Oficina 4 - Danças Populares Brasileiras Vivian Parreira da Silva 1 Mariela Pinheiro Alves Cardoso 2 Sinopse: Na arte popular as diferentes expressões encontram-se amalgamadas. Movimento, voz, músicas, instrumentos de percussão e objetos simbólicos ou alegóricos fazem parte de uma mesma expressão. Desta forma esta Oficina se orienta pelos processos de criação tendo como base às manifestações da cultura popular brasileira. Trabalharemos as danças populares brasileiras, particularmente o cacuriá e o coco. Por meio destas danças, perceberemos possibilidades de expressão do nosso corpo. É o corpo que percebe o mundo e dialoga com ele. É o corpo afetivo e dinâmico, capaz de se expressar também por meio dos ritmos, das danças, do improviso, da criação, da relação com o outro, do convívio em grupo enfim as expressões individuais são valorizadas e convidadas a compor o todo. Todo mundo dança junto. Palavras-chaves: danças populares brasileiras; educação; cultura corporal; cultura popular. Introdução Na arte popular as diferentes maneiras de expressões encontram-se amalgamadas. Movimento, voz, músicas, instrumentos de percussão e objetos simbólicos ou alegóricos fazem parte de uma mesma expressão. Desta forma, tanto a observação quanto a prática desta arte devem considerar esta multiplicidade de linguagens desde o princípio, porque a simultaneidade de ações exige prática constante. Esta premissa é básica para a apreensão da arte popular, bem como para constituir uma identidade que permita acrescentar ao repertório tradicional as variações pessoais. Na cultura popular, as variações são uma forma de ampliar o repertório e exercitar a criatividade. As apresentações do GiraFulô são, no nosso entendimento, celebrações nas quais o público é convidado a participar e celebrar conosco por meio do canto, da dança e da interatividade a alegria, e a ludicidade da vida. Desta maneira aproximamos o ver do fazer. Também nas oficinas e na prática cotidiana a arte se aproxima da educação e a educação é abordada como um meio para trocar conhecimentos e sensibilizar para as diferentes maneiras de se compreender o mundo. 1 Coordenadora do grupo de dança GiraFulô; Membro da Sociedade de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana (SPQMH) e do Núcleo de Estudos de Fenomenologia em Educação Física (NEFEF). 2 Membro do grupo de dança GiraFulô; Licencianda em Educação Física pela Universidade Federal de São Carlos (CEF/UFSCar); Membro do Núcleo de Estudos de Fenomenologia em Educação Física (NEFEF).
O estudo da dança em nosso trabalho se dá no dançar junto no grupo e no convívio. As diferenças são superadas por meio da atuação do grupo em situações diversas, nas quais as danças se adaptam de forma crítica, lúdica e ousada. Interagimos com o contexto sócio político cultural, participando e propondo eventos nos quais cada indivíduo tem a oportunidade de agir e reagir, mostrar e perceber, criar e trocar expressões. Estes aspectos podem ser observados no cotidiano no grupo em relação às experiências que cada um traz consigo, no GiraFulô a experiência individual é importante e essencial para que possamos construir um trabalho legítimo e com a nossa cara. A partir do conhecimento de cada um surgem músicas compostas pelos integrantes do grupo, assim como as coreografias que são criadas coletivamente. Cultura Popular A partir das práticas e pesquisas na cultura popular, por meio das danças, podemos perceber variadas formas de se traduzir e perceber a cultura popular por isso aqui a compreendemos não como um conceito formatado e direcionado aos saberes acadêmicos, mas como uma dimensão do fazer cultural, ou seja, um tecido de perspectivas que expressa diferentes pontos de vista, informações, conhecimento, práticas e crenças. Nesta abordagem somos todos, em maior ou menor grau, praticantes da cultura popular. O primeiro passo, portanto, é cada um perceber suas expressões culturais, perceber os outros e ampliar o conhecimento em todas as dimensões da cultura, inclusive na dimensão popular. O Corpo O corpo do qual falamos é o corpo sensível que percebe o mundo e dialoga com ele. É o corpo afetivo e dinâmico, capaz de se expressar e dialogar com o mundo. O corpo humano tem muitas possibilidades de movimentação. Conhecer estas possibilidades, assim como suas limitações por meio das danças brasileiras permite organizar os movimentos que expressam a identidade de um grupo. Flexionar-estender, levantar-descer, inclinar, curvar, rotar, movimento circular, torcer, deslocar. Aguçar o tato, perceber o espaço, olhar no olho, cantar e fazer o ritmo. Amassar, espalhar, recolher, limpar, abanar, derreter, coçar, pisar, cortar, cutucar, voar, mergulhar, ajoelhar, beijar. É infinita a lista de possibilidades do movimento humano que percebemos nas danças da cultura popular.
As danças das quais falamos são ritmadas, coletivas, agitadas e divertidas. Oferecem oportunidades de contato e apoio corporal entre os dançadores e o público. Os movimentos vivenciados nestas danças são comuns a todos e ao mesmo tempo proporcionam possibilidade de variação pessoal. O canto e o instrumento são introduzidos como parte do movimento. Com esta prática pretende-se descontrair, no sentido literal de tirar a contração, estabelecer relações interpessoais e de grupo e, ainda, ampliar o conteúdo cultural da prática artística. Ao se pensar o corpo, pode-se incorrer no erro de encará-lo como puramente biológico, um patrimônio universal sobre o qual a cultura escreveria histórias diferentes. Afinal, homens de nacionalidades diferentes apresentam semelhanças físicas. Entretanto, para além das semelhanças ou diferenças físicas, existe um conjunto de significados que cada sociedade escreve nos corpos de seus membros ao longo do tempo, significados estes que definem o que é corpo de maneiras variadas. (DAOLIO, 1994). O Contexto das Danças Neste trabalho focaremos as atividades nas danças do cacuriá, do coco e da congada: os três cês! O cacuriá é uma dança executada ao som das caixas do Divino - pequenos tambores que acompanham a dança, animada por um cantor ou cantora, que puxa a dança e cujos versos, de improviso ou conhecidos, são respondidos por um coro formado pelos dançadores. Criada há mais ou menos trinta anos. Dançado em roda nas ruas da capital do Maranhão, o cacuriá tem suas origens na Festa do Divino Espírito Santo. Após o derrubamento do mastro do Divino, que encerra a obrigação religiosa, as caixeiras se reúnem para vadiar, esta parte profana da festa é o lava-pratos. O nome da dança varia de região para região, dão o nome de Carimbó de Caixeira no município de Guimarães, Baile de Caixa em Penalva, Bambaê de Caixa em Pinheiro. As dançadeiras podem ser de qualquer idade, existe até 75 anos, e enquanto se desenvolve a dança, as caixeiras, em número de seis, cantam toadas ou desafio, de improviso, sendo acompanhadas, em coro, pelos dançantes. Alauriano Campos de Almeida, popular Seu Lauro, artista popular que também botava Bumba-boi e Tambor de Crioula, criou a partir da musicalidade do movimento e dos versos desta festa a Dança do Cacuriá. Seu Lauro explica que a dança do cacuriá é uma
mistura de samba, marcha e valsa e "chorado", o que exige muito esforço físico. Por isso é que as partes não passam de trinta minutos (PACHECO; GOUVEIA; ABREU, 2005). Entrevista com D. Teté Entrevista concedida à Rádio Universidade FM, Universidade Federal do Maranhão (D. Teté, folclorista, coordenadora do Cacuriá mais famoso do Estado do Maranhão). A congada é uma dança-dramática, de origem africana, rememorando costumes e fatos da vida tribal. Na sua versão mais primitiva e generalizada é um cortejo real, desfilando com suas danças cantadas. Por mais simplificado que possa se apresentar um terno de Congo sempre alude a práticas religiosas, trabalhos, guerras e festas da coletividade. As práticas do cortejo, ou procissão, e da coroação festiva de reis políticos ou simbólicos, são apontadas por Mário de Andrade (1982), como matéria original de onde foi formada a Congada. Estes costumes são anteriores à época colonial e referentes a cada etnia que se encontrou no Brasil, os negros e os europeus. Em Uberlândia, a Festa do Rosário era comemorada no segundo Domingo do mês de outubro, e aconteciam, simultaneamente, a Festa da Irmandade dos Homens Pretos, na Igreja do Rosário, e a festa dos brancos, na igreja Matriz. Os padres acharam por bem mudar o dia da festa dos negros que, a partir de 1929, passou a se realizar no segundo Domingo de novembro. Em 2003 a festa de Uberlândia volta a acontecer no segundo domingo do mês de outubro. Ainda no tempo da escravatura, os negros se reuniam no mato e ali cantavam e dançavam em louvor a sua santa protetora. Assim, por volta de 1874 começou o movimento do Congado em Uberlândia, por meio da pessoa do Sr. André. Ele reunia os negros da região do Rio das Velhas e Olhos D água, que saíam batendo caixa venerando e pedindo a Nossa Senhora do Rosário para libertá-los da escravidão (HISTÓRICO, s/d). A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens de Cor de Uberlândia, criada por ex-escravos para veneração aos seus santos protetores, existe como entidade registrada desde 12 de julho de 1916.
A Irmandade do Rosário congrega atualmente vinte e quatro ternos entre Congos, Marinheiros, Marujos, Catupés e Moçambiques. O mais antigo deles é o Congo Sainha, criado pelo Sr. André, bisavô do atual presidente da Irmandade. Mário de Andrade conclui que os Reis do Congo se espalharam com abundância, num narcisismo comovente (TATU DANÇANDO, 2005). O coco é uma dança popular nordestina, cantado em coro e refrão que responde aos versos do tirador de coco, chamado também coqueiro. É canto-dança das praias e do sertão encontrado em vários estados nordestinos. Em cada um deles recebe nomes específicos tais como: coco praieiro na Paraíba; Bambelô ou coco de Zambê no Rio Grande do Norte; Tará ou coco de roda em Pernambuco; samba de aboio ou samba de coco em Sergipe e Coco, pagode ou samba em Alagoas. É uma dança de roda cantada, com acompanhamento de pandeiros, ganzás, cuícas e das palmas dos que formam a roda. Há vários tipos de coco, e esta variedade não se verifica exclusivamente entre os estados, mas também em seu interior, até mesmo numa única cidade. No coco são encontradas inúmeras variações tanto de estruturas coreográficas quanto poético-musicais. Os nomes dados aos diferentes tipos de coco mostram suas características com relação aos instrumentos musicais, coco de ganzá ou coco de zambê, da forma do texto poético, como o coco de décima ou de oitava, do lugar onde é executado, coco de praia, ou ainda do processo poético-musical, caso do coco de embolada. A influência africana é visível, dona Hilda, mestre de coco em Alagoas disse a Telma Cavalcante, integrante do grupo Comadre Fulozinha, que o coco é do tempo da escravidão, quando esse povo [os escravos fugidos] andavam tudo pelo meio do mato. Há também influências indígenas, tanto na dança quanto no uso do ganzá, instrumento musical característico do coco. Luis Heitor escreve: A meu ver o coco representa a fusão mais harmônica entre a musicalidade cabocla e a negra.nos grupos tradicionais os instrumentos são em sua maioria de percussão. Pandeiro, ganzá, bombo e cuíca marcam o ritmo, acompanhado também por palmas e trupés, que são as batidas dos pés no chão. Diversos grupos de música contemporânea compõem cocos, utilizando instrumentos harmônicos e arranjos elaborados (TATU DANÇANDO, s/d). As Danças Brasileiras e a Educação Física
A partir das práticas do grupo GiraFulô, é possível dizer num primeiro momento que as danças tradicionais brasileiras fazem parte da cultura corporal, sendo assim, estão inseridas no contexto escolar. A expressão corporal é tomada como linguagem, conhecimento universal, um patrimônio cultural humano que deve ser transmitido aos alunos e por eles assimilado a fim de que possam compreender a realidade dentro de uma visão de totalidade, como algo dinâmico e carente de transformações. (DAOLIO, 2004, p.29). Desta maneira, percebemos a importância da inserção destas práticas corporais, as danças brasileiras, no contexto escolar como uma forma de não exclusão dos alunos nas aulas de educação física. O trabalho do professor norteado pelas práticas da cultura popular permite e possibilita reconhecer que é possível a criação de novos movimentos, novas músicas, caracterizando as danças tradicionais brasileiras, em uma prática inclusiva e que possibilita o exercício da criatividade. Pois na cultura popular tradicional todos dançam e criam juntos valorizando as diferenças e respeitando a sabedoria advinda dos mais velhos. Ao considerar as danças tradicionais como possível conteúdo curricular, estamos reconhecendo homens e mulheres como sujeitos da vida social, como participantes ativos na sociedade, que criam e modificam seus costumes de acordo com seu tempo, valorizando a pluralidade cultural que caracteriza nosso país. Assim, acreditamos que os trabalhos em dança podem e devem ser reconhecidos como práticas culturais e artísticas legítimas de um povo e de grupos que formam as sociedades. Por isso sabemos da importância da valorização destas práticas na escola não apenas em datas especiais ou meramente como alegorias festivas. É necessário que sejam vistas com um olhar diferenciado e possam estar incorporadas ao cotidiano e ao conteúdo escolar de maneira que possibilite ao aluno o conhecimento destas culturas bem como o reconhecimento dos próprios educandos nestas práticas, e ainda chama a atenção para a valorização dos saberes tradicionais que não estão na escola e nem na academia e nem por isso podem ser considerados menores e menos importantes. Em suma, concordamos com Daolio (1994) ao afirmar que o ser humano:...por meio do seu corpo, vai assimilando e se apropriando de valores, normas e costumes sociais, num processo de incorporação (a palavra é significativa). (...) Mais do que um aprendizado intelectual, o indivíduo adquire um conteúdo
cultural, que se instala no seu corpo, no conjunto de suas expressões. Em outros termos, o homem aprende a cultura por meio do seu corpo (p.39-40). Referências ANDRADE, Mário de. Danças dramáticas do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; Brasília: INL, Fundação Nacional Pró-Memória, 1982. DAOLIO, Jocimar. Da cultura do corpo. Campinas: Papirus, 1994.. Educação física e o conceito de cultura. Campinas: Autores Associados, 2004. ENTREVISTA com D.Teté, 2002. Disponível em: http://www.oimparcial.com.br/20010923/cid03.htm HISTÓRICO da Festa da Congada de Uberlândia. A devoção a Nossa Senhora do Rosário. Prefeitura Municipal de Uberlândia. s/d (mimeo) PACHECO, Gustavo, GOUVEIA, Cláudia; ABREU, Maria Clara. Caixeiras do Divino Espírito Santo de São Luis do Maranhão. Rio de Janeiro: Associação Cultural Caburé, 2005. TATU DANÇANDO. Apostila do Grupo de Danças Brasileiras Baiadô. 2005. (mimeo).