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Transcrição:

Alguns Dados sobre o Trabalho Intermitente no Reino Unido Marcelo Zero 1. O trabalho intermitente, também chamado de zero-hours contract, vem sendo bastante debatido, especialmente no Reino Unido da Grã- Bretanha e Irlanda do Norte, um dos países europeus que mais se empenhou em sua implantação. 2. Alguns argumentam que tal tipo de contrato introduz uma flexibilização benéfica do mercado trabalho, contribuindo para diminuir o desemprego e beneficiando pessoas que não querem ou não podem ter um contrato de trabalho regular, como jovens estudantes e mães com filhos pequenos. 3. Contudo, os dados mostram uma realidade bem diferente. 4. Conforme o Office for National Statistics (ONS), órgão oficial britânico de estatísticas, o número de pessoas no Reino Unido com contratos de zero hora subiu de apenas cerca de 100.000, no último trimestre de 2005, para cerca de 905.000, no último trimestre de 2016. Número de Pessoas com Contrato Intermitente (em milhares-último trimestre de cada ano) 5. O gráfico acima mostra como houve uma explosão desse tipo de contrato, após a crise 2009, especialmente a partir de 2011, o que 1

demonstra que a adoção desse tipo de contrato, e de outros contratos que também não asseguram proteção trabalhista plena aos trabalhadores, está muito relacionada à recessão e à necessidade das empresas de reduzirem seus custos. 6. Muito embora o número de 905 mil pessoas represente somente 2,8% da população empregada no Reino Unido, o crescimento exponencial do contrato de zero hora revela uma tendência preocupante. Contudo, em 2016 ocorreu uma relativa estabilização no crescimento desse tipo de contrato. Essa recente estabilização está muito relacionada à péssima imagem desse trabalho precarizado. As empresas britânicas estão começando a evitar esses contratos por uma questão de marketing. Até mesmo o Mac Donalds anunciou, em março de 2017, que pretende dar aos seus empregados a escolha entre o contrato de zero hora e contratos regulares de trabalho. 7. Ao contrário do que se possa imaginar, no Reino Unido as firmas que adotam esse tipo de contrato são, em sua maioria, grandes empresas. Com efeito, as estatísticas britânicas mostram que 50% das empresas com 250 ou mais empregados usam alguma forma, e em certa extensão, de contratos de zero hora. Este número cai para apenas 10%, quando se trata de empresas com 10 empregados ou menos. Assim, as pequenas empresas, mais frágeis, usam bem menos esse tipo de contrato. Na realidade, as empresas que o usam mais são grandes empresas multinacionais, como o Mac Donalds, por exemplo. 8. Para essas empresas, o contrato de zero hora pode, de fato, reduzir custos. Ainda conforme o ONS britânico, o salário médio semanal dos contratos de zero hora é de apenas 188 libras esterlinas (cerca de R$ 780,00), ao passo que o salário semanal médio dos contratos regulares é de 479 libras (ao redor de R$ 1990). Ou seja, os trabalhadores sujeitos aos contratos de zero hora ganham 2,5 vezes menos que os trabalhadores com contratos regulares. 9. Obviamente, boa parte dessa grande diferença se explica pelo fato de que os trabalhadores com contratos de zero trabalham menos que os trabalhadores regulares. Com efeito, 65% dos trabalhadores com contrato de zero hora têm trabalho em tempo parcial, com jornada típica entre 21 horas semanais e 32 horas semanais. 2

10. Entretanto, mesmo quando se compara o salário por hora trabalhada, se revela uma grande diferença entre os dois tipos de contratos. Assim, os trabalhadores sujeitos a contratos de zero hora ganham, em média, 38% menos por hora trabalhada que os demais trabalhadores. 11. Alguns alegam que essa diferença por hora trabalhada deve-se ao fato de que os trabalhadores com contrato de zero hora têm menos experiência e qualificação. Porém, estudo da Resolution Foundadion, think tank britânico especializado em assuntos trabalhistas e sociais, mostrou, comparando perfis de trabalhadores idênticos que desempenham tarefas semelhantes, que os trabalhadores com contrato de zero hora recebem, em média, 7% menos que os demais trabalhadores para desempenhar as mesmas funções. Nos casos de funções mais simples e de menor qualificação, essa diferença sobe para pelo menos 9,5%. 12. Ou seja, a empresa reduz seus custos não apenas porque paga menos horas de trabalho e arca com menores direitos trabalhistas, mas também porque paga menos por hora trabalhada para o mesmo tipo de função. Segundo o Trades Union Congress britânico (TUC), as empresas usam esse tipo de contrato para manter salários baixos e para evadir o cumprimento de obrigações trabalhistas. 13. Para os trabalhadores, no entanto, só há perdas, com as raras exceções daquelas pessoas que realmente só querem fazer bicos ocasionais para complementar renda ou para trabalhadores muito qualificados que querem uma jornada flexível. Perdas não apenas econômicas, mas também em termos de proteção trabalhista e de qualidade de vida, pois esses trabalhadores não conseguem planejar seu tempo e seus gastos. Vivem em situação de permanente incerteza. 14. No Reino Unido, o crescimento desse tipo de trabalho, bem como de outros tipos de trabalho não-regulares, como trabalho a tempo parcial, o trabalho terceirizado e o trabalho autônomo, está vinculado a uma crescente precarização do mercado de trabalho (o TUC chama de under-employment-subemprego) e à redução dos rendimentos. 3

Evolução dos rendimentos reais em Londres (linha vermelha) e no Reino Unido (linha azul) entre 1997 e 2014 15. Essa linha descendente dos rendimentos continuou, ressalte-se, em 2015. Desse modo, entre 2008 e 2015 os rendimentos médios reais no Reino Unido caíram 10,4%, o mesmo índice da Grécia, que, ao contrário do Reino Unido, ainda enfrenta depressão brutal. Dessa maneira, a queda do desemprego no Reino Unido, usada por aqueles que defendem essas novas formas de subemprego, mascara uma redução brutal nos rendimentos médios e uma crescente precarização do mercado de trabalho. Gera-se emprego de baixa qualidade e remuneração. 16. Apesar da leve recuperação observada em 2016 nos rendimentos médios, outro estudo da Resolution Foundation demonstra que, dada à tendência de médio prazo de baixo crescimento dos salários, ocasionada, entre outros fatores, pela precarização trabalhista, a desigualdade no Reino Unido tende a crescer, tal qual no período de Margareth Thatcher, como se observa no gráfico a continuação. 4

17. Deve-se ter em mente que esses efeitos negativos da adoção do trabalho intermitente tendem a ser muito maiores no Brasil, pois aqui temos uma desigualdade bem maior, rendimentos médios bem mais baixos e menor proteção trabalhista e previdenciária. 5