22º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 14 a 19 de Setembro 2003 - Joinville - Santa Catarina IV-013 QUALIDADE DA AGUA EM BACIAS DE RETENÇÃO URBANAS: UMA NOVA DEMANDA PARA A ENGENHARIA SANITARIA Eduardo von Sperling(1) Engenheiro Civil e Sanitarista, Doutor em Ecologia Aquática, Professor Titular do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais Endereço(1): Av. Contorno 842 - Centro - Belo Horizonte - MG - CEP: 30110-160 - Brasil - Tel: (31)32381019 - e-mail: eduardo@desa.ufmg.br RESUMO O presente trabalho ressalta a importância ecológica das bacias de retenção urbanas, destacando-se suas funções ambiental, recreativa e paisagística. É apresentado um desenvolvimento histórico da implantação de bacias de retenção e um resumo dos principais aspectos construtivos e de operação e manutenção. É descrita a experiência do autor na avaliação da qualidade da água em cerca de 50 bacias de retenção francesas, cujos resultados podem ser parcialmente extrapolados para as condições brasileiras. PALAVRAS-CHAVE: Bacias de Retenção, Qualidade da Agua, Poluição Aquática Urbana INTRODUÇÃO As bacias de retenção constituem-se em estruturas construidas para recepção de águas de chuva e amortecimento de picos de cheia. Elas pertencem ao grupo das chamadas tecnologias alternativas para esgotamento de águas pluviais (BMP-Best Management Practices), dentre as quais podem ser citadas ainda as calçadas em estrutura de reservatório, os poços de absorção, as fossas e trincheiras, os tetos estocantes, as cisternas, as bacias subterrâneas e os banhados (Urbonas e Stahre, 1993, Nascimento e Baptista, 1998). As bacias de retenção são na verdade lagos artificiais, de pequenas dimensões, que atuam como controladores das vazões de escoamento em episódios de forte pluviometria.
Obviamente sua função é mais relevante em áreas urbanas, onde a alta taxa de impermeabilização do terreno leva à ocorrência de grandes vazões de escoamento superficial. Pressupõe-se ainda a existência de um sistema de esgotamento sanitário do tipo separador, como é corrente em nosso país. Devido ao fato destas bacias estarem inseridas em uma paisagem urbana, elas cumprem ainda um relevante papel de harmonia paisagística, podendo servir ta mbém como corpo d água de função recreativa. No contexto da Engenharia Sanitária as bacias de retenção formam assim uma nova área de atuação, considerando-se que a sua implantação, em uma escala mundial, só ocorreu a partir da década de 1970. No Brasil observa-se um crescente interesse na construção de bacias de retenção, que já são uma realidade em algumas cidades brasileiras. Usualmente tem-se dedicado maior atenção aos aspectos hidráulicos e construtivos destas bacias, negligenciando-se a questão da qualidade da água e da balneabilidade destes ambientes. A ênfase do trabalho está portanto dedicada à qualidade da água em bacias de retenção, o que constitui sem dúvida uma nova demanda para a Engenharia Sanitária. DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO O uso de bacias de retenção urbanas está associado à necessidade de contenção de possíveis inundações em áreas impermeabilizadas, principalmente em regiões distantes de cursos d água receptores. É interessante destacar o conceito de que a água, além de essencial ao ser humano, também pode provocar muitos problemas. Por outro lado cabe também resgatar o papel histórico das inundações em culturas antigas, lembrando que elas constituem-se em um fenômeno natural, que tem como objetivo enriquecer com nutrientes as várzeas dos rios e possibilitar sua exploração agrícola. Neste contexto o exemplo atual mais marcante é o caso da Represa de Assuan, no Egito, cuja regularização de descarga acarretou uma catastrófica perda de fertilidade do solo nas margens do Rio Nilo. No século XIX predominou na Europa a chamada doutrina higienista, cujo princípio era o de evacuar as águas de chuva o mais rapidamente possível e o mais longe possível das residências, já que o escoamento superficial poderia trazer grandes quantidades de patogênicos. Em muitos países, incluindo-se aqui o Brasil, optou-se posteriormente pelo esgotamento sanitário do tipo separador, ou seja, água pluvial e esgotos sendo transportados em canalizações distintas. Após a 2. Guerra Mundial ocorreu na Europa a construção de novas cidades, com a ocupação de planícies que não estavam próximas de corpos receptores naturais, tais como os rios. Este fato motivou a implantação das primeiras bacias de retenção na França, Holanda e Alemanha. No entanto somente a partir da década de 1970 consolidou-se na Europa e EUA o seu uso como uma técnica alternativa para esgotamento de águas pluviais. Contribuiu para tanto a idéia de introduzir a natureza no contexto urbano, conforme a sensibilidade ambiental que começava a aflorar. Além disso havia o critério econômico, já que a construção de bacias de detenção, a par de valorizar os terrenos vizinhos, podia ser escalonada e apresentava custos sensivelmente inferiores àqueles exigidos para a implantação de grandes emissários. No Brasil a implantação de bacias de retenção urbanas teve seu início a partir da década de 1990, muito embora existam exemplos de lagos artificiais urbanos mais antigos, que também preenchiam tal finalidade, como é o caso da conhecida Represa da Pampulha em Belo Horizonte.
ASPECTOS HIDRAULICOS E CONSTRUTIVOS, OPERAÇÃO E MANUTENÇÃO Os principais aspectos hidráulicos e construtivos das bacias de retenção devem ser contemplados ainda na fase de projeto, destacando-se por exemplo a adequada conformação das margens, com menores declividades na região inicial do terreno, as possibilidades de acesso, a instalação de pontes e passarelas e a determinação da profundidade de segurança para eventuais atividades recreativas. Considera-se ainda que a profundidade deva ser rasa o suficiente para evitar riscos de estratificação térmica (que pode conduzir à anaerobiose das camadas de fundo) mas ao mesmo tempo profunda para minimizar a ocorrência de florações de algas. Além disso existem diversas estruturas hidráulicas associadas às bacias de retenção, como gradeamento, desarenadores, decantadores, dissipadores de energia, vertedores, equipamentos de controle de nível e tubulações de saída. Quanto à operação e manutenção destaca-se a possibilidade de uso de aeradores (fontes, repuxos) para melhorar a presença de oxigênio dissolvido e diminuir florações de algas. Muito embora a vegetação no entorno do lago desempenhe um importante papel ecológico, recomenda-se a sua remoção periódica, por via manual ou mecânica. A dragagem ou o esvaziamento da bacia de retenção pode ser empregado como medida curativa para combate ao assoreamento. ESTUDO DE CASO : BACIAS DE RETENÇÃO FRANCESAS No curso do ano de 2002 o autor deste trabalho técnico teve a oportunidade de avaliar a qualidade da água em cerca de 50 bacias de retenção francesas, como atividade principal de seu estágio pós-doutoral. As referidas bacias de retenção estão todas situadas na província de Ile-de-France, portanto próximas à capital do país, sendo que algumas foram implantadas na década de 1970,ou seja, no início da utilização mundial destas estruturas. As bacias de retenção avaliadas apresentam áreas entre 0,2 e 27 ha, sendo 70 % delas inferiores a 3 ha, 50 % inferiores a 2 ha e apenas 8 % acima de 10 ha. A profundidade máxima varia de 0,6 a 6 m. A maior parte das bacias é rasa, com 75 % delas apresentando profundidades inferiores a 2 m e 95 % abaixo de 3 m, ao passo que apenas 5 % são mais profundas que 3 m. As bacias de retenção foram monitoradas sistematicamente desde 1996, com uma frequência trimestral de coletas. Somente para os parâmetros físico-químicos existem cerca de 13.000 dados, cujo resumo consolidado é apresentado a seguir. Temperatura : sujeita às variações sazonais, com a obtenção de fortes estratificações térmicas na época de verão. ph : variando entre 6,2 e 10,8, com valores mais elevados na superfície, em decorrência da atividade fotossintética das algas e consequente absorção de ácido carbônico. A obtenção
de valores alcalinos é desejável para evitar a solubilização do fósforo estocado no fundo das bacias de retenção. Transparência : oscilando entre 12 e 200 cm, com reflexos sobre a produção primária dos organismos autotróficos. Turbidez : situada na ampla faixa de 2 a 190 UNT, apresentando variações associadas à pluviometria local. Oxigênio dissolvido : variando de 0 (camadas de fundo) a 139 % (camadas superficiais) de saturação. A ocorrência de supersaturações ocasionou prejuizos aos peixes (embolia) a ao zooplâncton (pequenos orifícios colmatados com microbolhas de O2). Conforme a Figura 1, que relaciona a área das bacias com os teores de oxigênio dissolvido nas camadas superiores, constata-se que, além de uma certo tamanho do ambiente lêntico (em torno de 2 ha), existe uma tendência à homogeinização nas concentrações superficiais de oxigênio dissolvido. Fig. 1: Relação entre OD e área Nitrogênio amoniacal : oscilou entre 0,08 e 3,5 mg/l. Cloretos : na faixa de 3 a 175 mg/l. Observa-se a ocorrência de riscos para os peixes acima de 50 mg/l. Condutividade : entre 130 e 1550 m S/cm, com os valores mais elevados sendo registrados na época de inverno, devido à utilização de sal para degelo das vias públicas. Fosfato : entre 0,05 e 2 mg/l ; Ortofosfato entre 0,015 e 1,5 mg/l. Quanto à Hidrobiologia registrou-se a presença de uma razoável diversidade algal (clorofíceas, diatomáceas, euglenofíceas e cianofíceas) e de uma comunidade zooplanctônica típica de pequenos ambientes lênticos, formada por microcrustáceos, rotíferos e protozoários. Constata-se, por meio da avaliação dos resultados disponíveis, que os principais fenômenos poluidores de bacias de retenção são o assoreamento (material mineral oriundo do canteiro de obras e matéria orgânica proveniente do próprio metabolismo aquático), a contaminação (devida a ligações clandestinas, lavagem da atmosfera, escoamento superficial), a eutrofização e a salinização (sobretudo na época de inverno). Os processos intervenientes que possibilitam a atuação depuradora das bacias de retenção são o efeito de diluição, a sedimentação de partículas, a decomposição da matéria orgânica pelas bactérias, a redução de patógenos, a assimilação de nutrientes por algas e macrófitas e a oxigenação da água em decorrência da fotossíntese.
CONCLUSÕES O estudo de bacias de retenção constitui-se efetivamente em um novo desafio para a Engenharia Sanitária, considerando-se principalmente a perspectiva de uma ampla disseminação dessas estruturas urbanas em nosso país. O conhecimento do funcionamento hidrológico das bacias de retenção pode ser avaliado como satisfatório, já que existem diversas publicações recentes abordando os aspectos de dimensionamento, construção e operação desses ambientes aquáticos. No entanto conhece-se muito pouco o seu funcionamento ecológico, fator este que é determinante para a adequada avaliação dos usos aos quais estes ambientes podem ser destinados. Em escala internacional é muito restrita a quantidade de artigos técnicos e relatórios que abordam esse assunto. A par do fundamental papel de inserção da natureza dentro de um contexto urbano, tais lagos artificiais podem prestar-se a outros usos, tais como recreação de contato primário e, principalmente, de contato secundário. Constata-se portanto a necessidade do desenvolvimento de amplos estudos de qualidade da água em bacias de retenção, sendo que o presente trabalho propõese a atingir este objetivo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS URBONAS, B. e STAHRE, P. Best Management Practices and Detention for Water Quality, Drainage and CSO Management, PTR Prentice Hall, 449 p., 1993 NASCIMENTO, N.O. e BAPTISTA, M.B. Contribuição para um enfoque ampliado do uso de bacias de detenção em áreas urbanas. In: Drenagem Urbana, Gerenciamento, Simulação e Controle. Associação Brasileira de Recursos Hídricos, 1998.