MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE JARAGUÁ DO SUL/SC



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Transcrição:

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO DA JUSTIÇA FEDERAL DE JARAGUÁ DO SUL/SC O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do Procurador da República que esta subscreve, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, com fulcro no art. 129, incs. II e III, da Constituição Federal, bem como nos dispositivos pertinentes da Lei nº 7.347/85 e da Lei Complementar n 75/93, vem, perante Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, tendo por base os documentos anexos, consubstanciados nos autos de Procedimento Administrativo n 1.33.011.000217/2006-98, em anexo, e as razões de fato e de direito que passa a expor, em face de: UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, com sede na Rua Dona Francisca, nº 260, 7 andar, conjunto 708, no Município de Joinville, Estado de Santa Catarina, podendo ser citada nas pessoas de seus Advogados; ESTADO DE SANTA CATARINA, pessoa jurídica de direito público interno, podendo ser citado na pessoa do Secretário de Desenvolvimento Regional da Microrregião de Jaraguá do Sul/SC, Dr. Ivo Schmitt Filho, na Rua Thufie Mahfud, 155, Centro, Jaraguá do Sul/SC, e MUNICÍPIO DE JARAGUÁ DO SUL/SC, pessoa jurídica de direito público, com sede em sua Prefeitura Municipal, na Rua Walter Marquardt, nº 1.111, Bairro Barra do Rio Molha, representado por seu Procurador Geral e/ou Prefeito Municipal.

I DO OBJETO DA DEMANDA Busca-se com a presente Ação Civil Pública a prestação de tutela jurisdicional que garanta aos PACIENTES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS PORTADORES DE DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA E CRÔNICA - DPOC (ENFISEMA PULMONAR GRAVE), residentes em Jaraguá do Sul/SC e Microregião correspondente, e bem assim, em todo o Território Nacional, O FORNECIMENTO DOS MEDICAMENTOS INTITULADOS SPIRIVA (TIOTRÓPIO) E FORMOTEROL (SALMETEROL), EM ASSOCIAÇÃO, e em regime de gratuidade, de modo a garantir os direitos à saúde e à vida de tais pessoas, em consonância com o estabelecido no Texto Compromissório de 1988, na Lei nº 8.080/90 e na Norma Operacional da Assistência à Saúde - NOAS/SUS nº 01/2002. II - EXPOSIÇÃO DOS FATOS Face ao teor do Termo de Comparecimento e Declarações de fl. 03, firmado pelo Sr. NELSON LEMKE, já qualificado filho da paciente HERDA RAMTHUM LEMKE foi instaurado nesta Procuradoria da República o Procedimento Administrativo n 1.33.011.000217/2006-98, consoante decisum de fl. 02. De acordo com o representante, a Sra HERDA RAMTHUM LEMKE: (...) é portadora de enfisema pulmonar grave e insuficiência cardíaca, males que a dominam há cerca de um ano, tempo em que está recebendo tratamento de oxigenoterapia domiciliar, sob o encargo da Secretaria de Saúde deste Município; QUE após realizar consulta junto ao Posto de atendimento Médico do SUS neste Município, à nominada paciente foi prescrito, em 30/11/06, pelo Dr. Cláudio Luiz dos Santos, Médico Pneumologista e Clínico Geral do Município de Jaraguá do Sul/SC, o medicamento intitulado spiriva, para uso contínuo, o qual, porém, não é fornecido pela Farmácia do SUS; QUE disponibiliza nesta oportunidade duas vias referentes a dois receituários; QUE nem o declarante, tampouco sua mãe, têm condições financeiras de arcar com as despesas do tratamento (...). Os Receituários (fotocópias) acostados às fls. 04/05, ambos da lavra do Dr. Claudio Luiz dos Santos (CRM-SC 5.694), datado de 30.11.2006, comprova cabalmente que o remédio spiriva foi efetivamente prescrito para tratamento da doença pulmonar que acomete a nominada paciente. Incontinenti, este membro do Parquet oficiou ao Secretário de Saúde requisitando informações sobre se o medicamento spiriva é, ou não, fornecido pelo Sistema Único de Saúde, bem como se existe sucedâneo do mesmo fornecido pelo SUS. Indagou-se, por fim,se a paciente HERDA RAMTHUM LEMKE requereu algum remédio perante aquele Órgão, e qual o estágio de tal solicitação (fl. 07). 2

Em resposta, o Diretor de Administração Financeira da Secretaria Municipal de Saúde informou que o SUS (fl. 08): (...) tem em seu rol de medicamentos excepcionais o medicamento FORMOTEROL, distribuído gratuitamente aos usuários, mediante preenchimento do Laudo Médico para Emissão de APAC (Autorização de Procedimento de Alto Custo). (...). Ao depois, oficiou-se ao Médico Pneumologista, Dr. Claudio Luiz dos Santos, requisitando-se a apresentação de laudo médico que informasse se o medicamento spiriva tem condições de ser substituído pelo remédio formoterol, obtendo-se resultados semelhantes, consoante o teor do Ofício nº 072/06 de fls. 08/09. Atendendo ao mencionado requisitório ministerial, o Médico Pneumologista asseverou, note-se, que a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia - SBPT preconiza, consensualmente, em relação aos portadores de Doença Pulmonar Obstrutiva e Crônica - DPOC (enfisema pulmonar) que se encontram no estágio IV, a associação de broncodilatadores de ação prolongada (FORMOTEROL ou Salmeterol) + Tiotrópio (SPIRIVA). Também consignou que, no caso da paciente HERDA RAMTHUM LEMKE, a associação dos sobreditos medicamentos pode melhor a sua qualidade de vida, reduzindo a dispnéia e também o numero de internações. Cumpre também destacar, consoante asseverou o Médico Pneumologista que acompanha a paciente HERDA RAMTHUM LEMKE, que é gravíssimo, pois é portadora de enfisema pulmonar no Nível IV (nível máximo), informação esta roborada pelo representante durante o seu comparecimento à sede desta Unidade do Ministério Público Federal no dia 12.03.2007, sendo que os medicamentos spiriva e formoterol, segundo entende, são indispensáveis à sobrevida da paciente (fls. 46 e 48). Entrementes, facilmente infere-se da resposta apresentada pela Secretária de Saúde que a posição assumida pelo Município de Jaraguá do Sul/SC é no sentido de não reconhecer o direito da paciente obter as medicações de que necessita. Na visão do Ente Político: (...) o Ministério da Saúde já definiu as responsabilidades dos entes federados, no Financiamento da Assistência Farmacêutica (Portaria nº 698 de 30 de março de 2006). Consideramos que nada adiantaria as normatizações se as mesmas não forem observadas.. Cumpre gizar, porém, que dúvida alguma remanesce quanto à legalidade e urgência da medida pleiteada pela presente via, a começar pelo que está averbado no Laudo de fl. 46, que demonstra a necessidade da imediata utilização dos remédios FORMOTEROL + SPIRIVA no tratamento da paciente HERDA RAMTHUM LEMKE. Daí, pode-se afirmar que se está diante, na espécie, de um tão-só fato jurídico: assegurar ou não o direito fundamental à vida, bastando atentar que a carga viral do representante no mês de novembro último já se aproximava do quantitativo mínimo de imunidade, segundo expôs a médica infectologista que o assistiu no tratamento. 3

Nada obstante, cabe ressaltar que a situação que envolve a genitora do representante é crível não configura um caso isolado. Outras pessoas acometidas de idêntica patologia de certo necessitam do tratamento terapêutico na forma como ora se pleiteia. Isto é, o problema atinge um sem-número de seres humanos, os quais, porém, não podem ficar a mercê da própria sorte, sendo por isso indispensável a prestação estatal de atendimento à saúde, de forma urgente e com gratuidade. O fornecimento dos medicamentos spiriva (tiotrópio) e formoterol (salmeterol) em benefício dos pacientes do SUS portadores de Doença Pulmonar Obstrutiva e Crônica - DPOC (enfisema pulmonar grave), afigura-se, processualisticamente falando, direito macrossocial, ou seja, difuso de natureza indivisível, do qual são titulares pessoas indeterminadas, mas ligadas por idêntica circunstância de fato. Portanto, clarividente está que o objetivo primordial da presente demanda para a qual está devidamente legitimado a figurar no pólo ativo o Ministério Público Federal, como se verá, ao depois é a proteção de um dos mais relevantes direitos, a saúde, sob pena, de ainda se ver comprometido outro ainda mais valioso, a vida, afinal está sendo negado adequado fornecimento de droga terapêutica (spiriva) indispensável à sobrevivência da mãe do representante, as quais foram indicadas por profissional do próprio Sistema Único de Saúde - SUS (fls. 04 e 46). Não nos parece razoável inclusive do ponto vista jurídico admitir a inflexibilização, por assim dizer, do modelo de padronização de medicamentos nos casos em que aqueles que são disponibilizados pelo SUS não se mostrem suficientemente condizentes com quadro terapêutico dos pacientes, tal como ocorrente in casu. Mais correto e, portanto, socialmente mais justo seria permitir a revisão, caso a caso, do referido padrão terapêutica pertinente ao tratamento de doenças como enfisema pulmonar grave, sempre que o conhecimento científico o exigir, portanto sem a necessidade de se pedir socorro ao Poder Judiciário. A provisão de tal diretriz, acreditamos, mostra-se-ia não apenas mais adequada, pois dela decorreria uma maior eficiência em prol da terapia dos pacientes doentes de DPOC. Nesse particular, argumentação contrária soa de todo inconsistente, posto que contrária à lógica do próprio Sistema de Saúde Pública. Quer-se dizer com isso, pois, que a padronização terapêutica dos medicamentos utilizados no tratamento de doenças como a SIDA não deve levar em conta exclusivamente fatores orçamentários, eis que se assim o for, o modelo de tratamento da citada epidemia não alcançará o resultado almejado, o qual não se restringe apenas ao acesso universal dos pacientes portadores de HIV, mas, se protrai para em uma visão mais ampla, a qual envolve a própria questão da eficiência do tratamento (PRINCÍPIO DA INTEGRALIDADE DE ASSISTÊNCIA). 1 De outra banda, também entendemos que a negativa de fornecimento dos medicamentos antes comentados é conduta que, ao menos em tese, subsome-se ao tipo de injusto delineado no art. 135 do Código Penal (OMISSÃO DE SOCORRO), na modalidade qualificada prevista no parágrafo único, caso demonstrada a lesão corporal de natureza grave, quando não no tipo 1 Explicitado mais adiante. 4

da LESÃO CORPORAL GRAVE, OU GRAVÍSSIMA, a depender do grau da ofensa à saúde do(s) paciente(s), ocasionada pela falta do referido tratamento médico. III DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA Os fundamentos básicos do direito à saúde no Brasil estão elencados nos arts. 196 a 200 da Constituição Federal. Especificamente, o art. 196 dispõe que: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.". O direito à saúde, tal como assegurado na Constituição de 1988, configura direito fundamental de segunda geração. Nesta geração estão os direitos sociais, culturais e econômicos, que se caracterizam por exigirem prestações positivas do Estado. Não se trata mais, como nos direitos de primeira geração, de apenas impedir a intervenção do Estado em desfavor das liberdades individuais. Neste sentido, Alexandre de Moraes, trazendo excerto de Acórdão do STF, preleciona que: Modernamente, a doutrina apresenta-nos a classificação de direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações, baseando-se na ordem histórica cronológica em que passaram a ser constitucionalmente reconhecidos.. Como destaca o Ministro Celso de Mello: (...) enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. (STF Pleno MS n 22164/SP rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17-11- 1995, p. 39.206) (grifo acrescido) 2. Destarte, os direitos de segunda geração conferem ao indivíduo o direito de exigir 2 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 1998, p. 44-5. 5

do Estado prestações sociais (positivas) nos campos da saúde, alimentação, educação, habitação, trabalho, etc. Cumpre ressaltar, outrossim, que baliza nosso ordenamento jurídico o PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, insculpido no art. 1, inciso III, da Constituição Federal e que se apresenta como fundamento da República Federativa do Brasil. Daniel Sarmento, em sua erudita obra intitulada A Ponderação de Interesses na Constituição, assevera: Na verdade, o princípio da dignidade da pessoa humana exprime, em termos jurídicos, a máxima kantiana, segundo a qual o Homem deve sempre ser tratado como um fim em si mesmo e nunca como um meio. O ser humano precede o Direito e o Estado, que apenas se justificam em razão dele. Nesse sentido, a pessoa humana deve ser concebida e tratada como valor-fonte do ordenamento jurídico, como assevera Miguel Reale, sendo a defesa e promoção da sua dignidade, em todas as suas dimensões, a tarefa primordial do Estado Democrático de Direito. Como afirma José Castan Tobena, el postulado primário del Derecho es el valor próprio del hombre como valor superior e absoluto, o lo que es igual, el imperativo de respecto a la persona humana. Nesta linha, o princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas também toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade civil e do mercado. A despeito do caráter compromissório da Constituição, pode ser dito que o princípio em questão é o que confere unidade de sentido e valor ao sistema constitucional, que repousa na idéia de respeito irrestrito ao ser humano a razão última do Direito e do Estado (grifo acrescido) 3. Visando concretizar o mandamento constitucional, o legislador estabeleceu preceitos que tutelam e garantem o direito à saúde. Nesse sentido, a Lei nº 8.212/91 dispõe que: Art. 1º A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social. (...) Art. 2º A Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 3 Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2000, p. 59. 6

Parágrafo único. As atividades de saúde são de relevância pública e sua organização obedecerá aos seguintes princípios e diretrizes: a) acesso universal e igualitário; b) provimento das ações e serviços através de rede regionalizada e hierarquizada, integrados em sistema único; c) descentralização, com direção única em cada esfera de governo;. Assim, corroborando o mandamento constitucional, a Lei Orgânica da Seguridade Social reafirma o compromisso do Estado e da própria sociedade no sentido de assegurar o direito relativo à saúde.. A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, estabelece: Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. (...) Art. 4. O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das funções mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde SUS. O art. 7 da citada lei estabelece que as ações e serviços públicos que integram o Sistema Único de Saúde serão desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198, da CF, obedecendo, ainda, aos seguintes princípios: Art. 7 (...) I universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - Integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo de serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de 7

complexidade do sistema; III preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; (...) XI conjugação de recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população.. Verifica-se, dessarte, que a própria norma disciplinadora do Sistema Único de Saúde elenca como princípio a INTEGRALIDADE DE ASSISTÊNCIA, definindo-a como um conjunto articulado e contínuo de serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema. É dever do Sistema Único de Saúde fornecer não apenas os remédios constantes da lista oficial do Ministério da Saúde, mas, tendo em vista as particularidades do caso concreto e a comprovada necessidade de utilização de outros medicamentos, impõe-se a obrigatória conjugação de recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população, de modo a prover os doentes acometidos por doença de câncer com os meios existentes e eficazes para seu tratamento. Vale lembrar, nesta altura da sustentação, que a Lei nº 9.313, de 13/11/96, estabeleceu a gratuidade do fornecimento de TODA A MEDICAÇÃO NECESSÁRIA AO TRATAMENTO DA SIDA, sendo perfeitamente cabível seu emprego analógico às demais doenças de um modo geral, e, face à sua suma importância ora transcreve-se: "Art. 1º - Os portadores do HIV (vírus da imunodeficiência humana) e doentes de aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) receberão, gratuitamente, do Sistema Único de Saúde, toda a medicação necessária a seu tratamento. 1º - O Poder Executivo, através do Ministério da Saúde, padronizará os medicamentos a serem utilizados em cada estágio evolutivo da infecção e da doença, com vistas a orientar a aquisição dos mesmos pelos gestores do Sistema Único de Saúde. (...) Art. 2º - As despesas decorrentes da implementação desta Lei serão financiadas com recursos do orçamento da Seguridade Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme regulamento.". 8

No mesmo sentido é a orientação da NOAS-SUS nº 01/2002, editada pela Portaria GM/373, de 27/2/2002, e resultante de negociação firmada pelos gestores de saúde de todos os níveis federativos, tendo sido previamente aprovada pela Comissão Intergestores Tripartite CIT e pelo Conselho Nacional de Saúde CNS, contando ainda com as contribuições do Conselho de Secretários Estaduais de Saúde CONASS e pelo Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde CONASEMS. A nota introdutória (verdadeira exposição de motivos) da NOAS-SUS nº 01/2002 reconhece que, desde a publicação da NOAS-SUS nº 01/2001 (26/1/2001), FORAM IDENTIFICADOS ENTRAVES NA OPERACIONALIZAÇÃO DE DETERMINADOS ITENS, DECORRENTES DAS DIFICULDADES PARA ESTABELECER O COMANDO ÚNICO SOBRE OS PRESTADORES DE SERVIÇOS AOS SUS E ASSEGURAR A TOTALIDADE DA GESTÃO MUNICIPAL NAS SEDES DOS MÓDULOS ASSISTENCIAIS, BEM COMO DA FRAGILIDADE PARA EXPLICITAÇÃO DOS MECANISMOS NECESSÁRIOS À EFETIVAÇÃO DA GESTÃO ESTADUAL PARA AS REFERÊNCIAS INTERMUNICIPAIS.. Reconhece a nota introdutória que NESTE SENTIDO, A COMISSÃO INTERGESTORES TRIPARTITE CIT, EM REUNIÃO REALIZADA EM 22/11/2001, FIRMOU ACORDO CONTEMPLANDO PROPOSTAS REFERENTES AO COMANDO ÚNICO SOBRE OS PRESTADORES DE SERVIÇOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE E O FORTALECIMENTO DA GESTÃO DOS ESTADOS SOBRE AS REFERÊNCIAS MUNICIPAIS.. Em decorrência, a NOAS-SUS nº 01/2002 traça como estratégia principal de hierarquização dos serviços de saúde, na busca de maior equidade, o estabelecimento de um PROCESSO DE REGIONALIZAÇÃO, mediante a elaboração de um Plano Diretor de Regionalização PDR. O item 3 da citada norma preconiza que: O PDR fundamenta-se na conformação de sistemas funcionais e resolutivos de assistência à saúde, por meio da organização dos territórios estaduais em regiões/microregiões e módulos assistenciais; da conformação de redes hierarquizadas de serviços; do estabelecimento de mecanismos e fluxos de referências e contrareferência intermunicipais, OBJETIVANDO GARANTIR A INTEGRALIDADE DA ASSISTÊNCIA E O ACESSO DA POPULAÇÃO AOS SERVIÇOS E AÇÕES DE SAÚDE DE ACORDO COM SUAS NECESSIDADES. (gn). Apregoa, ainda, a norma, o acesso dos cidadãos aos serviços de saúde, o mais próximo possível de sua residência, bem como O ACESSO DE TODOS OS CIDADÃOS AOS SERVIÇOS NECESSÁRIOS À RESOLUÇÃO DE SEUS PROBLEMAS DE SAÚDE, em qualquer nível de atenção, diretamente ou mediante o estabelecimento de compromissos entre gestores para o atendimento de referências intermunicipais. Após fornecer os conceitos-chaves a serem utilizados na implantação dos PDR s no item 5, a NOAS estabelece, no item 6.1.1, alínea b, que O PDR DEVE CONTEMPLAR A 9

PERSPECTIVA DE REDISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DE RECURSOS TECNOLÓGICOS E HUMANOS, EXPLICITANDO O DESENHO FUTURO E DESEJADO DA REGIONALIZAÇÃO ESTADUAL, PREVENDO OS INVESTIMENTOS NECESSÁRIOS PARA A CONFORMAÇÃO DESTAS NOVAS REGIÕES/MICROREGIÕES E MÓDULOS ASSISTENCIAIS, OBSERVANDO ASSIM A DIRETRIZ DE POSSIBILITAR O ACESSO DO CIDADÃO A TODAS AS AÇÕES E SERVIÇOS NECESSÁRIOS PARA A RESOLUÇÃO DE SEUS PROBLEMAS DE SAÚDE, O MAIS PRÓXIMO POSSÍVEL DE SUA RESIDÊNCIA.. Ao dispor sobre A POLÍTICA DE ATENÇÃO DE ALTA COMPLEXIDADE/CUSTO NO SUS, a NOAS, no item 23, fixa o elenco de atribuições do Ministério da Saúde: 1.5 DA POLÍTICA DE ATENÇÃO DE ALTA COMPLEXIDADE/CUSTO NO SUS 23. A responsabilidade do Ministério da Saúde sobre a política de alta complexidade/custo se traduz nas seguintes atribuições: a definição de normas nacionais; b controle do cadastro nacional de prestadores de serviços; c vistoria de serviços, quando lhe couber, de acordo com as normas de cadastramento estabelecidas pelo próprio Ministério da Saúde; d definição de incorporação dos procedimentos a serem ofertados à população pelo SUS; e definição de incorporação dos procedimentos a serem ofertados à população pelo SUS; f estabelecimento de estratégias que possibilitem o acesso mais equânime diminuindo as diferenças regionais na alocação dos serviços; g definição de mecanismos de garantia de acesso para as referências interestaduais, através da Central Nacional de Regulamentação para Procedimentos de Alta Complexidade; h formulação de mecanismos voltados à melhoria da qualidade dos serviços prestados; i financiamento das ações.. No item 23.1, exsurge, de forma inequívoca, a responsabilidade solidária da União e dos Estados-membros, por intermédio, respectivamente, do Ministério da Saúde e das Secretarias 10

Estaduais de Saúde, para a garantia de acesso da população aos procedimentos de alta complexidade, verbis: 23.1. A garantia de acesso aos procedimentos de alta complexidade é de responsabilidade solidária entre o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde dos estados e do Distrito Federal.. Ao Município incumbe, por sua vez, de acordo com o item 25.1, a regulação dos serviços de alta complexidade quando se encontrar na condição de Gestão Plena do Sistema Municipal: 25.1. A regulação dos serviços de alta complexidade será de responsabilidade do gestor municipal, quando o município encontra-se na condição de gestão plena do sistema municipal, e de responsabilidade do gestor estadual, nas demais condições.. Em norma dirigente conceito de José Joaquim Gomes Canotilho de conteúdo programático, os itens 26 e 27 da NOAS prescrevem que: 26. As ações de alta complexidade e as ações estratégicas serão financiadas de acordo com Portaria do Ministério da Saúde. 27. O Ministério da Saúde definirá os valores de recursos destinados ao custeio da assistência de alta complexidade para cada estado.. O item 44.2 da NOAS admite expressamente a contratação de serviços na rede privada sempre que não estiverem disponíveis na rede pública, ou mesmo quando, ainda que existentes na rede pública, sejam insuficientes para o atendimento da população: 44.2. O interesse público e a identificação de necessidades assistenciais devem pautar o processo de compra de serviços na rede privada, que deve seguir a legislação, as normas administrativas específicas e os fluxos de aprovação definidos na Comissão Intergestores Bipartite, quando a disponibilidade da rede pública for insuficiente para o atendimento da população.. Verifica-se, do teor desta novel Norma Operacional de Assistência à Saúde, que, no atendimento dos serviços de saúde, a União, por intermédio do Ministério da Saúde, abandonou a antiga posição de mero órgão de supervisão e distribuição de recursos, passando à condição de responsável solidária, nos serviços de média e alta complexidade. Não há dúvida, pois, quanto ao dever do Estado de fornecer os medicamentos necessários para o tratamento de toda e qualquer enfermidade, ainda que não constem da listagem 11

oficial do Ministério da Saúde e/ou não sejam, atualmente, fornecidos pelo SUS, PORQUE NÃO HÁ COMO, LIMITANDO-SE O TEXTO CONSTITUCIONAL, ESTABELECER QUE A OBRIGAÇÃO DE FORNECER MEDICAMENTOS ESTÁ ADSTRITA A UMA LISTA OFICIAL PADRONIZADA, QUANDO OS MEDICAMENTOS EXISTENTES NÃO SE DEMONSTRAM EFICAZES À PRESERVAÇÃO DA SAÚDE E DA VIDA. Por último, no caso concreto, deve-se ressaltar que efetivamente restou maculada a garantia constitucional da Saúde, como direito de todos e dever do Estado, que se não possuísse acepção de valor/interesse social, não mereceria tratamento individualizado pela Carta Magna de 1988, no Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo II (Da Seguridade Social), Seção II. Neste sentido, os tribunais pátrios têm decidido: PORTADOR DE DOENÇA RARA, NECESSITANDO DE MEDICAMENTO IMPORTADO. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO art. 1, DA LEI NUM. 1.533/51. ALÉM DO ELEVADO SENTIDO SOCIAL DA DECISÃO, A CONCESSÃO DA SEGURANÇA, PARA COMPELIR O ÓRGÃO COMPETENTE A FORNECER O MEDICAMENTO INDISPENSÁVEL AO MENOR IMPÚBERE PORTADOR DE MOLÉSTIA RARA, NÃO VIOLA A LEI E SE HARMONIZA COM A JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA. (grifamos). (Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Classe: RESP - RECURSO ESPECIAL 57869. Processo: 199400383096. UF: RS. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA. Data da decisão: 26/5/1998. Documento: STJ000215443. Fonte: DJ, DATA: 15/6/1998, PÁGINA: 99, Relator HÉLIO MOSIMANN). MANDADO DE SEGURANÇA. DOENÇA RARA (FENILCETONURIA). IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTO PELO ESTADO (LOFENALAC). CONCESSÃO DA SEGURANÇA. (...) I - O ACÓRDÃO RECORRIDO, AO CONCEDER A SEGURANÇA, NÃO VIOLOU O ART. 1 DA LEI N. 1.533, DE 1951, ACHANDO-SE EM HARMONIA COM OS PRECEDENTES DESTA CORTE SOBRE A MATÉRIA. (original sem grifos). (Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Classe: RESP - RECURSO ESPECIAL 57608. Processo: 199400371616. UF: RS. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA. Data da decisão: 16/9/1996. Documento: STJ000132780. Fonte: DJ, DATA: 7/10/1996, PÁGINA: 37626. LEXSTJ, VOL.: 00090, PÁGINA: 167. Relator ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO). CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. OBJETIVO: RECONHECIMENTO DO DIREITO DE OBTENÇÃO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS AO 12

TRATAMENTO DE RETARDO MENTAL, HEMIATROPIA, EPILEPSIA, TRICOTILOMANIA E TRANSTORNO ORGÂNICO DA PERSONALIDADE. DENEGAÇÃO DA ORDEM. RECURSO ORDINÁRIO. DIREITO À SAÚDE ASSEGURADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 6º E 196 DA CF). PROVIMENTO DO RECURSO E CONCESSÃO DA SEGURANÇA. I - É direito de todos e dever do Estado assegurar aos cidadãos a saúde, adotando políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e permitindo o acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (arts. 6º e 196 da CF). II - Em obediência a tais princípios constitucionais, cumpre ao Estado, através do seu órgão competente, fornecer medicamentos indispensáveis ao tratamento de pessoa portadora de retardo mental, hemiatropia, epilepsia, tricotilomania e transtorno orgânico da personalidade. III - Recurso provido. (Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Classe: ROMS - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 13452. Processo: 200100890152. UF: MG. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA. Data da decisão: 13/8/2002. Documento: STJ000453749. Fonte: DJ, DATA: 7/10/2002, PÁGINA: 172. Relator GARCIA VIEIRA) (grifos não acompanham o original). CONSTITUCIONAL. RECURSO ESPECIAL. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. PACIENTE COM HEPATITE "C". DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER DO ESTADO.1. Delegado de polícia que contraiu Hepatite "C" ao socorrer um preso que tentara suicídio. Necessidade de medicamento para cuja aquisição o servidor não dispõe de meios sem o sacrifício do seu sustento e de sua família. 2. O Sistema Único de Saúde-SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna. 3. O direito à vida e à disseminação das desigualdades impõe o fornecimento pelo Estado do tratamento compatível à doença adquirida no exercício da função. Efetivação da cláusula pétrea constitucional. 4. Configurada a necessidade do recorrente de ver atendida a sua pretensão, legítima e constitucionalmente garantida, posto assegurado o direito à saúde e, em última instância, à vida (...) 5. Recurso especial provido. (Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Classe: RESP - RECURSO ESPECIAL 430526. Processo: 200200447996. UF: SP. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA. Data 13

da decisão: 1/10/2002. Documento: STJ000458122. Fonte DJ, Data: 28/10/2002, Página: 245. RSTJ VOL.: 00164, Página: 126. RT VOL.: 00808, Página: 219. Relator LUIZ FUX). CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO (INTERFERON BETA). PORTADORES DE ESCLEROSE MÚLTIPLA. DEVER DO ESTADO. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE (CF, ARTS. 6º E 189). PRECEDENTES DO STJ E STF. 1. É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos o direito fundamental à saúde constitucionalmente previsto. 2. Eventual ausência do cumprimento de formalidade burocrática não pode obstaculizar o fornecimento de medicação indispensável à cura e/ou a minorar o sofrimento de portadores de moléstia grave que, além disso, não dispõem dos meios necessários ao custeio do tratamento. 3. Entendimento consagrado nesta Corte na esteira de orientação do Egrégio STF. 4. Recurso ordinário conhecido e provido. (Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Classe: ROMS - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 11129. Processo: 199900781210. UF: PR. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA. Data da decisão: 2/10/2001. Documento: STJ000414682. Fonte DJ, Data: 18/2/2002. Página: 279. LEXSTJ VOL.: 00151. Página: 57. RSTJ VOL.: 00152. Página: 198. Relator FRANCISCO PEÇANHA MARTINS). PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médicohospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, 14

sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance,um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. Observação: Votação: Unânime (STF AGRRE/RS-271286. DJ, 24/11/00, pp 0101 EMENT. VOL-02013-07, pp 01409) (grifos acrescidos). IV - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL A competência da Justiça Federal vem disciplinada no art. 109 da Constituição Federal de 1988: Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I as causas em que a União, entidade ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; (...) 2. As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver 15

ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.. Os recursos destinados à aquisição dos medicamentos a serem, posteriormente, fornecidos às pessoas são provenientes do Sistema Único de Saúde, de cujo financiamento participam, dentre outras fontes, a União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, consoante dispõe a Constituição Federal: Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I- descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II- III- atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; participação da comunidade. Parágrafo único. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. A Lei nº 8.080/90 estabeleceu, também, que: Art. 9 o - A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do art. 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos: I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde; II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente.. Por conseguinte, a União, em cumprimento ao seu dever de participar do financiamento do SUS, repassa ao Estado de Santa Catarina e ao Município de Jaraguá do Sul recursos para a finalidade apontada. Ante o exposto, figurando a União como parte ré, justificada está, nos termos do art. 109, I, da CF/88, a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento da presente demanda. V - DA LEGITIMIDADE PASSIVA DOS RÉUS 16

A legitimidade passiva dos réus União Federal, Estado de Santa Catarina e Município de Jaraguá do Sul decorre, inicialmente, da Constituição Federal: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. A Lei nº 8.080/90, por sua vez, disciplina a organização, direção e gestão do Sistema Único de Saúde, nos seguintes moldes: Art. 9 o - A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do art. 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos: I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde; II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente (grifo acrescido). Depreende-se, destarte, que o Sistema Único de Saúde ramifica-se, sem, contudo, perder sua unicidade, de modo que de qualquer de seus gestores podem/devem ser exigidas as ações e serviços necessários à promoção, proteção e recuperação da saúde pública. Por fim, destaca-se, também, que embora a Norma Operacional da Assistência à Saúde NOAS-SUS 01/2002 preceitue ser responsabilidade solidária entre o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde dos Estados a garantia de acesso aos procedimentos de alta complexidade, ela também determina, como já dito, que a regulação dos serviços de alta complexidade será de responsabilidade do gestor municipal, quando o município encontrar-se na condição de gestão plena do sistema municipal, e de responsabilidade do gestor estadual, nas demais situações. Até mesmo porque a União, em cumprimento do seu dever de participar do financiamento do SUS, repassa ao Estado de Santa Catarina e ao Município de Jaraguá do Sul recursos financeiros para a finalidade apontada. Aliás, o Ministério da Saúde informa, em sua página da internet www.saude.gov.br as transferências efetuadas todos os anos ao Estado de Santa Catarina e ao Município de Jaraguá do Sul. Da jurisprudência, por seu turno, sobre o dever constitucionalmente imposto a cada um dos entes federativos de garantir e promover a saúde, extrai-se do Egrégio Supremo Tribunal 17

Federal: O preceito do art. 196 da Carta da República, de eficácia imediata, revela que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. A referência, contida no preceito, a Estado mostra-se abrangente, a alcançar a União Federal, os Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municípios. Tanto é assim que, relativamente ao Sistema Único de Saúde, diz-se do financiamento, nos termos do art. n 195, com recursos do orçamento, da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Já o caput do art. informa, como diretriz, a descentralização das ações e serviços públicos de saúde que devem integrar rede regionalizada e hierarquizada, com direção única em cada esfera de governo. Não bastasse o parâmetro constitucional de eficácia imediata, considerada a natureza, em si, da atividade, afigura-se-me como fato incontroverso, porquanto registrada, no acórdão recorrido, a existência de lei no sentido da obrigatoriedade de se fornecer os medicamentos excepcionais, como são os concernentes à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), às pessoas carentes. O município de Porto alegre surge com responsabilidade prevista em diplomas específicos, ou seja, os convênios celebrados no sentido da implantação do Sistema Único de Saúde, devendo receber, para tanto, verbas do Estado. Por outro lado, como bem assinalado no acórdão, a falta de regulamentação municipal para o custeio da distribuição não impede fique assentada a responsabilidade do Município. Decreto visando-a não poderá reduzir, em si, o direito assegurado em lei. Reclamam se do Estado (gênero) as atividades que lhe são precípuas, nos campos da educação, da saúde e da segurança pública, cobertos, em si, em termos de receita, pelos próprios impostos pagos pelos cidadãos. É hora de atentar-se para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja, proporcionar vida gregária segura e com o mínio de conforto suficiente para atender ao valor maior atinente à preservação da dignidade do homem.(...) (Voto do Min. Marco Aurélio, proferido no RE 271.286-8-RS) (grifos acrescidos). Os demandados, portanto, como integrantes e gestores do Sistema Único de Saúde, figuram como partes passivas legítimas, uma vez que a decisão postulada projetará efeitos diretos sobre suas respectivas esferas jurídicas. 18

VI - LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL A norma do art. 127, da Constituição Federal, prescreve que ao Ministério Público, instituição essencial à função jurisdicional, compete a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Estabelecido este vetor, dispõe em seguida: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) II Zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia. III - promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos. Pela análise do texto normativo transcrito, verifica-se que o constituinte incumbiu especificamente ao Ministério Público a relevante missão de defesa do patrimônio público, do meio ambiente e qualquer outro interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo de relevância social. Em harmonia com a Carta Federal, preceitua a Lei Complementar nº 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União: Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União: (...) V - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de relevância pública quanto: a) aos direitos assegurados na Constituição Federal relativos às ações e aos serviços de saúde e à educação. (...) Art. 6º Compete ao Ministério Público da União: (...) VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para: (...) c) a proteção dos interesses, individuais indisponíveis, 19

difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, á criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor.. Dessarte, afigura-se legítima a atuação do Ministério Público Federal para a defesa de direitos e interesses difusos, entre os quais se insere o direito à saúde, exteriorizada, in casu, na busca de provimento judicial que assegure aos portadores de doença de câncer o recebimento de toda e qualquer medicação indispensável ao seu tratamento e que se demonstre eficaz, ainda que importada ou não constante da lista oficial do Ministério da Saúde, bem como de todo tratamento clínico e cirúrgico, a critério dos médicos do SUS, que se fizerem necessários. Ademais, o Egrégio Supremo Tribunal Federal: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS. 1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127). 2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III). 3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. 3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos. 4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. 4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam 20

como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas. 5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o art. 129, inciso III, da Constituição Federal. 5.1.Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação.. Sobre o assunto, merecedora de transcrição parte da decisão que antecipou os efeitos da tutela jurisdicional, proferida pela MMa. Juíza Federal Dra. Luísa Hickel Gamba nos autos da Ação Civil Pública n. 2004.72.01.001626-0, analisando a questão sob a ótica da saúde como direito difuso: "Por ora, em cognição sumária, assinalo apenas que o direito à saúde, além de ser direito individual fundamental, é direito social (art. 6 da Constituição Federal), reconhecendo a doutrina, ainda, a existência do direito coletivo ou mesmo difuso à saúde pública. Além disso, a partir da relevância social atribuída aos serviços de saúde no art. 197 da Constituição Federal, o Ministério Público tem legitimidade para o ajuizamento de ação individual ou coletiva que busque garantir a prestação do serviço nos moldes estabelecidos na Constituição, conforme art. 129, II e III, da Constituição Federal. E, na tutela coletiva da saúde pública, o Ministério Público pode referir e formular requerimentos em relação a situações individuais paradigmas, incluídas na tutela pretendida em relação ao tipo de serviço oferecido a todos, como é o caso dos autos em relação ao menor R.G.R. Nesse sentido, inúmeros são os julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que assentam a legitimidade do Ministério Público para a propositura de ação coletiva que busca tutela do direito à saúde, em moldes semelhantes à presente (STJ, 6ª T., REsp 1998.00422595/PE, Rel. Min. Vicente 21

Leal, DJU 1 /07/2002, p. 410; e TRF4R, 3ª T., AI 2003.04.01.041369-9/SC, Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, DJU 21/01/2004). O próprio Supremo Tribunal Federal no voto do Relator, Ministro Celso de Mello, proferido no julgamento do agravo regimental no RE 273.834-4/RS, assenta a legitimidade do Ministério Público para buscar a tutela do direito à saúde, em face da relevância pública atribuída na Constituição Federal às ações e serviços de saúde.. Mesmo sob o prisma dos direitos individuais homogêneos, persiste a atribuição do Ministério Público Federal para a defesa dos interesses em questão, como já salientado pelo MM. Juízo Federal da 1ª Vara Federal, nos autos da Ação Civil Pública n. 2003.72.01.005010-0, às fls. 267/276: A Constituição Federal delineou o novo perfil do Ministério Público, outorgando-lhe a missão de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis. Na presente ação, o Ministério Público Federal protege o direito à saúde, o que a princípio caracteriza um direito difuso. No entanto, em uma análise mais acurada se denota o caráter de direito individual homogêneo, porquanto se busca provimento judicial que assegure, aos portadores de doenças do fígado, o recebimento de toda e qualquer medicação indispensável ao seu tratamento, ainda que não conste da lista oficial do Ministério da Saúde e necessite, eventualmente ser importado. Na demanda pretende-se a defesa de interesses coletivos strictu sensu, quais sejam os direitos individuais homogêneos dos pacientes portadores de doenças do fígado de receberem tratamento gratuito ainda que com medicamento não disponibilizado pelo SUS. Assim, ainda que o direito à saúde seja um direito difuso em si, entendo que neste caso o pedido se caracteriza como individual homogêneo, para o qual o MPF também tem legitimidade para tutelar. É o que se denota a seguir. Conforme sustenta Teori Albino Zavascki, in Defesa de Direitos Coletivos e Defesa Coletiva de Direitos, RP 78/95, os direitos individuais homogêneos para comportarem tutela jurisdicional coletiva mediante provocação do Ministério Público, devem ter uma relevância social que transcenda aos interesses do grupo atingido, a tal monta de configurarem os direitos sociais previstos no art. 127 da Constituição Federal. É que o art. 129, III da Carta Constitucional legitima o Ministério Público apenas a defender interesses difusos e coletivos. No entanto, isto não significa que tal órgão não esteja legitimado a defender direitos individuais homogêneos. Pelo contrário, o 22