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9 HEMIPENICECTOMIA EM JARARACA-ILHOA (Bothrops insularis) RELATO DE CASO RESUMO Kalena Barros da Silva 1 Diego Ferreira Muniz-da-Silva 2 Karina Maria Pereira da Silva 1 Viviane Campos Garcia 1 Selma Maria Almeida Santos 3 Prolapsos do órgão copulatório podem ocorrer em serpentes e lagartos, embora sejam mais comuns em quelônios. Estão associados a causas diversas, tais como trauma envolvendo o músculo retrator do hemipênis ou o esfíncter cloacal, infecções, separação forçada durante a cópula e inflamação secundária decorrente do uso de sondas para sexagem. O presente trabalho descreve o tratamento cirúrgico realizado em um exemplar macho de jararaca ilhoa (Bothrops insularis) pertencente ao plantel do biotério conservacionista do Laboratório de Ecologia e Evolução do Instituto Butantan, São Paulo, Brasil, que apresentou quadro de prolapso do hemipênis direito. Neste caso, a hemipenicectomia foi considerada bem sucedida. Palavras-chave: Bothrops insularis, hemipênis, cirurgia, serpentes. HEMIPENICECTOMY IN THE GOLDEN LANCEHEAD (Bothrops insularis) CASE REPORT ABSTRACT Copulatory organ prolapses are more common in chelonians, although they can also occur in snakes and lizards. They may be associated with different causes, such as trauma involving the retractor muscle of hemipenes or cloacal sphincter, infections, forced separation during copulation and secondary inflammation resulting from the use of probes for sexing. This paper describes the surgical treatment performed on a male golden-lancehead (Bothrops insularis) of Vivarium Conservation of Laboratório de Ecologia e Evolução do Instituto Butantan, São Paulo, Brazil, which showed a prolapse in the right hemipenes. In this case, hemipenicectomy was considered successful. Key words: Bothrops insularis, hemipenis, surgery, snakes. HEMIPENICECTOMIA EN LA SERPIENTE ISLEÑA Bothrops insularis - REPORTE DE UN CASO RESUMEN Aunque son más comunes en los quelonios, los prolapsos del órgano copulador pueden ocurrir también en las serpientes y los lagartos. Esta anormalidad puede estar asociada a 1 Mestranda pelo programa de pós graduação em Anatomia dos animais domésticos e silvestres do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo 2 Doutorando pelo programa de pós graduação em Anatomia dos animais domésticos e silvestres do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo 3 Pesquisadora do Instituto Butantan e Pós Doutoranda pelo programa de pós graduação em Anatomia dos animais domésticos e silvestres do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

10 diversas causas, tales como trauma del músculo retractor del hemipene o del esfínter cloacal, infecciones, separación forzada durante la copulación e inflamación secundaria resultante de la utilización de sondas para determinación del sexo. En este trabajo se describe el tratamiento quirúrgico realizado en un macho de serpiente isleña (Bothrops insularis), perteneciente al bioterio de conservación del Laboratorio de Ecología y Evolución del Instituto Butantan, São Paulo, Brasil, que presentó prolapso del hemipene derecho. En este caso, la hemipenicectomia fue considerada como satisfactoria. Palabras-chave: Bothrops insularis, hemipenes, cirugía, serpientes. INTRODUÇÃO Bothrops insularis, comumente chamada de jararaca-ilhoa, é uma serpente endêmica da Ilha da Queimada Grande, localizada no Litoral do estado de São Paulo, Brasil. A espécie é considerada criticamente ameaçada, incluída desde 1996 na Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas da International Union for Conservation of Nature (1). A jararaca-ilhoa, comparada com sua ancestral, a jararaca do continente (Bothrops jararaca), apresenta diversas peculiaridades, como corpo mais delgado, cauda ligeiramente preênsil (2) e coloração amarelada (3). Seu hábito arborícola é bem mais acentuado quando comparado a outras espécies do gênero (3, 4). As serpentes, assim como lagartos, possuem um par de órgãos copulatórios denominados hemipênis (5). Os hemipênis encontram-se alojados dentro de sacos cegos na base da cauda, em posição invertida. Durante o acasalamento, apenas um dos hemipênis é evertido e utilizado na cópula (6). O prolapso do órgão copulatório é mais comum em quelônios, mas também ocorre em serpentes e lagartos (6, 7). As possíveis causas do prolapso são diversas: trauma, inflamação, infecção, hiperparatireoidismo secundário nutricional, déficit neurológico, trauma envolvendo o músculo retrator do hemipênis ou o esfíncter cloacal, parasitas intestinais, urólitos cloacais e separação forçada durante a cópula (6). No entanto, as causas mais frequentes são infecções, separação forçada durante a cópula e inflamação secundária decorrente do uso de sondas para sexagem (8). O tratamento conservativo consiste na reacomodação manual do hemipênis dentro da base da cauda após a redução do edema. Deve-se realizar a lavagem do órgão com solução fisiológica fria antes da reintrodução. Em seguida, o edema deve ser reduzido com aplicação de compressas frias, fluidos higroscópicos, glicerina ou solução concentrada de açúcar (6, 7). Após a reintrodução do hemipênis na cavidade, deve ser realizada uma sutura simples interrompida em cada lado na margem lateral da cloaca, mantendo-a parcialmente fechada, evitando a recidiva do prolapso, porém, permitindo a defecação (6). Após duas semanas os pontos podem ser removidos (6). Na maioria dos casos o hemipênis prolapsado encontra-se edemaciado e com lacerações teciduais, apresentando quadros de infecção secundária e necrose tecidual (6). Nessas condições é indicado o tratamento cirúrgico com amputação do órgão (7). A remoção de um hemipênis, mantendo-se o outro íntegro, não compromete a reprodução do animal, pois somente um hemipênis é usado durante a cópula. A micção também não é prejudicada, uma vez que os répteis não possuem uretra peniana e o órgão copulatório não tem função para o sistema urinário (8). A técnica de amputação do hemipênis é denominada de hemipenicectomia (9). Em lagartos Anolis carolinensis submetidos à hemipenicectomia bilateral, o comportamento reprodutivo dos machos (corte e tentativa de cópula) não foi alterado e as fêmeas continuaram sexualmente receptivas (10). Sendo assim, este trabalho tem como objetivo descrever o procedimento de hemipenicectomia em serpente.

11 RELATO DE CASO Um exemplar macho de jararaca ilhoa (Bothrops insularis) medindo 87 cm e pesando 110g apresentou quadro de prolapso do hemipênis direito (Figura 1). O animal pertence ao plantel do biotério conservacionista do Laboratório de Ecologia e Evolução do Instituto Butantan, onde os espécimes são mantidos individualizados em caixas plásticas transparentes. Figura 1. Exemplar macho de Bothrops insularis apresentando quadro de prolapso de hemipênis Ao exame físico, o animal apresentava-se alerta, com mucosas róseas, olhos brilhantes, ausência de ectoparasitas, de lesões externas na pele ou de disecdise. O órgão prolapsado encontrava-se edemaciado, cianótico, com áreas ressequidas e pequenos focos necróticos, sendo indicado o tratamento cirúrgico. Para o procedimento cirúrgico o animal foi contido fisicamente em tubo plástico transparente e teve a região cloacal lavada vigorosamente com solução fisiológica. Em seguida fez-se antissepsia do sítio cirúrgico com iodopovidona (Povidine ). Foi realizada anestesia local infiltrativa com lidocaína, na dose de 15mg/kg, na base do órgão e em sua linha mediana. Aguardou-se 10 minutos para observação do efeito da anestesia e insensibilização da região a ser amputada. O hemipênis foi então cuidadosamente tracionado para que fosse possível a visualização da área sadia. Procedeu-se com a transfixação bilateral e ligadura na região mediana na base do órgão, utilizando-se fio categute nº 4.0. Na sequência, o órgão foi pinçado, utilizando-se pinça hemostática, distal a ligadura e seguiu-se com a amputação. Borrifou-se iodopovidona e foi aplicada uma fina camada da pomada Vetaglós sobre o coto (Figura 2A e 2B). Após o procedimento cirúrgico foi administrado 3ml de soro Ringer-Lactato por via intracelomática, visando a hidratação do animal e a prevenção de danos hepáticos ou renais decorrentes da antibioticoterapia que foi instituída após a cirurgia.

12 Figura 2. (A) Coto de hemipênis de Bothrops insularis após o procedimento cirúrgico; (B) Hemipênis de B. insularis recém-amputado. Após o término da cirurgia, houve uma única administração do anti-inflamatório meloxicam, na dose de 0,2 mg/kg, via intramuscular (Maxicam 0,2%). O tratamento póscirúrgico incluiu enrofloxacina (Baytril 2,5%) na dose de 5mg/kg, via intramuscular, a cada 48 horas durante 10 dias. O curativo foi feito borrifando-se iodopovidona e aplicando-se uma fina camada da pomada Vetaglós sobre a ferida, também por 10 dias. Decorridos 15 dias da cirurgia o animal estava completamente reestabelecido, alimentando-se normalmente e apresentando perfeita cicatrização da ferida cirúrgica. DISCUSSÃO Em virtude do quadro de edema, cianose e da presença de áreas ressequidas e necróticas no órgão, optou-se pelo tratamento cirúrgico. A utilização de soro fisiológico para lavagem do órgão copulatório prolapsado, como descrito por Mohanty (7) e Pliego et al. (11), mostrou-se eficaz na remoção de sujidades e debris celulares e na redução do risco de infecção pósoperatório em jararaca, assim como a rigorosa antissepsia do local com iodopovidona, levando-se em conta o agravante da proximidade do sítio cirúrgico com a cloaca (12). A anestesia local infiltrativa utilizando lidocaína 2% sem epinefrina já foi relatada por Pliego et al. (11) em lagartos, e mostrou-se eficiente em serpentes, promovendo a insensibilização necessária para a cirurgia. O procedimento cirúrgico para a hemipenicectomia seguiu o relatado por Pliego et al. (11) para um teiú (Tupinambis merianae), que apresentou quadro de parafimose decorrente de trauma, sendo modificada pela adição de uma ligadura na região mediana da base do hemipênis, visando melhor oclusão dos vasos. A técnica utilizada no presente relato mostrouse bastante eficaz, não havendo a necessidade de suturas adicionais ao coto. A síntese cirúrgica utilizando fio de categute já foi relatada por Pliego et al. (11) e foi considerada satisfatória no período trans e pós-operatório, possibilitando uma cicatrização adequada da ferida cirúrgica e sem deiscência de pontos. Um estudo realizado por Hernandez-Divers et al. (13) demonstrou que o meloxicam possui boa biodisponibilidade e baixa toxicidade em iguanas (Iguana iguana), assim como observado neste relato, apresentando efeitos analgésicos e anti-inflamatórios satisfatórios também na serpente jararaca. A antibioticoterapia foi a mesma utilizada por Ramos et al. (14) no tratamento pós-cirúrgico de penectomia em jabuti-piranga (Geochelone carbonaria). O antibiótico enrofloxacina é recomendado por Kolesnikovas, Greco e Albuquerque (15) para uso amplo em serpentes, na dose de 5 a 10 mg/kg a cada 48 horas. Embora a literatura aponte como causas mais frequentes de prolapso de hemipênis infecções, separação forçada durante a cópula e inflamação secundária decorrente do uso de

13 sondas para sexagem (8), acredita-se que este caso trata-se de um prolapso de hemipênis idiopático, uma vez que o animal não sofreu nenhum tipo de trauma e encontrava-se em perfeito estado de saúde. A hemipenicectomia apresentada neste relato foi considerada bem sucedida, tendo em vista a plena recuperação do animal em poucas semanas após o procedimento cirúrgico. REFERÊNCIAS 1. International Union for Conservation of Nature and Natural Resources. The IUCN Red list of threatened species [Internet]. Cambridge: IUCN; 2012 [cited 2013 Jan 08]. Available from: http://www.iucnredlist.org/details/2917 2. Martins M, Araújo S, Sawaya RJ, Nunes R. Diversity and evolution of macrohabitat use, body size and morphology in a monophyletic group of Neotropical pitvipers (Bothrops). J Zool. 2001;254:529-38. 3. Amaral A. Contribuição para o conhecimento dos ophidios do Brasil. Parte I. Biologia da nova espécie, Lachesis insularis. Mem Inst Butantan. 1921;1:39-44. 4. Wüster W, Duarte MR, Salomão MG. Morphological correlates of incipient arboreality and ornithophagy in island pitvipers, and the phylogenetic position of Bothrops insularis. J Zool. 2005;266:1-10. 5. Kardong KV. Vertebrados: anatomia comparada, função e evolução. 5a ed. São Paulo: Roca; 2010. 6. Barten SL. Penile prolapse. In: Mader DR. Reptile medicine and surgery. 2a ed. St. Louis: Saunders Elsevier; 2006. p.862-4. 7. Mohanty JB. Prolapse of the genitals including of the cloaca in male gharial (Gacralis gangeticus), a clinical report. Indian Vet J. 1980;57:347-9. 8. Frye FL. Reptile care: an atlas of disease and treatments. Neptune City - NJ: TFH Publications; 1991. 9. Langlada FG, Belluomini H. Contribuição à técnica operatória em serpentes. I. Hemipenicectomia bilateral em serpentes. Mem Inst Butantan. 1972;36:73-8. 10. Crews D. Coition-induced inhibition of sexual receptivity in female lizards (Anolis carolinensis). Physiol Behav. 1973;11:463-8. 11. Pliego CM, Bruno SF, Gonçalves FML, Romão MAP, Chaudon MBO. Tratamento cirúrgico da parafimose em Teiú (Tupinambis merianae: Teiidae. Rev Bras Saude Prod Anim. 2007;8:303-8. 12. Finkler F, Possenti CGR, Aita G, Reolon M, Bernardi ÉL, Cardona RC, et al. Celiotomia seguida de colopexia em tartaruga tigre d água (Trachemys dorbignyi) - Relato de caso. In: Anais do 16º Seminário Interinstitucional de Ensino Pesquisa e Extensão da Universidade de Cruz Alta; 2011, Cruz Alta. Rio Grande do Sul: Universidade de Cruz Alta; 2011.

14 13. Hernandez-Divers SM, Schumacher J, Stahl S, Hernandez-Divers SJ. Reptile clinical anesthesia: advances in research. Exotic DVM. 2004;6:64-9. 14. Ramos RM, Vale DF, Hanawo MEOC, Ferreira FS, Luz MJ, Oliveira ALA. Penectomia em caso de prolapso peniano em Jabuti-piranga (Geochelone carbonaria) Relato de caso. J Bras Cienc Anim. 2009;2:166-74. 15. Kolesnikovas CKM, Greco KF, Albuquerque LCR. Ordem Squamata subordem Ophidia (serpente). In: Cubas ZS, Silva JCR, Catão-Dias JL. Tratado de animais selvagens: medicina veterinária. São Paulo: Roca; 2007. p.68-85. Recebido em: 10/01/2013 Aceito em: 15/04/2013