Patologias Não Estruturais do Palácio Nacional de Sintra - Anomalias em Caixilharias de Madeira

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Patologias Não Estruturais do Palácio Nacional de Sintra - Anomalias em Caixilharias de Madeira Non-Structural Anomalies of the National Palace of Sintra - Anomalies in Wood Moulding Vitor SOUSA Licenciado em Construção, IST, Lisboa, Portugal, vfsousa@hotmail.com Telmo DIAS PEREIRA Doutor em Engenharia Civil, Professor Auxiliar, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal, telmo@dec.uc.pt Jorge de BRITO Doutor em Engenharia Civil, Professor Associado, Instituto Superior Técnico, Lisboa, Portugal, jb@civil.ist.utl.pt SUMÁRIO: Nesta comunicação, são apresentadas as diversas anomalias que podem ocorrer nas caixilharias de madeira. A identificação das patologias associadas a estes elementos é conseguida através de uma inspecção visual. A sua descrição é apresentada sobre a forma de níveis de degradação, sendo estes relacionados com as técnicas de reparação correntemente utilizadas e os respectivos custos. Apresenta-se ainda um esquema resumido com a localização geral das principais anomalias verificadas no Palácio Nacional de Sintra. PALAVRAS-CHAVE: património, anomalias, caixilharias. ABSTRACT: In this paper, the anomalies that can occur in wood moulding are presented. The identification of the anomalies associated to these elements is obtained through a visual inspection. Its description is presented in the shape of degradation levels, related with the repair techniques currently used and their costs. A synoptic diagram with the general location of the main anomalies detected in the National Palace of Sintra is still presented. KEYWORDS: patrimony, anomalies, moulding. INTRODUÇÃO A preservação do património arquitectónico, independentemente do seu valor histórico intrínseco, é inerente à necessidade de salvaguardar a herança cultural, parte integrante da história colectiva de um povo. No caso de edifícios de elevado valor histórico, dos quais o Palácio Nacional de Sintra é um dos exemplos mais relevantes no nosso país, as medidas de preservação são condicionadas e agravadas pelo uso intenso do espaço, decorrente das actividades culturais desenvolvidas, e pela necessidade de manter intacta a traça original, respeitando a complexidade decorrente das transformações sofridas ao longo dos séculos. Consequentemente, o esforço despendido na manutenção e reabilitação deste tipo de edifícios não é desprezável e os recursos disponíveis são limitados, justificando-se um acompanhamento constante do seu

estado e das acções desenvolvidas, permitindo, por um lado, gerir de uma forma mais racional os recursos disponíveis em função da prioridade da intervenção e, por outro, testar e comparar novas técnicas e/ou materiais através do conhecimento da sua eficiência e do respectivo custo global. A elaboração da presente comunicação resultou de levantamentos efectuados e do acompanhamento dos trabalhos de manutenção e reabilitação de caixilharias a decorrer no Palácio Nacional de Sintra desde Agosto de 2002. CAIXILHARIAS DE MADEIRA Considerações Introdutórias A madeira, tratando-se de um material orgânico putrescível, está fortemente sujeita a deterioração que conduz à desintegração estrutural e consequente destruição. O fogo é, sem dúvida, a maior força destrutiva. No entanto, existem outras causas de destruição da madeira, eventualmente mais constantes e generalizadas, como a degradação térmica, a hidrólise, a oxidação devida a radiação ultravioleta, os fungos (nomeadamente da podridão) e o ataque de insectos xilófagos. As variações dimensionais causadas pelos ciclos de molhagem e secagem podem ser responsáveis por níveis consideráveis de deterioração. A degradação total da madeira resulta da acção isolada e combinada destes processos. No entanto, existem diversos níveis intermédios de degradação em que é possível intervir de forma a preservar os elementos [4]. Causas de degradação Humidade A humidade de precipitação é claramente a maior causa de degradação das caixilharias de madeira, nomeadamente as exteriores, sendo ainda responsável por propiciar as condições necessárias para o desenvolvimento de fungos da podridão. No entanto, não são de excluir situações patológicas derivadas das humidades de construção e condensação e da própria higroscopicidade da madeira, principalmente em vãos interiores [2][3]. A penetração da humidade de precipitação na madeira processa-se, preferencialmente, através de áreas danificadas ou sem protecção - esquemas de pintura ou velatura inadequados ou deteriorados - ou devido à higroscopicidade do próprio material. No entanto, é frequente a penetração de humidade através de superfícies sem protecção em contacto com alvenaria ou cantaria [3]. A água da chuva provoca variações dimensionais, responsáveis por deficiências no funcionamento e na vedação, esmagamento de elementos, descoloração, erosão e desintegração [1]. Segundo AGUIAR et al (1993), as caixilharias em Portugal mais atingidas e afectadas pela humidade de precipitação são predominantemente orientadas para o quadrante S-W, que é o mais exposto à chuva batida pelo vento. No entanto, no caso particular do Palácio de Sintra, constata-se que os vãos mais afectados se encontram orientadas para o quadrante N-W. Podridão da madeira A humidificação da madeira permite o desenvolvimento de uma grande variedade de infecções. Se muitos delas produzem alterações meramente estéticas, não afectando a resistência e integridade da madeira, como sejam os bolores e algumas bactérias, os fungos

da podridão atacam até as madeiras mais resistentes provocando o seu colapso. Os bolores ( moulds na literatura anglo-saxónica) desenvolvem-se à superfície da madeira, mesmo no caso de estar pintada, e afectam o seu aspecto causando manchas verdes, cinzentas ou pretas. As anomalias decorrentes da produção dos esporos, e a descoloração associada, encontram-se geralmente confinadas à superfície da madeira, sendo facilmente solucionadas. No entanto, alguns bolores estão na origem de problemas respiratórios de pessoas mais sensíveis. Os fungos cromogéneos (ex: Cerastomella) ( staining fungi na literatura anglo-saxónica) provocam apenas manchas na madeira, podendo ser divididos em dois tipos, os que se manifestam frequentemente em madeiras verdes com níveis de humidade elevada e os que se desenvolvem debaixo das protecções da madeira (esquemas de pintura, velaturas ou vernizes) devido a acumulações de humidade. Neste tipo de anomalia, frequentemente denominada azulado, a resistência estrutural da madeira não é geralmente afectada. Porém, ao atacar as células, este tipo de fungos associado a bactérias que se desenvolvem em condições semelhantes, pode tornar a superfície da madeira mais porosa, permitindo uma absorção de água mais rápida, o que favorece o desenvolvimento de outro tipo de fungos. Relacionado de perto com os bolores e os fungos causadores de manchas, encontra-se um tipo de fungos ( soft-rot fungi na literatura anglo-saxónica) com a capacidade de quebrar a linhina, tornando a madeira macia. Tipicamente, estes fungos desenvolvem-se em madeiras permanentemente molhadas, sendo um processo relativamente lento a partir da superfície para o interior. Visualmente a madeira permanece intacta, manifestando apenas pequenas fendas ao longo e através dos veios da madeira quando seca. Este tipo de fungos é muito frequente em elementos localizados em ambientes marítimos, como barcos e pontões, ou em contacto com o solo. Verificando-se um estado de humidificação intermédio e a presença de oxigénio, estão reunidas as condições para o desenvolvimento de fungos da podridão responsáveis pelas degradações mais sérias da madeira. Este tipo de fungos é conhecido na literatura anglosaxónica por basidiomycetes, sendo divididos em função da maneira como degradam a madeira: a podridão branca, que resulta de fungos que se alimentam da linhina e da celulose tornando a madeira branca e esponjosa ( white rot ); este tipo de fungos é mais frequente em madeiras duras, como o carvalho, e a perda de capacidade resistente é comparativamente mais lenta; a podridão castanha, que resulta de fungos que se alimentam apenas da celulose, permanecendo intactos os vestígios da linhina, o que torna a madeira castanha quebradiça ( brown rot ); este tipo de fungos tende a afectar as madeiras macias, como o pinho. Os fungos também podem ser classificados de acordo com o nível de humidade necessária para o seu desenvolvimento ( wet rot e dry rot ). Sem entrar muito nesta área, convém destacar os fungos com capacidade para se desenvolverem em madeiras com baixos teores em humidade como o Merulius (serpula) lacrymans ( dry rot ), visto que, após se instalarem, conseguem produzir água através da digestão da madeira, mantendo assim um ambiente relativamente húmido em locais pouco ventilados. Além disso, este tipo de fungos consegue desenvolver filamentos condutores de água e nutrientes, permitindo-lhes espalhar-se através de superfícies inóspitas à procura de mais madeira [3][5][6].

Insectos xilófagos Os insectos xilófagos, ao abrirem as suas galerias ao longo da madeira são responsáveis por perdas de resistência significativas, principalmente nos elementos mais esbeltos compostos essencialmente por madeira do borne. Os insectos xilófagos mais comuns e que mais estragos causam em Portugal são os carunchos. As larvas do caruncho grande (Hylotrupes bajulus) destroem apenas o borne das madeiras resinosas, como o pinho, podendo este processo demorar várias dezenas de anos em função das condições de alimentação, temperatura e de humidade da madeira. O caruncho pequeno (Anobium punctatum e Nicobium castaneum) ataca o cerne e borne de resinosas e folhosas, com maior incidência nestas últimas. Por vezes aparece em zonas em que já se verifica início de decomposição por fungos. A formiga branca (Recticulitermes lucifugus) é uma térmita subterrânea que ataca madeiras húmidas, geralmente as que contactam com massames, alvenarias de fundações ou paredes de pisos térreos. Desenvolve-se facilmente em todas as madeiras que apresentem um teor de humidade favorável ao desenvolvimento de fungos, embora se encontrem diversas vezes em madeiras não muito húmidas [3][5][6][8][9]. Degradação térmica A degradação térmica é evidenciada pela perda de resistência, peso e estabilidade dimensional. No caso de madeiras com protecções impermeáveis, é frequente a acumulação de humidade à superfície da madeira (por baixo da protecção, como esquemas de pintura) devido à evaporação e condensação da humidade da madeira sob a acção das flutuações térmicas atmosféricas e, principalmente, devido à diferença de temperatura entre o interior e o exterior. Este fenómeno poderá elevar localmente a humidade da madeira a níveis compatíveis com o desenvolvimento de fungos [3]. Radiação ultravioleta A radiação ultravioleta, para além de ser responsável por descolorações da madeira, degrada as protecções, esquemas de pintura e velaturas, e as massas das caixilharias através da perda de plasticidade, tornando-as quebradiças. A exposição da madeira à acção da radiação ultravioleta, em combinação com água, resulta na destruição da linhina, que é posteriormente lavada pela água da chuva. Geralmente, a madeira torna-se castanha em ambientes secos, ou cinzenta em ambientes húmidos, dependendo da espécie [4][5]. PALÁCIO NACIONAL DE SINTRA Considerações iniciais A manutenção e reabilitação das caixilharias do Palácio Nacional de Sintra assume uma importância relevante devido, fundamentalmente, ao seu elevado número associado às funções que desempenham. Além disso, constituem uma parcela relevante na imagem global transmitida. As caixilharias do Palácio Nacional de Sintra são de madeira de pinho, que se caracteriza por uma percentagem de cerne pouco elevada e por ser facilmente atacada por fungos e insectos. No entanto, o borne pode ser facilmente preservado através de imersão, pulverização ou pincelagem, sendo ainda fácil a sua secagem e moldagem [7]. No entanto, tratando-se de caixilharias de madeira protegidas apenas por esquemas de

pintura tradicionais com base em tintas de óleo, a sua durabilidade face aos agentes agressivos (agentes atmosféricos e biológicos) é substancialmente inferior quando comparada com alguns dos novos materiais e tecnologias. Este tipo de protecção exige a manutenção das caixilharias em média de 2 em 2 anos, com especial relevância para os vãos exteriores. Este intervalo não deverá exceder os 5 anos sob pena de ocorrerem degradações da madeira. Tendo em conta que o número de vãos do Palácio Nacional de Sintra ascende a 480, o esforço despendido na sua manutenção é bastante significativo, pelo que é conveniente conhecer os níveis de degradação possíveis, as técnicas de reparação e os respectivos custos associados. Além disso, dada a localização geográfica (proximidade do mar e da serra - Fig. 1), Sintra possui um clima particularmente agressivo devido às elevadas percentagens de humidade do ar (Lisboa 70 a 75%, Sintra 80 a 85%) e pela elevada precipitação anual (Lisboa 500 a 700 mm, Sintra 1000 a 1200 mm). Fig. 1 - Vista do Palácio Nacional de Sintra e da Serra de Sintra Levantamento e classificação das anomalias O levantamento efectuado no âmbito dos trabalhos de manutenção e reabilitação das caixilharias actualmente a decorrer no Palácio Nacional de Sintra incidiu, fundamentalmente, sobres os vãos exteriores localizados no percurso turístico, na zona dedicada a cerimónias protocolares, recepções e eventos culturais (Zona VIP - Sala Manuelina e anexos) e nos serviços administrativos do Palácio, envolvendo um total de 116 vãos distribuídos da forma que se apresenta no Quadro 1. Quadro 1 - Organização dos vãos por local e exposição LOCAL Nº INTERIORES EXTERIORES Circuito Turístico 63 12.70% 87.30% Serviços Administrativos 5 0.00% 100.00% Zona VIP (sala Manuelina e anexos) 23 26.09% 73.91% Outros 25 0.00% 100.00% Total 116 - - O estudo e análise do levantamento efectuado, complementado pelo acompanhamento dos trabalhos e inspecções visuais realizadas em vãos não incluídos na actual fase de

intervenção, mas que poderão vir a ser intervencionados num futuro próximo de forma a complementar o trabalho iniciado, permitiu classificar a degradação dos vãos em cinco níveis, intimamente relacionados com as intervenções a realizar: - grau 0 (Fig. 2): a caixilharia encontra-se em bom estado de conservação, realizandose simples trabalhos de manutenção e/ou limpeza; Fig. 2 - Aspecto geral de vãos do grau 0 - grau 1 (Fig. 3): a caixilharia apresenta-se em bom estado de conservação, havendo contudo necessidade de limpar e preparar a superfície para voltar a pintar; Fig. 3 - Aspecto geral de vãos do grau 1 - grau 2 (Fig. 4): o estado de conservação da caixilharia é razoável, no entanto o esquema de pintura já se encontra bastante degradado, sendo necessário proceder à raspagem da tinta degradada e aplicação de nova pintura; frequentemente, é necessário proceder a emassamentos pontuais de algumas juntas, nomeadamente nas travessas e almofadas inferiores; Fig. 4 - Aspecto geral de vãos do grau 2

- grau 3 (Fig. 5): idêntico ao anterior; no entanto, a superfície da madeira apresenta-se irregular, exigindo um emassamento generalizado do vão antes de se proceder à pintura final; Fig. 5 - Aspecto geral de vãos do grau 3 - grau 4: (Fig. 6) o estado de conservação da caixilharia é mau, apresentando elementos degradados, geralmente as travessas e almofadas inferiores; assim, tornase necessário proceder à substituição dos elementos degradados, antes de se proceder à raspagem, emassamento e pintura; em casos extremos, torna-se economicamente viável refazer o vão perante a extensão da degradação. Fig. 6 - Aspecto geral de vãos do grau 4 Verifica-se ainda a existência de anomalias que não podem ser enquadradas de uma forma clara num nível e, embora apresentem uma tendência para ocorrerem com uma frequência crescente do grau 1 para o grau 4, podem manifestar-se de uma forma isolada. Englobam-se nesta categoria os vidros partidos, os defeitos e estragos nas ferragens, empenos e desajustamentos face a determinadas exigências (estanqueidade, isolamento térmico e segurança contra acções acidentais e intrusão). Nos vãos exteriores, devido à face exterior ser submetida a acções (fundamentalmente climatéricas) de intensidade consideravelmente superior à face interior, é frequente verificarem-se graus de degradação diferentes nas duas faces. Deste modo, verifica-se que, geralmente, o grau de degradação das faces exteriores é substancialmente superior ao das faces interiores. No entanto, quando o nível de degradação do vão atinge o grau 4, esta diferença já não se manifesta, uma vez que, embora na face interior a manifestação das anomalias possa ser menos evidente, a madeira já se encontra estruturalmente afectada. Com base neste fenómeno, foi possível identificar três combinações de graus de degradação interior / exterior: grau 1 / grau 2, grau 1 / grau 3 e grau 2 / grau 3. Além das combinações identificadas, verificou-se a ocorrência de situações em que, interiormente, o vão se

encontrava em perfeito estado de conservação, não carecendo de qualquer intervenção. No Quadro 2, é apresentado o grau de degradação dos vãos, dividindo-os em interiores e exteriores. Quadro 2 - Grau de degradação dos vãos GRAU INTERIORES EXTERIORES 0 1 4 1 14 3 2 0 4 3 0 7 4 0 13 -/1-5 -/2-5 -/3-2 1/2-6 1/3-30 2/3-22 Considerações finais As caixilharias são um elemento decorativo de extrema importância, contribuindo significativamente para definir a imagem de um edifício. Tratando-se o Palácio Nacional de Sintra de um monumento integrado numa paisagem idílica classificada como património mundial pela UNESCO, esta questão coloca-se com maior relevância. Deste modo, as intervenções devem ser efectuadas de forma a preservar as suas características decorativas e funcionais, procurando sempre melhorar o desempenho das caixilharias, nomeadamente ao nível do isolamento térmico e da estanqueidade à água [1]. A manutenção e/ou reabilitação das caixilharias de madeira deve ser efectuada com a madeira perfeitamente seca e, principalmente na fase da pintura, a temperatura ambiente deverá situar-se entre os 7ºC e os 35ºC e a humidade relativa do ar ser inferior a 60%. Os procedimentos a seguir podem ser resumidos do seguinte modo [11]: - remoção da tinta velha e massas soltas; - identificação de elementos de madeira excessivamente degradados ou em falta que não tenham sido identificados numa primeira análise; - substituição dos elementos degradados ou em falta e reparação de peças com folga ou soltas; - regularização e limpeza da superfície da madeira com lixa; - imunização com produto preservador; - aplicação de um primário; - execução de nova lixagem; - aplicação de massa de óleo (massa rija); - aplicação de betume (massa de barrar); - execução de nova lixagem; - aplicação de uma demão de tinta; - execução de nova lixagem;

- reparação com betume (massa de barrar); - nova lixagem e execução de retoques com tinta; - demão final com tinta de óleo; - reposição dos vidros na caixilharia, substituindo os que se encontrem danificados; - aplicação das massas de vidraceiro. No caso específico do Palácio Nacional de Sintra, as tintas e as massas são produzidas em obra de uma forma tradicional de modo a garantir uma maior genuinidade, tendo por base óleo de linhaça, aguarrás e secante. No Quadro 3, são apresentados valores indicativos para a reabilitação de acordo com o grau de degradação verificado. As discrepâncias entre os valores apresentados para os vãos interiores e exteriores justificam-se, em parte, pelo facto de os valores de base de alguns vãos englobarem trabalhos como a reparação de fechaduras, a substituição de vidros ou a afinação dos mesmos. A acessibilidade do vão tem também um papel preponderante na elaboração do seu custo de reabilitação. Quadro 3 - Valores indicativos para a reabilitação dos vãos GRAU INTERIORES EXTERIORES [ /m 2 ] [ /m 2 ] 0 21.00 41.35 1 58.05 46.55 2-95.85 3-117.30 4-125.00 -/1-35.25 -/2-34.50 -/3-52.20 1/2-65.15 1/3-76.15 2/3-77.80 BIBLIOGRAFIA [1] The Secretary of the Interior s Standard s for Rehabilitation and Guidelines for Rehabilitating Historic Buildings (Revised 1983), U.S. Department of the Interior, National Park Service, Preservation Assistance Division Washington, D.C. [2] AGUIAR, José; CABRITA, A.; APPLETON, João - Guião de Apoio à Reabilitação de Edifícios Habitacionais - Volumes 1 e 2, LNEC-DGOT, Lisboa, 1997. [3] RICHARDSON, Barry A. - Remedial Treatment of Buildings, Van Nostrand Reinhold Company Inc., New York. [4] STAHL, Frederick A. - A Guide to the Maintenance, Repair and Alteration of Historic Buildings, The Construction Press Ltd, Lunesdale House, Hornby, Lancaster, England. [5] Morris, P. I. - Understanding Biodeterioration of Wood in Structures, Forintek Canada Corp. [6] NP-180 - Anomalias e Defeitos da Madeira, Portaria nº 19 552 de 6/12/1962 [7] DOCUMENTAÇÃO DE MATERIAIS E ELEMENTOS DE CONSTRUÇÃO - Ficha de Características - Pinho Bravo, LNEC-DGOT, Lisboa.

[8] MATEUS, Tomás J. E. - Condições de Aplicação de Madeiras em Edifício Tendo em Vista Minimizar os Riscos de Ataque por Agentes Biológicos (Insectos e Fungos Xilófagos), Curso de Promoção Profissional nº 507 Conservação de Madeiras em Edifícios, LNEC-DGOT, Lisboa, 1975. [9] DOCUMENTAÇÃO DE MATERIAIS E ELEMENTOS DE CONSTRUÇÃO - Informação sobre Deterioração de Materiais, Fichas nº 1, 2, 3 e 4, LNEC-DGOT, Lisboa, Agosto de 1967. [10] NP-2080 - Preservação de Madeiras, Decreto Regulamentar III, Série nº 194 de 24/08/1985 [11] PEREIRA, Telmo Dias - Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos do Projecto de Intervenção nas Caixilharias do Palácio Nacional de Sintra, Coimbra, 2002