Análise do preço da saca de 60 kg do café arábica utilizando séries temporais. Tales Jesus Fernandes 12 Adriele Aparecida Pereira 2 Joel Augusto Muniz 2 Thelma Sáfadi 2 1 Introdução O solo e as condições climáticas de quase todo o Brasil são favoráveis ao desenvolvimento da plantação de café. Por este motivo a cultura se espalhou pelo território brasileiro chegando a ser o carro-chefe da economia durante muito tempo, pois tendo a grande parte da oferta mundial, o Brasil conseguia controlar facilmente o preço do café no mercado internacional, obtendo altos lucros (ABIC, 2011). Mas nas últimas décadas a situação não é mais a mesma, pois além do Brasil não ter mais o monopólio da oferta de café mundial o mercado tem apresentado nos últimos anos grandes variações de preços, chegando a atingir situações críticas no início deste século. A formação de preços da saca de café é feita com base em alguns critérios sendo que a oferta e demanda mundiais são fortes indicativos para explicar a determinação do preço pago ao produtor brasileiro (MESQUITA et al., 2000). Portanto um dos principais motivos que levaram a esta situação de preços críticos foi o desequilíbrio entre a oferta e a demanda. Este desequilíbrio foi fruto da euforia vivida devido às altas cotações do início da década de 90, inclusive com o surgimento de novos países produtores tais como Vietnã. Mas o consumo mundial de café não acompanhou esse ritmo. Com isso, no início do século XXI os preços internacionais do café entraram em colapso, registrando, a partir de então, uma queda sem precedentes nas receitas dos cafeicultores da África, Ásia e América Latina (EMBRAPA, 2005). As cotações iniciaram uma prolongada queda, que culminou em 2001 quando o preço do café arábico desvalorizou-se e ficou abaixo dos 50 cents a libra e o do robusta, a menos de 400 dólares a tonelada (SAES e NAKAZONE, 2004). Desde então, houve uma redução do parque cafeeiro e os preços começaram a se recuperar a partir do ano de 2005, porém ainda com muitas oscilações de quedas e altas em função das safras. A diminuição da oferta e o aumento natural do consumo mundial de café ocasionaram estoques internacionais baixos 1 contato: talesufla7@yahoo.com.br 2 DEX UFLA, Agradecimento ao CNPq e a FAPEMIG pelo apoio financeiro. 1
contribuindo assim para um aumento do preço da saca no final de 2010 e durante o ano de 2011. Os métodos de análise de séries temporais são importantes ferramentas no estudo de séries econômicas e financeiras. Uma boa previsão favorece a tomada de decisão quanto ao volume do estoque para consumo nos períodos subsequentes e um melhor controle dos preços. O objetivo deste trabalho foi ajustar um modelo de previsão para a série de preços da saca de 60 kg do café arábica pagos ao produtor brasileiro, utilizando a metodologia de séries temporais. 2 Material e Métodos Os dados foram obtidos na base de dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada CEPEA-ESALQ/USP disponível na internet, e correspondem à médias mensais dos preços da saca de 60 kg do café arábica tipo 6 bebida dura comercializados no Brasil. O período analisado é de janeiro de 1997 a outubro de 2011, sendo portanto composto de 178 dados. Por fins didáticos neste artigo foi utilizada a nomenclatura Z t para a série, portanto Z t = Preço médio da saca de 60 kg do café arábica no mês t, em que 1 t 178. O primeiro passo na análise de uma série temporal é verificar se o modelo é aditivo ou multiplicativo e/ou apresenta variância não constante, essa verificação foi feita através do gráfico amplitude-média. Por uma simples inspeção gráfica podemos inferir se a série possui tendência, sazonalidade, observações atípicas, etc. Mas existem também testes estatísticos para verificar estas características da série. Foi utilizado o teste da raiz unitária e o teste de Fisher para verificar a presença de tendência e sazonalidade respectivamente, ambos testes estão descritos em Morettin e Toloi (2006). Após eliminadas a tendência e a sazonalidade a série torna-se um processo estacionário e a partir deste ponto pode-se pensar no ajuste de um modelo à série. Segundo Morettin e Toloi (2006), uma metodologia bastante utilizada na análise de modelos paramétricos é a abordagem de Box e Jenkins (1970). Esta metodologia consiste em ajustar modelos auto-regressivos integrado de médias móveis, ARIMA(p,d,q), ao conjunto de dados em que p é a ordem do polinômio auto-regressivo, d é o número de diferenças tomadas na série até que ela fique livre de tendência e q é a ordem do polinômio de médias móveis ajustado aos dados. Em presença de sazonalidade estocástica na série o modelo é o sazonal auto-regressivo integrado de médias móveis SARIMA(p,d,q)(P,D,Q) p, em que P, D e Q 2
possuem a mesma interpretação de p, d e q, porém em um aspecto sazonal. Quando a sazonalidade é de período 12 o modelo é da forma: Z t = 1 Θ 1 B 12 Θ Q B 12Q (1 θ 1 B θ q B q )a t 1 Φ 1 B 12 Φ P B 12P 1 φ 1 B φ p B p 1 B d 1 B12 D em que Φ, φ, Θ, e θ são os parâmetros do modelo sendo os dois primeiros da parte autoregressivada e os outros dois da parte de médias móveis, Z t são os valores da série e a t é um ruído branco. Os parâmetros representados por letras gregas maiúsculas Φ e Θ correspondem a parte sazonal do modelo. A construção do modelo é baseada em um ciclo interativo cujas fases são: especificação, identificação, estimação e verificação. Caso o modelo não seja adequado (os resíduos não constituem um ruído branco) o ciclo é repetido, voltando se a fase de identificação. Cabe resaltar que a identificação é a parte mais crítica do procedimento acima, podendo diferentes pesquisadores identificarem modelos diferentes para a mesma série temporal. Caso existam pontos atípicos na série, que são mudanças de nível ou inclinação da série em determinados instantes de tempo, estes podem ser considerados como possíveis pontos de intervenção. Em geral uma classe de modelos que leva em conta a ocorrência de múltiplas intervenções é dada por: k Z t = v j B X j,t + N t j =1 em que X j,t, j=1,...,k são variáveis de intervenção; v j B são funções racionais ajustadas aos pontos de intervenção que variam conforme o tipo de intervenção e N t é a série livre do efeito da intervenção à qual pode ser ajustado um modelo SARIMA (Morettin e Toloi, 2006). Os dados da série temporal foram submetidos ao ajuste do modelo levando em contas as possíveis intervenções. Uma vez ajustado o modelo a análise de resíduos foi feita pelo teste de Box-Pierce (Morettin e Toloi, 2006). O modelo foi então utilizado para fazer previsão dos preços para os meses de novembro e dezembro de 2011. A parte computacional de análise da série temporal neste trabalho foi feita no software livre GRETL e no software SATISTICA 6.0. 3
3 Resultados e Discussões Na Figura 1 tem-se o gráfico que descreve o comportamento da série temporal Figura 1(a), e o gráfico amplitude-média Figura 1(b) através do qual é possível perceber que não foi necessária a aplicação de nenhuma transformação para esta série. Figura 1: (a) Gráfico da série Z t, preços da saca de 60 kg do café arábica de jan/97 a out/11 e (b) gráfico amplitude média Percebe-se na Figura 1(a) que entre o ano 2000 e o final de 2002 acontece a maior queda de preços que foi a principal crise do setor cafeeiro das últimas décadas, mas estranhamente esta queda não caracterizou um ponto de intervenção. O teste da raiz unitária apresentou p-valor assintótico de 0,9115 portanto existe tendência sendo necessário tomar diferenças na série a fim de eliminar esta tendência. O teste de Fisher indicou presença de sazonalidade de período 12 na série. Após feitas as diferenças para eliminar tendência e sazonalidade a série tornou-se estacionária como pode ser observado na Figura 2(a). Observando a figura 2(a) é possível perceber que existem alguns pontos candidatos à intervenção. 4
Figura 2: (a) Gráfico da série depois de feitas as diferenças para eliminar tendência e sazonalidade (1 - B)(1 - B 12 )Z t e (b) função de auto-correlação e auto-correlação parcial da série livre de tendência e sazonalidade. Com base no correlograma da série (Figura 2-b) foi possível a identificação de alguns modelos. Foi eleito como melhor modelo aquele cujo resíduo é ruído branco e apresentou o menor valor do critério de Akaike. O modelo que apresentou melhores resultados foi SARIMA(0,1,1)(0,1,1) 12 com duas intervenções uma abrupta e permanente em fevereiro de 2006 e a outra gradual e permanente em novembro de 2010. As intervenções foram significativas pois causaram uma redução da variância residual que era de 308,32 no modelo sem intervenção e caiu para 287,42 quando foram colocadas as intervenções. A intervenção de fevereiro de 2006 foi ocasionada pela boa safra deste ano, já a intervenção de novembro de 2010 foi um aumento significativo nos preços da saca de café devido aos estoques internacionais terem diminuído. O teste de Box-Pierce para este modelo apresentou os seguintes resultados Q=21,82 e χ 2 22 = 33,92, indicando que o resíduo é um ruído branco. Na Tabela 1 estão os valores estimados e os respectivos erros-padrão para os parâmetros do modelo, sendo que ω 1 corresponde à primeira intervenção (fev/2006) e ω 2, 2 são os parâmetros da segunda intervenção (nov/2010). 5
Tabela 1: Estimativas e os respectivos erros-padrão para os parâmetros do modelo SARIMA(0,1,1)(0,1,1) 12 com intervenções em fevereiro de 2006 e novembro de 2010. parâmetros 1 1 ω 1 ω 2 2 estimativas 0,4550-0,70545-40,44 34,392 0,79307 erro padrão 0,08520 0,06209 14,112 14,628 0,10421 Portanto o modelo de intervenção pode ser escrito como: Z t = 1 + 0,7B 12 (1 0,45B)a t 1 B (1 B 12 ) 40,44X 1,t + 34,39 1 0,79B X 2,t em que: X 1,t = 1, se t 110 0, se t < 110 e X 2,t = 1, se t 167 0, se t < 167 Tabela 2: Valores reais e valores preditos pelo modelo SARIMA(0,1,1)(0,1,1) 12 com intervenções em fevereiro de 2006 e novembro de 2010. Mês Valor Real Previsão Novembro 493,83 499,34 Dezembro 491,35 508,69 Pela Tabela 2, pode-se notar que a diferença entre os valores reais e os valores previstos pelo modelo foram pequenas, confirmando a utilização de modelos de previsão de séries temporais para fazer previsão de preços. É possível perceber ainda que o modelo superestima os preços errando para uma quantidade superior ao valor real. Este fato pode ser explicado devido ao modelo não conseguir captar a intervenção de julho de 2011 quando houve uma queda dos preços (conforme pode ser observado nas Figuras 1-a e 2-a ), pois ela está a menos de 10 observações do fim da série analisada. 4 Conclusões Modelos de séries temporais são úteis para descrever o comportamento da série de preços da saca de 60 kg do café arábica. O modelo ajustado neste trabalho foi o SARIMA(0,1,1)(0,1,1) 12 com intervenções em fevereiro de 2006 e novembro de 2010, que correspondem, respectivamente, a uma queda de R$ 40,44 e um aumento de R$ 34,39 no preço médio da saca de café. 6
O modelo forneceu previsões próximas do valor real o que indica que este forneceu um bom ajuste, e pode ser utilizado para previsões futuras. 5 Referências Bibliográficas [1] ABIC, Associação Brasileira de Indústria do Café, disponível em: http://www.abic.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm, acessado em 02/12/11. [2] CEPEA, Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada Universidade de São Paulo, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz - ESALQ/USP, disponível em: http://www.cepea.esalq.usp.br/cafe/, acessado em 25/11/11. [3] EMBRAPA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, 2 Conferência Mundial do café, 2005, disponível em: http://www.embrapa.br/imprensa/noticias/2005/folder.2005-06- 30.8880213159/foldernoticia.2005-07-18.2176805077/noticia.2005-07- 18.7047823833/?searchterm=2%C2%B0%20Confer%C3%AAncia%20mundial%20do%20ca f%c3%a9, Acessado em 02/12/11. [4] GRETL (Gnu Regression, Econometrics and Time-series Library). Disponível em: http://gretl.sourceforge.net/gretl_portugues.html, Acessado em: 02 dez. 2011. [5] MARIANO, F. C. M. Q; SÁFADI, T. Análise dos preços de arroz em São Paulo. Anais da 56ª RBRAS - Reunião Anual da Região Brasileira da Sociedade Internacional de Biometria, 2011. [6] MESQUITA, J. M. C; REIS, A. J; REIS, R. P; VEIGA, R. D; GUIMARÃES, J. M. P. Mercado de café: variáveis que influenciam o preço pago ao produtor. Ciência e Agrotecnologia, Lavras, v.24, n.2, p.379-386, abr./jun., 2000 [7] MORETTIN, P. A.; TOLOI, C. M. C. Análise de séries temporais. São Paulo, 2 edição, Blucher, 538p, 2006 [8] SAES, M. S. M; NAKAZONE, D. O agronegócio café do Brasil no mercado internacional. Fae Business n.9, setembro 2004. [9] STATISTICA for Windows. Release 6. Copyright Stat Soft. 1984-2001. 7