KEYWORDS: Classical Portuguese; fronted-object; CLLD; Topicalization structure; diachronic change



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Transcrição:

MUDANÇAS DIACRÔNICAS NA FORMAÇÃO DAS ESTRUTURAS DE TOPICALIZAÇÃO DE OBJETO DO PORTUGUÊS CLÁSSICO (DIACHRONIC CHANGES IN THE FORMATION OF THE OBJECT TOPICALIZATION STRUCTURES IN CLASSICAL PORTUGUESE) Alba Verona Brito GIBRAIL (IEL-UNICAMP) ABSTRACT: This paper presents the result of an investigation about the use of objects in the topic position in Classical Portuguese. In this position, objects are found in two different configurations: in CLLD and Topicalization structures. There is, however, a diachronic change in the use and formation of these structures. KEYWORDS: Classical Portuguese; fronted-object; CLLD; Topicalization structure; diachronic change 0. Introdução O levantamento de orações com objetos em posição de tópico, realizado em textos de autores portugueses nascidos entre 1502 e 1845, integrantes do Corpus Tycho Brahe 1, mostra que o português clássico licencia este fenômeno lingüístico em configurações estruturais semelhantes às construções descritas na literatura como estruturas de Deslocada à Esquerda Clítica e Topicalização (Cinque, 1990, Duarte, 1987) 2. Nas estruturas de Deslocada à Esquerda Clítica (CLLD), o objeto em posição de tópico é retomado na frase por um clítico com a mesma função sintática. 1) E isto sabe-o Deos e sabe-o Roma, (CTB_ H_001-1517-1584) 2) Esta deferemça vos a conheçereis e sabereis mui bem fazer, no modo que se deve e que eu seja de vos mui bem servido. (CTB -D_ 001-1502-1557) 1 O Corpus Histórico do Português Tycho Brahe é um corpus eletrônico anotado, composto de textos portugueses escritos entre os séculos 16 e 19. Seu desenvolvimento é parte do Projeto Padrões Rítmicos, Fixação de Parâmetros e Mudança Lingüística, financiado pela FAPESP e dirigido pela prof a D ra Charlotte Marie C. Galves. O acesso a este Corpus pode ser feito através do endereço : www.ime.usp.br/ ~tycho/corpus 2 Não incluí, na quantificação dos dados, as ocorrências verificadas no corpus de um outro tipo de construção que licenciam sintagmas nominais em posição de tópico e apresentam propriedades estruturais semelhantes às estruturas de Tópico Pendente do português europeu, descritas por Duarte (1987:76) e/ou Deslocada à Esquerda, nos conceitos de Cinque (1990: 57).

Nas estruturas de Topicalização (TOP), não há presença na oração de um clítico com essa função; havendo uma lacuna na posição de realização do argumento do verbo dentro do VP. 3) Este nobre animal vi muitas vezes sculpido em pé e correndo, mas nunca deitado. (CTB_ H_001-1517-1584) 4) As velas também não tomo; (CTB - C_004 1631-1682) No levantamento dos dados 3, observei haver mudança, na diacronia, na tendência de uso dessas duas construções. O uso de estruturas de TOP diminui ao longo dos séculos; aumentando, na mesma proporção, a tendência de uso das estruturas de CLLD. Outro fato revelado na pesquisa é a legitimação no português clássico de ocorrências de estruturas de CLLD em duas diferentes configurações estruturais: com o clítico em posição de próclise e/ou clítico em posição de ênclise, havendo também, na diacronia, mudança de comportamento na tendência de uso dessas formas variantes. Neste artigo, apresento o resultado alcançado no estágio atual da pesquisa, registrando as mudanças estruturais em curso naquela gramática na formação e uso dessas duas construções. Com este propósito, organizo o artigo em duas partes. Na primeira parte, exponho o resultado obtido na quantificação dos dados. Na segunda, traço algumas considerações a respeito dos fatos observados e formulo hipóteses para dar conta da mudança de comportamento no uso dessas construções ao longo dos séculos. Nas formulações das hipóteses que levanto, apóio-me na proposta Galves; Britto e Paixão de Sousa (2005), da natureza proclítica do português dos séculos 16-17, estando o uso da ênclise atrelado a contextos nos quais o verbo é o primeiro elemento inserido na estrutura prosódica da oração. 1. Resultado alcançado na pesquisa Para a realização deste trabalho, descrevi e quantifiquei as ocorrências de orações coordenadas, principais e subordinadas com objetos nominais em posição pré-verbal, realizadas nas formas de estruturas de TOP e CLLD, levantadas de trinta e oito textos dos autores acima referidos. Desconsiderei as ocorrências que licenciam o objeto nesta posição em orações relativas. Quanto à natureza dos objetos em posição de tópico, quantifiquei as construções com objeto direto de qualquer natureza; em se tratando de objeto indireto, 3 Embora esses dois tipos de construção do português clássico tenham propriedades estruturais diferentes das propriedades das gramáticas modernas descritas pelos autores acima citados, especificamente, no que diz respeito à ordem de realização do clítico e do sujeito, adoto essas mesmas denominações na descrição dos dados. 2

restringi a quantificação às ocorrências que licenciam este constituinte com o traço [+ humano], assumindo as demais ocorrências de sintagmas pré-verbais precedidos da preposição a e destituídos desse traço, como instanciações de topicalização de sintagmas adverbiais preposicionados com o estatuto de complementos locativos, complementos nominais e/ou predicativos. Considerando o propósito da pesquisa de verificação das mudanças diacrônicas no uso dessas duas construções, elas são quantificadas e agrupadas em quatro períodos, delimitados de acordo com a ordem cronológica de nascimento dos autores que compõem o corpus da pesquisa,. O primeiro período consiste do resultado da quantificação dos dados dos autores nascidos entre 1502-1597; o segundo apresenta o resultado referente aos dados dos autores nascidos entre 1601-1695; o terceiro, dos autores nascidos entre 1702-1750 e o quarto, dos autores nascidos entre 1757-1845. O primeiro fato observado no resultado final do levantamento dos dados é a mudança diacrônica na freqüência de uso dessas estruturas. Os dados dos autores nascidos entre 1502 e 1750 apresentam freqüência maior de ocorrência de estruturas de TOP. Um outro comportamento é verificado nos textos dos autores nascidos a partir desse período. Neles, registrei freqüência maior de ocorrência de CLLD. No cômputo final, o resultado da pesquisa revela haver distribuição complementar no uso dessas construções ao longo dos séculos. Este fato é assinalado no gráfico a seguir. Gráfico 1. Comportamento diacrônico na freqüência de uso de estruturas de TOP/ CLLD 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 1502-1597 1601-1695 1702-1750 1757-1845 TOP CLLD 3

Outro fato relevante observado na pesquisa é a manifestação das estruturas de CLLD em duas diferentes configurações no que se refere à posição pré/pós-verbal do clítico; havendo também mudança na tendência de uso dessas variantes ao longo dos séculos. Nos dados dos autores nascidos entre 1502 e 1750, a forma variante com o clítico em posição de próclise tem freqüência maior de ocorrência, mesmo em ambientes não categóricos 4. 5) A as pessoas pera quem levaaes minhas cartas de crença, lhas dareys; (CTB -D_ 001-1502-1557) 7) Aos Turcos lhes pezou muito da morte de Dom Christovão, (CTB C_007 1542 1606) 8) A Vossa Mercê lhe mando que tôda esta quaresma não faça aquela penitência; (CTB C_003 1631 1682) Alguns ambientes lingüísticos se apresentam como contextos de formação de estruturas de CLLD com ênclise. Autores nascidos nesse período fazem uso dessas estruturas em ambientes de paralelismo sintático 5. 9) ao austinado move-o á compunção; o mundano á penitencia; o contemplativo á contemplação e medo e vergonha. (CTB_ H_001-1517-1584) 10) As esperanças da Terra de Promissão deixou -as Abraão a Isaac, Isaac a Jacob e Jacob aos doze Patriarcas; (CTB-V_003 1608-1697) 4 Na descrição dos dados, observei os mesmos ambientes sintáticos de próclise assinalados por Martins (1994) e Ribeiro (1995), na descrição dessas estruturas do português antigo; Paixão de Sousa (2004) e Galves, Britto e Paixão de Sousa (2005) na descrição dessas ocorrências do português dos séculos 16 e 17 e Barbosa (2000), na descrição das estruturas com clítico do português europeu. Assim, assumi como ambientes categóricos de próclise, o verbo da estrutura oracional precedido de quantificadores (alguém, ninguém, muito, pouco), partículas focalizadoras (só, até), advérbios modais (bem, mal, já, também), advérbios de negação (não, nunca, jamais). 5 O paralelismo: Figura estilística que consiste em estruturar uma composição em vários conjuntos seguindo um mesmo esquema. (Wikipedia: A Enciclopedia libre- on line - original em espanhol). Paralelismo estrutural consiste em repetir uma construção sintática, o que confere ao verso um suplemento de ritmo. [...]; nele se distingue um tipo no qual os pensamentos se contrastam e outro em que são semelhantes.; paralelismo verbal caracteriza as Cantigas de amigo galaico--portuguesas e outras composições peninsulares..(asensio E. Poética y realidad en el cancionero peninsular de la Edad Media, Gredos, Madri, 1970- original em espanhol). 4

11) A uns levava-os, ou a prudência, ou a política humana: a outros arrastava-os, ou a emulação,ou a cobiça, cedendo tudo em ruína espiritual dos Portugueses, e estrago dos Índios. (CTB-B_001-1675-1754) Nas argumentações de Galves; Britto e Paixão de Sousa (ibidem, p. 16), a natureza de tópico em contraste dos constituintes pré-verbais justifica a freqüência elevada de orações com ênclise no texto Os Sermões, de Antonio Vieira, nascido em 1608. 12) Elles conheciam-se, como homens, Christo conhecia -os, como Deus. (CTB-V_004-1608 -1697) Na condição de tópicos em contraste, os sujeitos dessas sentenças são realizados em posição anterior à fronteira da frase, sendo o verbo o primeiro elemento da oração. Em observância à restrição da Lei Tobler-Mussafia 6 de não realização do clítico como primeiro constituinte da oração, o uso da ênclise nessas construções é justificado. Uma mudança de comportamento é verificada nos textos dos autores nascidos a partir desse período: a tendência de uso da ênclise nessas estruturas se torna maior nos ambientes neutros. 13) O despotismo, detestava-o como nenhum liberal é capaz de o aborrecer; (CTB-G_005-1799-1854) 14) As restantes horas daquela noite passou -as em raivas e projetos de vingança. (CTB- B_004-1825-1890) A forma variante com próclise fica condicionada a outros ambientes sintáticos; entre eles, a natureza de Foco do constituinte pré-verbal e/ou a retomada pronominal realizada com contração dos clíticos acusativo e dativo. 15) O bom tom, eu lho darei antes de muito tempo. (CTB-C_005-1757-1832) 16) Esse mesmo tu o nomeaste. (CTB-G_004-1799-1854) 17) Esse destino lho pedi eu muitas vezes. (CTB-B_004 1825 1890) 6 Lei Tobler-Mussafia: generalização proposta em 1875 por Alfred Tobler ao observar que as línguas neo-latinas medievais não apresentam elementos átonos em início da frase. A Lei Tobler-Mussafia remete ao fato de não se atestarem, nas línguas antigas, sentenças com verbo em primeira posição (Paixão de Sousa, 2004: 26). Esta generalização estabelece que um clítico não pode ser o primeiro constituinte da oração nas línguas românicas medievais (Galves; Britto e Paixão de Sousa, 2005: 13) 5

No resultado final da quantificação dos dados, observei haver, também, na diacronia, distribuição complementar no uso dessas estruturas variantes com próclise e/ou ênclise. O comportamento diacrônico na freqüência de uso dessas formas é mostrado no gráfico abaixo. Gráfico 2. Tendência de uso de estruturas de CLLD com próclise/ênclise na diacronia. 100 90 1502-1597 80 70 60 50 40 30 20 1601-1695 1601-1695 1702-1750 1702-1750 1757-1845 1757-1845 Próclise Ênclise 10 1502-1597 0 Comportamento diacrônico Em se tratando de estruturas de TOP, os dados dos autores nascidos nos séculos 16 e 17 não apresentam variação com respeito à posição de realização do clítico nas sentenças que o contêm; o clítico, nessas sentenças, é realizado sempre em posição de próclise 7 18) O aviso do triguo vos agardeço muyto. (CTB -D_001-1502-1557) 19) Esta singular virtude da caridade lhes quis Nosso Senhor pagar, (CTB - S_001-1556- 1632) 7 Nos textos pesquisados, as ocorrências de estruturas de TOP em sentenças com clítico em posição de ênclise são registradas com o pronome se. Não incluí, neste trabalho, a quantificação dessas ocorrências. A nobreza das ciencias colhe-se de tres princípios. (CTB -C_006-1601- 1667) 6

20) Uma carta (acudiu o Doutor) me escreveu os dias atrás um amigo, (CTB-L_001-1579- 1621) Nos textos dos autores nascidos a partir do século 18, a próclise, nessas construções, deixa de ser realizada em ambientes neutros. Seu uso é verificado em ambientes categóricos, 21) Tudo lhe agradecerei e pode-se retirar. (CTB-C_005-1757-1832) 22) Um anjo só me basta na vida, e esse quero eu que me assista na morte. (CTB-B_005-1825-1890) e em outros ambientes específicos que motivam a realização do clítico em posição préverbal. Entre eles, a natureza exclamativa das orações e a natureza de Foco dos pronomes demonstrativos. 23) Que diferentes noções nos distribui o sangue! (CTB-C_005-1757-1832) 24) isso Deus nos acuda, não trajam senão sedas bordadas. (CTB-G_004-1799-1854) 2. Fatores de mudança de comportamento diacrônico Os fatos lingüísticos apresentados acima comprovam a mudança de comportamento diacrônico no uso e formação das estruturas de CLLD e TOP no português clássico. O fato significativo revelado na pesquisa é que a mudança de comportamento na freqüência de realização dessas construções, ao longo dos séculos, fica por conta do uso maior de estruturas de CLLD com o clítico em posição de ênclise em ambientes neutros. Dentro das formulações de Paixão de Sousa (2004, p. 66) a posição de realização do clítico é fator que define a fronteira prosódica da frase nas estruturas do português dos séculos 16 e 17. O clítico em posição de próclise indica que o elemento pré-verbal está inserido na estrutura prosódica da oração, correspondendo à configuração # OclV. E, nas ocorrências com manifestação da ênclise, o objeto topicalizado é realizado em posição anterior à fronteira frasal, projetando a ordem: O #Vcl. Assim considerando, assumo que, nas formas de manifestação de objeto em posição de tópico, este constituinte ocupa posições estruturais distintas. Nas ocorrências de CLLD, com uso da próclise, o objeto em posição de tópico é realizado dentro da estrutura da oração, na condição de elemento fronteado. Por outro lado, tendo em vista a restrição observada nos dados dos autores nascidos entre 1502-1750 de formação de estruturas de TOP em sentenças com clítico disposto em ênclise, infiro que uma das propriedades do português clássico é o licenciamento de objetos topicalizados inseridos na estrutura da frase. Assim considerando, proponho, seguindo as formulações de Paixão de Sousa (ibidem; p. 103) que, naquela gramática, o objeto que precede imediatamente o verbo, nas sentenças sem clítico e/ou com este pronome disposto em 7

próclise, integra a estrutura prosódica da oração nas construções de TOP, tendo o estatuto de elemento fronteado. Este seria também o estatuto do objeto nas ocorrências da forma variante de CLLD com uso da próclise. Nas estruturas de CLLD com ênclise, o objeto é realizado em posição anterior à fronteira frasal, em adjunção a Comp. A co-ocorrência no corpus dessas duas formas variantes de topicalização de objeto com retomada de clítico condiz com hipótese levantada por Galves; Britto e Paixão de Sousa (ibidem, p. 7) da realização, no português dos séculos 16 e 17, de estruturas distintas com clítico disposto em próclise e/ou ênclise. Nestas formulações, proponho que a tendência de uso mais acentuado de objetos em posição de tópico nas estruturas de CLLD com clítico disposto em ênclise, ao longo dos séculos, se deve a uma mudança estrutural em curso naquela gramática que leva à restrição de licenciamento de objetos topicalizados inseridos na estrutura prosódica da oração. A mudança da posição estrutural de realização de objetos topicalizados explicaria, por conseguinte, a queda da freqüência de ocorrências de estruturas de TOP em sentenças com clítico disposto em próclise em ambientes neutros, registrada nos textos dos autores nascidos a partir de 1757. Nesses textos, conforme revela a pesquisa, as ocorrências de sentenças com objeto fronteado e clítico disposto em próclise estão atreladas ao uso desse constituinte em contextos de Foco. RESUMO: Este artigo apresenta o resultado de uma investigação sobre o uso de objetos em posição de tópico no português clássico. Nesta posição, os objetos são encontrados em duas diferentes configurações: na forma de estrutura de CLLD e/ou TOP. Há, entretanto, mudança de comportamento diacrônico no uso e formação dessas estruturas. PALAVRAS-CHAVE: Português clássico; objeto-fronteado; CLLD; estrutura de Topicalização; mudança diacrônica REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, P. (1996). Clitic placement in European Portuguese and the position of subjects. In: A Halpern and A. M. Zwicky, eds., Approaching Second: Second Position Clitics and Related Phenomena. CSLI Publications, Standford. CINQUE, G (1990). Types of Ā-Dependencies. The MIT Press, Cambridge, London. DUARTE, M. I. (1987). A construção de topicalização na gramática do português: regência, ligação e condições sobre movimento. Tese de Doutoramento. Universidade de Lisboa. GALVES, C.; Britto, H. and Paixão de Sousa, M. C. (2005). The change in clitic placement from Classical to Modern European Portuguese: results from the Tycho Brahe Corpus. Paper, State University of Campinas. MARTINS, A. M. (1994). Clíticos na história do português. Tese de Doutoramento, Universidade de Lisboa. 8

PAIXÃO DE SOUSA, M. C. (2004). Língua Barroca: sintaxe e história do português nos anos 1600. Tese de Doutoramento, Universidade Estadual de Campinas. RIBEIRO, I. M. O. (1995). A sintaxe da ordem no português arcaico: o efeito V2. Tese de Doutoramento, Universidade Estadual de Campinas.. 9