Perfil sorológico para doença de Chagas dos doadores de sangue do Hemocentro Regional de Uberaba

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Artigo / Article Perfil sorológico para doença de Chagas dos doadores de sangue do Hemocentro Regional de Uberaba Serological profile concerning Chagas' disease of blood donors at Uberaba Blood Center Helio Moraes-Souza 1 Paulo R. J. Martins 1 Gilberto A. Pereira 2 Márcia M. Ferreira-Silva 3 Murilo B. Abud 4 Atualmente, um dos maiores problemas na triagem sorológica de doadores de sangue para doença de Chagas é a alta freqüência de reações indeterminadas, o que faz com que muitos indivíduos sadios sejam rotulados como portadores de uma doença grave. O presente trabalho tem o objetivo de analisar o comportamento sorológico para doença de Chagas dos doadores do Hemocentro Regional de Uberaba, MG e propor mecanismos para reduzir o índice de inaptidão sorológica para essa doença. Através de estudo retrospectivo, foi analisado o resultado sorológico de 79.729 amostras obtidas de doações de sangue realizadas neste Serviço entre janeiro de 2000 e dezembro de 2004. Os resultados foram analisados quanto às variáveis: tipo de doador (novo e de retorno), gênero e idade (inferior ou igual a 30 anos e superior a 30 anos). Para a análise estatística foram realizados os testes do Qui-Quadrado e de comparação de proporções (Z). A ocorrência de doações com sorologia não negativa para doença de Chagas entre doadores novos foi significativamente superior aos de retorno, com p< 0,0001. Quanto à idade, a proporção de positivos no grupo maior de 30 anos foi significativamente superior à do grupo com idade igual ou inferior a 30 anos (p< 0,0001). O elevado número de reações indeterminadas nesse Serviço está de acordo com estudos recentes, reforçando a necessidade da implementação de testes sorológicos 100% específicos ou de exames confirmatórios práticos e rápidos, passíveis de serem introduzidos nas rotinas dos serviços de hemoterapia, reduzindo o descarte desnecessário de bolsas de sangue. Rev. bras. hematol. hemoter. 2006;28(2):110-114. Palavras-chave: Doença de Chagas transfusional; reações sorológicas indeterminadas; sensibilidade e especificidade de testes sorológicos. Introdução No Brasil, como resultado do combate sistemático ao vetor, da obrigatoriedade da realização dos testes sorológicos nos serviços de hemoterapia e dos programas de fidelização dos doadores de sangue, a ocorrência atual de reações sorológicas não negativas para Trypanosoma cruzi é de 0,6%, 1, 2 queda significativa se contrastada com o índice de 7,0% dos anos 70. 3-5 Contudo, paralelamente à diminuição de doadores de sangue chagásicos, vem chamando atenção a alta proporção de reações discrepantes ou indeterminadas que se caracterizam por amostras duvidosas em um determinado teste e positivas ou mesmo negativas em outro. 6 1 Professor da disciplina de Hematologia e Hemoterapia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Uberaba, MG. 2 Professor de Bioestatística da UFTM. 3 Mestranda em Patologia Clínica: Curso de Pós-Graduação em Patologia da UFTM. 4 Acadêmico do curso de Medicina da UFTM. Universidade Federal do Triângulo Mineiro / Hemocentro Regional de Uberaba Correspondência: Helio Moraes de Souza Av. Getúlio Guarita, 250-4º andar - Bairro Abadia 38025-440 Uberaba-MG Tel: (34) 3312 5077 E-mail: hemocentro@mednet.com.br 110

Rev. bras. hematol. hemoter. 2006;28(2):110-114 Tais discrepâncias tornam-se mais evidentes e conflituosas em doadores de repetição e/ou fidelizados quando, após até mais de uma dezena de reações sorológicas repetidamente negativas em doações prévias, apresentam sorologia indeterminada ou eventualmente positiva em doação subseqüente. 6-8 Diferentes estudos têm demonstrado que, no contexto atual, no Brasil e em outras regiões em que a endemia encontra-se sob controle, reações indeterminadas representam, freqüentemente, mais de 50% das inaptidões sorológicas para doença de Chagas e, não raramente, são superiores a 80%. 9 Estudos de Salles et al. (1996) 7 demonstraram que 69,6% das reações não negativas detectadas em 6.915 dos 411.617 doadores testados sorologicamente na Fundação Pró-Sangue de São Paulo, através de três diferentes técnicas, eram inconclusivas. No caso do Brasil, estimando em 60% a ocorrência de reações indeterminadas nas três milhões de doações anuais, das quais 0,6% das bolsas coletadas são descartadas pela sorologia para T. cruzi, 10.800 estarão sendo descartadas por sorologia indeterminada. Diante das evidências de que a maioria dessas reações indeterminadas traduz falhas na especificidade dos testes sorológicos, estas fazem com que muitos indivíduos sadios sejam rotulados como portadores de uma doença grave, levando a sérias conseqüências psicológicas, sociais e econômicas ao doador excluído, erroneamente rotulado de chagásico, além de promover o descarte desnecessário de unidades de sangue nos hemocentros e importantes perdas financeiras para o Sistema Único de Saúde (SUS). Considerando a ocorrência, também no Hemocentro Regional de Uberaba, de freqüentes reações indeterminadas ou inconclusivas, o presente trabalho se propõe a analisar o perfil sorológico para doença de Chagas dos doadores de sangue deste Serviço nos últimos cinco anos, e propor medidas que possam melhorar a acurácia das triagens sorológicas e reduzir o descarte desnecessário de bolsas de sangue. Casuística e Métodos A população deste estudo foi composta por 247 doadores de sangue do Serviço de Hematologia e Hemoterapia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro/ Hemocentro Regional de Uberaba (HRU), que no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2004 apresentaram sorologia não negativa para doença de Chagas. Os tópicos analisados foram obtidos a partir do levantamento nos arquivos do HRU, onde foram coletados dados como idade, sexo, tipo de doador (novo ou de retorno) e resultado sorológico (positivo ou indeterminado). Para a variável idade, os doadores foram distribuídos em dois grupos, sendo o primeiro com idade igual ou inferior a 30 anos, e o segundo, superior a 30 anos. Posteriormente os doadores inaptos foram distribuídos em cinco faixas etárias: 1) menor ou igual a 20 anos; 2) 21 a 30; 3) 31 a 40; 4) 41 a 50; e 5) maior de 50 anos. Foram considerados doadores novos aqueles que fizeram sua primeira doação no HRU entre janeiro de 2000 e dezembro de 2004 e de retorno aqueles que haviam feito pelo menos uma doação neste Serviço antes de janeiro de 2000. Os doadores com resultados não negativos foram separados também, de acordo com o resultado sorológico para infecção chagásica, em dois grupos: positivos e indeterminados. Os testes realizados na triagem sorológica dos doadores foram Elisa e imunofluorescência indireta (IFI) entre 2000 e 2003 e Elisa e hemaglutinação indireta (HAI) em 2004. Para a análise estatística foram realizados o teste de comparação de proporções e o teste não paramétrico do Qui- Quadrado. O nível de significância considerado foi p< 0,05. Resultados Nos últimos cinco anos foram coletados no Hemocentro Regional de Uberaba um total de 79.729 bolsas de sangue, sendo 14.672 (18%) de doadores novos e 65.057 (82%) de doadores de retorno (Tabela 1). Foram consideradas sorologicamente inaptas para doença de Chagas 247 doações (0,31% do total), das quais 116 foram positivas (0,15%) e 131 indeterminadas (0,16%). A ocorrência de doadores com sorologia positiva para doença de Chagas no grupo de "doadores novos" (0,78%) foi significativamente superior à do grupo de retorno (0,0015%), com p< 0,0001. Diferença significante foi observada também nos resultados indeterminados, sendo de 0,43% no grupo de doadores novos e 0,11% no grupo de retorno com p< 0,0001. A avaliação dos doadores quanto ao gênero evidenciou que 27% (21.575) eram do sexo feminino e 73% (58.154) do sexo masculino (Tabela 2). A proporção de doadores positivos no grupo feminino (0,24%) foi significativamente superior à do grupo mascu- Tabela 1 Ocorrência de inaptidão sorológica para doença de Chagas entre doadores novos e de retorno do HRU no período de 2000 a 2004 Doadores Total de doações Inaptos sorológicos para Chagas Novos 14.672 (18%) 115 (0,78%)* 64 (0,43%)* 177 (1,2%) Retorno 65.057 (82%) 1 (0,0015%) 67 (0,11%) 70 (0,11%) Total 79.729 (100%) 116 (0,15%) 131 (0,16%) 247 (0,31%) * p< 0,0001 111

Tabela 2 Distribuição dos doadores do HRU aptos e inaptos sorológicos para doença de Chagas, quanto ao gênero, no período de 2000 a 2004 Gênero Doações Inaptos sorológicos Feminino 21.575 (27%) 52 (0,24%) * 33 (0,16%) ** 85 (0,4%) Masculino 58.154 (73%) 64 (0,11%) 98 (0,17%) 162 (0,28%) Total 79.729 (100%) 116 (0,15%) 131 (0,16%) 247 (0,31%) * p< 0,0005 ** P= 0,39 Tabela 3 Distribuição dos doadores do HRU aptos e inaptos sorológicos para doença de Chagas, quanto à idade, no período de 2000 a 2004 Idade Doações Inaptos sorológicos 30 anos 38.093(48%) 19 (0,05%) 55 (0,14%) 74 (0,19%) > 30 anos 41.636(52%) 97 (0,23%)* 76 (0,18%)** 173 (0,41%) Total 79.729(100%) 116 (0,14%) 131 (0,17%) 247 (0,31%) * p< 0,0001 ** p= 0,078 Figura 1. Distribuição dos 247 doadores do HRU inaptos sorológicos para doença de Chagas quanto às faixas etárias, no período de 2000 a 2004 lino (0,11%), com p= 0,0005. Não foi observada associação significativa entre sorologia indeterminada e o gênero dos doadores (p= 0,39). Os doadores foram distribuídos ainda, quanto à idade, em dois grupos. O primeiro com idade inferior ou igual a 30 anos e o segundo superior a 30 anos (Tabela 3). Observou-se, nos últimos cinco anos, distribuição equilibrada dos doadores do HRU para as duas faixas etárias, com número discretamente superior entre os maiores de 30 anos (52%), grupo no qual a inaptidão sorológica para Chagas foi 2,6 vezes maior e a sorologia positiva 4,6 vezes superior à daqueles menores de 30 anos, com nível de significância de p< 0,0001. Não foi observada associação entre sorologia indeterminada e a idade dos doadores (p= 0,078). A distribuição dos doadores inaptos em cinco faixas etárias evidenciou uma correlação positiva entre o aumento da idade e a porcentagem de indivíduos sorologicamente positivos para doença de Chagas. Assim, o índice de positividade, que na faixa dos 18 aos 20 anos era de apenas 2% do total de indivíduos positivos, passou a representar 14%, 27%, 28% e 27%, respectivamente, nas faixas de 21 a 30 anos, 31 a 40, 41 a 50 e maior que 50 anos. Para sorologia indeterminada, os indivíduos tiveram distribuição aleatória quanto às faixas etárias, com um pico de incidência entre doadores de 20 a 30 anos (32%), seguido de redução gradativa nas faixas etárias mais elevadas (Figura 1). Discussão A ocorrência de sorologia não negativa para doença de Chagas entre doadores do Hemocentro Regional de Uberaba, no período de 2000 a 2004 foi relativamente baixa (0,31%) quando comparada com o índice de 1,1% encontrado por Silva et al. 10 em bancos de sangue do estado do Ceará, e 1,9% observado por Sobreira et al. 11 no mesmo estado e de 0,63% registrado pela Anvisa em 2002 1 em toda a hemorrede pública brasileira. Estudos realizados por nós, inicialmente no Banco de Sangue do Hospital Escola da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, hoje Hemocentro Regional de Uberaba, entre os anos de 1967 e 1992 evidenciaram índices de soropositividade de 22,6% em 1967 (Moraes-Souza, H. comunicação pessoal), 16,6% em 1969, 7,7% em 1975, 6,9% em 1982 e 1,07% em 1992, o que demonstra a elevada prevalência da endemia em nosso meio até a década de 80. 12,13 O baixo índice de indivíduos não negativos neste estudo pode ser explicado pelo controle eficaz do vetor em nossa região, considerada altamente endêmica na década de 70 e também pelo predomínio de doadores de retorno do HRU, a maioria dos quais fidelizados e voluntários, que, no período estudado, corresponderam a 82% do total de doações no Serviço, enquanto até o início da década de 80 eram representados, na sua quase totalidade, por doadores de reposição e freqüentemente esporádicos, com baixo índice de fidelização. 12 A ocorrência de uma reação sorológica positiva entre doadores de retorno, em princípio, sugere falha sorológica, uma vez que a transmissão vetorial foi erradicada na região. A análise da ficha cadastral deste doador evidenciou reação negativa em sua primeira doação, havendo assim a 112

Rev. bras. hematol. hemoter. 2006;28(2):110-114 necessidade de investigações epidemiológicas, sorológicas e parasitológicas mais aprofundadas para melhor definição do caso. O significativo aumento de reações inconclusivas entre doadores novos (0,43%) em relação aos de retorno (0,11%) poderia sugerir que tais doadores sejam realmente chagásicos. Porém, esta assertiva fica prejudicada diante da ocorrência destas reações em 0,15% das mulheres, versus 0,17% nos homens, quando o índice de sorologia positiva foi duas vezes maior no sexo feminino e, ainda, pelo fato das reações indeterminadas não apresentarem qualquer relação com a idade, ao contrário das sorologias positivas. Estas duas constatações sugerem fortemente que reações indeterminadas traduzem falha na especificidade dos testes sorológicos por possíveis reações cruzadas com antígenos e/ou patógenos preexistentes e, portanto, detectados já na primeira doação, explicando assim, a menor ocorrência entre os doadores de retorno pré-excluídos em sua primeira doação. 7,14 Nesse estudo, a ocorrência de doações do sexo feminino (27%) foi semelhante aos dados nacionais fornecidos pela Anvisa (2000), os quais indicam que a doação feminina representa apenas 26% de todas as doações e foi superior ao percentual de 8% encontrado pelo Hemocentro do Pará em 1995. A maior participação dos homens, segundo Guariento, 15 pode ser explicada culturalmente pelo fato de que se atribui ao sexo masculino o papel de bons doadores de sangue. A maior ocorrência de reações positivas no sexo feminino (0,24% versus 0,11% para homens) está em desacordo com os dados da Fundação Nacional de Saúde (1996), que demonstram que a doença de Chagas afeta indistintamente homens e mulheres. Considerando-se, entretanto, que entre os novos doadores as mulheres correspondem a 38,75% do total representando significativo aumento em relação ao percentual geral de doadoras (27%) a ocorrência de reações positivas entre novos doadores de 0,87% entre as mulheres e 0,68% entre os homens (dados não mostrados) já não se configura tão discrepante. A distribuição dos indivíduos não negativos em cinco faixas etárias evidencia, entre os verdadeiros positivos, aumento constante da soropositividade até a faixa dos 50 anos, com discreta redução acima desta idade. Porém, o reduzido número de doadores acima desta faixa etária justifica a pequena redução percentual observada. Contrariamente a estes dados, as reações indeterminadas apresentaram maior ocorrência na faixa etária dos 20 aos 30 anos. A distribuição dos doadores em grupos com idade inferior ou igual a 30 anos e maiores que 30 anos foi estabelecida em decorrência do fato de que os programas de controle nacional do vetor da doença de Chagas terem sido iniciados nos anos 70, ocasião em que surgiram as primeiras regulamentações específicas para doação de sangue no País. 16 Observou-se que, enquanto aproximadamente a metade dos doadores tinha até 30 anos de idade (48%), 70% dos inaptos sorológicos eram maiores de 30 anos. Entre os verdadeiros positivos, os índices de positividade foram, respectivamente, 0,05% e 0,23% com nível de significância de p< 0,0001. A menor ocorrência de inaptidão sorológica para doença de Chagas em indivíduos mais jovens, ou seja, menores de 30 anos, corresponde ao período de introdução das medidas de controle da transmissão vetorial da doença em nossa região e, nos últimos vinte anos, aos programas de recrutamento, seleção e fidelização, com evidente mudança do perfil dos doadores do HRU. O elevado número de reações indeterminadas (53%), está de acordo com estudos de Salles et al., 7 que encontraram índice de 69,6% de reações inconclusivas. Adicionalmente, reunião de consenso de "experts" realizada em 2000 demonstrou que reações indeterminadas podem representar 75% a 80% das sorologias não negativas, dependendo da especificidade dos testes sorológicos empregados e da prevalência da infecção chagásica na região estudada, com o qual apresenta relação inversamente proporcional. 6 As dificuldades na abordagem e condução de doadores com reações indeterminadas, muitos dos quais, senão a quase totalidade não chagásicos e o significativo descarte de bolsas, possivelmente desnecessário, torna evidente a necessidade da implementação de estratégias que permitam identificar, com segurança, o doador chagásico e minimizar ou mesmo eliminar resultados sorológicos duvidosos ou indeterminados. Tais estratégias devem consistir no desenvolvimento de testes sorológicos 100% específicos e/ou de exames confirmatórios práticos, rápidos e automatizáveis, passíveis de serem introduzidos nas rotinas dos bancos de sangue. Abstract Currently one of the major problems in the serological selection of blood donors in respect to Chagas' disease is the high incidence of indeterminate reactions, making a large number of healthy individuals incorrectly diagnosed as seriously ill. This paper aims at evaluating the serological pattern of Chagas' disease of donors of the Uberaba Blood Center and also to propose mechanisms to reduce the rate of serological ineligibility due to suspicion of this disease. A retrospective study of the serological results of 79,729 samples of blood was carried out between January 2000 and December 2004. The results were analyzed according to the following variables: type of donor (first-time and multiple), gender and age (less than or equal to 30 or more than 30 years old). The statistical analysis was made using the chi-square test and a comparison of proportions (Z). Indeterminate results in respect to Chagas' disease among first-time donors were significantly higher than those of multiple donations with p < 0.0001. As for age, the proportion of positivity in the over 30-year-old group was significantly higher to that of the under or equal to 30-year-old group (p < 0.0001). The high number of indeterminate reactions at this center is in accordance with recent studies, highlighting the need of implementing serological tests with 100% specificity or the use of practical and fast confirmation tests to be routinely introduced in 113

hemotherapy services, reducing the unnecessary rejection of blood bags. Rev. bras. hematol. hemoter. 2006;28 (2):110-114. Key words: Transfusional Chagas disease; indeterminate serological reactions; sensitivity and specificity of serological tests. Referências Bibliográficas 1. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Relatório de Produção da Hemorrede em 2002: perfil sorológico dos doadores. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br - acesso em 10 mar. 2004. 2. Moncayo A. Chagas disease: Current epidemiological trends after the interruption of vectorial and transfusional transmission in the Southern Cone Countries. Mem Inst Oswaldo Cruz 2003;98 (5):577-591. 3. Dias JCP. Control of Chagas disease in Brazil. Parasitol Today 1987; 3: 336-341. 4. Moraes-Souza H, Bordin JO. Strategies for prevention of transfusion-associated Chagas disease. Transfusions Medicine Reviews 1996; 10:161-170. 5. Moraes-Souza H. Transmissão transfusional da doença de Chagas. Rer. Pat. Trop. 2000;29(91):91-100. 6. Moraes-Souza H, Gontijo ED, Moreno AH, Duarte AN, Bonametti AM, et al. Atenção médica a candidatos a doadores de sangue em centros urbanos: inserção no Sistema de Saúde (Provas sorológicas positivas e inconclusivas para a doença de Chagas). Soc. Bras. Med. Trop 2000; 33: 111-115. 7. Salles NA, Sabino EC, et al. Risk of exposure to Chagas' disease among seroreactive Brazilian blood donors. Transfusion 1996; 36 (11-12): 969-73. 8. Langhi Junior DM, Bordin JO, Castelo A, Moraes-Souza H, Stumpf RJ. The application of latent class analysis for diagnostic test validation of chronic Trypanosoma cruzi infection in blood donors. Braz. J. f Infec. Dis 2002; 6 (4): 181-187. 9. Reunião Anual de Pesquisa Aplicada em Doença de Chagas e Leishmanioses (XVI). Relatório Final - Uberaba, 2000. 3p. 10. Silva VC, Figueiredo AA, Queiroz JAN, Andrade FB. Análise da prevalência de anticorpos anti-t.cruzi em doadores de sangue do Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce). In: Resumos do XVII Encontro Universitário de Iniciação à Pesquisa, Fortaleza 1998; p.368. 11. Sobreira ACM, Gomes FVB, Silva MAM, Oliveira MF. Prevalência da infecção chagásica em doadores de sangue do Hemocentro Regional de Iguatu, CE. Soc Bras Med Trop 2001;34(2):193-196. 12. Moraes-Souza H, Morais, CA, Mineo JR. Prevalência da infecção chagásica em candidatos a doadores de sangue no Triângulo Mineiro. Soc Bras Med Trop 1985;118:11-16. 13. Soares S, Juliano LB, Martins PRJ, Moraes-Souza H. Triagem sorológica de doadores para doença de Chagas: Experiência do Hemocentro Regional de Uberaba. Bol Soc Bras de Hematol Hemot 1993;163:69-74. 14. Luquetti A. Serviços de Atendimento ao Doador com Doença de Chagas no Brasil. Soc Bras Med Trop 1996;29(2): p.137. 15. Guariento ME, Almeida EA, Gilli SC. Perfil do doador de sangue infectado pelo T. cruzi em Campinas, SP: avaliando a partir de seu grau de risco para a enfermidade. Soc Bras Med Trop 1996;2(2):27-29. 16. Dias JCP, Schofield CJ. Controle da transmissão Transfusional da doença de Chagas na iniciativa do Cone Sul. Rev Soc Bras Med Trop 1998; 31(4):373-383. Avaliação: Editor e dois revisores externos. Conflito de interesse: não declarado Recebido: 12/03/2006 Aceito após modificações: 20/04/2006 114