ANÁLISE DAS FORÇAS SOBRE A PATELA DURANTE A EXTENSÃO DO JOELHO EM CADEIA CINÉTICA ABERTA Caroline Bernardes 1, Luis Felipe Silveira 1, Francisco Xavier de Araújo 1,2, Gustavo Portella 2, João Paulo Cañeiro 1, Manoel Ângelo de Araújo 3, Jefferson Fagundes Loss 1 1 Laboratório de Pesquisa do Exercício Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Porto Alegre - RS. 2 Centro Universitário Metodista IPA Porto Alegre RS. 3 Hospital Mãe de Deus Porto Alegre RS. Resumo: O objetivo deste estudo foi analisar, durante a extensão do joelho em cadeia cinética aberta (CCA), o comportamento das forças atuantes sobre a patela: força do ligamento patelar, força do músculo quadríceps e força de contato patelofemoral. Para a determinação dos parâmetros foram utilizadas imagens radiográficas dinâmicas, obtidas no plano sagital, de quinze indivíduos executando um exercício de extensão de joelho em cadeia cinética aberta, sem carga externa aplicada à tíbia. As imagens obtidas foram reproduzidas e digitalizadas utilizando uma placa de captura da marca Silicon Graphics 320. Foram desenvolvidas rotinas computacionais utilizando o software Matlab para a análise dos dados. A força do ligamento patelar e do quadríceps apresentaram comportamento crescente, atingindo pico máximo de 170N e 182N, respectivamente, e a força de contato patelofemoral apresentou-se crescente entre 90 e 40 graus e decrescente entre 40 e 0 grau de flexão de joelho, com pico de 119 N. Palavras Chave: Força do ligamento patelar, força do quadríceps, força de contato patelofemoral, dinâmica inversa. Abstract: The aim of this study was to analyze, during the movement of knee extension in open kinetic chain, the behavior of the forces upon the patelofemoral joint: patellar ligament force, quadriceps force, patellofemoral joint reaction force. To determine those parameters dynamic radiographics images had been used, in the sagittal plan, from one subject performing an exercise of knee extension in open kinetic chain, without applied external on the tibia. The images gotten had been reproduced and digitalizing using a capture plate-silicone graphics 320. Computational routines had been developed using Matlab software for data analysis. The patellar ligament force and quadriceps force had presented increasing behavior, reaching maximum peak of 170N and 182N, respectively, and patellofemoral joint reaction force showed increasing between 90 and 40 degrees and decreasing between 40 and 0 degree of knee flexion, with 119n peak. Keywords: ligament patellar force, quadriceps force, patellofemoral joint reaction force, inverse dynamics. INTRODUÇÃO Sob um ponto de vista mecânico, o mecanismo extensor do joelho deve conciliar duas funções para o seu funcionamento: estabilidade, dada através dos ligamentos, músculos e cartilagem, e mobilidade, oferecida pela soma de funções de todas estas estruturas [1]. As lesões nessas estruturas são bastante comuns e na maioria das vezes são causadas pelos maiores torques desenvolvidos pelas forças que atuam sobre os longos braços de alavanca do fêmur e da tíbia [1,2]. Durante a realização de atividades motoras dinâmicas, a magnitude das forças musculares que atuam em uma determinada articulação afeta diretamente a magnitude das forças de reação articulares [3]. Mesmo durante a execução de atividades normais, as superfícies articulares do joelho suportam forças que excedem o peso corporal, estando sujeitas a microtraumas e alterações degenerativas [4]. Durante um exercício de extensão de joelho, no plano sagital, a articulação patelofemoral, é influenciada pela contração do quadríceps (vetor de força dirigida superiormente) e pela estabilização do ligamento patelar (vetor de força dirigido inferiormente) resultando em um vetor de
força dirigido posteriormente e causando compressão patelofemoral. Essa força de contato é influenciada pelo ângulo de flexão do joelho e pela contração do quadríceps [5]. No entanto, a tentativa de avaliar as forças articulares e musculares na prática diária, encontra parâmetros insuficientes para a obtenção de dados quantitativos relacionados à força muscular exigida para a realização de uma atividade ou à quantidade de carga a qual a articulação está sendo submetida. Sendo assim, a construção de modelos biomecânicos representativos das articulações humanas vem sendo abordada, com a finalidade de estimar o efeito das forças externas nas estruturas internas do corpo, utilizando-se de procedimentos analíticos indiretos (não-invasivos) [6]. Dessa forma, o presente estudo tem como objetivo analisar, durante a extensão do joelho em cadeia cinética aberta, o comportamento das forças atuantes sobre a patela: força do ligamento patelar (FLP), força do músculo quadríceps (FQ) e força de contato patelofemoral (FCPF). MATERIAIS E MÉTODOS Caracterização da Amostra: Composta por 15 indivíduos, 7 do sexo feminino (23.7 ± 5.59) e 8 do sexo masculino (27.25 ± 6.30), sem história de lesão na articulação do joelho, com resposta negativa a testes de instabilidade articular monoplanar e rotacional. Instrumentação: Um videofluoroscópio de marca Axiom Siemens Iconos R100 com uma televisão Siemens e um videocassete Philips acoplados à unidade foram utilizados para a captura das imagens. As imagens obtidas foram reproduzidas e digitalizadas utilizando uma placa de captura da marca silicon graphics 320 com entrada de super vídeo e vídeo composto integrado a sua workstation. O videofluoroscópio e o sistema de vídeo apresentam uma freqüência de amostragem de 30 Hz. Para a correção da distorção não-linear das imagens de raios X, foi utilizado um procedimento de calibração não linear [7]. Foram desenvolvidas rotinas computacionais utilizando o software Matlab para a análise dos dados. Coleta dos dados: Os indivíduos foram posicionados sobre uma cadeira, com o segmento coxa fixo ao assento, e exposição sagital da articulação do joelho ao videofluoroscópio. Após a familiarização com o protocolo de coleta, foram submetidos a três repetições de um exercício de extensão-flexão do joelho, em cadeia cinética aberta, sem carga externa, a uma velocidade de 45 /s, monitorada por um feedback sonoro contínuo. Delineamento do estudo: A metodologia utilizada no presente estudo baseia-se na utilização da Dinâmica Inversa. As forças impostas à articulação do joelho foram obtidas a partir da resolução de equações analíticas representativas da situação em análise. O centro de rotação tibiofemoral (CRTF) foi assumido como o ponto de menor distância entre o côndilo femoral e o platô tibial [8] e o centro de rotação patelofemoral (CRTF) foi representado pelo ponto central da face posterior da patela, por meio da digitalização manual das imagens radiográficas. A distância perpendicular do ligamento patelar em relação ao CRTF foi obtida pela menor distância entre o centro de rotação tibiofemoral e a
linha de ação do ligamento patelar (definida por um ponto na tuberosidade tibial anterior e outro no pólo inferior da patela). A distância perpendicular do ligamento patelar em relação ao CRPF foi obtida pela menor distância entre o centro de rotação patelofemoral e a linha de ação do ligamento patelar. A distância perpendicular do músculo quadríceps em relação ao CRPF foi obtida pela menor distância entre o centro de rotação patelofemoral e a linha de ação do músculo quadríceps (definida por uma reta que parte do pólo superior da patela, e direciona-se paralelamente em relação à diáfise femoral). O torque de resistência do segmento pernapé (M) foi considerado, basicamente, o torque do peso do segmento perna+pé, acrescido do efeito inercial avaliado pelo produto Iα, onde I representa o momento de inércia do segmento perna-pé, e α a sua aceleração angular. Os parâmetros antropométricos dos segmentos perna e pé foram obtidos por meio de tabelas propostas por Clauser [9] para os parâmetros de massa e centro de massa, e Dempster [10] para o momento de inércia. A aceleração angular (α) foi obtida a partir da dupla derivação da cinemetria (videofluoroscopia). A FLP foi obtida pela razão entre o torque de resistência do segmento perna-pé e a distância perpendicular do ligamento patelar, apresentada na equação 1. (1) M F LP = DLP onde, F LP ; força do ligamento patelar D LP ; distância perpendicular do ligamento patelar M; torque de resistência do segmento perna+pé A FQ foi obtida pela FLP e pela distância efetiva(d ef ). A D ef é resultado da relação entre as distâncias perpendiculares do ligamento patelar em relação aos dois centros de rotação (tibiofemoral e patelofemoral) e da distância perpendicular do músculo quadríceps em relação ao centro de rotação patelofemoral. Dessa forma, o cálculo da força do quadríceps é apresentado na equação 2: F = Q M D onde: F Q ; força do músculo quadríceps M; momento do segmento perna+pé D ef ; distância efetiva ef (2) A FCPF foi determinada a partir da equação de equilíbrio das forças descrita por Maquet [11], conforme a equação 3 e Figura 1. F 2 C 2 2 = F + F 2F F cosα (3) LP Q onde: F C Força de contato patelofemoral F LP Força do ligamento patelar F Q Força do músculo quadríceps α Ângulo entre linha de ação do quadríceps e ligamento patelar. Figura 1 Forças envolvidas na articulação patelofemoral. Análise estatística: Q Para cada indivíduo, foi calculada a média das forças obtidas por ângulo (de 0 a 90 graus, em intervalos de 1 grau), a partir das três repetições do exercício analisado. Os dados obtidos foram tabulados e analisados estatisticamente utilizandose o pacote estatístico SPSS versão 13.0. Foram plotados os valores obtidos para FLP, FQ e FCPF em função do ângulo de flexão do joelho para todos os indivíduos da amostra e realizado um teste LP
de regressão não-linear, a partir da utilização de um polinômio de 3 grau (equação 4). Foi determinado o intervalo de confiança e coeficiente de determinação (r 2 ) para a curva obtida. O índice de significância adotado foi de 5% (p < 0,05). F = a 1 + a 2 *θ + a 3 *θ + a 4 *θ (4) RESULTADOS Figura 2 Força do ligamento patelar. As Figuras 2, 3 e 4 apresentam a curva média e o erro padrão obtidos para a FLP, FQ e FCPF, respectivamente, em função do ângulo de flexão do joelho. Analisando a FLP, pode-se observar um aumento, conforme ocorre a extensão do joelho, atingindo o pico máximo, de 170N, na amplitude de 0 grau de flexão do joelho. Para a força do quadríceps, também observa-se um comportamento crescente à medida que ocorre a extensão do joelho, alcançando um pico máximo de 180N no ângulo de 0 grau de flexão. A FCPF apresenta um comportamento crescente nos ângulos compreendidos entre 90 e 40 graus, atingindo o seu pico máximo de 120N. A partir dos 40 graus de flexão até a extensão total, a FCPF decresce. As Tabelas 1, 2 e 3 apresentam os coeficientes da equação polinomial de 3 grau obtidos a partir da equação de regressão não-linear para a FLP, FQ e FCPF, respectivamente, os valores destes coeficientes estimados a partir das curvas médias obtidas para os indivíduos da amostra, o erro-padrão estimado (EP) e o intervalo de confiança (95%) obtido para cada um dos coeficientes. O coeficiente de determinação obtido foi de 0,80 para a FLP e para a FQ e de 0,64 para a FCPF. De acordo com Callegari-Jacques [12], estes valores indicam uma forte correlação entre as variáveis interpoladas (força e ângulo de flexão). Figura 3 Força do músculo quadríceps. Figura 4 Força de contato patelofemoral. Tabela 1: Força do ligamento patelar. Coef. Estimado EP Interv. Confiança Inf. Sup. a 1 169,3890 1,1808 167,0743 171,7038 a 2,1569,1219 -,0821,3959 a 3 -,0385,0032 -,0448 -,0322 a 4,0002,0000,0002,0002 Tabela 2: Força do músculo quadríceps. Coef. Estimado EP Interv. Confiança Inf. Sup. a 1 182,1365 1,2419 179,7018 184,5712 a 2,0568,1282 -,1946,3083 a 3 -,0308,0034 -,0374 -,0241 a 4,0001,0000,0000,0002
Tabela 3: Força de contato patelofemoral. Coef. Estimado EP Interv. Confiança Inf. Sup. a 1 49,5650,9056 47,7891 51,3410 a 2 3,3885,0935 3,2051 3,5719 a 3 -,0418,0024 -,0466 -,0369 a 4,0000,0000 -,0000,0000 DISCUSSÃO De acordo com os resultados do presente estudo, foram obtidos os comportamentos da FLP, do músculo quadríceps e de contato patelofemoral, para 15 indivíduos saudáveis, observando-se forte correlação das variáveis do estudo com o ângulo de flexão do joelho. Buff et al. [13], a partir da realização de mensuração direta da FLP e do músculo quadríceps em cadáveres e da simulação de um exercício de extensão do joelho, sem o implemento de carga externa, utilizando uma peça óssea de menor peso comparado ao segmento perna-pé, calcularam a FCPF a partir da equação de Maquet [11]. Os comportamentos da FLP e da FQ apresentaram-se crescente à medida que o joelho é estendido, alcançando um pico de, aproximadamente, 160N e 150 N, respectivamente, ao final da amplitude de extensão do joelho. A FCPF apresentou um comportamento crescente nas amplitudes de movimento compreendidas entre 80 e 50 de flexão de joelho, atingindo um valor máximo aproximado de 60N, e decrescente entre 50 até a extensão máxima. Reilly & Martens [14] determinaram a FCPF a partir de análises estáticas, considerando a FLP igual à FQ e utilizando uma bota de 9Kg como carga externa. Os autores encontraram um comportamento crescente da magnitude da força do quadríceps ao longo da extensão do joelho, assumindo valores de aproximadamente, 1000N a 0 grau de flexão do joelho (extensão completa). Para a FCPF, seus resultados apontam para um comportamento crescente nas amplitudes de movimento compreendidas entre 90 e 30 de flexão de joelho, atingindo um valor máximo de 1400N e decrescente, nas amplitudes compreendidas entre 30 até a extensão máxima do joelho. Cohen et al. [15], realizaram simulações computadorizadas de exercícios de extensão de joelho sem carga e com cargas externas de 25 e 100N, utilizando modelos tridimensionais desenvolvidos a partir de peças ósseas de cadáveres. Os autores identificaram um comportamento crescente dos valores de força do quadríceps durante a realização do exercício de extensão do joelho sem carga externa, alcançando um pico de 200N. Analisando a magnitude da FLP, do músculo quadríceps e de contato patelofemoral, observamse diferenças entre os resultados do presente estudo comparado com a literatura. Estas diferenças podem estar relacionadas às cargas externas aplicadas pelos estudos (neste estudo, o peso do segmento perna+pé, no estudo de Buff et al.[13], uma peça óssea de cadáver composta pelo terço proximal da tíbia, no estudo de Reilly & Martens [14], uma bota de 9 Kg, e no estudo de Cohen et al. [15], variações de carga externa), pelo tipo de contração solicitado para a realização do exercício (contração ativa e contínua do quadríceps, neste estudo, contração ativa e estática no estudo de Reilly & Martens [14], ou simulações de movimento, nos estudos de Buff et al. [13]e Cohen et al.[15]) ou os dois fatores associados.
CONCLUSÃO Considerando uma extensão do joelho realizado sem carga e velocidade constante, a FLP apresenta um comportamento crescente, atingindo um pico máximo de, aproximadamente, 170N. A força do quadríceps apresenta um comportamento crescente até a extensão completa, atingindo um pico de, aproximadamente, 182 N. A FCPF apresentou-se crescente, nos ângulos compreendidos entre 90 e 40 graus de flexão do joelho, e decrescente de 40 graus até a extensão completa, atingindo um valor máximo de 119N. AGRADECIMENTOS Ao Programa CAPES pelo apoio financeiro. Ao Hospital Mãe de Deus de Porto Alegre e aos funcionários do setor de Radiologia, pela disponibilidade e auxílio operacional. REFERÊNCIAS [1] Kapandji AI. Fisiologia Articular. Panamericana: São Paulo, 2000. [2] Smith LK, Wein EL, Lehmkuhl LD. Cinesiologia Clinica de Brunnstrom. Manole: São Paulo, 1997. [3] Nordin F, Frankel, VH. Basic biomechanics of the musculoskeleteal system. Lea & Febiger: Philadelfia, 1980. [4] Hehne HJ. Biomechanics of the patellofemoral joint and its clinical relevance. Clinical Orthopaedics and Related Research 1990; (258):73-85. [5] Andrews JR, Harrelson GL and Wilk KE. Reabilitação Física das Lesões Desportivas. Guanabara Koogan: Rio de Janeiro, 2000. [6] Collins JJ. The redundant nature of locomotor optimization laws. Journal of Biomechanics 1995; 28(3):251-267. [7] Silveira LF, Cañeiro JP, Bernardes C, Aldabe D, Araújo MA, Loss JF. Método para a Correção da Distorção de Imagens obtidas por Videofluoroscopia. Revista Radiologia Brasileira 38 2005; (6):427-430. [8] Bernardes C, Cañeiro JP, Silveira LF, Aldabe D, Araújo MA, Loss JF. Comparação de métodos para determinação da trajetória do centro de rotação articular tibiofemoral. XI Congresso Brasileiro de Biomecânica, 2005, João Pessoa. Textos completos em CD Room. [9] Clauser CE, McConville JT, Young JW, Weight, volume and center of mass of segments of the human body. AMRL Technical Report, Wright-Patterson Air Force Base: Ohio, 1969. [10] Dempster WT. Space Requirements of the seated operator. WADC Technical Report. Wright-Patterson Air Force Base: Ohio, 55-159, 1955. [11] Maquet P. Biomechanics of the knee. Springer-Verlang: New York, 1976. [12] Callegari-Jacques S. Bioestatística Princípios e Aplicações. Porto Alegre: Artmed, 2003. [13] Buff HU, Jones LC, Hungerford DS. Experimental determination of forces transmited through the patellofemoral joint Journal of Biomechanics 1988; (21):17-23. [14] Reilly DT, Martens M. Experimental analysis of the quadriceps muscle force and patellofemoral joint reaction force for various activities Acta Orthop Scand. 1972;43(2):126-37. [15] Cohen ZA, Roglic H, Grelsamer RP, Henry JH, Levine WN, Mow VC, Ateshian GA. Patellofemoral stress during open and closed kinetic chain exercises American Journal of Sports Medicine; 29:480-87, 2001. e-mail: carol.bernardes@pop.com.br jefferson.loss@ufrgs.br