Diagnóstico populacional e comportamental de saguis-de-tufo-preto (Callithrix penicillata) em ambiente peri-urbano.

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Transcrição:

Diagnóstico populacional e comportamental de saguis-de-tufo-preto (Callithrix penicillata) em ambiente peri-urbano. BIANCA CRISTINE BARIJAN¹ ²; FERNANDA GIANNINI VEIRANO²; KATIA MARIA MICCHI PASCHOALLETO DE BARROS FERRAZ²; SILVIO MARCHINI² Universidade Paulista Julio de Mesquita Filho campus Botucatu¹ & Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz /USP campus de Piracicaba² Resumo: O sagui-de-tufo-preto (Callithrix penicillata), abundante na região sudeste do Estado de São Paulo, é uma espécie exótica e invasora. O presente estudo objetivou estudar o comportamento e fazer o monitoramento de uma população do sagui-de-tufo-preto em ambiente antrópico. As observações foram feitas seguindo o método de varredura, que consiste em observações contínuas com a duração de três minutos, com intervalos de quinze minutos entre um registro e outro. Os indivíduos monitorados encontram-se em dois locais do campus, onde foram identificados dois grupos (tendo como média 3,50±2,06 indivíduos), totalizando 291 horas e 30 minutos de observação. Foram determinados os estratos arbóreos utilizados, sendo observado que o grupo do CE utiliza preferencialmente o estrato alto, enquanto o grupo do LCF utiliza os estratos médio e baixo. Também foram observados os tipos de vocalização, como a de chamado, interação e alerta e a freqüência e porcentagem destas. Foram diagnosticados os itens alimentares consumidos pelos grupos, que são semelhantes nos dois sítios de coleta, sendo principalmente seiva e folhas. A partir de observações de padrões comportamentais foi possível construir um etograma da espécie no campus Luiz de Queiroz, que compreende os comportamentos de vocalização, locomoção, forrageamento, brincadeira, entre outros. Os resultados obtidos poderão ser úteis para elaboração de técnicas de manejo e para estudos subseqüentes. Palavras chave: saguis-de-tufo-preto; área urbana; espécies invasoras; etograma. Abstract: The black-tufted-marmoset (Callithrix penicillata), abundant in the southeastern state of São Paulo, is an exotic and invasive species. The present study aimed to study the behavior and make monitoring a population black-tufted-marmoset in man-made environment. The observations were made following the method of scan sampling, which consists of continuous observations with a duration of three minutes with a fifteen-minute intervals between one record and another. The individuals are monitored at two locations on campus, where two groups were identified (with a mean of 3.50 ± 2.06 individuals) totaling 291 hours and 30 minutes of observation. Were determined tree layers used, and observed that the group of EC preferably utilizes the highest stratum, while the group of LCF uses the middle and lower strata. Types of vocalization, such as calling, interaction and alert and frequency and percentage of these were also observed. The food items consumed by the groups that are similar in the two study sites, mostly sap and leaves were diagnosed. From observations of behavioral patterns was possible to construct an ethogram of the species ' Luiz de Queiroz ' campus, comprising the behaviors of vocalization, locomotion, foraging, game, among others. The results may be useful for development of management techniques and for subsequent studies. Key words: black-tufted-marmoset; urban área; invasive alien species; ethogram.

INTRODUÇÃO O estudo de animais exóticos e invasores é de extrema importância para a conservação da biodiversidade. A introdução de espécies em locais fora de sua distribuição natural é uma preocupação importante na conservação de espécies nativas, constituindo-se atualmente na segunda maior causa de perda de biodiversidade em todo o mundo (Morsello, 2001; Pough et al., 2003; Lowe et al., 2004; Reaser et al., 2005). A invasão biológica é um fenômeno resultante de um processo multicausal, dado pela conquista da área pelo organismo, proliferação e persistência de descendentes, podendo interferir na dinâmica dos processos ecológicos por predação ou competição (Silva, 2009). Além das características da espécie predisposição a um rápido crescimento populacional, fecundidade, plasticidade fenotípica e flexibilidade ecológica as características do ambiente isolamento geográfico, baixa diversidade de espécies, alto nível de distúrbios antrópico e ausência de competidores, predadores e parasitas- também colaboram para que uma espécie se torne invasora, sendo que ambientes antrópicos são mais suscetíveis às invasões (Espindola e Junior, 2007). O sagui-de-tufo-preto (Callithrix penicillata) é uma espécie que ocorre em regiões fitoecológicas mais abertas do interior do Brasil, como a caatinga e o cerrado (Mendes, 1997; Decanini, 2006). Por possuir alimentação generalista - folhas, frutos, pequenos animais, seiva - (Silva e Cruz, 1993; Miranda e Faria 2001; Vilela e Del Claro, 2007) e grande flexibilidade comportamental, o sagui de tufo preto é uma espécie potencialmente invasora. Morais Jr. et al. (2008) também cita que a sua alta taxa de reprodução e sobrevivência pode levar a uma explosão populacional, aumentando a sua capacidade de invasão. De acordo com a lista de espécies invasoras publicada pelo Instituto Horus (2012), o sagui-de-tufo-preto foi registrado como espécie invasora em diversas regiões do Brasil, tais como São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Santa Catarina. Na região Piracicaba os saguis-de-tufopreto podem ser encontrados facilmente, mesmo na área urbana. No campus Luiz de Queiroz, em Piracicaba, área constituída por culturas agrícolas, remanescentes florestais e edificações urbanas, os saguis estão bem estabelecidos, com grupos espalhados pelo campus. Tendo em vista a presença desta espécie na área em questão este estudo objetivou realizar o diagnóstico populacional e comportamental dos saguis-de-tufopreto do campus Luiz de Queiroz em Piracicaba, buscando entender a estrutura dos grupos, comportamentos, hábitos alimentares e recursos utilizados. MATERIAIS E MÉTODOS Área de estudo O estudo foi realizado no campus Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, em Piracicaba, São Paulo. O campus é um mosaico de pastagens, culturas

agrícolas, edificações e remanescentes florestais. Há também 136,75 ha de Área de Preservação Permanente e 174,86 ha de Reserva Legal recuperados ou em processo de regularização (Plano Diretor Socioambiental Participativo, 2005). O campus é composto por áreas edificadas e áreas de parque, nas quais os grupos de saguis estão presentes (Figura 1). Foram levantados locais com possível presença do sagui, dentre os quais foram escolhidos os sítios de coleta, buscando-se aqueles que possuíam mais edificações, relatos frequentes de avistamentos de saguis e interação destes com pessoas. Assim, foram determinadas como áreas de observação dos saguis o Departamento de Ciências Florestais (LCF) e prédio de Cultura e Extensão (CE) (Figura 2). O LCF é composto por árvores de pequeno e médio porte ao redor das edificações, grande quantidade de arbustos e palmeiras, apresenta também um pomar com grande variedade de árvores frutíferas. A região do CE se trata de uma estrada de terra permeada por árvores mais altas, contém menos edificações em relação ao LCF e maior variedade de espécies arbóreas. Fonte: Plano Diretor Socioambiental Participativo do campus Luiz de Queiroz. Figura 1. Localização do município de Piracicaba.

Figura 2. Vista aérea da área edificada do campus Luiz de Queiroz e locais de observação dos grupos de saguis (Departamento de Ciências Florestais LCF e prédio de Cultura e Extensão - CE) (Fonte: Google Earth, 2013). Método de observação Foram monitorados grupos de saguis de modo a diagnosticar a população e determinar padrões comportamentais nos grupos previamente identificados. As observações foram feitas seguindo o método de varredura (scan sampling) que, segundo Silveira e Reis (2010), consiste na anotação das informações de interesse do estudo a intervalos de tempo regulares, seguido de períodos sem observações. O intervalo escolhido para as observações é de 3 min. de observação contínua e 15 min. de período entre as observações. A partir das observações foi estimado o tamanho de sua população e sua variação ao longo do tempo, área de uso, itens consumidos, rotas de deslocamento e alguns padrões comportamentais. Além do estrato em que os indivíduos se encontravam (baixo: até 3,5m; médio: de 3,5 a 7m e; alto: acima de 7m); número de indivíduos, sendo que a contagem de indivíduos era feita em cada varredura, quando anotava-se o número de indivíduos visualizados; freqüência e tipo de vocalização, tipo de item alimentar consumido e padrões comportamentais. As observações foram feitas durante os anos de 2012 e 2013, totalizando 291h 30min de observação direta distribuídas em 11 meses. Os intervalos das observações não foram fixos durante esse período.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Grupos e tamanho populacional Foram identificados dois grupos de saguis, sendo dois no LCF e dois na região do CE. O grupo do LCF apresenta tamanho médio de 3,75±2,07 indivíduos (Figura 3) e no CE de 3,32±2,05 indivíduos (Figura 4). Nos gráficos apresentados estão demonstrados a média de saguis avistados nos meses de observação. As observações foram feitas nos meses em que é possível notar os resultados de máximo e mínimo de avistamentos dos saguis. Nos meses de abril de 2012 e de novembro de 2012 a junho de 2013 não foram realizadas observações dos grupos no LCF. E nos meses de abril de 2012, de novembro de 2012 a fevereiro de 2013 e março e junho de 2013 não foram realizadas observações dos grupos do CE. Nos meses de julho e agosto de 2013 houve um grande desvio nos padrões das observações de avistamentos de saguis, devido a maior quantidade de observações e observadores no mesmo local. Figura 3. Flutuação populacional de saguis-de-tufo-preto (Callithrix penicillata) no Departamento de Ciências Florestais (LCF).

Figura 4. Flutuação populacional de saguis-de-tufo-preto (Callithrix penicillata) no prédio da Cultura e Extensão (CE). Área de uso e padrão de movimento Os grupos monitorados utilizaram os três tipos de estratos arbóreos (baixo: até 3,5m; médio: de 3,5 a 7m e; alto: acima de 7m), sendo que a porcentagem de utilização de cada estrato varia em cada local em que o estudo foi realizado. O estrato médio e baixo foram mais utilizados no LCF (Figura 5) devido à ausência de árvores altas. O LCF apresenta maior quantidade de edificações em relação ao CE e por isso a presença predominante de árvores de médio e baixo porte e arbustos. A região do CE é composta por árvores de grande porte, o que explica a utilização do estrato mais alto (Figura 6). Os grupos monitorados do CE não apresentaram padrões determinados nas rotas de deslocamento, ao contrário dos grupos monitorados no LCF, em que foi possível determinar rotas. Um grupo se deslocava ao redor do edifício central do Departamento e o outro se deslocava próximo à ponte perto do LCF (Figura 7). Padrões no deslocamento em relação ao horário também puderam ser observados. Os saguis, em ambos os locais (CE e LCF), apresentavam mais movimento no início da manhã (aproximadamente das 8h as 09h30min) e no início da tarde (aproximadamente das 13h às 15h). Com o passar do tempo os saguis apresentavam mais repouso do que deslocamento. Foi observado que o estrato baixo é pouco utilizado, o que já era esperado, já que se trata de animais exploradores de copa e subcopa (Mendes, 1997). Todavia, há influência da estrutura e composição do espaço e disponibilidade de alimentos na escolha do espaço utilizado (Castro, 2003). Figura 5. Estratos arbóreos utilizados pelos saguis-de-tufo-preto (Callithrix penicillata) no Departamento de Ciências Florestais (LCF)

Figura 6. Estratos arbóreos utilizados pelos saguis-de-tufo-preto (Callithrix penicillata) no prédio da Cultura e Extensão (CE). Figura 7. Vista aérea da região do Departamento de Ciências Florestais (LCF) com identificação dos dois grupos observados no local (Fonte: Google Earth, 2013). Vocalização A vocalização é um comportamento muito comum dos saguis, por isso foi possível quantificar a frequência e descrever os tipos mais comuns observados. O tipo de vocalização mais comumente observado foi a de chamado, que os saguis utilizam para comunicação direta, quando estão distantes uns dos outros, dispersos ou quando estão em movimento, forrageando e alimentando. O segundo tipo de

vocalização mais utilizado pelos saguis foi a vocalização de interação, mais comum quando os indivíduos estão próximos, é mais baixa e também é comum quando estão interagindo ou brincando. O terceiro tipo de vocalização é a de alerta, que foi observada em situações em que possíveis predadores estavam presentes, como cães, gatos e aves de rapina. A porcentagem dos tipos de vocalização observados nos dois locais de estudo foi semelhante (Figuras 7 e 8). A frequência de vocalização (Figura 9) foi discriminada em alta, normal, baixa e sem vocalização. A vocalização determinada como alta foi observada em igual frequência no grupo do LCF e do CE. Já as determinadas como normal e baixa foram mais frequentes no CE, possivelmente pelo fato dos indivíduos ficarem mais dispersos neste local, necessitando maior comunicação entre os indivíduos. A frequência dos registros sem vocalização foi maior no LCF, explicada pelo fato dos saguis não se distanciarem tanto uns dos outros. De acordo com Mendes (1997) para espécies arborícolas de primatas a vocalização é uma importante forma de comunicação. A maior parte do tempo em que os saguis foram observados, apresentaram algum dos tipos de vocalização. O tipo de vocalização mais freqüente foi a de chamado em ambos os sítios de coleta, mas ainda foi possível observar outros tipos, o que concorda com o que Barros (2009) diz sobre o repertório vocal do sagui-de-tufo-preto. Este repertório é amplo e variado, indicando comportamentos relacionados a coesão entre o grupo, estresse, forrageio, agonismo e alerta. Figura 8. Tipos de vocalização dos saguis-de-tufo-preto (Callithrix penicillata) no Departamento de Ciências Florestais (LCF).

Figura 9. Tipos de vocalização dos saguis-de-tufo-preto (Callithrix penicillata) no prédio de Cultura e Extensão (CE). Figura 10. Frequência de vocalização do saguis-de-tufo-preto (Callithrix penicillata). Forrageio Os saguis apresentam hábito alimentar bastante variado em ambos os locais monitorados. Alguns itens são mais comuns, como a seiva e folhas, que comem durante todas as estações. Mas as frutas, por exemplo, foram bastante expressivas nos resultados das observações durante os meses de início da primavera, em que a maioria das árvores do LCF estavam em frutificação. Os saguis apresentam estratégias de forrageamento bem definidas para alguns itens, como a seiva e a predação de ovos de pássaros. E não apresentam

horário determinado para fazer a alimentação, intercalam movimentação, forrageamento e alimentação. O único momento em que fazem somente a alimentação é durante a alimentação artificial de banana, em que ficam em repouso em locais já determinados. No LCF (Figura 10) a predominância de itens alimentares foi de seiva, seguido de folhas e frutos, devido à presença de grande quantidade de árvores frutíferas. Na região do CE a alimentação foi ainda mais variada (Figura 11), pois houve mais registros de predação, entre eles de lagartixa e ovos de pássaros. Figura 11. Observações de itens alimentares ingeridos pelos saguis-de-tufo-preto (Callithrix penicillata) por mês no Departamento de Ciências Florestais (LCF). Figura 12. Observações de itens alimentares ingeridos pelos saguis-de-tufo-preto (Callithrix penicillata) por mês no prédio de Cultura e Extensão (CE).

Durante as observações foram registradas duas vezes, em dias alternados, predações dos saguis-de-tufo-preto a ninhos de aves no campus Luiz de Queiroz. Foi possível identificar comportamento de forrageio em áreas próximas aos ninhos predados e alimentação do conteúdo de ovos que estavam nos ninhos. Durante a aproximação dos ninhos houve conflito com o sabiá-barranco (Turdus leucomelas). A alimentação suplementar de banana que é feita no campus é uma questão a ser analisada, pois nessa prática as pessoas entram em contato direto com os saguis. Isso pode se tornar um problema já que esses indivíduos podem ser transmissores de doenças, e ainda a questão da domesticação da fauna silvestre que deve ser levada em conta. A partir das observações realizadas foi possível diagnosticar que os saguis estão acostumados com o oferecimento de banana pelas pessoas, de modo a ficarem próximos dos locais onde é oferecida em horários determinados, alterando alguns padrões comportamentais, como o tipo e freqüência de vocalização e a aproximação de humanos. No entanto, a freqüência na alimentação suplementar realizada no ano de 2013 foi menor que no ano de 2012. No LCF a alimentação artificial deixou de ser realizada e no CE a freqüência de observação de tal fato foi bem menor que no ano anterior. Alguns estudos têm demonstrado que os saguis apresentam como item predominante na dieta a ingestão de seiva (Decanini, 2006), pois seria um recurso disponível tanto na estação chuvosa como na estação seca para os grupos. No campus Luiz de Queiroz o que foi observado em relação à seiva foi consistente com estes estudos, que foi o item mais freqüentemente consumido pelos grupos, seguido de folhas e frutas nos meses de agosto, setembro e outubro. Etograma O etograma é composto por uma lista de comportamentos para descrever tendências ambientais em determinadas espécies. Neste caso foram observados os comportamentos de alguns grupos de sagui-de-tufo-preto no campus. Estão relacionados alguns padrões de atividades na Tabela 1 que foram mais freqüentes nos grupos observados. A partir as categorias comportamentais determinadas foi possível quantificar a porcentagem do tempo gasto pelos saguis em cada tipo de comportamento (Figura 12 e 13). Nos dois sítios de coleta, foi determinado que a vocalização (29%) foi o comportamento mais comum registrado, seguido da locomoção (20%) e repouso (20%). O restante dos comportamentos apresentaram menor porcentagem do tempo dos saguis observados, variando entre 0 e 15%. Segundo Dunbar (1988) as atividades diárias mais frequentes de espécies de primatas são a alimentação, a locomoção, o descanso e as interações sociais, como brincadeira, alocatação, entre outros.

Tabela 1. Etograma de um grupo de saguis-de-tufos-pretos (Callithrix penicillata) (adaptado de ALMEIDA et al. 2012. Categorias de Comportamento 1) Vocalização Todos os tipos de vocalização. 2) Alocatação Animal catando o pelo de outro animal ou sendo catado por outro animal, com a boca ou os membros. 3) Locomoção Ato de deslocar, caminhar, pular, correr ou escalar. 4) Repouso Ato de não se movimentar. 5) Investida Mover rapidamente o corpo em direção a um animal de outra espécie e/ou perseguí-lo agressiva sem contato. 6) Brincadeira Perseguições, esconde-esconde, mordidas e lutas. 7) Interação com humanos Recebimento de alimento diretamente das pessoas. 8) Forrageamento Ato de procurar por alimento, mostrando atenção permanente ao ambiente ao redor. 9) Escarificação Ato de roer e/ou raspar os dentes na casca de uma árvore de goma. 10) Gomivoria Ato de comer/lamber goma e/ou outros exsudatos vegetais. 11) Frugivora Ato de morder e/ou mastigar alimentos de origem vegetal. 12) Predação animal Ato de morder e/ou mastigar alimentos de origem animal. 13) Marcação odorífera Ato de esfregar a região genital em algum substrato, podendo ser acompanhado de algumas gotas de urina.

Figura 12. Tempo alocado pelos grupos de saguis-de-tufo-preto (Callithrix penicillata) em cada categoria comportamental. Figura 13. Porcentagem de tempo utilizada nos grupos de saguis-de-tufo-preto (Callithrix penicillata) em cada categoria comportamental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O monitoramento dos grupos de saguis-de-tufo-preto do campus Luiz de Queiroz ao longo dos anos de 2012 e 2013 determinou a localização dos indivíduos em duas regiões do campus, no Departamento de Ciências Florestais LCF e na região do Prédio de Cultura e Extensão (CE). O estudo determinou os estratos arbóreos utilizados pelos saguis e os tipos de vocalização observados. Foi possível fazer a identificação dos itens alimentares consumidos e construir um etograma a partir dos padrões comportamentais observados. Os resultados aqui apresentados poderão ser úteis para a elaboração de técnicas de manejo da população residente, se necessário. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alexandrino, E. R.; Luz, D. A. T.; Maggiorini, E. V.; Ferraz, K. M. P. M. B. Nest stolen: the first observation of nest predation by an invasive exotic marmoset (Callithrix penicillata) in an agricultural mosaic. Biota Neotropica (Online. Edição em Inglês), 2012. Almeida, R.V; Carvalho, C.F; Gondim, M.J.C; Custódio, A.E.I. Etograma de um grupo de saguis-de-tufos-pretos (Callithrix penicillata) no Campus Umuarama, Universidade Federal de Uberlândia, MG), 2012. Barros, A; Yoshida, C. E. Vocalização de saguis-de-tufo-preto (Callithrix penicillata): identificação e descrição de sons e respostas comportamentais. Bioikos, Campinas, 2009. Castro, C. S. S. Tamanho da área de vida e padrão de uso do espaço em grupos de sagüis, Callithrix jacchus (Linnaeus) (Primates, Callitrichidae), Rev. Bras. Zool. vol.20 no.1 Curitiba Mar. 2003. Espinola, L. A; Ferreira, J. J. H. Especies invasoras: conceptos, modelos y atributos. INCI, sep. 2007, vol.32, no.9, p.580-585. ISSN 0378-1844. Funes, R. H.; Paiva, J. B.; Araujo, J. M. M.; Alexandrino, E.R.; Ferraz, K. M. P. M. B Espécies exóticas: o Callithrix penicillata no Campus Luiz de Queiroz Simpósio de Iniciação Científica da Universidade de São Paulo. 2011. Decanini, D. P., Socialidade em saguis do cerrado (Callithrix penicillata): Estratégias comportamentais nas relações intra e inter grupos. Dissertação (mestrado) UNB, Brasilia, 2006. Dunbar, R. I. M. 1988. Primate social systems. Croom Helm, Beckenham. 373p. Mendes, S. L. Padrões biogeográficos e vocais em Callithrix do grupo jacchus. 1997. 80f. Tese (Doutorado em Ecologia) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997.

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