Medicalização em saúde processos saúde doença e processos de trabalho em saúde Fernando Cesar Chacra VI Seminário Internacional de Atenção Básica Rio de Janeiro - 2012
A verdade raramente é pura e jamais é simples Oscar Wilde
Medicalização Jean Clavreul Relação médico-paciente tende, historicamente, a uma relação duplamente dessubjetivada 1ª Dessubjetivação = o médico confunde-se com a Medicina ( Ciências aplicadas ao cuidado do corpo e de suas doenças) 2ª Dessubjetivação = o paciente confunde-se com a doença ou o corpo em risco de adoecer
Dimensões da consciência de si Eu Pessoa Cidadão Sujeito DIMENSÃO PSICOLÓGICA Fluxo de estados corporais e mentais, que retêm o PASSADO pela MEMÓRIA; percebe o PRESENTE pela ATENÇÃO e espera O FUTURO pela IMAGINAÇÂO DIMENSÃO ÉTICO e MORAL Espontaneidade para ESCOLHER, DELIBERAR e AGIR conforme à LIBERDADE e à RESPONSABILI- DADE, considerando os DIREITOS alheios, o DEVER de cada um e o senso de VIRTUDE DIMENSÃO POLÍTICA Reconhecimento de si no tecido social como portador de DIREI- TOS e DEVERES, relacionando-se com a ESFERA PÙBLICA do PODER, das LEIS e dos interesses de CLASSE DIMENSÃO DA CONSCIÊNCIA REFLEXIVA Entendida como atividade sensível e intelectual, capaz de ANALISAR, SINTETISAR, CRI- AR, REPRESEN- TAR, PENSAR, reconhecer-se reflexivo e diferente dos objetos
Violência Considerando que a humanidade dos humanos reside no fato de serem racionais, dotados de vontade livre, de capacidade para comunicação, para a vida em sociedade, para a interação com a Natureza e com o tempo, nos definimos como SUJEITOS do CONHECIMENTO e de nossa AÇÃO, localizando assim VIOLÊNCIA em tudo aquilo que reduz nossa condição de SUJEITO à condição de OBJETO (Marilena CHAUÍ, Convite à Filosofia, 1994)
medicalização Medicalização é o processo pelo qual o modo de vida dos homens é apropriado pela medicina e que interfere na construção de conceitos, regras de higiene, normas de moral e costumes prescritos sexuais, alimentares, de habitação e de comportamentos sociais. Este processo está intimamente articulado à idéia de que não se pode separar o saber LUZ, Madel Therezinha. Natural, racional, social: razão médica e racionalidade científica moderna. Rio de Janeiro, Campus, 1988 produzido cientificamente em uma estrutura social - de suas propostas de intervenção na sociedade, de suas proposições políticas implícitas. A medicalização tem, como objetivo, a intervenção política no corpo social.
Processo saúde doença e medicalização Processo saúde doença como processo histórico-social A determinação social só é percebida quando analisada na perspectiva coletiva Está sujeito a processos medicalizantes Produza perspectivas que entram em disputa Visão biomédica ecológica e a histórico-social
Exemplos de medicalização Peter Conrad (2010) sociólogo da medicina (medical sociologist) Menopausa Disfunção erétil Sexualidade Infertilidade Risco de malformação intra-uterina Calvície masculina Imagem corporal Obesidade Tristeza Dificuldades de concentração nas atividades escolares Condutas opositoras e desafiantes Distúrbios do sono Consumo de substâncias psicoativas
Puericultura e medicalização
Medicalização e patologização das dificuldades escolares Maria Aparecida Afonso Moysés A medicalização da vida de crianças e adolescentes articula-se com a medicalização da educação na invenção das doenças do não-aprender. A medicina afirma que os graves e crônicos problemas do sistema educacional seriam decorrentes de doenças que ela, medicina, seria capaz de resolver; cria, assim, a demanda por seus serviços, ampliando a medicalização.
Medicalizações mais antigas das dificuldades escolares Desnutrição Proteico-calórica ou Subnutrição Anemias carenciais Parasitoses Pobreza Ignorância Doenças carenciais infecto-parasitárias e do desenvolvimento físico e emocional e cognitivo
Hoje: o mundo dos transtornos neuropsiquiátricos e outras síndromes Discurso médico neuropsiquiátrico hegemônico - Transtornos sensoriais (TS): déficits auditivos e visuais - Transtornos Específicos da Aprendizagem (TEA): dislexia, discalculia, disgrafia, disortografia e disartria - Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDA/H) link - Transtorno de Conduta (TC) link - Transtorno de Desafio e Oposição (TDO) link - Transtorno de Agressividade
O mundo dos transtornos e síndromes Transtornos de aprendizagem não verbais Transtorno primário do sono Transtornos de ânimo Transtorno de Ansiedade Transtornos Depressivos Transtornos Adaptativos com condutas disruptivas Transtornos de Personalidade (TP) Transtornos Obcessivo-compulsivos (TOC) Transtorno Bipolar
Critérios Diagnósticos do TDAH (e de todos os codinomes...) IMPORTANTE: Lembre-se que o diagnóstico definitivo só pode ser fornecido por um profissional.
Como avaliar 1) se existem pelo menos 6 itens marcados como BASTANTE ou DEMAIS de 1 a 9 = existem mais sintomas de desatenção que o esperadonuma criança ou adolescente 2) se existem pelo menos 6 itens marcados como BASTANTE ou DEMAIS de 10 a 18 = existem mais sintomas de hiperatividade e impulsividade que o esperado numa criança ou adolescente IMPORTANTE: Não se pode fazer o diagnóstico de TDAH apenas com o critério A! Veja abaixo os demais critérios. CRITÉRIO A: Sintomas CRITÉRIO B: Alguns desses sintomas devem estar presentes antes dos 7 anos de idade. CRITÉRIO C: Existem problemas causados pelos sintomas acima em pelo menos 2 contextos diferentes (por ex., na escola, no trabalho, na vida social e em casa). CRITÉRIO D: Há problemas evidentes na vida escolar, social ou familiar por conta dos sintomas. CRITÉRIO E: Se existe um outro problema (tal como depressão, deficiência mental, psicose, etc.), os sintomas não podem ser atribuídos exclusivamente a ele.
Diagnóstico de TDAH - SNAP IV 1. Não consegue prestar muita atenção a detalhes ou comete erros por descuido nos trabalhos da escola ou tarefas. 2. Tem dificuldade de manter a atenção em tarefas ou atividades de lazer 3. Parece não estar ouvindo quando se fala diretamente com ele 4. Não segue instruções até o fim e não termina deveres de escola, tarefas ou obrigações. 5. Tem dificuldade para organizar tarefas e atividades 6. Evita, não gosta ou se envolve contra a vontade em tarefas que exigem esforço mental prolongado. 7. Perde coisas necessárias para atividades (p. ex: brinquedos, deveres da escola, lápis ou livros). 8. Distrai-se se com estímulos externos 9. É esquecido em atividades do dia-a-dia
Diagnóstico de TDAH - SNAP IV 10. Mexe com as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira 11. Sai do lugar na sala de aula ou em outras situações em que se espera que fique sentado 12. Corre de um lado para outro ou sobe demais nas coisas em situações em que isto é inapropriado 13. Tem dificuldade em brincar ou envolver-se em atividades de lazer de forma calma 14. Não pára ou freqüentemente está a mil por hora. 15. Fala em excesso. 16. Responde as perguntas de forma precipitada antes delas terem sido terminadas 17. Tem dificuldade de esperar sua vez 18. Interrompe os outros ou se intromete (p.ex. mete-se nas conversas / jogos).
A quem interessa a epidemia de MUITOS INTERESSES: Econômicos: Indústria farmacêutica (metilfenidato, D-anfeta- mina, antidepressivos, anticonvulsivantes, etc) Políticos: Projetos de Lei (Serviços de diagnóstico e tratamento, licitação de medicamentos) Corporativos: Especialidades, clínicas, associações Pessoais: Profissionais, de pesquisa, etc diagnósticos???? Compra e dispensação e de metilfenidato em 87 municípios paulistas Fonte: estudo preliminar do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade
Alternativas de cuidado Estudo singular de cada situação de dificuldade escolar que busca cuidado no Centro de Saúde Projetos terapêuticos singulares e intersetoriais para crianças, adolescente e familiares em situação mais complexa de vida Grupos de orientação à queixa escolar para crianças, adolescentes, familiares e professores Rede da Criança e do Adolescente Protocolo de dispensação do Metifenidato em Campinas acompanhamento Gestão do cuidado e trabalho com especialistas prescritores, e profissionais diretamente implicados na assistência
Movimento
Psiquiatrização
Medicalização e processo de trabalho na Atenção Primária em Saúde Sociedade medicalizada, em busca de relações dessubjetivadas, pouco singularizadas Biopoder e o campo do cuidado das equipes Núcleos profissionais: médicos, odontólogos, enfermeiros, profissionais de saúde mental, profissionais técnicos, agentes de saúde, entre outros Diferentes processos de formação e diferentes normas de trabalho reguladas por entidades de classe O agir medicalizante gerando desafios para política de saúde proposta
Desafios Formação profissional em saúde incluindo estratégias transdisciplinares e que tematizem de forma crítica o modelo biomédico Linhas de cuidado x autogestão do trabalho Gestão do cuidado e clínica ampliada x clínica simplificadas e fragmentadas O poder das entidades de classe e os interesses políticos em jogo Apoio de outros olhares e biopoder do ato médico (o papel dos NASFs) Práticas não violentas, singularizadas e humanizadas e as necessidades de cuidados adequados as melhores evidências das pesquisas clínicas e epdemiológicas
Finalizando Nosso desafio então é pensar e agir... De que modo, no interior do agir soberano, disciplinar e do controle, nos seus imperativos de governar a vida, gerir a vida e produzir a vida, pode-se desenhar uma outra biopolítica que aponte para as suas desconstruções, possibilitando novas formas de construção de viveres coletivos, autopoiéticos e solidários, dentro de um novo modo ético (da vida como eixo) e estético (democrático e do comum) que permita um devir totalmente distinto daquele para o qual o capitalístico está nos levando.