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Como definir a palavra futuro? Dentre as explicações, o dicionário Houaiss aponta para um conjunto de fatos, acontecimentos relacionados a um tempo que há de vir; existência futura. Seria possível imaginar os próximos passos da Era Digital? O que fazemos hoje, que não faremos mais; e que tipo de conhecimentos não dominamos hoje, que passaremos a dominar no futuro? Para traçarmos um pouco do amanhã na internet, conversamos com Luli Radfahrer, PhD em Comunicação Digital e Professor-Doutor da ECA-USP, e um dos principais personagens nos processos evolutivos já ocorridos na web brasileira. Boa leitura! Wd :: Com sua experiência na área, você poderia citar quais foram as principais transformações ocorridas no mercado de design para web (conceitos que sumiram e apareceram, tendências que deram certo e errado etc.)? Luli :: É incrível que uma área com tão pouco tempo de vida tenha tido tantas mudanças e regras definitivas caírem por terra. De todas as que via em 1993, a única que ainda vale - e acredito que valerá para sempre -, é que webdesign é só design, ou seja, as regras de legibilidade, unidade, composição e harmonia que valem para a sinalização de um supermercado e para a diagramação de um livro, valem para cá. Já ouvi que Flash não presta - e concordo que as introduções em Flash acabarão em breve (ou você consegue imaginar uma abertura para o Google?). Popups, interstitials e layers em HTML para propaganda são espaços estúpidos e não devem ter vida longa. Tecnologias esquisitas, muito específicas, como VRML (Virtual Reality Modeling Language) ou mesmo RealAudio, não farão história. Já houve gente grande defendendo que botões deveriam ter a cara de botões (3D etc) e que as barras de navegação deveriam ser presentes em todas as páginas. Até isso mudou. A falta de padronização e de regras básicas é tão grande que o elemento que mais se procura em um website é a ferramenta de busca. Em resumo: qualquer tendência para tornar o design relevante e adequado à mensagem que transmite é bem-vinda, o resto é firula e terá sempre vida curta. Os primeiros sites de banco, acredite você, tinham um balcão 3D na tela inicial. Os de companhias aéreas também. No futuro, riremos de coisas como o estilo portal que todos os sites têm hoje (três colunas, como uma página de jornal) e, é claro, de letras tridimensionais que piscam, pulam e explodem quando se abre um site. Wd :: Em palestra recente, você apontou que o objetivo de qualquer tecnologia é desaparecer. Como a internet se insere neste contexto? Luli :: Desaparecer, entenda bem, não quer dizer acabar, mas tornar-se invisível. E, em parte, isso já acontece com a internet. Você não sabe o caminho que seu e-mail segue, não configura servidores ou roteadores e até a criação de uma conta de e-mail já foi dez vezes mais complicada que tudo isso. Com a banda larga, ninguém mais perde tempo em se conectar, nem faz sentido contar kbytes, a não ser que sua conexão seja via modem em GPRS (General Packet Radio Service). Isso é que é desaparecer. Chegará a um ponto que, como celulares em regiões bem servidas, não se preocupará mais com a tecnologia, mas com a relação. A prova disso é que você gesticula quando fala ao celular ou briga com o aparelho quando a rede não funciona. Isso é desaparecer. Quando sua CPU trava, quem sofre é o mouse (ou o monitor). Isso é desaparecer - é só chamar a atenção quando não funciona, como uma escada rolante. entrevista :: Luli Radfahrer 21
entrevista :: Luli Radfahrer Ninguém quer realmente saber qual é o mecanismo que a põe em funcionamento. Se pensar bem, aviões são mais ou menos assim. Nesse contexto, a internet desaparecerá porque será como a energia elétrica - tão onipresente que só será percebida quando falhar. Wd :: Nesta mesma apresentação, você afirmou ainda que em tempos digitais, o mais importante já não é mais falar a milhões, mas fazer esses milhões falarem um ao outro. Podemos considerar as comunidades virtuais como o mapa da mina do mercado web? De que forma seu potencial pode ser explorado? Luli :: As comunidades são a verdadeira razão da web. O mundo vivia bem sem e poderia continuar por muitos anos assim. Blogs, Flogs, Orkut, Flickr, Yahoo, MSN são o que toca a internet, sem falar de tecnologias P2P e rádios multicasteados. Ou seja, como a HDTV no Japão, o que conhecemos por mídia deverá ocupar menos que 5% da web, o resto será composto de material comunitário. Como explorar uma comunidade? Fácil - proponha uma boa infra-estrutura, crie ambientes interessantes para que as pessoas se relacionem e interfira o mínimo possível. Desde 1998 faço produtos assim e percebi que o moderador de uma comunidade é como o governo - fundamental como árbitro, mas deve agir o mínimo possível para não tolher a ação dos membros. Para ser honesto, acho que o que se faz de comunidade hoje não chega a 20% do que pode ser feito. Cadê o Google Blogs? Cadê o Google de indicações feitas pelos próprios usuários? A Coréia tem um exemplo interessante de jornal comunitário, o OhMyNews (www.ohmynews.com), mas que ainda é novidade para o resto do mundo. Com Podcasts, MobLogs e vídeo digital, as possibilidades são gigantescas. 22
Wd :: O professor Otávio Silveira, em entrevista recente para a Webdesign (edição 23), disse que a internet, aos poucos, está atravessando as barreiras dos PCs, dando seus saltos por outros territórios, como os celulares, a televisão, os aparelhos domésticos etc. Quais mudanças esse novo cenário traz para o cotidiano do profissional que trabalha com web? O que eles fazem hoje, que não farão mais no futuro; e o que não dominam hoje, que passarão a dominar? Luli :: É a verdade mais óbvia - e só o começo. Ela vai também para roupas, geladeiras, câmaras, casas, carros. O designer tem que, acima de tudo, conhecer o que a tecnologia permite e onde ela será usada. Mais ou menos como um designer gráfico deve conhecer os tipos de papel existentes, seus acabamentos e manuseio, o mesmo deve ser usado para o designer de tecnologias digitais. Não adianta sair decorando Flash ou actionscripts, mas pensar como se pode usar um PSP (Play Station Portable) como mídia e o que inserir nele que seja relevante. Caso contrário se estará sempre na rabeira da história. O designer gráfico não precisa conhecer a gramatura e LPI de cada papel que usa - para isso existe o produtor gráfico - mas deve saber, dentre a gama de materiais oferecidos, qual será o mais interessante. HTML e Flash são o papel couché do designer de 2010. Wd :: É possível imaginar quais habilidades humanas e tecnológicas serão necessárias para se fazer design na web no futuro? Luli :: Design, design, design! Informação, atualização, pesquisa, briefing, conhecimento de público, relevância. O resto é papo de marqueteiro ou de quem não sabe o que faz. entrevista :: Luli Radfahrer 23
entrevista :: Luli Radfahrer Wd :: Falando em habilidade humana, você costuma dizer que criatividade e inovação são processos que demandam observação. Em um futuro cada vez mais conectado e em tempo real, onde a produção de trabalho ganhou uma velocidade imensurável, empresas e profissionais terão tempo suficiente para investir em criatividade e inovação? Luli :: Sempre. Isso não precisa ser aplicado na produção diária, mas em seu planejamento. Revistas e jornais têm projetos gráficos, TV tem identidade visual e nada disso os impede de ser ágeis e dinâmicos. Acreditar que a velocidade dispensa a criatividade é o mesmo que acreditar que guiar rápido dispensa saber guiar. Pensar antes de agir, ajuda, na hipótese mais pragmática, a evitar a refação ou que se repitam erros anteriores. É o velho processo de aprendizado. Wd :: Quais reflexos o aumento excessivo do uso da tecnologia causará para o nosso futuro? Luli :: Usuários mais mimados e designers mais desesperados; especialização da força de trabalho; mensagens tão específicas que se tornam de difícil compreensão para outros públicos; aplicações dedicadas - o designer será uma espécie de projetista/inventor de novas coisas. 24
Wd :: Em seu artigo Estressou? Vá surfar!, publicado na edição de julho da webdesign (número 19), há um trecho que diz o seguinte: para se prever a onda, é necessário estar no mar. Para se descer a onda, é preciso tomar uns bons caldos. Diante disso, podemos considerar a experiência como uma das principais ferramentas de aprendizado para se preparar para o futuro? Luli :: Sem dúvida. Mas se você não a tiver, não se desespere - a internet é uma gigantesca biblioteca e há uma enorme quantidade de exemplos de experiências fracassadas em que se pode basear, antes de se desenvolver um plano novo. O mesmo vale para planejamentos estratégicos e até (em uma escala menor) para soluções criativas. Wd :: Para finalizar, é possível imaginar como será feita a navegação pela internet no (de onde será possível acessar, quais serviços estarão disponíveis etc.)? Luli :: Imagine Amazon + comandos de voz + serviços baseados em local e hora do dia + comunidade + comunidade + comunidade + comunidade + comunidade + comunidade + comunidade + comunidade + comunidade... Nenhuma tecnologia funciona sozinha, o ser humano é e sempre será uma criatura social. 25