UM ESTUOO SINCRONICO SOBRE 0 EMPREGO 00 MAIS-QUE-PERFEITO NO PORTUGU S 00 BRASIL Liliane UFRJ Machado Ao focalizar 0 emprego do mais-que-perfeito do Indicativo no portugues atual do Brasil falado e escrito, temos por objetivo basico a comprovacao de duas hipeteses. A primeira delasdiz respeito ao fato de 0 mais-que-perfeito, em sua forma simples, parece encontrar-se em processo de extincao. Tal processo estaria hem mais acelerado na lingua f~ lada, na qual 0 emprego do mais-que-perfeito seria praticamente nulo, conservando-se, embora com utilizacao bastante restrita, somente na lingua escrita. A segunda hipetese vem como conseqftencia da primel ra e baseia-se na ideia segundo a qual 0 mais-que-perfeito ' simples, na escrita, ocorre mais em textos de "maior durabilidade" e ocorre menos em textos de "menor durabilidade" pois aqueles se ajustam mais as regras da tradicao gramati - cal do que esses. Essa hipetese apeia-se na tese de que os textos de menor sobrevida, como jornais diarios, utilizam es truturas mais pr6ximas da fala, enquanto outros, de permanen cia maior, utilizam-se de estruturas mais distantes da lingua falada. Assim, segundo as duas hip6teses, quanta maior 0 grau de oralidade do discurso, menor a possibilidade de aparecimento do mais-que-perfeito simples e maior a do mais- -que-perfeito composto, invertendo-se a situacao na medida em que 0 grau de oralidade vai diminuindo.
Utilizamos para a comprovacao das hipateses lancadas, uma amostra de lingua falada e outra de lingua escrita. A amostra escrita e composta de: (1) compendio de tiistoria do Brasil de publicacao recente. Esperavamos encontrar ai um n6mero razoavel de ocorrencias do m~is-que-perfeito dada a sua natureza de narracao de fatos passados, propiciando 0 jo go de anterioridades entre eles que caracteriza aquele tempo verbal: (2) artigos de revistas semanais e mensais versando sobre varios assuntos, sendo possivel encontrar varios generos discursivos: (3) textos retirados de jornal de diferentes secoes: reportagem policial, economia, editorial, educatao, secao esportiva etc. A amostra de lingua oral e constituida por um conjunto de inqueritos, pertencentes a parte do Projeto NURC/RJ, onde estao registradas falas de informantes universitarios, considerados possuidores da norma culta urbana. Essa amostra se divide em dois tipos: (1) discurso planejado, contexto f~ mal (EF - Elocucao Formal): (2) discurso nao planejado, contexto informal (DID - Dialogo entre documentador e informantel. Com 0 levantamento desses dois tipos de documentacao de lingua falada, esperavamos alguma possibilidade de ocorrencia do mais-que-perfeito simples no tipo (1), visto que se prende mais fielmente a norma culta, e uma possibilidade bastante remota de ocorrencia dessa forma verbal na documentacao do tipo (2), onde a fala e espontanea. Recolhemos dados tanto do mais-que-perfeito simples quanta do composto, com ambos os auxiliares 'ter' e 'haver'. Observemos os resultados obtidos no Quadro I abai-
Quadro I: Lingua Falada Discursos do tipo (a) e (b) Discurso planejado Discurso fi planejado (EF) (DID) Forma Simples 3/17 = 17,6\ 0/3 = 0\ Composta c/ 8/17 47,1\ 3/3 100\ auxiliar 'ter' Composta cl 6/17 35,3\ 0/3 0\ nhuma ocorrencia da forma simples do mais-que-perfeito, como tambem nao encontramos da composta com auxiliar 'haver'. As
quanta mais perto da lingua oral espontanea se esteja, menor a possibilidade de ocorrencia do mais-que-perfeito simples. Quanto a comprovacio da segunda hip6tese, efetuamos um levantamento de urn corpus extraido da amostra de lineontrapartida, em l~vros de urna maneira geral, que sio textos de grande sobrevida, onde se espera que haja um eompromi~ Quadro II: Lingua Eserita Textos do tipo (a), (b) e (e) 30% 75/200 Composta e/ 68/200 auxiliar 'ter' 34% 56/200 Composta e/ 72/200 auxiliar 'haver' Segundo esses resultados, portanto, 0 mais-que-pee feito simples e sem duvida 0 mais freqdente em livros, onde
te a uma diferenca na ~liquidez" de leitura de livros,revi~ tas e jornais, 0 que viria corroborar nossa hipotese de que Para confrontar os resultados obtidos para a liu gua falada com os para a lingua escrita, apresentaremos 0 se Lingua Falada Lingua Escrita Forma Simples 3/20 15% 250/600 41,6% Composta c/ 11/20 55% 161/600 26,8% auxiliar 'ter' Composta c/ 6/20 30% 189/600 31,6% Portanto, reunindo os resultados globais para ambos os tipos de amostra, podemos concluir que 0 mais-que-pee feito simples, embora ainda nao tenha desaparecido por comde. Na fala espontanea, que podemos considerar como represeu tante bastante fiel da lingua oral, nao encontramos nenhuma ocorrencia do mais-que-perfeito simples. Em relacao a lingua escrita, observamos que a producao da forma simples do mais-que-perfeito esta intrinsicamente ligada ao grau de "durabilidade" ou de "estabilidade"
malor a possibilidade de ocorrencia do mais-que-perfeito s~ pies. Isso porque, textos de qrande sobrevida se prendem bem 1) AFINAL. Revista Semanal, numero 270, 31 de outubro de 1989, Rio de Janeiro. 2) CAMARA JR, J. Mattoso. Estrutura da lingua portuguesa. Vozes, Petropolis, 1970. 3) CI~NCIA HOJE. Revista mensal, numero 30, Abril de 1987, Rio de Janeiro. 4) CUNHA, Celso. Gramatica da lingua portuguesa. MEC/FAE, Rio de Janeiro, 1986. 5) CARPI, Lucia et alii. Historia da sociedade brasileira. Ao livro tecnico, Rio de Janeiro, 1986. 6) ISTO t. Revista semanal, numero 577, 13 de janeiro de 1988, Rio de Janeiro. 7) JORNAL DO BRASIL. Jornal diario, RJ. Dias: 26/10/89 a 02/11/89, 03/01/90, 05/01/90 e 06/01/90.
8) SUPER INTERESSANTE. Revista _nsa1, nu.ero 6, Junho de 1989, Sao Paulo. 9) VEJA. Revista semanal, nu.ero 44, 8 de novembro de 1989, Rio de Janeiro.