possui bastantes e bons exemplos de iniciativas empresariais privadas, quer de empresas exportadoras quer de produtores- -engarrafadores. Diversas empresas exportadoras têm revelado um crescente interesse na manutenção e valorização (e mesmo fundação) de quintas no Douro. Em certos casos, têm realizado investimentos importantes não só no domínio das estruturas de vinificação, mas também de acolhimento turístico. Tais investimentos decorrem do interesse em qualificar as massas vínicas de origem, em aumentar a competitividade através do controlo de espaços produtivos estratégicos e suas relações com pequenos e médios produtores, em garantir o prestígio para vinhos topo de gama (Vintage, Vinhos de Quinta, etc.) e, em complementaridade, em associar a tradição histórica e cultural de casas de quinta ao acolhimento de clientes importantes. Actualmente, as empresas exportadoras possuem perto de uma centena de quintas, localizando-se as mais importantes do ponto de vista histórico no Cima Corgo, embora se tenha verificado um grande investimento na formação de quintas novas, algumas de grande beleza paisagística, como a Quinta da Ervamoira ou a Quinta da Leda, no Douro Superior. Não menos importantes e com maior abertura quer ao turismo quer à sociedade envolvente têm sido as experiências de valorização de quintas históricas por parte de diversos produtores-engarrafadores. Em vários casos, algumas delas articularam projectos de turismo de habitação e actividades de enoturismo com projectos de desenvolvimento vitivinícola, que passaram pela reconversão das vinhas, pelo reapetrechamento tecnológico e pela inserção no circuito de comercialização de vinhos de qualidade. O número e a diversidade de experiências de sucesso, tanto no sector vitivinícola como no do enotu-

16 rismo, permitem afirmar que não há caminhos únicos. Mas creio que, nestes como em outros sectores necessários ao desenvolvimento regional (turismo fluvial, agroindústria, gastronomia e hotelaria, actividades de mediação e dinamização cultural, etc.), há ainda muito trabalho a fazer na perspectiva de uma maior articulação e integração. Para nos falarem sobre o papel das quintas do Douro no desenvolvimento regional, segundo diferentes perspectivas, convidámos o Dr. Manuel Carvalho, o Professor Luís Ramos e o Professor Nuno Magalhães. NOTAS FINAIS Ao longo destes dois dias em que decorrerão estas Conferências, teremos oportunidade de ouvir especialistas das diversas áreas que nos irão apresentar resultados dos seus estudos e reflexões sobre aspectos específicos da história, dos patrimónios e de questões relacionadas com o desenvolvimento do Douro, centrando-se nas quintas. Neste sentido, afirmar a centralidade das quintas do Douro não deve entender-se como figura de retórica. Ressalta da convicção de que o reforço dessa centralidade no tecido socioeconómico regional é indispensável a qualquer estratégia eficaz de desenvolvimento. Também por isso quisemos ter entre nós diversos responsáveis de quintas, não apenas com a função de dirigirem as várias sessões destas Conferências mas também para contribuírem com a sua experiência e as suas ideias nos debates a Dr.ª Laura Regueiro, da Quinta da Casa Amarela, o Eng. António Carlos Sobral Pinto Ribeiro, da Casa de Santo António de Britiande, o Professor Eduardo Coutinho, da Quinta de Mosteirô, e o Dr. Luís de Barros, da Quinta da Avessada. Resta-me, na qualidade de co-organizador destas Conferências, agradecer a Vossa presença e participação e desejar que as intervenções provoquem uma frutuosa troca de ideias, debates animados, que tragam novas pistas e questões de pesquisas. E que, em contrapartida, os resultados de investigações aqui apresentados possam contribuir para estratégias locais e regionais de valorização da memória e da sua operacionalização como recurso de desenvolvimento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, Maria Amélia Pires de (2012) Santa Maria de Salzedas. Espaço e Poder. Tarouca: Câmara Municipal de Tarouca. ALMEIDA, Carlos A. Brochado de (2006) A Villa do Castellum da Fonte do Milho. Uma antepassada das actuais quintas do Douro. «DOURO Estudos e Documentos», nº 21. Porto: GEHVID, p. 209-228. AMARAL, José Braga (2011) Quinta dos Poços: 300 Anos de História. Valdigem: Quinta dos Poços. AMARAL, Luís Carlos (2007) Formação e desenvolvimento do domínio da diocese de Braga no período da Reconquista (séc. IX-1137). Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto. [Dissertação de Doutoramento em História] BARROCA, Mário Jorge (1989) Em torno da residência medieval fortificada: quatro torres medievais na região de Amares. «Revista de História». Porto: Centro de História da Universidade do Porto, vol. IX, p. 9-61. BARROS, Amândio; LEAL, Paula Montes (2001) Os Pergaminhos da Quinta da Pacheca. I. Porto: GEHVID/Associação Beira Douro. COELHO, Maria Helena da Cruz (1983) O Baixo Mondego nos Finais da Idade Média: estudo de história rural. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. [Dissertação de Doutoramento em História] CABRAL, Carlota Vasconcelos Porto (2011) Quinta do Paço de Monsul. Uma proposta de classificação. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, [Dissertação de Mestrado em Património]. DIAS, Geraldo Amadeu Coelho; DUARTE, Luís Miguel, coord. (1999) Cister no Vale do Douro. Porto: GEHVID,. DURAND, Robert (1982) Les Campagnes Portugaises entre Douro et Tage aux XII.e et XIII.e Siècles. Paris: Fundação Calouste Gulbenkian - Centro Cultural Português, FAUVRELLE, Natália (2001) Quintas do Douro. As arquitecturas do vinho do Porto. Porto: GEHVID/ Câmara Municipal de S. João da Pesqueira. FAUVRELLE, Natália; LEAL, Paula Montes (1997) Arquivo da Quinta de Santa Júlia de Loureiro. «Douro Estudos & Documentos», nº 4. Porto: GEHVID, p. 377-385. FERNANDES, A de Almeida (1973-1976) Acção dos Cistercienses de Tarouca (As Granjas dos séc. XII

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19 Mesa Redonda Quintas do Douro: Memória e Recurso António Martinho Celeste Pereira

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21 Quintas do Douro: A história e o património das quintas do Douro como valor de recurso para o Turismo texto: António Martinho Nota biográfica: António Martinho Nasceu em Santa Eugénia, Alijó, reside em Vila Real, tendo integrado como professor o Quadro da Escola Monsenhor Jerónimo do Amaral. Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, fez uma Pós-graduação em Estudos Europeus no Instituto Superior de Economia e Gestão e frequentou com aproveitamento a componente curricular do Mestrado em Gestão Pública e Autárquica, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Foi membro do Conselho Geral da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, de Dezembro de 2009 a Outubro de 2012. De 27 de Janeiro de 2009 a 30 de Agosto de 2013 presidiu à Direção da Entidade Regional Turismo do Douro. Foi Vice-Presidente da Associação de Turismo do Porto/Agência Regional, de Outubro de 2011 a Agosto de 2013. Antes, havia sido Vogal da Direção da mesma associação Março de 2010 a Junho de 2011. Desempenhou as funções de Governador Civil do Distrito de Vila Real, de Abril de 2005 a Janeiro de 2009. Enquanto tal, colaborou na preparação de iniciativas legislativas relativas à região; colaborou e chamou à colaboração os Governadores Civis de Bragança, Guarda e Viseu, nas Comemorações dos 250 Anos da Região Demarcada do Douro; colaborou, desde início, com a AETUR, entidade que candidatou o Douro a Maravilha da Natureza, dando o apoio institucional, imprescindível para a sua oficialização. Disponibilizou apoio institucional na organização do Centenário do Nascimento de Miguel Torga. Organizou conferências sobre Desenvolvimento Regional, sobre Proteção Civil, em colaboração com a UTAD, onde se destaca o seminário «INCÊNDIOS FLORESTAIS: (re)pensar a Especificidade Portuguesa» e, com o Regimento de Infantaria nº 19 (Chaves), lançou as comemorações do Bicentenário das Invasões Francesas, tendo, nesse contexto, publicado uma biografia do General Silveira Uma Espada de Brilhantes para o General Silveira, da autoria de Maria do Carmo Serén. Foi Deputado à Assembleia da República de 1991 a 2002, tendo integrado a Comissão de Educação, Ciência e Cultura, no âmbito da qual coordenou a

22 Subcomissão do Ensino Secundário e integrado a Subcomissão de Cultura. Integrou também a Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, à qual presidiu de 1999 a 2002. Participou em fóruns internacionais, nomeadamente, em Conferências da União Interparlamentar, onde apresentou várias comunicações. Foi Presidente da Assembleia Municipal de Alijó, 1993-97. Colaborou com a Estrutura do Projeto do Museu do Douro, tendo trabalhado na criação do Serviço Educativo para a exposição Jardins Suspensos. Ajudou a criar a Associação dos Amigos do Museu do Douro, de que foi Presidente. É membro fundador da Douro Generation Associação de Desenvolvimento Tem artigos publicados em diversos jornais nacionais e regionais. Colaborou com a revista I Like This com artigos subordinados à temática da valorização do território. Publicou o livro Do Parlamento O Meu Testemunho, nas Edições Tribuna. Coordenou e prefaciou o livro Comemorações Oficiais dos 250 Anos da Região Demarcada do Douro, em edição dos GC de Bragança, Guarda, Vila Real e Viseu. Redigiu a Apresentação da Biografia do General Francisco da Silveira, assim como prefaciou o Guia Turístico da Natureza do Douro, o Guia Das Aldeias Vinhateiras e o Catálogo Prestige A Região Vinhateira do Douro, de Gaspar Martins Pereira. Resumo As quintas, como unidades territoriais e estruturantes do Douro, têm uma história própria, encerram expressões de património material e imaterial que ajudam a compreender melhor o Douro, enquanto região vinhateira, assim como a comunidade que a edificou através dos tempos, nomeadamente, no decorrer do último milénio. Elas são já recursos turísticos. Mas, com tão elevado património e com uma história que, de algum modo, sintetiza a história do Douro, elas podem ser aproveitadas de um modo ainda mais vantajoso para a região, integrando-as com oportunidade no cluster do enoturismo. Saibam os responsáveis locais, regionais e nacionais do Turismo reconhecer as suas potencialidades e as da região que, de certo modo sintetizam. Saibamos todos preservar, valorizar e promover as marcas distintivas da identidade duriense. Abstract: Being territorial and structural units of the Douro, the quintas have their unique history containing expressions of material and immaterial heritage that help to better understand the Douro as a wine region as well as the community that built it through the ages, particularly during the last millennium. They are already considered to be a touristic resource. However, because they have such a rich patrimony and a story that somehow summarizes the history of the Douro, the quintas can be exploited in a more advantageous way for the region if they are appropriately integrated in the wine tourism cluster. May the local, regional and national authorities for the Tourism recognize the potential of the quintas and that of the region that somehow they synthesize. Let us all preserve, value and promote the distinctive marks of the Douro identity.

23 A quinta é «uma unidade territorial, composta por terras cultivadas maioritariamente por vinha, com casa de habitação e construções anexas indispensáveis às tarefas agrícolas nela desenvolvidas.» É, assim, «entendida como um fenómeno territorial, histórico, social e patrimonial». 27 A definição de turismo, do lado da procura «encerra, ( ) o estudo do movimento de pessoas para fora das suas áreas habituais de residência e por períodos superiores a vinte e quatro horas, ( ) tendo por base um conjunto de motivações ( ) que dizem respeito a factores sociais, culturais, patrimoniais, ambientais e económicos.» 28 Por sua vez, entendido do lado da oferta «este deve ser perspectivado como um agregado de actividades de negócios que directa ou indirectamente fornecem bens ou serviços que suportam as actividades de lazer e recreio realizadas pelas pessoas fora dos seus locais de residência habitual», agrupando «um conjunto de actividades que se estruturam em sete eixos principais de oferta: (i) alojamento; (ii) restauração; (iii) transportes; (iv) serviços de agências de viagens e operadores turísticos; (v) rent-a-car; (vi) serviços culturais; (vii) serviços recreativos e de lazer.» 29 Os conceitos que aqui trazemos introduzem bem o tema que nos propomos abordar num contributo para as II CONFERÊNCIAS MUSEU DE LAMEGO/ CITCEM. E não estivéssemos nós em Lamego, por onde passou Rui Fernandes na 1ª metade do século XVI, tendo deixado nota dos «306.700 almudes» que se produziam nestas terras, sendo «os mais excelentes vinhos e de mais dura que no Reino se podem achar e mais cheirantes». Estamos, aliás, perante um enoturista, verdadeiramente interessado pelas coisas do vinho. Registe-se que o seu interesse, para além dos almudes que refere e da qualificação dos vinhos, vai ao ponto de justificar as suas palavras especificando, «porque há vinhos de 4, 5 e 6 anos e de quantos mais anos é tanto mais excelente e mais cheiroso», referindo, ainda, as localidades em que se produz e os mercados de destino, nacionais e internacionais. 30 27 Fauvrelle, 2001: 23. 28 Costa, 2005: 283 29 Costa, 2005: 284 30 Fonseca et alii, 1987: 17 Falemos de quintas e da importância da sua história e do seu património como recurso para o turismo. Estamos a falar de economia, num caso como no outro. Daí que devamos começar por referir a vinha. E aqui, é bom lembrar que foi a criação de condições para se poder plantar a vinha e produzir o vinho que deu origem à paisagem vinhateira, obra do Homem, construída através dos séculos, hoje, Património da Humanidade. O lavrador substituiu a Natureza e foi transformando as encostas pedregosas, muitas vezes, íngremes, em «terraços ajardinados sustentados por muros de pedra», 31 os jardins suspensos, nas palavras de Jaime Cortesão. As várias soluções que se foram encontrando, no decorrer dos tempos, quer na armação do terreno, quer na condução da vinha, são aspetos a realçar, que podem constituir motivo de visita, parte importante do património que recebemos através das quintas: a vinha pré e pós-filoxérica, os patamares horizontais, ou terraços com taludes de terra e a vinha ao alto. Há quintas onde é possível encontrar estes variados tipos de plantação, ou, então, encontram-se esses casos, em vinhas contíguas. Os pilheiros, que permitiam o aproveitamento dos terraços para outras culturas, a condução da vinha com recurso a tutores de madeira a erguida de espera, em que a videira se encosta a um chantão, a erguida de rodilha em que a vide era presa na própria cepa, ou a condução através de fiadas de arame zincado, preso a esteios de pedra, ou de madeira, modo de condução que torna mais fácil o trabalho da vinha. Enfim, as diferentes formas de construir as escadas para subir as encostas, as escadas de salta-cão, as rampas calçadas com pedras de xisto até aos caminhos em terra batida em calçada ou em alcatrão que hoje facilitam o transporte das uvas por carrinhas ou tratores, assim como a passagem destes nos diferentes trabalhos levados a cabo durante o ano. Os aspetos referenciados proporcionavam melhorar e aumentar a produção, ou as produções da quinta. Mas testemunham uma interação harmoniosa com a natureza. Hoje, há quintas, abertas a visitas algumas criam programas de enoturismo, em que o proprietário faz questão de disponibilizar o passeio pela vinha para que o visitante possa conhecer de perto a paisagem, a forma como foi construída, as técnicas utilizadas, ontem e hoje, que constituem parte significativa do património cultural duriense. A inclinação dos terraços, que facilite o escoamento das 31 Fauvrelle, 2003: 195.