Conhecimento e afetividade em Spinoza* Pascal Sévérac**

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O mais potente dos afetos p017-058 8/28/09 2:05 PM Page 17 I O C O N H E C I M E N T O C O M O O M A I S P O T E N T E D O S A F E T O S (Erkenntnis zum mächtigsten Affekt zu machen) SPINOZA Conhecimento e afetividade em Spinoza* Pascal Sévérac** A filosofia spinozista, em simultâneo, se propõe tomar a afetividade humana como objeto de conhecimento racional e, sobretudo, não visa o aperfeiçoamento ético senão por meio da produção de afetos liberadores. O projeto spinozista nos propõe uma ética do conhecimento que certamente se distingue de uma moral da obediência; mas não se trata nunca de conhecer por conhecer, trata-se de conhecer para ser afetado, e ser afetado de tal forma que possamos viver felizes. Spinoza de fato, na Ética, visa conduzir-nos, como que pela mão 1, até a beatitude da mente, ou seja, a um afeto de amor divino 2, que nasce de a mente agir apreendendo as coisas mediante o mais alto gênero de conhecimento, a ciência intuitiva. E as coisas a serem conhecidas pelo homem são principalmente, como indica o prefácio da Ética III, os afetos humanos, os quais explicam seus comportamentos, seus tormentos, suas felicidades, frágeis ou duráveis. O itinerário ético é então um percurso do conhecimento, que, simultaneamente, toma por * Tradução de Homero Santiago, professor adjunto da USP (Universidade de São Paulo). ** Professor Doutor substituto da Université de Paris I e Diretor de Programa do Collège International de Philosophie. 1. Preâmbulo da Parte II. 2. Ética, Parte V, proposição 42, demonstração. 17

O mais potente dos afetos p017-058 8/28/09 2:05 PM Page 18 O mais potente dos afetos objeto a afetividade humana e pretende transformá-la, ou ao menos vivê-la de outra maneira, para viver verdadeiramente. Trata-se de um percurso puramente intelectualista, como puderam dizer? Em certo sentido sim, já que, de um ponto de vista mental (mas, veremos, esse não é o único ponto de vista considerado por Spinoza), é necessário desenvolver a potência do intelecto 3. Entretanto, essa potência intelectual e é sem dúvida uma das grandes originalidades da ética spinozista é ao mesmo tempo uma potência afetiva. A palavra de ordem da transformação ética de si, na conquista da salvação, pode sem dúvida resumir-se por duas das primeiras proposições da Parte IV: Nada do que uma ideia falsa tem de positivo é suprimido pela presença do verdadeiro enquanto verdadeiro. 4 Um afeto não pode ser refreado nem suprimido senão por um afeto contrário e mais forte do que o afeto a ser refreado. 5 O conhecimento verdadeiro, enquanto tal, não tem nenhuma virtude terapêutica. Ele não pode agir senão sendo apto a produzir afetos que nos permitam resolver certas lógicas afetivas, as do conhecimento parcial, mutilado, confuso. Até a última proposição, Spinoza mantém essa ideia: o que nos salvará, não é o vão esforço, nascido talvez do conhecimento claro de nossos impedimentos, para nos livrar de nossos maus afetos; mas o gozo de certa forma de afetividade, que então nos dará a força de experimentar menos aquela que não faz nossa felicidade. A beatitude não é o prêmio da virtude, mas a própria virtude; e não gozamos dela porque refreamos nossos impulsos; mas, ao contrário, podemos refrear nossos impulsos porque gozamos dela. Conhecer adequadamente para produzir afetos úteis; ser afetado para lutar contra os maus afetos, nascidos do primeiro gênero de co- 3. A beatitude é identificada à liberdade, no início do escólio da proposição 36 da quinta parte da Ética; e o título dessa Parte V, lembremos, é: Da potência do intelecto ou da liberdade humana. 4. Ética, Parte IV, proposição 1. 5. Ética, Parte IV, proposição 7. 18

O mais potente dos afetos p017-058 8/28/09 2:05 PM Page 19 O conhecimento como o mais potente dos afetos nhecimento: as dinâmicas do conhecimento e da afetividade estão estreitamente ligadas em Spinoza. A fim de separar os fios desse emaranhado, vamos organizar nossa pequena sondagem sobre as relações entre conhecimento e afetividade em Spinoza a partir de três questões: primeiro, uma vez que para conhecer é preciso estar preparado para conhecer, perguntar-nos-emos se existe uma afetividade específica que nos dispõe ao conhecimento das coisas: existem certos afetos particulares que nos determinam a conhecer? Não se tem, segundo Spinoza, de desenvolver certa forma de sensibilidade que se poderia chamar de uma sensibilidade cognitiva que nos torne aptos a experimentar afecções úteis ao conhecimento? em seguida, interrogar-nos-emos sobre o conhecimento que está implicado nos afetos: a afetividade, mesmo a mais oposta ao desdobramento do conhecimento racional, não guarda, em seu fundo, uma relação cognitiva com seus objetos? A afetividade, mesmo a mais imaginária, é cega aos objetos a que ela se vincula? Pode-se, aliás, experimentar um afeto que esteja separado de todo conhecimento de objeto? enfim, uma vez que a ausência de racionalidade de certos afetos não significa, segundo Spinoza, ausência de lógica, consideraremos como é possível conhecer adequadamente nossa afetividade: que conhecimento se pode ter de nossa afetividade, mesmo a mais passional? O que pode o conhecimento racional contra a afetividade nascida da imaginação? Três problemas, portanto, dirigirão nosso estudo, que não tem pretensão de ser exaustivo em cada um deles, mas que balizará as pistas a explorar: 1 o problema do conhecimento pela afetividade: há uma afetividade para o conhecimento? 2 o problema do conhecimento na afetividade: que saber está envolvido na afetividade? 19

O mais potente dos afetos p017-058 8/28/09 2:05 PM Page 20 O mais potente dos afetos 3 o problema do conhecimento da afetividade: em que sentido a compreensão de nossos afetos é liberadora? 1. O conhecimento pela afetividade Pode-se dizer que para Spinoza existe um desejo de saber? A Ética nunca faz menção de um desejo desses, que poderia ser o próprio do homem. Existe, sim, um desejo de ser feliz, que se identifica com a natureza do homem: o desejo [ ] de viver feliz ou de viver e agir bem, etc., é a própria essência do homem, isto é [ ], o esforço pelo qual cada um se esforça por conservar o seu ser, afirma a demonstração de Ética, Parte IV, proposição 21. Mas ao contrário de Pascal, para quem a segunda natureza do homem, nascida do pecado, é marcada especialmente pela libido sciendi 6, ou, ainda, de Hobbes, que define a curiosidade como um amor do conhecimento natural no homem 7, Spinoza o filósofo que se apresenta todavia como o representante de um racionalismo absoluto não faz alarde nunca, na Ética 8, de certa forma de afetividade que disporia o homem naturalmente, e favoravelmente, para o conhecimento. Nem curiosidade fundamental do homem, que explicaria seus progressos científicos; nem virtude primeira do espanto, que excitaria essa curiosidade aplicando-se ao que é ainda desconhecido. Ao contrário de Descartes, Spinoza não distingue uma boa admiração, experimentada diante do que é novo e extraordinário, e uma admiração excessiva ( o espanto ) que paralisa o corpo e anestesia o pensamento. A admiração para ele é só essa imobilização da mente 9, que, longe de ser impelida à compreensão, é parada pelo que a ultrapassa. O curioso, para Spinoza, não é tanto aquele que busca compreender, senão 6. Ver Pensamento 458 (ed. Brunschvicg). 7. Ver Leviatã, cap. VI, ed. Sirey, 1971, trad. F. Tricaud, pp. 52-3. 8. Precisemos: na Ética. Pois no Breve tratado, em que a herança cartesiana é ainda muito marcada, um lugar é dado ao espanto, como primeira das paixões (ver Breve tratado, II, 3,[2]). 9. Ética, Parte III, definições dos afetos, 4: A admiração é a imaginação de alguma coisa à qual a mente se mantém fixada, porque essa imaginação singular não tem nenhuma conexão com as demais. 20

O mais potente dos afetos p017-058 8/28/09 2:05 PM Page 21 O conhecimento como o mais potente dos afetos aquele que busca ficar espantado; não é tanto aquele que está empenhado na via difícil do conhecimento racional das relações entre as coisas, senão aquele que busca distrair-se (Pascal diria, sem dúvida, divertir-se) pela contemplação de coisas novas, inéditas, inauditas 10. Ora, essa distração da mente admirativa, segundo a explicação que segue a definição de admiração, não se deve a uma causa real, ou seja, a alguma propriedade inerente à coisa admirada. A desconexão mental não tem causa na própria coisa, mas só em nós: deve-se a uma ausência, a um elo de ideias imaginativas, constitutivas de nossa memória, na qual ordinariamente vem se inscrever toda percepção de coisa. Com efeito, habitualmente, quando percebemos uma coisa, ela nos faz pensar em outra coisa, faz-nos passar a outra coisa: o ordinário de nosso imaginário é cairmos do pensamento de uma coisa no pensamento de outra, conforme o encadeamento regrado das afecções de nosso corpo 11. Mas quando a coisa é para nós nova, não caímos mantemo-nos fixados. A admiração é, pois, uma figura de enorme passividade: ela provém de uma imaginação fixa, obsessiva, que está em ruptura com a imaginação móvel, movente, própria a nossa memória. Logo, a admiração não pode ser, em Spinoza, o afeto que impele à aquisição dos conhecimentos; pelo contrário, ela equivale a uma ruptura no encadeamento ideal e à impossibilidade de pensar as relações entre coisas. E, contrariamente ao que ela é em Descartes, tampouco poderia ser o afeto pelo qual nos tornamos sensíveis ao infinito, pois para Spinoza nada é em si admirável, nada é em si fora do comum, nem a infinitude divina, imanente a seus modos, nem a infinitude do livre-arbítrio, ilusão nascida de nossa ignorância das causas. Deus é a comunidade universal que todas as coi- 10. Raramente encontramos o termo curiosidade sob a pena de Spinoza: de nosso conhecimento, duas vezes apenas, e de forma mais pejorativa, em oposição à utilidade. No Tratado teológico-político, cap. VII, 17, no qual Spinoza afirma que o que podemos compreender do sentido das Escrituras basta para nossa utilidade, ou seja, para nos conduzir à beatitude, o resto é mais uma questão de curiosidade que de utilidade (Œuvres III, PUF, 1999, trad. P.-F. Moreau e J. Lagrée, p. 311); na Ética, Parte III, proposição 59, escólio, em que Spinoza afirma que os afetos que se podem compor a partir dos três primitivos são inumeráveis, e que nos bastará reter apenas os principais, o resto, que omiti, é mais uma questão de curiosidade que de utilidade. 11. Ver Ética, Parte II, proposição 18 e seu escólio. 21

O mais potente dos afetos p017-058 8/28/09 2:05 PM Page 22 O mais potente dos afetos sas envolvem, enquanto modificações de sua infinita potência. E essa potência infinita não excede toda compreensão; ela é, ao contrário, um objeto de conhecimento intelectual progressivo: quanto mais compreendemos as coisas singulares, tanto mais compreendemos Deus 12. Em suma, não há, para Spinoza, paixão do conhecimento que nos impeliria a buscar automaticamente a verdade e permitiria reconhecer o que tem um valor inestimável. Há antes um esforço para conservar-se, que se realiza tanto através das ideias inadequadas da imaginação quanto através das ideias adequadas da razão 13. Noutras palavras, um certo desejo de conhecimento e até, mais precisamente, de conhecimento racional não está ausente, em filigrana, da antropologia spinozista dos afetos. Esse desejo, porém, não é mais fundamental que o desejo de crer ou de imaginar. Muito pelo contrário, é mais raro, uma vez que a mente está mais acomodada no pensamento imaginativo que no racional. Quanto mais a mente está no conhecimento inadequado, mais persevera nele, é consciente de seu esforço e, portanto, deseja afirmar sua potência nesse conhecimento inadequado (de que o próprio é ignorar-se como inadequado). Inversamente, quanto mais a mente está no conhecimento adequado, tanto mais deseja perseverar nele. Assim se compreende a proposição 26 das Partes IV e V da Ética: Tudo aquilo pelo qual, em virtude da razão, nós nos esforçamos, não é senão compreender; e a mente, enquanto utiliza a razão, não julga ser-lhe útil senão aquilo que a conduz ao compreender. Quanto mais a mente é capaz de compreender as coisas pelo terceiro gênero de conhecimento, tanto mais deseja compreendê-las por esse mesmo gênero. O desejo de conhecimento adequado é um desejo que compreende a suma utilidade do conhecimento: por meio dele, a mente se fortifica, 12. Ética, Parte V, proposição 24. 13. Ver Ética, Parte III, proposição 9: a mente, quer enquanto tem ideias claras e distintas, quer enquanto tem ideias confusas, esforça-se por perseverar em seu ser por uma duração indefinida, e está consciente desse seu esforço. 22

O mais potente dos afetos p017-058 8/28/09 2:05 PM Page 23 O conhecimento como o mais potente dos afetos torna-se mais perfeita e convém com as outras mentes, também elas ativas. Um desejo tal, que não é espontâneo mas se desenvolve pouco a pouco, está portanto muitíssimo distante de uma paixão amorosa que se fixaria sobre o conhecimento como objeto a possuir, ou até colecionar: não possuímos o conhecimento racional senão partilhando-o, e não o partilhamos senão aumentando-o. O desejo ativo de conhecimento adequado em Spinoza só pode ser um desejo que compreende a finalidade ética. Todo o prólogo do Tratado da reforma do intelecto já orientava o desenvolvimento dos conhecimentos científicos para a investigação de uma natureza mais perfeita, que fosse partilhada com os outros 14 ; o que a Ética confirmará, como já assinalamos, indicando no início da Parte II que não se deduzirá da natureza divina tudo que dela deve ter se seguido (o que seria de qualquer forma impossível, já que se segue uma infinidade de coisas), mas apenas aquelas que possam nos conduzir, como que pela mão, ao conhecimento da mente humana e de sua suma beatitude. Se não há afeto essencial que volte o esforço humano para o conhecimento verdadeiro, se a investigação da verdade só tem valor por sua finalidade ética (a busca da beatitude), há não obstante uma implicação de toda a sensibilidade humana no desenvolvimento do conhecimento adequado. A essência do corpo humano define-se, em Spinoza, por sua aptidão a ser afetado e afetar. Ora, quanto maior essa aptidão afetiva, maior é a capacidade da mente de pensar várias coisas simultaneamente, e, por conseguinte, de compreender-lhes as relações de conveniência, diferença e oposição 15. Um corpo ativo não é, pois, um corpo que consegue tornar-se insensível ao mundo, que chegaria a furtar-se ao determinismo das causas exteriores. A atividade não nasce de um pro- 14. Tratado da reforma do intelecto, 14: Eis, pois, o fim a que tendo: adquirir essa natureza e esforçar- -me para que, comigo, muitos outros a adquiram; isto é, faz parte de minha felicidade o esforçar-me para que muitos outros pensem como eu e que seu intelecto e seu desejo convenham com o meu intelecto e o meu desejo ; 16: Já se pode ver que desejo dirigir todas as ciências a um só fim, um só escopo, a saber, o de alcançar aquela suma perfeição humana de que falamos (e a nota [e] precisa: As ciências têm um único fim para o qual devem ser todas dirigidas ). 15. Segundo uma expressão do escólio da proposição 29 da Parte II da Ética. 23

O mais potente dos afetos p017-058 8/28/09 2:05 PM Page 24 O mais potente dos afetos cesso de desafecção ou insensibilização. Decerto, trata-se sim de não mais sofrer passivamente as coisas que encontramos; mas tornar-se ativo, para o corpo, é tornar-se pouco a pouco capaz de não mais viver segundo um número reduzido de normas afetivas, que polarizam o corpo em alegrias ou tristezas obsessivas. Um corpo ativo é um corpo cuja sensibilidade afetiva é forte, flexível, lábil. Com efeito, ser afetado não significa, em si, padecer. Muito pelo contrário, quanto mais a aptidão do corpo a ser afetado é reduzida, mais o corpo vive num meio restrito, insensível a um grande número de coisas, às múltiplas distinções delas: esse corpo não sabe responder, se não for de maneira unilateral, às solicitações de seu meio exterior, aos problemas que o mundo lhe põe. A atividade do corpo e da mente não se dá, portanto, contra o determinismo, ou seja, contra a determinação pelos corpos e mentes exteriores; pelo contrário, tornar-se cada vez mais apto a ser afetado não é padecer cada vez mais, mas ser cada vez mais capaz de formar imagens, e ideias dessas imagens, de tal sorte que fiquemos aptos a ser causa adequada dos encadeamentos de afecções corporais e das ideias que formamos. É na conveniência com os corpos e mentes exteriores que se dá o tornar-se ativo; isto equivale, portanto, a uma abertura da sensibilidade humana, a um aumento de sua aptidão a ser afetado e afetar. Aumento da sensibilidade afetiva do corpo e aumento da potência de pensar da mente, portanto, vão de par: o que uma mente pode conhecer é correlato ao que um corpo pode experimentar. Para aprofundar essa ideia, ser-nos-á preciso doravante passar a nosso segundo ponto, consagrado ao conhecimento envolvido na afetividade, e distinguir, melhor do que o fizemos, entre, por um lado, as afecções corporais e mentais (as imagens e as ideias), e, por outro, os afetos (tanto corporais quanto mentais) que elas são suscetíveis de engendrar. 2. O conhecimento na afetividade A presença de afetos parece implicar a presença de um conhecimento, mesmo que parcial, de alguma coisa, ao passo que a presença da 24

O mais potente dos afetos p017-058 8/28/09 2:05 PM Page 25 O conhecimento como o mais potente dos afetos ideia de uma coisa não parece implicar necessariamente a presença de um afeto. Tal implicação, simples e não recíproca, é tirada do terceiro axioma da Parte II da Ética: Os modos de pensar tais como o amor, o desejo, ou qualquer outro que se designa pelo nome de afeto do ânimo, não podem existir se não existir, no mesmo indivíduo, a ideia da coisa amada, desejada, etc. Uma ideia, em troca, pode existir ainda que não exista outro modo de pensar. Poderíamos, então, pensar em uma coisa sem amá-la ou desejá-la; não poderíamos, porém, amar ou desejar sem pensar em uma coisa. Que seja. Mas e quanto aos afetos, ditos primários por Spinoza, que são a alegria e a tristeza? São necessariamente, como o desejo, o amor ou o ódio, vinculados à ideia de uma coisa? O que nos dão a conhecer tais afetos, se é possível experimentar alegrias puras ou tristezas puras, que não sejam referidas a nenhuma coisa exterior? A definição do afeto, dada no início da terceira parte da Ética, mostra que este é indissoluvelmente afecção corporal (se considerado no atributo extensão) e ideia dessa afecção (se considerado no atributo pensamento) 16. Mesmo uma simples alegria, que se caracteriza como a passagem de uma menor a uma maior perfeição, é afecção corporal e ideia dessa afecção. Ela é no corpo uma afecção que aumenta ou estimula sua potência de agir, e na mente uma ideia que aumenta ou estimula sua potência de pensar. Mas qual é o objeto dessa ideia ou desse modo do pensar? Tal ideia, que favorece a potência mental, é ela própria um conhecimento de alguma coisa? A experiência parece nos mostrar que é possível nos sentirmos alegres, ou tristes, sem saber por que (quer esse saber seja racional, isto é, provenha de uma ideia adequada, quer seja, como é mais frequente, puramente imaginativo, isto é, inadequado). Noutras palavras, é possível estar alegre, sentir-se bem, sem estar amoroso, isto é, sem que essa ale- 16. Ética, Parte III, definição 3: Por afeto compreendo as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada, e, ao mesmo tempo, as ideias dessas afecções. 25

O mais potente dos afetos p017-058 8/28/09 2:05 PM Page 26 O mais potente dos afetos gria seja acompanhada da ideia de uma causa exterior. Como explicá- -lo, em termos spinozistas? Spinoza define, assim, a imaginação: Chamaremos de imagens de coisas as afecções do corpo humano, cujas ideias representam os corpos exteriores como nos estando presentes, embora elas não reproduzam as figuras das coisas. E quando a mente contempla os corpos sob essa relação, diremos que ela os imagina. 17 Pode-se entender, por essa definição, que só as afecções corporais cujas ideias nos representem algum corpo exterior como presente são imagens. Noutras palavras, nem todas as afecções corporais são representativas, ou antes: nem todas são imagens, e, portanto, não são mentalmente correlatas a ideias representativas, pelas quais a mente imagina as coisas. Por conseguinte, seria possível experimentar o que chamamos de uma alegria pura, que não seria acompanhada de nenhum conhecimento de algum objeto exterior. Só uma afecção corporal que dá a imaginar alguma coisa estaria em condições de nos fazer experimentar amor (ou ódio). Com efeito, se uma tal afecção aumenta ou estimula a potência de agir de nosso corpo, produz um afeto, no caso uma alegria; e se, ao mesmo tempo, essa afecção é a imagem de uma coisa, representar-nos-emos essa coisa como nos estando presente, ao mesmo tempo que estaremos alegres. Mas será que se pode assimilar, assim, a ideia da coisa que imaginamos estando alegres à ideia da causa exterior que atribuímos a nossa alegria? Vários casos podem aqui se apresentar: suponhamos que experimentássemos uma alegria e contemplássemos ao mesmo tempo nosso corpo, ou uma de suas partes, como sendo isso a que é referida essa alegria: por exemplo, estamos aliviados por não ter mais dor de dente. Nesse caso, uma ideia que nos representa uma parte de nosso corpo (aqui, o dente) 17. Ética, Parte II, proposição 17, escólio. 26

O mais potente dos afetos p017-058 8/28/09 2:05 PM Page 27 O conhecimento como o mais potente dos afetos acompanha sim nossa alegria, mas essa ideia não é propriamente falando a ideia da causa pela qual experimentamos essa alegria; ela é a ideia da parte de nosso corpo à qual referimos nossa alegria. Somos alegres por nós mesmos (talvez mesmo por nosso dente), mas não amamos a nós mesmos (não experimentamos amor por nosso dente); suponhamos agora que ao mesmo tempo que estamos alegres por nosso dente não nos fazer mais sofrer, contemplamos um medicamento como a causa exterior de nosso alívio. Ao mesmo tempo que nos regozijamos, e que representamos eventualmente nosso dente como aliviado, nossa alegria é acompanhada da ideia de uma causa exterior: experimentamos uma forma de amor por esse medicamento que imaginamos ser a causa de nosso alívio 18. Há, portanto, três tipos de ideias a eventualmente distinguir: primeiro, há a ideia que constitui mentalmente a forma do afeto de alegria ou de tristeza; essa ideia é aquela que, na mente, corresponde à passagem a uma potência superior ou inferior do corpo; em seguida, há a ideia representativa do corpo próprio (ou de uma de suas partes) à qual referimos eventualmente o afeto de alegria ou de tristeza experimentado. Imaginamos então nosso corpo (mediante a ideia representativa) ao mesmo tempo que o sentimos (mediante a ideia da alegria corporal); enfim, há a ideia de um corpo exterior que representamos como sendo a causa do afeto de alegria ou de tristeza que experimentamos; imagina-se então uma causa exterior ao afeto alegre ou triste que sentimos, e experimentamos amor ou ódio relativamente a essa causa. 18. O que não significa, muito evidentemente, que esse corpo exterior que nomeamos medicamento seja a causa real da alegria que experimentamos; pode sempre haver, com efeito, uma diferença entre a causa e o objeto de nosso amor; o que explica, aliás, que no amor frequentemente nos desprezemos e que nossos amores possam tornar-se excessivos e infelizes. 27

O mais potente dos afetos p017-058 8/28/09 2:05 PM Page 28 O mais potente dos afetos Quando há amor ou ódio, há, por conseguinte, ligação de duas ideias ao menos diferentes: uma ideia, ao que parece, não cognitiva (um modo do pensar que seria alegria ou tristeza mental) e uma ideia cognitiva (um modo do pensar que seria representação de uma causa exterior). Assim, o amor, que é uma alegria acompanhada da ideia de uma causa exterior, seria constituído mentalmente de duas ideias: por um lado, uma ideia que é alegria mental, na medida em que é ideia de uma afecção que aumenta a potência de agir do corpo, e por outro uma ideia que é imaginação de uma causa exterior, na medida em que é ideia de uma afecção corporal pela qual representamos um corpo exterior como presente. É tanto mais fácil distinguir a ideia que mentalmente é alegria e a ideia da causa exterior que associamos a essa alegria, quanto mais a afecção que aumenta a potência de agir de nosso corpo é ao mesmo tempo uma imagem desse corpo à qual referimos nossa alegria. Se referirmos essa alegria a nosso corpo, ela se distinguirá mentalmente da representação (no mais das vezes imaginativa) de sua causa. Mas é igualmente possível e é, parece-nos, o caso mais frequente no amor que nossa alegria não se distinga para nós verdadeiramente da ideia da causa exterior que lhe atribuímos. Amar um prato ou uma pessoa é experimentar uma alegria ao pensar nesse prato ou nessa pessoa: nossa boca saliva, nosso coração bate (de alegria) ao mesmo tempo que formamos a ideia de uma causa exterior (com relação à qual, a partir daí, experimentamos amor). Precisamos distinguir aqui, entretanto, duas dimensões dessa ideia alegre que tem por objeto uma causa exterior. A definição geral dos afetos, que fecha a Parte III da Ética, de fato afirma: O afeto, que se diz paixão da alma [animi pathema], é uma ideia confusa, pela qual a mente afirma uma força de existir, maior ou menor do que antes, de seu corpo ou de uma parte dele [ ] E a explicação precisa: 28

O mais potente dos afetos p017-058 8/28/09 2:05 PM Page 29 O conhecimento como o mais potente dos afetos Com efeito, todas as ideias que temos dos corpos indicam antes a constituição atual de nosso corpo (pelo corolário 2 da proposição 16 da Parte II) que a natureza dos corpos exteriores. Ora, a ideia que constitui a forma do afeto deve indicar ou exprimir a constituição do corpo ou de uma de suas partes, constituição que o próprio corpo ou alguma de suas partes tem porque sua potência de agir ou sua força de existir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada. Quando uma ideia é representativa de um corpo exterior, ela é ao mesmo tempo indicativa da constituição do corpo próprio: tal é a dupla dimensão representativa e indicativa da ideia de uma coisa amada, odiada ou desejada. Noutras palavras, se imaginamos um corpo exterior no momento em que estamos alegres, não temos somente conhecimento da existência de um objeto exterior (representado como estando em nossa presença); temos conhecimento igualmente de uma variação de potência de nosso próprio corpo: a ideia que constitui a forma do afeto, aqui de alegria, deve indicar ou exprimir a constituição do corpo, aqui uma constituição alegre, ou seja, um aumento da força de existir de nosso corpo. Por conseguinte, se se considera apenas a forma do afeto de alegria ou de tristeza, esta é, do ponto de vista mental, uma ideia indicativa do estado do corpo; todo afeto envolve, pois, ao menos um conhecimento indicativo do corpo próprio e eventualmente um conhecimento representativo de um corpo exterior. Como afirma o axioma 3 da Parte II, que citamos, nos afetos de amor ou de desejo há necessariamente a ideia ou o conhecimento representativo de um corpo exterior, amado ou desejado. Pode-se doravante acrescentar: nos afetos de alegria ou de tristeza, se não há necessariamente conhecimento representativo de um corpo exterior (pois nossas alegrias e nossas tristezas não são sempre amores e ódios), há, como em todo afeto, ao menos um conhecimento indicativo da disposição em que se encontra nosso próprio corpo esse corpo que, como afirma o corolário de Ética, Parte II, proposição 13, existe tal como o sentimos. Esse conhecimento indicativo, que exprime algo do corpo, que é o signo de que se passa algo nele ou numa de suas partes, pode não ser 29

O mais potente dos afetos p017-058 8/28/09 2:05 PM Page 30 O mais potente dos afetos representativo em si mesmo de uma coisa. É possível vimos estar alegre ou triste, se sentir bem ou mal, não pensando nem em seu próprio corpo (como sendo isso a que é referido esse sentimento), nem em um corpo exterior (como sendo isso que é a causa desse sentimento). Entretanto, a crer no fim da definição geral dos afetos, que não mencionáramos, tal alegria ou tal tristeza, que em si mesma não é necessariamente representativa do corpo próprio ou de um corpo exterior, não obstante nos determina a pensar em alguma coisa 19. Ora, essa determinação, precisa Spinoza na explicação da definição, esclarece a natureza do desejo: quando estamos alegres ou tristes (e eventualmente quando amamos ou odiamos), somos determinados a pensar em uma coisa e, portanto, a desejá-la. Por quê? Sem dúvida isso se deve à própria essência de nossa mente, que se esforça por conservar-se: afetados por um afeto de alegria ou de tristeza, desejamos conhecer os meios para conservar essa alegria ou destruir essa tristeza (desejamos simplesmente conhecer a sua causa, se a ignoramos, ou desejamos conhecer os meios de reproduzir ou impedir sua ação, se a conhecemos). Pode ocorrer, entretanto, em certas situações, que não cheguemos a pensar em alguma coisa: é justamente o caso nessa figura de passividade que já encontramos, a saber, a admiração, que não é em si mesma um afeto, mas que equivale à ausência de conexão de um conhecimento imaginativo com outros conhecimentos Por exemplo, no afeto de consternação, como tristeza paralisada pela admiração: A admiração de um mal mantém o homem de tal maneira suspenso na só contemplação desse mal que não é capaz de pensar em outras coisas, pelas quais poderia evitar esse mal. A admiração corresponde aqui a uma suspensão do desejo, ou antes: à impossibilidade de satisfazê-lo. Entristecida pelo conhecimento representativo de uma coisa má, minha mente é determinada a pensar nos 19. Ética, Parte III, definição geral dos afetos: O afeto, que se diz paixão do ânimo, é uma ideia confusa [ ] cuja presença determina a própria mente a pensar nisto mais que naquilo. 30