XIX CONGRESSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DA UFLA 27 de setembro a 01 de outubro de 2010



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Transcrição:

EXTENSÃO RURAL COMO PRÁTICA EDUCATIVA: UMA EXPERIÊNCIA JUNTO A AGRICULTORES FAMILIARES RODRIGO ALVES BARROS 1 RESUMO O estudo sobre a extensão rural como prática educativa é um recorte de um programa interdisciplinar, interdepartamental, mais amplo, denominado Produção Familiar de Leite e de Saber na Área de Proteção Ambiental, APA Coqueiral. Este recorte teve o objetivo de analisar o processo de extensão rural enquanto uma prática educativa, construída por meio do diálogo entre técnicos e agricultores. O foco é a produção de leite em sistema familiar e sua relação com a preservação ambiental e melhores condições de vida da população envolvida neste processo. É importante considerar a presença do ser humano, o contexto ecológico, social, cultural, político e econômico. Preservar e sustentar são duas vertentes de um mesmo problema ou uma exigência de uma solução adequada. As atividades realizadas foram duas visitas a 38 propriedades de agricultores, cursos teórico-práticos e elaboração de boletins técnicos. No momento das visitas acompanhou-se a prática da ordenha, realizou-se o diagnóstico da mastite clínica e subclínica e, coletaram-se amostras de leite para análises laboratoriais. A relação dialógica entre agricultores e técnicos encontra-se em processo de aprendizagem. A compreensão da relação entre ambiente e produção agropecuária, na perspectiva dos agricultores familiares contribuirá no desenvolvimento rural sustentável, considerando o ambiente como um espaço vivo, cujos recursos indispensáveis à vida são finitos, sendo necessário o uso responsável no presente como garantia da vida para as gerações futuras. Palavras-chaves: Área de Proteção Ambiental; produção de leite; extensão: saber; educação. Apoio: FAPEMIG INTRODUÇÃO Produção Familiar de Leite e de Saber na Área de Proteção Ambiental, APA Coqueiral é um programa de interface entre ensino-pesquisa-extensão, desenvolvido por uma equipe interdisciplinar da Universidade Federal de Lavras 2. O programa é composto pelos departamentos de Medicina Veterinária, Ciência do Solo, Zootecnia e Educação, que integram diversos projetos, que trabalham para reconhecer as práticas dos agricultores e discutir temáticas articuladas às demandas da APA Coqueiral. O estudo sobre a extensão rural como prática educativa teve o objetivo de analisar o processo de extensão rural enquanto uma prática educativa, construída por meio do diálogo entre técnicos e agricultores. O foco deste estudo compreende a região denominada Área de Proteção Ambiental APA Coqueiral, situada no município de Coqueiral MG. O recorte abordado é a produção de leite em sistema familiar e sua relação com a preservação ambiental e melhores condições de vida da população envolvida neste processo. É importante considerar a presença do ser humano, o contexto ecológico, social, cultural, político e econômico. Preservar e sustentar são duas vertentes de um mesmo problema ou uma exigência de uma solução adequada. Para os agricultores situados na APA Coqueiral a produção de leite representa uma complementação da renda familiar e fonte de alimento. O leite produzido na APA é consumido para subsistência e parte é levada a cinco tanques de resfriamento comunitários que captam a produção excedente local. A comercialização da produção e a avaliação da qualidade do produto são realizadas pela CAPEBE Cooperativa Agropecuária de Boa Esperança, que realiza, periodicamente, análises ¹ Mestrando em Ciências Veterinárias, bolsista FAPEMIG, DMV/ UFLA, rodrigueraze@yahoo.com.br

sobre a qualidade do leite captado no local e, que resultam em índice insuficiente para a obtenção da remuneração diferenciada por parâmetros de qualidade. Além disso, existem problemas de ordem quantitativa, sendo observada a inconstância no fornecimento do leite à CAPEBE. Isso implica a possibilidade de realização de um trabalho educativo que venha a reconhecer os processos culturais de produção de leite desenvolvidos pelas famílias e a possibilidade de contribuição, pelos técnicos, com a superação dos problemas diagnosticados. Consideramos que a extensão vinculada à pesquisa devem ser ancoradas no reconhecer a importância do saber do agricultor e os princípios educativos de Paulo Freire, dentre os quais o técnico (extensionista, pesquisador) é educador e educando, bem como o agricultor também é educador e educando, trata-se de um processo de compartilhar saberes em uma relação dialógica e de dupla mão. Freire (1992) destaca a importância da formação considerando a necessidade da compreensão de como a comunidade se organiza e, de sabermos como se dá o processo de produção do saber próprio dos agricultores e técnicos. Segundo esse autor é importante sabermos como vem organizando seu saber, ou sua ciência agronômica, por exemplo, sua medicina (...). A extensão entendida como transmissão, entrega, doação, messianismo, mecanicismo, difusão, invasão cultural, manipulação, nega os sujeitos como capazes de transformação de seu próprio mundo. Poder-se-ia dizer que extensão não é isto, que a extensão é educativa, afirma Freire (1977). Freire (1977;) ainda alerta: Repetimos que o conhecimento não se estende do que se julga sabedor até aqueles que se julga não saberem; o conhecimento se constitui nas relações homem-mundo, relações de transformação, e se aperfeiçoa na problematização crítica destas relações. Assim, pretendemos contribuir com um projeto de desenvolvimento rural e agropecuário sustentáveis considerando o ambiente como um espaço vivo, cujos recursos indispensáveis à vida são finitos, sendo necessário o uso responsável no presente como garantia da vida para as gerações futuras. A abordagem de extensão educativa é interativa considera que os agricultores são produtores de um saber que lhe é próprio e este saber ancora sua vida, podemos nos aproximar deles buscando conhecer este saber e quais são as estratégias construídas ao longo do tempo, que vem solucionando seus problemas. Primeiro, é importante perguntar-nos, na conversa com eles: quais são os problemas e como são enfrentados no dia-a-dia? Como os técnicos e pesquisadores podem contribuir na busca de soluções conjuntas para esses problemas? Quais são as redes de relações de parentesco, sociais e culturais que no cotidiano tecem as práticas agropecuárias desenvolvidas na comunidade? Quais são as redes comerciais que coexistem na comunidade e fora dela e, como sustentam a comercialização dos produtos? Como se relacionam com ambiente em que vivem e que os sustenta? Tratar destas questões dentro de uma relação de poder horizontal implica nos comprometermos com um planejamento participativo das ações a serem desenvolvidas, considerando como sujeito do processo os agricultores e, os técnicos e pesquisadores como mediadores. Neste sentido, o foco, da extensão rural, antes dirigido apenas para a produção de produtos agropecuários e a reprodução (adoção) do conhecimento técnico-científico passa a educação como seu foco central. Educação vista como processo de exercício da cidadania, como possibilidade de articular o desenvolvimento de tecnologias apropriadas e de baixo custo aos interesses e demandas dos agricultores. Esta é uma nova prática de extensão e uma nova possibilidade de pesquisa e contribuição da universidade com agricultores que demandam nossa presença. Assim, é importante buscar uma prática educativa capaz de reconhecer o saber de experiência feito (Freire, 1981, 1985, 1992) e a aproximação deste saber com o conhecimento científico e criar situações concretas de desenvolvimentos de projetos de ação e de pesquisa que favoreçam a geração e adoção coletiva do conhecimento apropriado, no sentido de ser adequado e tornado como seu, para cada agricultor e para a comunidade como um todo. No contexto da extensão como prática educativa é possível, dar ênfase a atividades de pesquisa-ação nas quais os agricultores serão os sujeitos ou os agentes de desenvolvimento comunitário rural e, os técnicos, co-participes (Brandão, 1999). Segundo Ramos (2008): Os agricultores, ao produzirem cultivos, produzem bens materiais e simbólicos, produzindo a si mesmos. Utilizam práticas que geram conhecimentos que os reproduzem historicamente, na convivência agricultor com agricultor, fundamentalmente, e com mediadores (técnicos; pesquisadores; agentes da

universidade, das empresas agropecuárias, do governo e de ONGs). Se existe apropriação do conhecimento científico na produção do saber destes agricultores, perguntamos como se deu? Como usam o conhecimento científico a seu favor? Como negam o conhecimento científico visto como inadequado? Como misturam os saberes camponeses e o conhecimento científico? Respostas a essas questões podem ser recolhidas no cotidiano da pesquisa e da atividade de extensão vinculada a ela. Paulo Freire (1980, 1981, 1992), entende que o saber de experiência feito contém a experiência e a possibilidade de sua própria superação através da práxis social. Superação possível, se construída na relação vivida da educação como práxis social, ou aquela em que a ação prática refletida, se refaz na prática transformada. Ou seja, o que se pretende com extensão como prática educativa não é a estagnação dos agricultores na condição de pobreza e exploração insustentável do ambiente, mas a recriação da vida e do ambiente com dignidade e sustentabilidade. A extensão rural no presente caso se apresenta como a alternativa de mudança. Entretanto, neste processo de mudança, tendo em vista a problemática inicial apresentada no referido programa, os agricultores da APA são os principais sujeitos de transformação. O processo de comunicação estabelecido por meio da extensão é a peça fundamental na realização do programa. PRÁTICAS DE EXTENSÃO E PESQUISA MÉDICO-VETERINÁRIA As atividades de campo do projeto iniciaram-se com uma visita a APA acompanhada pelo técnico local da EMATER, em 2009. Neste momento definiu-se como temática central a ser abordada como sendo a qualidade do leite, tendo em vista as informações repassadas pelo técnico da EMATER e as análises do leite realizadas pela CAPEBE. Também se aproveitou para visitar os cinco tanques de captação de leite e, marcar o início das coletas de dados para janeiro de 2010. As práticas de extensão ocorreram simultaneamente ao processo de coleta de dados para a realização da pesquisa médico-veterinária, o que caracteriza a interface pesquisa-extensão do projeto. Foram realizadas duas coletas de dados. Em janeiro e em julho de 2010, as propriedades foram visitadas no verão e no inverno para retratar as alterações advindas das estações do ano sobre as variáveis estudadas. Estes momentos foram de suma importância no processo de troca de experiências entre os agricultores e técnicos. O diálogo técnico-agricultores constituiu em uma forma de identificação de problemas e busca de soluções junto aos agricultores. Outra prática de extensão foi desenvolvida via cursos e boletins técnicos que abordaram os seguintes temas: (a) aspectos sanitários na bovinocultura de leite; (b) higiene de ordenha; (c) controle de mamite; (d) sanidade na criação de bezerros; (e) controle de carrapatos e uso de carrapaticidas. Observou-se que a ordenha dos animais é realizada pelo proprietário que tira o leite bem cedo, antes de partir para outra atividade. O escoamento da produção é feito por meio de caminhão granel que capta o leite em tanques comunitários de resfriamento. Portanto todos os dias das sete às dez horas da manhã, os produtores de leite vão até estes tanques para depositar seu produto, momento que os técnicos estavam presentes e aproveitaram para o agendamento das visitas de casa em casa. Uma equipe composta por: um mestrando médico veterinário, duas graduandas e um graduando em medicina veterinária e uma graduanda em zootecnia visitaram as propriedades com os objetivos de realizar o diagnóstico clínico e subclínico da mastite, coletar amostras de leite para análises laboratoriais, observar as práticas realizadas no momento da ordenha e coletar dados qualitativos por meio de questionários. Na ocasião do agendamento da visita eram colhidas informações sobre como chegar a cada propriedade. A equipe não errou os caminhos, pois as instruções foram precisas e claras. Pode se destacar a experiência vivida na propriedade do senhor Joel, aonde, apesar de se chegar na hora marcada o produtor já havia ordenhado duas vacas, com a justificativa de serem animais arredios que iriam estranhar a presença dos técnicos. Este fato se repetiu em algumas propriedades. Do ponto de vista técnico seria mais preciso se os testes fossem realizados em todos os animais, porém do ponto de vista estatístico estes dados perdidos não afetaram o resultado final. Nas visitas realizaram-se coletas de leite e o diagnóstico da mastite clínica e subclínica por meio do teste da caneca e do California Mastitis Test (CMT), respectivamente. A realização destes

testes possibilitou conversar com os produtores sobre o seu conhecimento sobre essas técnicas e suas finalidades. Apenas dois produtores afirmaram conhecer o teste da caneca, porém desconheciam a sua finalidade. Em relação ao CMT, apenas um produtor afirmou ter visto este teste na televisão. Aproveitou-se para compartilhar o saber técnico fazendo explicação sobre o fundamento do teste e sua demonstração na prática. Ambos os testes foram realizados em todas as vacas para o levantamento do índice de animais acometidos com mastite clínica ou subclínica, os resultados dos testes são a base do levantamento de dados da pesquisa médico-veterinária. O teste da caneca deve ser realizado, preferencialmente, com os três primeiros jatos de leite da ordenha do animal. Porém os agricultores visitados possuem o hábito de soltar o bezerro para mamar antes da ordenha, e alegavam que a vaca não permitiria a realização do teste antes do contato com o bezerro. Portanto não insistimos em realizar o teste da caneca quando o produtor alegava soltar o bezerro primeiro. Nosso objetivo, além da coleta de dados, era reconhecer as práticas realizadas, interferindo o mínimo nas mesmas. Durante a ordenha a conversa ia se desdobrando. Perguntava-se sobre o animal que estava sendo ordenhado. Qual o nome desta vaca? Esta é a crioula. E o senhor sabe a idade dela? Ih, esta não é nova não, ela não tem a marca da vacina, mas já tem uns dez anos, essa vaca nasceu no dia do aniversário de meu filho. Já o bezerro dela, esse eu sei, esse bezerro nasceu na véspera do natal. Na maioria dos rebanhos as informações sobre os animais estão associadas a fatos e datas representativas para seus proprietários. A conversa avançava para o preenchimento dos questionários estruturados. As respostas eram marcadas em opções predefinidas no questionário de forma a facilitar a organização dos dados. Quando uma pergunta não era entendida ela era repetida e traduzida para uma linguagem mais apropriada. Uma situação recorrente era o termo mastite: Em sua propriedade é comum vacas com mastite? Mastite? Isso nunca deu aqui não. Mastite, meu senhor, é aquela inflamação que dá no peito da vaca, o teto fica inchado, quente, o leite apresenta empelotado, com sangue... Ah! Isso já deu aqui sim, o peito chega até a rachar (...). O que significa, nesse exemplo, que o termo técnico mastite não era compreendido. Na visita de inverno, a coleta de amostras de leite e o diagnóstico da mastite seguiram a mesma rotina realizada em janeiro. Entretanto, a não realização dos questionários permitiu uma conversa mais solta, mais desprendida dos procedimentos médicos veterinários. A segunda coleta priorizou a vivência do cotidiano dos agricultores. Na segunda visita realizaram-se, além dos procedimentos relativos à mastite e qualidade do leite, atividades referentes à criação de bezerros. Outro destaque do aprendizado foi a inserção de novos membros na equipe de trabalho de campo. A recorrente expressão meu projeto ou minha parte do projeto passava aos agricultores uma falta de coesão da equipe. Atribui-se este fato pela ausência de espaços de formação, ainda na Universidade, para que a equipe estivesse mais afinada, sintonizada nos objetivos do trabalho de extensão. Porém estes pequenos desencontros foram, a medida do possível, resolvidos, uma vez que a equipe prezava pelo diálogo, destinando sempre um horário de cada dia para uma avaliação das atividades realizadas e planejamento do dia seguinte. Uma discussão mais aprofundada sobre os objetivos da pesquisa e do processo de extensão foi realizada com a presença dos orientadores do projeto, esta relação de envolvimento de todos os membros da equipe permite que as problemáticas enfrentadas no campo venham a ser utilizadas como experiência para demais projetos e orientações. Os cursos de extensão foram realizados na APA, em parceria com Prefeitura Municipal de Coqueiral MG e a CAPEBE, ocorrendo uma vez por mês. O desenvolvimento dos cursos foi teórico prático, com apresentação de palestras e discussão de relatos de casos. Os problemas identificados pelos pesquisadores em campo sugeriram a discussão dos seguintes temas: (a) aspectos sanitários na bovinocultura de leite; (b) higiene de ordenha; (c) controle de mamite; (d) sanidade na criação de bezerros; (e) controle de carrapatos e uso de carrapaticidas. Destes, dois já foram realizados e os demais estão agendados no cronograma de atividades do programa. O espaço denominado curso apresentou-se como um momento de discussão de conhecimentos. O diálogo tão visado em todo o projeto ainda não aconteceu durante o curso. Os agricultores estavam aparentemente mais inibidos, refratários, pouco participativos. As visitas apresentaram-se muito mais produtivas para o estabelecimento de troca de experiências,

principalmente no momento da segunda visita, quando os agricultores já possuíam mais intimidade com os técnicos, e também foi possível rediscutir temas levantados na primeira visita e nos cursos. Estes cursos têm como orientação escrita um boletim técnico para cada temática. Esses são instrumentos que podem servir de orientação cotidiana para agricultores dispostos a adotar os procedimentos técnicos propostos, assim como, possibilitar o uso destes materiais por outros extensionistas. Tais boletins foram elaborados pelos estudantes de mestrado e graduação envolvidos no trabalho de campo, com o acompanhamento de professores pesquisadores da área em questão. A abordagem didático-pedagógica contou com a orientação de profissionais da área da educação, de forma a atender os objetivos do curso, utilizando linguagem acessível e estimulante aos leitores. Os boletins foram entregues a todos os participantes do curso e formas de disponibilização on-line deste material estão sendo buscadas. CONSIDERAÇÕES FINAIS A relação dialógica entre técnicos e agricultores foi possibilitada pela vivência da extensão como prática educativa. A interdisciplinaridade, envolvendo diferentes departamentos, constitui uma nova forma de planejar e trabalhar, e permite a construção de análises, simultaneamente, mais amplas e mais aprofundadas da experiência vivida. O planejamento participativo também realizado entre os técnicos e agricultores é a consolidação da verdadeira busca por atender as demandas da comunidade. Embora esta prática ainda apresente-se timidamente no projeto, os agricultores participaram das definições das temáticas dos cursos e do estabelecimento da agenda para realização dos mesmos. A parceria entre Universidade Prefeitura Municipal CAPEBE EMATER representa um avanço no processo de cooperação entre diferentes entidades na realização de um objetivo comum. A compreensão da relação entre ambiente e produção agropecuária, na perspectiva dos agricultores familiares contribuirá no desenvolvimento rural e agropecuário sustentáveis considerando o ambiente como um espaço vivo, cujos recursos indispensáveis à vida são finitos, sendo necessário o uso responsável no presente como garantia da vida para as gerações futuras. REFERÊNCIAL BIBLIOGRÁFICO BRANDÃO, C. R. O afeto da terra. Campinas: Unicamp, 1999. 175p. FREIRE, P. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. 79 p. FREIRE, P. Extensão ou comunicação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. 93 p. FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 245 p. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. 184 p. RAMOS, R. V. Saber de experiência feito e conhecimento científico no processo de produção do saber apropriado: a experiência da Associação de Pequenos Produtores de Poço Fundo/MG. 2008. 230 p. Tese (Doutorado) Universidade Federal de Lavras, Lavras.