MINERAIS PESADOS DAS AREIAS PRAIAIS DE GUARAPARI (ES): DISTRIBUIÇÃO, PROVENIÊNCIA E FATORES DE RISCO À SAÚDE

Documentos relacionados
RELAÇÃO ENTRE A DISTRIBUIÇÃO DE MINERAIS PESADOS EM SEDIMENTOS LITORÂNEOS E DA FORMAÇÃO BARREIRAS, NO LITORAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Causas Naturais da Erosão Costeira

PROPRIEDADES SEDIMENTOLÓGICAS E MINERALÓGICAS DAS BARREIRAS COSTEIRAS DO RIO GRANDE DO SUL: UMA ANÁLISE PRELIMINAR.

GEOLOGIA COSTEIRA DA ILHA DE SÃO FRANCISCO DO SUL/SC COASTAL GEOLOGY OF THE SÃO FRANCISCO DO SUL/SC ISLAND.

PROVENIÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO DOS MINERAIS PESADOS NO COMPLEXO DELTAICO DO RIO PARAÍBA DO SUL

IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO

Palavras-chave: Sedimentologia, Geologia Costeira, Radioatividade Natural e Dinâmica de Transporte.

Pablo Merlo Prata. Vitória, 17 de junho de 2008.

ANÁLISE DE PROVENIÊNCIA DOS SEDIMENTOS DE FUNDO DO RIO ARAGUARI-AP COM BASE NAS ASSEMBLÉIAS MINERALÓGICAS

PALEOAMBIENTE DEPOSICIONAL DA FORMAÇÃO BARREIRAS NA PORÇÃO CENTRO-SUL DA ÁREA EMERSA DA BACIA DE CAMPOS (RIO DE JANEIRO)

MINERAIS PESADOS DA PLATAFORMA CONTINENTAL INTERNA FRONTAL À CIDADE DE CABO FRIO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO

DEFORMAÇÃO NEOTECTÔNICA DOS TABULEIROS COSTEIROS DA FORMAÇÃO BARREIRAS ENTRE OS RIOS PARAÍBA DO SUL (RJ) E DOCE (ES), NA REGIÃO SUDESTE DO BRASIL

Oscilação Marinha. Regressão diminuição do nível do mar (Glaciação) Transgressão aumento do nível do mar (Inundação)

CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA IDADE DO SISTEMA DE LAGOS DO BAIXO CURSO DO RIO DOCE (LINHARES, ES)

SÍNTESE DA EVOLUÇÃO GEOLÓGICA CENOZÓICA DA BAÍA DE SEPETIBA E RESTINGA DE MARAMBAIA, SUL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE GEOLOGIA SEDIMENTAR E AMBIENTAL

GEOLOGIA DO QUATERNÁRIO

AQUÍFERO BARREIRAS: ALTO POTENCIAL HÍDRICO SUBTERRÂNEO NA PORÇÃO DO BAIXO RIO DOCE NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.

ANÁLISE MORFOSCÓPICA DOS SEDIMENTOS DE AMBIENTES DEPOSICIONAIS NO LITORAL DE MARICÁ, ESTADO DO RIO DE JANEIRO

MODIFICAÇÕES SEDIMENTARES NA

LAMA DE PRAIA CASSINO

Capítulo 4 Caracterização da Área de Estudos. Capítulo 4

ANEXO 1 GLOSSÁRIO. Vegetação de Restinga

Rio Guaíba. Maio de 2009

Relações morfodinâmicas entre duas praias na porção oriental da Ilha do Mel, PR.

Atividade 14 Exercícios Complementares de Revisão sobre Geologia Brasileira

Serviço Geológico do Brasil CPRM

GRAIN SIZE AND HEAVY MINERALS OF NORTHERN RIO DE JANEIRO STATE BEACHES (SE BRAZIL): SEDIMENT DISTRIBUTION AND DEPOSITION CONDITIONS

GEOMORFOLOGIA COSTEIRA: PROCESSOS E FORMAS

DOMÍNIOS AMBIENTAIS DA PLANÍCIE COSTEIRA ASSOCIADA À FOZ DO RIO SÃO FRANCISCO/SE Hélio Mário de Araújo, UFS.

ANÁLISE GEOCRONOLÓGICA DE CONCHAS DA PLANÍCIE COSTEIRA DE ITAGUAÍ-RJ E SUAS IMPLICAÇÕES

INFLUÊNCIA DO RIO SÃO FRANCISCO NA PLATAFORMA CONTINENTAL DE SERGIPE

Variações Granulométricas durante a Progradação da Barreira Costeira Holocênica no Trecho Atlântida Sul Rondinha Nova, RS

COMPOSIÇÃO QUÍMICA DAS GRANADAS NO ESTUDO DE PROVENIÊNCIA DOS SEDIMENTOS QUATERNÁRIOS DA PORÇÃO SUL DA BACIA DE PELOTAS, RS.

Complexo deltaico do rio Paraíba do Sul: caracterização geomorfológica do ambiente e sua dinâmica recente

FÁCIES E MINERAIS PESADOS DE DEPÓSITOS CRETÁCEOS NA REGIÃO DÔMICA DE MONTE ALEGRE, ESTADO DO PARÁ

ESTUDOS GRANULOMÉTRICOS E DE MINERAIS PESADOS AO LONGO DE UM TRECHO DO RIO GUANDÚ

ESTRATIGRAFIA DO QUATERNÁRIO DA PLANÍCIE DELTAICA AO SUL DO RIO PARAÍBA DO SUL, RJ

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM OCEANOGRAFIA AMBIENTAL

A SEQÜÊNCIA HOLOCÊNICA DA PLATAFORMA CONTINENTAL CENTRAL DO ESTADO DA BAHIA (COSTA DO CACAU)

Determinação das Propriedades Geotécnicas dos Sedimentos Eólicos da Cidade de Natal-RN

Universidade Federal de Pernambuco, Avenida Arquitetura S/N Cidade Universitária Recife (PE), CEP Recife, PE

MORFOLOGIA E DINÂMICA DA PRAIA ENTRE ATAFONA E GRUSSAÍ, LITORAL NORTE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO FERNANDEZ, G.B. 1 ROCHA, T.B. 2 PEREIRA, T.G.

ESTUÁRIOS. - quando os rios encontram o mar...

1º. ProjESimpósio de setembro 2013 RNV Linhares, ES

MORFODINÂMICA PRAIAL ASSOCIADA A SANGRADOUROS NO LITORAL PARANAENSE: RESULTADOS PRELIMINARES

AREA DE ESTUDllO. Fig. i- hreo de estudio. I c

PROCESSOS OCEÂNICOS E A FISIOGRAFIA DOS FUNDOS MARINHOS

CAPÍTULO 2 - ÁREA DE ESTUDO 2.1. SITUAÇÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA

GEOGRAFIA PROF. CARLOS 1ª SÉRIE ENSINO MÉDIO

AGENTES EXTERNOS DO RELEVO

CONSIDERAÇÕES SOBRE IDADES LOE DE DEPÓSITOS COLUVIAIS E ALÚVIO- COLUVIAIS DA REGIÃO DO MÉDIO VALE DO RIO PARAÍBA DO SUL (SP/RJ)

Ambientes tectônicos e sedimentação

MINERAIS PESADOS NA PLATAFORMA CONTINENTAL INTERNA ADJACENTE AO LITORAL CENTRO-NORTE DE SANTA CATARINA

Figura 07: Arenito Fluvial na baixa vertente formando lajeado Fonte: Corrêa, L. da S. L. trabalho de campo dia

GEOLOGIA GERAL CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

RELATÓRIO TÉCNICO - CIENTÍFICO

PARTE PRÁTICA LABORATORIAL DO CURSO DE SEDIMENTOLOGIA (GSA.252)

VARIAÇÃO TRANSVERSAL E LONGITUDINAL DE PROPRIEDADES SEDIMENTOLÓGICAS NOS CORDÕES LITORÂNEOS DA ILHA COMPRIDA, LITORAL SUL PAULISTA

Geografia de Santa Catarina

A análise dos regenerantes concluiu que o recrutamento diminuiu em relação aos períodos anteriores, e a taxa de mortalidade de adultos aumentou.

ESTUDO E AVALIAÇÃO DAS ASSEMBLÉIAS DE MINERAIS PESADOS DETRÍTICOS DAS AREIAS HOLOCÊNICAS PRAIAIS DA MARGEM EMERSA DA BACIA DE PELOTAS

7ºs anos Professor Daniel Fonseca

CONCENTRAÇÃO DE MINERAIS PESADOS DAS PRAIAS DO LITORAL NORTE E MÉDIO DO RIO GRANDE DO SUL: RELAÇÕES ENTRE DERIVA LITORÂNEA E PROCESSOS EROSIVOS

PERFIL PRAIAL DE EQUILIBRIO DA PRAIA DE CAMBURI, VITÓRIA ES.

Aula 10 OS DELTAS - quando os rios depositam mar-adentro

MAPA GEOLÓGICO DA PLANÍCIE COSTEIRA ADJACENTE AOS RECIFES DE ARENITO DO LITORAL DO ESTADO DO PIAUÍ

VULNERABILIDADE AMBIENTAL DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE SABIAGUABA, FORTALEZA-CE.

QUANTIFICAÇÃO E SIGNIFICADO DO RUMO DAS DUNAS COSTEIRAS NA PLANÍCIE QUATERNÁRIA COSTEIRA DO RIO SÃO FRANCISCO (SE/AL)

O que é tempo geológico

Realizado de 25 a 31 de julho de Porto Alegre - RS, ISBN

PROGRAMAÇÃO SAÍDA DE CAMPO BRASPOR 2018 Roteiro: Rio Grande a Chuí TEMPO PREVISTO

45 mm COMPORTAMENTO MORFO-SEDIMENTAR DAS PRAIAS DO MUNICÍPIO DE PONTAL DO PARANÁ PR: DADOS PRELIMINARES

UNIDADES DE RELEVO DA BACIA DO RIO PEQUENO, ANTONINA/PR: MAPEAMENTO PRELIMINAR

ANÁLISE FACIOLÓGICA DE DEPÓSITOS DA FORMAÇÃO BARREIRAS(?) NA REGIÃO DOS LAGOS, ENTRE MARICÁ E SAQUAREMA (RIO DE JANEIRO)

O Sistema de Deposicão

Figura 210. Fotografia aérea do ano de 1957 da linha de costa da Área de Influência Direta AID (modificado de CRUZ, 2010).

LIMA, E. S. ¹ ¹Universidade Federal de Sergipe. Graduando em Geografia Licenciatura. Bolsista PIBIC-CNPq/UFS. E- mail:

7. o ANO FUNDAMENTAL. Prof. a Andreza Xavier Prof. o Walace Vinente

GEOLOGIA COSTEIRA DA ILHA DE SÃO FRANCISCO DO SUL, SANTA CATARINA

Erosão costeira e a produção de sedimentos do Rio Capibaribe

DEPÓSITOS SEDIMENTARES RECENTES DA PORÇÃO SUPERIOR DA BAÍA DE MARAJÓ (AMAZÔNIA)

UNIDADES ECODINÂMICAS DA PAISAGEM DO MUNICÍPIO DE JEREMOABO- BA.

2 Área de Estudo Meio Físico Localização e características gerais

Universidade Guarulhos- Laboratório de Palinologia e Paleobotânica. Mestrado em Análise Geoambiental. Guarulhos, SP, Brasil.

RELEVO BRASILEIRO: Continental e submarino. Prof. Esp. Franciane Borges

Quantidade e diversidade dos recursos minerais depende de: Características geológicas das várias unidades geomorfológicas

Gestão Costeira do Estado do Rio de Janeiro: da geografia marinha às ações

Estéfano Seneme Gobbi. Francisco Sérgio Bernardes Ladeira. Marcelo da Silva Gigliotti

FEIÇÕES REGRESSIVAS E DE CRESCIMENTO DE ESPORÕES IDENTIFICADOS A PARTIR DE SEÇÕES GPR NAS PLANÍCIES COSTEIRAS PARANAENSE E NORTE CATARINENSE

DIAGNÓSTICO AMBIENTAL DO PORTO ORGANIZADO DE ÓBIDOS

Difratometria por raios X

SEDIMENTAÇÃO DO GUAÍBA - RS. Flávio Antônio Bachi*, Eduardo Guimarães Barboza* & Elírio Ernestino Toldo Júnior*

MAPEAMENTO DE COMPARTIMENTOS FISIOGRÁFICOS DE PLANÍCIE COSTEIRA E BAIXA-ENCOSTA E DA VEGETAÇÃO ASSOCIADA, NO LITORAL NORTE DE SÃO PAULO

SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL CPRM DIRETORIA DE HIDROLOGIA E GESTÃO TERRITORIAL DHT DEPARTAMENTO DE GESTÃO TERRITORIAL DEGET RESIDÊNCIA DE PORTO VELHO

Relevo Brasileiro. Professora: Jordana Costa

EVOLUÇÃO DA BARREIRA HOLOCÊNICA NO LITORAL DO ESTADO DO PARANÁ, SUL DO BRASIL

EDITAL DE SELEÇÃO 001/2017 PROVA DE CONHECIMENTOS Data: 07/12/2017 ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: GEOLOGIA MARINHA

Geologia para Ciências Biológicas

Phone: MSc. em Geografia Física, Departamento de Geografia, Universidade da Região de Joinville

Transcrição:

MINERAIS PESADOS DAS AREIAS PRAIAIS DE GUARAPARI (ES): DISTRIBUIÇÃO, PROVENIÊNCIA E FATORES DE RISCO À SAÚDE Daniel R. do Nascimento Jr. 1 ; Vítor A.P. Aguiar 2 ; Paulo C.F. Giannini 1 danieljr@usp.br 1 - Depto. de Geologia Sedimentar e Ambiental, IG, USP; 2 - Instituto de Física, USP. Rua do Lago 562, Cidade Universitária, São Paulo (SP). CEP: 05508-080 Palavras-chave: minerais pesados, proveniência, Guarapari. 1. INTRODUÇÃO A análise de minerais pesados (densidade >2,8 g/cm 3 ) é um importante instrumento na caracterização de rochas sedimentares e sedimentos recentes. Amplamente utilizada para investigação de proveniência sedimentar (Morton & Hallsworth, 1994), tem sido aplicada também, em estudos do Quaternário do Brasil, para ajudar a distinguir sedimentos de diferentes idades e para inferir o padrão de dispersão sedimentar em sistemas deposicionais recentes (Guedes et al., 2010). Historicamente, os minerais pesados das praias guaraparienses tornaram-se foco de interesses relacionados à saúde pública e economia desde o começo do século passado, especialmente devido a presença de pláceres de monazita e ilmenita (Maia et al., 2003), que foram explorados até a década de 1970. Atualmente, o interesse econômico do município está voltado para o turismo. No entanto, a fama de que a radioatividade das areias monazíticas seria benéfica à saúde difundiu-se muito, desde os textos e poesias do médico e ex-morador Dr. Silva Mello, na metade do século XX, a ponto de atribuir-se ao município capixaba o título de Cidade Saúde (Silva Mello, 1972). Decorrência disso, ainda hoje a população tem o hábito de enterrar-se sob as areias da praia da Areia Preta, principalmente os idosos, o que tem gerado preocupação por parte da comunidade médica e científica (Moura et al., 1997, Dias & Gonçalves, 2003). Embora a urbanização tenha reduzido a radiação ambiental em cerca de 50% para o município desde a década de 1980 (Affonseca, 1993), medidas cintilométricas realizadas por Moura et al. (1997) em praias e áreas urbanas demonstraram que, sobre a berma da praia da Areia Preta, a dose equivalente pode chegar a mais de 880 Sv/ano, superior ao limite estabelecido pelo IRD/CNEN a civis não-monitorados. Diante disso, o presente estudo analisa possíveis fatores controladores da proveniência de minerais pesados em praias selecionadas do município de Guarapari (ES). Este estudo tem o potencial de guiar futuras ações preventivas de saúde pública em torno das áreas mais enriquecidas em monazita, e ainda servir de subsídio para outros trabalhos acadêmicos relacionados, por exemplo, a transporte sedimentar e pesquisas de radioatividade ambiental. 2. GEOLOGIA LOCAL

O embasamento cristalino local é composto por rochas metamórficas de alto grau (fácies anfibolito alto a muito alto) do Orógeno Araçuaí/Rio Doce (Neoproterozóico), principalmente kinzigitos, além de ocorrências menores, e melhor evidenciadas na zona costeira, de enderbitos, charnockitos, noritos e gnaisses granulíticos pertencentes à Suíte Bela Joana (Silva et al., 2004). Os kinzigitos relacionam-se às demais rochas por cavalgamentos E-W, ligados à coalescência inicial do Gondwana (Féboli, 1997). A foliação dos kinzigitos e enderbitos surge truncada em quaisquer direções por pegmatitos e aplitos grossos, que frequentemente aparecem também no limite entre essas rochas (Nascimento, 2004). Ao interior, o embasamento constitui elevações de até 600 m na serra da Risca; na zona costeira, aflora em numerosos morros, de altitudes decamétricas, responsáveis pelo litoral recortado em praias de bolso, a exemplo do morro de Santa Mônica. Argilitos, arenitos e conglomerados avermelhados a esbranquiçados da Formação Barreiras, atribuída a sistema fluvial entrelaçado miocênico (Arai, 2006), aparecem em tabuleiros à retaguarda da zona costeira. Seu contato discordante com o embasamento local é observado em pontos isolados na orla, como na praia da Areia Preta (Nascimento, 2004). A Fm. Barreiras possui ampla rede de vales subparalelos, com até vários quilômetros de extensão e centenas de metros de largura, de forma dendrítica e orientação perpendicular ao mar. O fundo aplainado destes vales encontra-se inundado por lagos remanescentes de antigas lagunas (por ex.: lago Nova Guarapari) ou drenados por cursos de água de pequeno porte (até 10 m de largura, como os rios Jabaquara e Una). Ali se desenvolve vegetação pantanosa, que favorece a deposição de lamas e turfas. Onde há interação atuante da água doce das drenagens com a água salgada de mar aberto, desenvolvem-se planícies intermarés com vegetação de mangue (por ex.: Canal de Guarapari). Vales dendríticos da Fm. Barreiras e outras depressões paleolagunares são isolados de mar aberto por sistemas de barreiras arenosas atribuídas ao desenvolvimento de linhas de costa recentes e antigas (praias e paleopraias). Tais barreiras apresentam-se melhor desenvolvidas próximo a desembocaduras dos pequenos rios da região. Martin et al. (1996) reconhecem a existência de terraços altos de antigas barreiras, por eles atribuídos ao Pleistoceno, isolados do mar pela barreira recente (holocênica), (por ex.: à retaguarda do Parque Estadual Paulo César Vinha). As praias recentes de Guarapari são de morfodinâmica intermediária a reflexiva ( praias de tombo ) (Nascimento & Carelli, 2003). 3. MATERIAIS E MÉTODOS Foram coletadas sete amostras de areia recente superficial (até 10 cm de profundidade) da zona de espraiamento das seguintes praias, de norte para sul: Setiba Pina, Setiba, Ermitão, Diabo, Morro, Areia Preta e Peracanga. As amostras foram inicialmente peneiradas e, da classe areia muito fina, submetidas à separação densimétrica de minerais leves e pesados por flutuação e afundamento em líquido denso (bromofórmio, densidade 2,85 g/cm3). A fração de minerais pesados foi então submetida à remoção de minerais magnéticos por atrito suave com ímã portátil. Das alíquotas de minerais pesados não-magnéticos foram em seguida

confeccionadas lâminas petrográficas de grãos imersos em bálsamo do Canadá (índice de refração 1,537). Ao microscópio petrográfico de luz polarizada, realizou-se contagem convencional dos grãos de minerais pesados das lâminas pelo método das faixas (ribbon counting: Galehouse, 1971), num total de ao menos 200 grãos. O resultado foi armazenado em seguida em planilha eletrônica para a confecção de gráficos de distribuição percentual dos minerais. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO Nas praias investigadas, o estudo petrográfico de mais de 1400 grãos identificou os seguintes minerais pesados em ordem decrescente de abundância média: sillimanita (35,2%), zircão (22,8%), andaluzita (14,5%), rutilo (7,4%), monazita (6,2%), cianita (3,2%), titanita (2,) e granada (almandina? 1,5%). Com teores menores do que 1% em média (mineraistraços), também foram identificados turmalina, apatita, ferrossilita, hornblenda, anatásio e agregados mineralóides de leucoxênio e limonita. Essa assembleia reflete contribuição de fonte metamórfica de alto grau (Force, 1980), localmente representada pelos kinzigitos e enderbitos da região serrana e dos costões rochosos de Guarapari. A monazita, em particular, que tem sua origem geralmente atribuída a rochas graníticas e granitóides ácidas (Mange & Maurer, 1992), pode ter sido trazida de uma fonte primária no interior do Espírito Santo durante a sedimentação da Fm. Barreiras, unidade que deve ter captado sedimentos em áreas de proporções muito maiores que o das praias capixabas atuais (Figura 1). Localmente, as praias apresentaram grandes diferenças nos teores dos minerais pesados mais abundantes. Os maiores teores de sillimanita e andaluzita encontram-se nas praias de maior comprimento (quilômetros), como a praia do Morro (>70%), onde a deriva litorânea longitudinal prevalecente rumo sul-sudeste aparenta favorecer a distribuição de minerais pesados menos densos. Minerais pesados mais densos, como zircão, monazita e minerais titaníferos (rutilo, titanita etc.) tendem a concentrar-se mais nas praias de pequeno porte (poucas centenas a dezenas de metros), especialmente onde há falésias eventualmente erodidas pelas ondas, como é o caso das praias de Setiba (72%), Diabo (75%) e Areia Preta (88%). A maior parte dos minerais mais densos pode ter derivação secundária a partir da Fm. Barreiras que, nas praias citadas, ocorre imediatamente na retaguarda ou em restos empoleirados sobre as rochas cristalinas. Essa ideia parece reforçada pela presença de anatásio e leucoxênio entre os minerais-traços titaníferos, espécimes sabidamente formados em condições eodiagenéticas a pedogenéticas pelas quais a Fm. Barreiras tem passado desde o Mioceno. Outros trabalhos já relataram presença de minerais titaníferos e monazita em sedimentos da Fm. Barreiras em Guarapari (Amador, 1982, Nascimento, 2004).

SERRA DA RISCA Rio Una P.E. Paulo César Vinha 20 35'S TIT OUT 5%3% 59% 42% 42% 4% 3% 4% 5% GRA OUT OUT TIT 2% 15% 2 36% 13% Rio Jabaquara Rio Perocão Canal de Guarapari Peracanga 40 30'W SISTEMAS DEPOSICIONAIS COSTEIROS Morro Lago Nova Guarapari Praia da Areia Preta Diabo Setiba Ermitão OCEANO ATLANTICO OUT 3% 6% 18% 2% 64% Morro de Santa Monica Setiba Pina 40 25'W LEU GRA CIA 3% 24% 14% 38% OUTRAS UNIDADES 14% GRA 10% 41% TIT 5% 6% OUT 9% 9% 25% 6% 40% FER LIM 4% 2% 12% 6% Guarapari OUT TUR 0 1 2 3 4 km 40 20'W 20 40'S 20 45'S QUATERNÁRIO SISTEMA BARREIRA AREIAS MARINHAS HOLOCENICAS AREIAS MARINHAS PLEISTOCENICAS SISTEMA ESTUARINO-LAGUNAR ARGILAS E AREIAS PALEOLAGUNARES HOLOCENICAS ARGILAS E AREIAS DE PLANÍCIE INTERMARÉS (MANGUEZAL), HOLOCENICAS NEÓGENO NEOPROTEROZÓICO FORMAÇÃO BARREIRAS: ARGILITOS, ARENITOS E CONGLOMERADOS FLUVIAIS MIOCENICOS EMBASAMENTO - ORÓGENO ARAÇUAÍ / RIO DOCE: SUÍTE BELA JOANA KINZIGITOS ENDERBITOS ARGILAS, AREIAS E TURFAS, QUATERNÁRIOS, INDIFERENCIADOS ÁREAS URBANAS Figura 1. Geologia e distribuição de minerais pesados transparentes em sete praias de Guarapari (ES). Mapa modificado de Martin et al. (1996), Nascimento (2004) e Silva et al. (2004). Símbolos de minerais: (zircão), (rutilo), (monazita), (sillimanita), (andaluzita), TIT (titanita), CIA (cianita), FER (ferrossilita), LEU (leucoxênio), LIM (limonita), GRA (granada), OUT (outros). A praia da Areia Preta, em particular, pode ser considerada uma anomalia em termos de monazita e zircão, que nela somam >80%. Combinado aos teores também anomalamente altos (>35%, contra a média de 1) de minerais pesados em relação aos leves nesta praia (Nascimento, 2004, Maia, 2006), esses dois fatores seriam responsáveis pelos níveis de radioatividade ambiental medidos por Moura et al. (1997), o que representa perigo à saúde de pessoas que a eles se expõem com frequência, como visto na população idosa da região. 5. CONCLUSÕES

As praias de Guarapari possuem minerais pesados compatíveis com fontes locais em rochas metamórficas de alto grau (kinzigitos e enderbitos) da Suíte Bela Joana. No entanto, o teor entre os diferentes espécimes varia muito entre as praias, principalmente na dependência de fatores locais como a suscetibilidade à erosão por ondas e à presença/ausência local de falésias da Fm. Barreiras. A erosão por ondas da Fm. Barreiras enriquece anomalamente as praias da região em minerais pesados mais densos, especialmente monazita, zircão e minerais titaníferos. Novas medições de radiação estão em curso para areias praiais de Guarapari. No atual estado do conhecimento, em praias onde o teor de monazita é mais alto, como Setiba, Ermitão e, principalmente, Areia Preta, a exposição constante e/ou diária de crianças, idosos ou pessoas com histórico de doenças degenerativas (por ex. câncer) é não-recomendada. REFERÊNCIAS Affonseca, M.S. 1993. Influência da urbanização na radiação natural em áreas anômalas. Dissertação de Mestrado em Ciências em Engenharia Nuclear, Instituto Militar de Engenharia - IME. Rio de Janeiro, 129p. Amador, E.S. 1982. O Barreiras pleistocênico no Estado do Espírito Santo e seu relacionamento com depósitos de minerais pesados. Anais do XXXII Cong. Bras. de Geografia, v.4, Salvador (BA). Arai, M. 2006. A grande elevação eustática do Mioceno e sua influência na origem do Grupo Barreiras. Geologia USP, São Paulo, 6, pp.1-6 (Série Científica). Dias, G.T. & Gonçalves, O.D. 2003. Medidas de intensidade de radiação e dose em amostras de areia de Guarapari. O que ainda há para se fazer? Anais do 8 Cong. Bras. de Física Médica. Porto Alegre (RS) 4p. Féboli, W.L. 1993. Folha Piúma: SF.24-V-A-VI (1:100.000). Programa de Levantamentos Geol. Básicos do Brasil (PLGB), DNPM/CPRM (texto explicativo). Brasília (DF), 140 p. Force, E.R. 1980. Geology of titanium-mineral deposits. Special Paper of the Geol. Society of America, Tucson (AZ, USA), v.1, n.259, pp.73-76. Galehouse J.S. 1971. Point counting. In: Carver R.E. (Ed.). Procedures in Sedimentary Petrology. New York, Wiley-Interscience, p. 385-407. Guedes, C.C.F., Giannini, P.C.F., Nascimento, D.R., Jr., Sawakuchi, A.O., Tanaka, A.P.B., Rossi, M.G. 2010. Controls of Heavy Minerals and Grain Size in a Holocene Regressive Barrier (Ilha Comprida, southeastern Brazil). Jour. of South Amer. Earth Sciences, v.31, pp.110-123. Maia, P., Nascimento, P., Junior, A.P. 2003. Parabéns Guarapari, 112 Anos de Emancipação Política. Jornal A Gazeta (Caderno Especial), pp. 3-15. Maia, M.E.F. 2006. Variação espaço-temporal da distribuição dos minerais pesados na Praia da Areia Preta, Guarapari ES. Univ. Fed. do Espírito Santo, Vitória (ES). Monog. de Grad. em Oceanografia (inéd.), 60p. Morton, A.C. & Hallsworth, C.R. 1994. Identifying provenance-specific features of detrital heavy mineral assemblages in sandstones. Sedimentary Geology, 90: 241-256. Moura, J.C., Santos, G.F., Cidade, M.S., Abreu, P.M.T., Nascimento, R.C.C., Pecly, J.O.G., Wiedemann, C.M. 1997. Monitoração geoquímica: gama-radiometria das areias monazíticas da Praia da Areia Preta, Guarapari Espírito Santo. Anais do VI Cong. Bras. De Geoquímica, pp.285-288. Nascimento, D.R., Jr. 2004. Dinâmica e Sedimentação da Praia da Areia Preta (Guarapari ES). Univ. Fed. Rural do Rio de Janeiro, Seropédica (RJ). Trabalho de Graduação em Geologia (inéd.), 109 p. Nascimento, D.R., Jr. & Carelli, S.G. 2003. Bimodalidade granulométrica nas areias da praia da Areia Preta (Guarapari-ES): influência na interpretação sedimentológica. Rev. Universidade Rural (Série Ciênc. Exat. e da Terra), UFRRJ (Rio de Janeiro), v.22, n.1/2, pp.111-116. Silva, M.A., Camozzato, E., Paes, V.J.C., Junqueira, P.A., Ramgrab, G.E. 2004. Folha SF.24 - Vitória. In: Schobbenhaus et al. (eds.). Carta Geológica do Brasil ao Milionésimo. CPRM, Brasília (CD-ROM). Silva Mello, S. 1972. Guarapari, Maravilha da Natureza. Rio de Janeiro. Empresa Gráfica O Cruzeiro, 176 p.