R. BOETTCHER. TABU: O Fosso do Castelo. Necessidade para a Vida de uma Cultura?

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Transcrição:

Fepal - XXIV Congreso Latinoamericano de Psicoanálisis - Montevideo, Uruguay Permanencias y cambios en la experiencia psicoanalítica" Setiembre 2002 R. BOETTCHER TABU: O Fosso do Castelo. Necessidade para a Vida de uma Cultura?

2 INTRODUÇÃO Apresentaremos neste trabalho nosso percurso de estudos sobre o conceito de tabu e seu papel na manutenção da cultura, assim como nossas reflexões e hipóteses sobre a sexualidade humana na atualidade. Estudamos artigos de Sigmund Freud, principalmente Totem e Tabu (1920) e outros autores que complementaram nosso estudo sobre a sexualidade humana. Usamos a metáfora do fosso do castelo como representação do tabu (incesto), convidando o leitor a pensá-lo enquanto organizador da psiquê/cultura. Nossa intenção é refletir e questionar sobre o que nos mantém hominizados, ou seja, a permissão do vagar entre o castelo, nosso mundo interno prazeiroso e absoluto, e o lado de fora do fosso, nossa realidade. Poder sair do castelo e aventurar-se no desconhecido, respeitando o tabu, que possibilita a manutenção do social.

3 OBJETIVO Questionar via estudos psicanalíticos o papel e a validade do tabu do incesto na manutenção das culturas percebendo seu funcionamento como protetor e mantenedor da ordem pela hominização. DESENVOLVIMENTO Nossas reflexões serão apresentadas a seguir pelo questionamento de alguns conceitos seguidos de nosso entendimento da metáfora criada. O que é o Tabu? A palavra tabu é um termo polinésio que significa... proibição imposta por costumes sociais ou como medida protetora... (HOUAISS, 2001, p.2654);... sagrado e invulnerável... (AURÉLIO, 1986, p.1638). Para FREUD (1920, p.38) o significado da palavra tabu é... sagrado, consagrado, misterioso, perigoso, proibido, impuro, algo

4 inabordável, sendo principalmente expresso em proibições e restrições. As restrições do tabu são distintas das proibições religiosas ou morais. As proibições dos tabus são de origem desconhecida, embora sejam ininteligíveis para nós, para aqueles que por elas são dominadas são aceitas como coisa natural.... Tabu possui um sentido duplo desde o início dos tempos e foi usada para designar um tipo específico de ambivalência, e tudo o que dela surgisse. Tabu, em si, é uma palavra ambivalente e, olhando para trás, percebe-se que só o significado bem comprovado da palavra teria tornado possível inferir que as suas proibições deveriam ser compreendidas como conseqüências de uma ambivalência emocional. (FREUD, 1920). Dentre os tabus, tomamos o tabu do incesto,... interdito que pesa sobre as relações sexuais entre parentes próximos especialmente entre indivíduos do mesmo grupo familiar... (HOUAISS, 2001, p. 2654), para assinalar a relação entre o desenvolvimento da civilização e a repressão dos instintos. Onde está o Tabu do Incesto? O tabu do incesto enquanto referência da sexualidade estrutura o psiquismo e também a sociedade. O tabu concede o poder de dizer não aos nossos desejos. Pensamos que o tabu está em tudo que nos reifica como indivíduo social. Guiados pelo pensamento freudiano fomos levados a hipótese de que a proibição do incesto funciona como um organizador mental e social quando propõe limites às pulsões inerentes a todo ser humano, permitindo que o mesmo se relacione de outra forma com o mundo, deixando de ser um indivíduo dominado pelos seus impulsos e passando a ser um sujeito organizador de suas próprias ações.

5 O Fosso do Castelo como metáfora! Ao emergir a metáfora com a imagem do fosso do castelo para compreendermos o tabu do incesto, pensamos esta imagem como a psiquê se estruturando e demarcando lugares, dando oportunidade para a expressão da sexualidade dentro de uma cultura-castelo bem delimitada. Fosso significa... escavação em torno de fortificação, castelo, entrincheiramento, etc, para dificultar ou impedir ataques.... (HOUAISS, 2001, p.1380). É ali, no fosso ou no tabu do incesto, que ocorre a tentativa de demarcação. É ali, no perigoso mundo selvagem submerso que existe a tensão entre o impedimento a erupção do perigo. Pensarmos na sexualidade enquanto um ato humano, e pensarmos o humano enquanto uma realidade social nos possibilitou fazer aproximações entre sexualidade e sociedade. Ambos estão ligados no tabu do incesto com a finalidade de formar grupos sociais e de desenvolver nosso aparelho pensante, nosso psiquismo.

6 Conclusão Chegamos a certeza de que seguimos tendo dúvidas, desafios em nossos estudos e pensamentos psicanalíticos. Pensar a sexualidade na humanidade nos impõe percorrermos um caminho com lacunas, saltos, sem homogeneidade. Encontrar o pré-histórico, o mítico, o desenvolvimento, o perdido, o futuro, nos aguça. É no incompreendido que surgem as possibilidades. Compreender Freud nos lança para novos pensamentos. O mais instigante é que quanto mais estudamos e nos debruçamos no delicado sentido do ato individual, ou no significado subjetivo, algo está lá a nos espreitar, algo que é desconhecido e compartilhado: o Tabu. É este compartilhamento que nos fez/faz, nos mantém humanos. Estas reflexões referentes a sexualidade na humanidade nos colocam em contato direto com o sexual enquanto necessidade vital ligada ao orgânico e a preservação da vida enquanto espécie, e por outro lado, em função de nossa escolha focal, a sexualidade humana, portanto atrelada ao simbólico, com uma tênue e complicada fronteira do real e do imaginário.

7 Bibliografia FERREIRA, Aurélio B.H. (1986) Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira S.A. FREUD, S. (1920) Totem e Tabu. In Obras Completas. Vol. XIII, Rio de Janeiro, Imago, 1974. HOUAISS.(2001) Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva. Trabalho realizado pelo Grupo de Estudos sobre Sexualidade Humana no Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre (CEP-PA). Autores: Maria de Lourdes Foster e Rosaura Lembert (Coordenadoras), Claudia Breda, Fabiana Alvarez, Juliana Laydner, Márcia Fonseca, Paulo Daisson, Rodrigo Boettcher e Simone Rolim.