A GENTE PODIA TER UM ZOOLÓGICO : CONSIDERAÇÕES SOBRE A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS NA ESCOLA DA INFÂNCIA



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Transcrição:

A GENTE PODIA TER UM ZOOLÓGICO : CONSIDERAÇÕES SOBRE A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS NA ESCOLA DA INFÂNCIA Eleonora das Neves Simões (UFRGS Cnpq) Maria Carmen Silveira Barbosa (UFRGS) Introdução Inúmeros estudos vêm mostrando o quanto a organização dos espaços influenciam nas práticas pedagógicas e nas relações que as crianças e os adultos estabelecem. Desta forma podemos perceber que ao longo do tempo os espaços vêm ganhando configurações diferentes de acordo com a proposta pedagógica das escolas. Contemporaneamente, estudos como os de Barbosa (2006, 2009), Oliveira (2007), Cerisara (1999), vem defendendo a especificidade da Educação Infantil, a importância do trabalho docente e a qualidade e diversidade das experiências que têm sido oferecidas às crianças. Estas teorizações enfatizam que esta etapa precisa ser compreendida como um processo de educação que traz a indissociabilidade entre o cuidar e o educar, como forma de superação de práticas assistencialistas ou preparatórias para o Ensino Fundamental. Nesta perspectiva, o espaço não é mais, um pano de fundo das ações que ocorrem no cotidiano da educação infantil. A organização do espaço é um convite a interagir ou a sentar, a brincar ou fazer trabalhinhos sem sentido, a conversar com o amigo e descobrir as formigas ou silenciar. Assim, alguns espaços nos fazem convites acolhedores, outros que nos paralisam. Esse texto começa explicitando a importância de contextualizarmos os usos dos espaços na educação infantil com as novas práticas de valorização das crianças como atores sociais, bem como com a premissa de uma prática pedagógica de escuta, acolhimento e liberdade. A partir disso, situamos como os espaços podem se constituir através de uma dimensão humana, partindo da ótica da participação das crianças. Entendemos que a convergência dos estudos apresentados contribui para pensar a organização do espaço que se dá de forma interativa, no cotidiano e no encontro das crianças com seus pares, com os profissionais e estes entre eles. Rompendo assim com uma lógica do padrão, da fôrma,

abrindo espaço para a novidade, a invenção, favorecendo práticas pedagógicas compartilhadas e sensíveis. Das relações entre as concepções sobre o trabalho com as crianças e a organização do espaço Educadores como Froebel e Montessori, cada um com suas proposições sobre as práticas educativas com crianças, já evidenciavam a importância dos espaços nas relações de aprendizagem. Segundo Horn (2004), os postulados de Froebel (1837) e Montessori (1907) já legitimavam um espaço organizado para as crianças pequenas [...] Esses teóricos, na verdade, planejaram um espaço que fez parte integrante de suas metodologias, definindo-o à luz das necessidades infantis (p. 29). Destacando-se assim o seu caráter diferencial ao ensino fundamental. Ou seja, essas ideias vêm para contrapor a organização do ensino fundamental pensando espaços mais autônomos. Na pedagogia de Froebel, por exemplo, sua base era o jardim de infância, e portanto propunha em suas concepções que a criança afloraria de dentro para fora, balizado na natureza interna da criança. De acordo com Horn (2004, p. 30), o modelo educativo de Froebel previa uma educação integral e harmônica que terá correspondência em um projeto arquitetônico com espaços abertos e fechados. Assim, a organização previa espaços de contato com a natureza para plantar, conviver com os animais e mexer na água e na terra, inspirados pelo seu projeto de educação com crianças. Também o filósofo Michel Foucault, ao pesquisar sobre as prisões, evidenciou o quanto as arquiteturas influenciam no modo como as relações se estabelecem, e o quanto elas propiciam um jeito de agir naquele espaço. Os estudos de Foucault (1987), Frago e Escolano (2001), por exemplo, nos fazem pensar sobre o jogo de forças e saberes que se instituem quando se tem um tipo ou outro de arquitetura, um jeito de dispor os móveis, um lugar onde ficam os brinquedos e o modo como as crianças e os adultos interagem entre si com essa organização. Desse modo os muros que separam a comunidade externa, daqueles que são sujeitos aprendizes nas salas escolares pode representar a constituição de um espaço de podersaber.

No seu interior, muitas vezes, a escola separa, organiza, fragmenta, por séries e idades, disciplinas curriculares, tornando os corpos individualizados e fragmentando o conhecimento. As salas com as janelas altas, inibindo interferências externas, com as cadeiras dispostas, a mesa do professor em lugar de destaque e pouco espaço para as brincadeiras, arquitetam um espaço em que se quer aumentar a produção e a concentração, operar sobre a formação dos indivíduos. As autoras Mara Carvalho e Márcia Rubiano (1996), expõem que o modelo de organização dos espaços que se preocupa com a interferência externa e a centralidade do professor, concebe a formação da criança através das atividades dirigidas pelos adultos, tanto as de cuidados físicos como as educacionais, estas geralmente desenvolvidas em torno de mesinhas com a atendente assumindo o papel tradicional do professor e as crianças precisando reportar-se ao adulto para qualquer necessidade. (p. 114) Assim, tradicionalmente, a organização dos espaços tem sido pensados a partir da sua funcionalidade, principalmente através de uma visão predominantemente adulta, valorizando aspectos da higiene e da organização ou a não-bagunça. O que ocorre é que normalmente esses espaços funcionam para os adultos, mas não permitem áreas de brincadeira. A organização por cantos temáticos, por exemplo, cria áreas de brincadeira que podem permitir a autonomia das crianças. Outras propostas, que concebem a criança como um sujeito histórico e social, capaz de interagir com seus pares e com os adultos, como em Reggio Emilia, na Itália, um dos componentes diferenciais na educação das crianças pequenas se faz na disposição e utilização dos espaços para o encontro e o compartilhar de aprendizagens, sentimentos e ideias. Ainda, mais recentemente, Maria Carmen Silveira Barbosa (2000) e Maria da Graça Horn (2004), nos descreveram o quanto a organização dos espaços na Educação Infantil podem propiciar diferentes interações, de modo que os educadores estando conscientes de suas escolhas para modificar os espaços, sabem os ricos desafios que podem propor às crianças. A pesquisa da autora Maria da Graça Horn (2004), enfatiza que a proposta pedagógica é formada por diferentes elementos, em que o espaço é um desses elementos. Assim, Horn mostra como a organização dos espaços interfere na prática pedagógica e o quanto estes podem qualificar as ações de crianças e professores.

Logo, o que esses estudos vem traçando e possibilitando é o pensar sobre as arquiteturas escolares, de modo a compreender como a organização dos espaços tem relação intrínseca com a proposta de uma prática pedagógica e também nos enredos que as crianças criam e vivem a partir dos que lhe é proposto. Nesse contexto, entendemos que a escola sem interferências da Modernidade, em que o professor detém o saber e as crianças são tabulas rasas, não encontra espaço e justificativa nas relações que atualmente se estabelecem, uma vez que não percebemos mais a educação como uma prática unilateral, mas sim como uma prática relacional. Logo, é no sentido de propor um espaço acolhedor, em que os ambientes sejam (re)inventados pelas crianças e pelos adultos, e também porque acreditamos e defendemos uma prática com as crianças que está entrelaçada com o espaço nas possibilidades de movimento e ação, que consideramos importante que pensemos a participação das crianças na criação de espaços com dimensões humanas. Desta forma, percebemos que a ideia de um currículo para a escola da infância que valorize a estética, o brincar, as relações, as diferenças, as culturas propiciando uma arte do encontro, tem íntima relação com a organização dos tempos e espaços da escola de educação infantil. A organização do espaço em uma dimensão humana Estudos recentes, como Horn (2004), Barbosa (2006), nos explicitam que os espaços não são vistos apenas no seu sentido métrico, passando a assumir uma nova posição. Defender uma proposta pedagógica para a infância que tem como princípio a indissociabilidade entre cuidar e educar, requer considerar que a arquitetura escolar precisa tomar outro corpo, para além de funcionalidade e estruturação física. Por esse viés é que no campo da Educação Infantil, a temática dos espaços, tem visibilidade nos estudos apresentando-se como outro educador, pelas possibilidades (ou não) que cria e pelas relações que propicia. A autora Maria Carmen Silveira Barbosa (2006), ressalta que o espaço não é neutro e pode reproduzir ou não formas dominantes, de vigilância ou controle. Assim, cabe pensar numa relação com o espaço que tenha vida, (re)significado pelos sujeitos que o habitam, também sendo um convite a interagir, parar para olhar, pensar e criar.

Logo, um espaço que educa, pode nos trazer possibilidades de termos experiências. Larrosa (2002), ao falar da experiência, registra que essa é formada por aquilo que nos passa, o que nos marca, o que nos toca. Ele diz a cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece (p. 21) e completa dizendo que a escola precisa se constituir como um espaço de [...] parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, escutar mais devagar [...] (p. 24). Ou seja, é um lugar de intercâmbio de culturas e saberes, de ouvir o outro, de inventar, de descobrir. Para que este convite aconteça, não só a organização do espaço é importante. Gianfranco Staccioli (2013) enfatiza o quanto a postura de acolhimento do professor, se possibilitando encontrar, escutar e acolher a infância, sem se sobrepor às crianças, possibilita com que estejamos ao lado das crianças, organizando os projetos, as situações, mas não superprogramando. Assim se dão as relações com todos os móveis, luzes e sombras, cores, esconderijos, brinquedos. Mais do que uma informação visual, esses aspectos constituem a possibilidade (ou não) de encontro com o outro, de aprender um novo significado para um brinquedo, dentre inúmeras relações que podem acontecer. Nesse sentido como nos afirma Zilma de Oliveira (2007, p. 193), não basta organizar a sala em cantinhos, se nela persistir uma pedagogia centrada nas instruções do professor. Logo, corroboramos com Agostinho (2010, p. 303-304), em que torna-se fundamental a importância de os professores terem uma formação consistente e crítica em universidades. Uma formação continuada e contextualizada, em que reflitam conjuntamente os tempos e espaços que as suas práticas pedagógicas têm dado para a contribuição das crianças, acolhendo o que meninos e meninas, partícipes desta relação, têm a oferecer. Quando colocamos um painel na parede devemos pensar o porquê de fazê-lo, assim como a postura de organizar a sala em cantos temáticos. Também os trabalhos das crianças expostos não podem ser vistos como mera decoração e não devem estar ali sem intencionalidade. A organização do espaço é a representação de uma pedagogia, de uma postura no trabalho com ou sobre as crianças, tanto quanto diz das possibilidades de experimentar, se relacionar e criar. Pensando nessas experiências e para que as crianças tenham outra relação com o espaço que não a da fragmentação, o espaço físico das escolas infantis pode ganhar outra configuração em que os sujeitos que o habitam também produzem e criam esses espaços a

partir de suas relações e afetos, curiosidades e descobertas. Na medida em que essas dimensões são escutadas e apoiadas, estaremos indo ao encontro de uma prática pedagógica comprometida com a complexidade da vida humana. (AGOSTINHO, 2010) De acordo com Barbosa (2006, p. 135), cada vez que se muda o cenário, que se trabalha em um novo contexto, surgem novas respostas, novas alternativas de ação. Trabalhar com pintura em uma sala é um tipo de atividade, em um ateliê de pintura, é outro. Dançar na sala é de um jeito, em uma sala de espelhos, tudo muda. Os espaços criam novas formas de ação, de movimento, de experiência. Sendo o espaço uma categoria concreta, histórica e social, uma vez que os sujeitos agem diretamente sobre este, não mais só os especialistas (arquitetos) são detentores do poder de dizer como deve ser uma escola e que espaços devem ter. Mas na medida em que os professores, crianças e pais são escutados e integrados ao projeto de organização dos espaços da escola através de diferentes formas de participação, esse ambiente acolhe as culturas, as ideias, os sonhos e uma perspectiva coletiva de trabalho. Em Reggio Emilia, por exemplo, o espaço não é pensado somente pelos arquitetos, mas é dialogado com os professores. O que pode também ouvir as ideias das crianças sobre as possibilidades de transformação dos espaços das instituições que frequentam. Também Kátia Agostinho (2004, p. 15), relata o quanto as crianças imprimem suas marcas no espaço, tornando-o em lugar construído nas relações, nas aprendizagens e no encontro com a novidade e com a diferença. As crianças, ao se apropriarem do espaço da creche, vão dando a ele novos sentidos e significados, inventando outros jeitos de lidar com o chão, paredes, teto, objetos, arranjos, colegas e adultos, criando soluções, para viver um lugar de brincadeira, liberdade, movimento, encontro e de quietude. Transformam, mudam o espaço, fazendo coisas para além da imposição do traço arquitetônico e do que o adulto propõe. Assim, corroboramos que o lugar constrói-se a partir do fluir da vida, tendo o espaço como suporte. (AGOSTINHO, 2004, p. 14; grifo meu) Ainda, nessa perspectiva é que Duarte Jr. (2006) argumenta que vivemos sob a crise dos sentidos, em que fazemos as coisas no automatismo, tendo a impossibilidade ou incapacidade de sentir. Escreve que nossa sociedade tem se detido no conhecimento racional e abstrato, sendo urgente rever nossas relações com o saber e o sabor. Assim, nos mostra que o corpo conhece o mundo antes de

podermos reduzi-lo a conceitos e esquemas abstratos próprios de nossos processos mentais (p. 126). Ainda, completa dizendo que o saber humano ocorre através de uma participação atividade dos nossos processos sensíveis. Considerar o corpo em movimento e as experiências, requer ponderar que temos feito assim uma educação que homogeiniza os modos de nos relacionarmos com o mundo, exclusivamente através da razão operacional. Sendo necessário retomarmos a apreensão sensível do mundo, construindo sentidos para nossas vivências, nos afirmando como sujeitos de uma história na possibilidade de se fazer sujeito. Diálogos do possível: a participação das crianças na organização dos espaços na educação infantil, um processo interativo A partir das questões que foram problematizadas anteriormente e inspirada pelas proposições da arte no sentido de desacomodar nossas certezas, foi realizada uma provocação em uma escola pública municipal do interior do Rio Grande do Sul propondo pensar os espaços da escola. Esta, inspirada a partir do significado das instalações artísticas. Assim, a análise deste momento cotidiano vivido com as crianças é tomado a partir dos pressupostos da pesquisa-ação (MONTEIRO, 2008), percebendo qual relação as crianças tem construído com o espaço, propiciando sua expressão e se colocando em posição de escuta. Logo, o diálogo com as crianças é percebido como uma forma de participação das crianças nas práticas pedagógicas e no cotidiano da educação infantil. Deste modo, o relato que apresentamos aqui se configura como a documentação de um trabalho que permite refletir, investigando a própria prática com as crianças, sobre os modos de ser e pensar a escola. Com essas premissas, o espaço escolhido foi o corredor, que muito se constitui como um espaço somente de passagem. Nesse corredor foi colocado na entrada, bolinhas de sabão, que traziam uma sensação diferente ao entrar nesse espaço. Mas, logo uma cortina, dava um ar de mistério, e escondia o que estava por vir. Quem atravessava as cortinas, encontrava nos pilares uma teia de elásticos.

Desde a montagem, os olhares curiosos das professoras e das profissionais de limpeza, indagavam: o que estás inventando?. As crianças, também tinham muitas curiosidades, Professora, o que é isso?, Pode mexer?, O que tu estás fazendo?. Mas na primeira passagem, ao ir para o refeitório, as professoras e as crianças, apesar dos olhares, continuaram os passos até o momento do lanche. No retorno, quando as crianças puderam aproveitar, inúmeras foram as criações e as indagações também. O que é isso aqui? É para passar?, referindo-se ao elástico. De onde vem essas bolinhas? e ainda Também quero fazer bolinha de sabão!. No início, meio tímidas, a teia se constituiu como uma brincadeira só para passar de um lado para o outro, tentando não tocar nos elásticos. Logo virou uma teia de aranha, e as crianças em meio aos elásticos, deixavam o peso do corpo suspenso, tentavam vencer a barreira da elasticidade, empurravam pra cá e para lá. Assim, um espaço que normalmente era utilizado somente como passagem, foi habitado com ações das crianças através do convite que lhes foi feito pelas provocações. Enfatizou-se que a organização dos espaços podem propiciar inúmeras situações de brincadeira, e as crianças criam diferentes enredos nos espaços que lhes convidam a interagir. Ao longo do processo, as crianças faziam muitas perguntas. Foi possível perceber que queriam dialogar sobre aquilo ali, aquela novidade. Surgiu uma grande polêmica, eles precisavam saber de que bicho afinal era aquela teia. Alguns diziam que era de aranha e outros diziam não existia uma aranha tão grande assim. No diálogo e no encontro com as crianças explicou-se que aquela proposição era para pensarmos os espaços da nossa escola, que era importante que elas dissessem como poderia ser uma escola de acordo com suas próprias ideias. A proposição no espaço se constituía assim, na relação com as crianças, como um momento para permitir pensar sobre o possível. A partir da curiosidade, da exploração e do diálogo, as crianças explicitaram muitas ideias sobre o que poderia ter e como deveria ser o espaço da escola. Algumas, por exemplo, uma árvore com frutinha para colocar os balanços, um zoológico, uma casinha de home, e uma casinha de mulé, uma cama para descansar porque eles cansam às vezes, uma piscina, um telhado na pracinha para brincarem em dia de chuva e muitas outras. De acordo com Agostinho (2004, p. 15), estas indagações e propostas são,

caminhos de possibilidades que as crianças nos indicam ao demonstrarem que, mesmo diante da dureza do espaço suas suaves mãos traçam outros contornos, suas peraltices o povoam de magia e felicidade, convidando-nos a construir e sonhar o lugar da creche, o lugar do mundo como um lugar de gente. (grifo meu) Essas considerações podem passar despercebidas por nós adultos. Nosso desejo e reivindicação, muitas vezes, como professores e professoras, é termos o melhor brinquedo industrializado. Não é que brinquedos estruturados e fixos não sejam interessantes e ressaltamos que a qualidade dos mesmos é fundamental nas oportunidades que as crianças experimentam. Todavia brinquedos que permitem o contato com a natureza, em outras formas de se fazer balanço, por exemplo, propiciam outras aprendizagens e relações. Normalmente os brinquedos industrializados limitam a transformação e contato com diferentes materiais, principalmente pela maioria ser de plástico, madeira ou ferro. Um balanço em uma árvore com frutinhas, talvez pitanga, além de trazer um sabor a brincadeira, pode ser construído com pneu e corda, e o desejo de andar em pé no balanço, pode aí encontrar uma oportunidade para ser vivenciado. Sem contar nas inúmeras transformações que podem ocorrer a partir dos enredos que as crianças vão imaginar e criar nas suas brincadeiras. Neste sentido, entender a organizar do espaço como um caminhar, um devir, e não um dado pronto, cria a possibilidade de vivenciar essa organização e transformação de maneira interativa e compartilhada. Pensar a organização do espaço da educação infantil em interação, significa que mais de uma pessoa está em ação, não só a professora, mas sempre a professora com as crianças, as crianças entre elas, e os próprios professores entre eles, criando um espaço dinâmico e de vida. Destarte, consideramos que ao passo que nós vamos nos transformando, os espaços que habitamos se transformam junto, trazendo marcas, significados e percursos de vida. De qualquer maneira, colocar essa questão permite entendermos a criatividade como uma potência na nossa relação com o mundo. Considerações Na intenção de finalizar este texto, mas nunca o movimento de pensar a organização dos espaços sob novas perspectivas, com qualidades humanas, citamos Rubem Alves. Em

uma de suas crônicas, de título Um lugar querido, Rubem Alves nos provoca a pensar o espaço como uma extensão de quem ali está. De uma forma sutil e inteligente, nos convida a olhar e questionar a decoração das nossas escolas. Conclui dizendo que nossos espaços devem se transformar em lugares queridos. De fato, nossas escolas tem parecido lugares sombrios, frios, e colocar em pauta a organização desses espaços, significa colocar em pauta também que esses espaços são habitados por gente: crianças, adultos e famílias. E que mais ainda, podemos pensar a organização dos espaços para o acolhimento de nossas diferenças, das culturas, e também para a investigação, a curiosidade e a exploração. Assim, tornar os espaços humanizados significa compreender que a organização, os materiais e os repertórios devem ser plurais, e que o professor seja sensível às necessidades das crianças, protegendo, mas também desafiando. Acompanhar e apoiar os processos inicias das crianças de descoberta do mundo e também produzir desafios às suas aprendizagens, à imaginação, à sensibilidade, às investigações iniciadas, estreitando os processos inteligíveis e sensíveis. Referências AGOSTINHO, Kátia Adair. O espaço da creche: que lugar é este? 27ª Reunião Anual da ANPED, 2004. p. 1-16. Disponível em: http://27reuniao.anped.org.br/gt07/t073.pdf AGOSTINHO, Kátia Adair. O Espaço da Creche: que lugar é este? Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003. ALVES, Rubem. Um lugar querido. Revista Educação. Setembro, 2011. Disponível em: http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/116/artigo234071-1.asp BARBOSA, Maria Carmem Silveira. Por amor e por força: rotinas na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2006.. Por amor & por força: rotinas na Educação Infantil. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas, 2000. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?view=vtls000219024. (Coord. Geral) Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental. Coordenação Geral da Educação Infantil/UFRGS. Projeto de Cooperação Técnica MEC e UFRGS para Construção de Orientações Curriculares para a Educação Infantil. Práticas Cotidianas na Educação Infantil Bases para a Reflexão sobre as Orientações Curriculares. Brasília: MEC/UFRGS, 2009. CARVALHO, Mara; RUBIANO, Márcia. Organização do Espaço em Instituições Pré- Escolares. In: OLIVEIRA, Zilma Moraes Ramos de (orgs.). Educação Infantil: muitos olhares. 3ª Ed. São Paulo: Cortez, 1996.

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